Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Anais. III Seminário Internacional Sociedade Inclusiva. Ações Inclusivas de Sucesso



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¹Assistente Social da Associação Reviver do Portador do Vírus HIV, graduada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa.

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Transcrição:

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Anais III Seminário Internacional Sociedade Inclusiva Ações Inclusivas de Sucesso Belo Horizonte 24 a 28 de maio de 2004 Realização: Pró-reitoria de Extensão SOCIEDADE INCLUSIVA PUC MINAS

Mesa Redonda Ações Inclusivas Para População de Rua POPULAÇÃO DE RUA E INCLUSÃO SOCIAL Cristina Bove Pastoral de Rua Gladston Figueiredo Pastoral de Rua "O espaço é humano porque o homem o produz e não, simplesmente, porque nele habita. A sociedade produz o espaço a partir da contradição entre um processo de produção socializado e sua apropriação privada. Portanto, o espaço se produz reproduzindo conflitos." Ana Fani. I. INTRODUÇÃO A produção e a reprodução do espaço confundem-se com a própria produção humana. Numa sociedade de economia capitalista, toda atividade de produção humana volta-se para a reprodução de capital. O espaço resultante desses processos é o espaço passível de apropriação privada, característica marcante do capitalismo. Assim nasce o espaço urbano: por ser produto da atividade social humana e ser, ao mesmo tempo, resultado da atividade capitalista, onde reina a apropriação privada da terra, o espaço urbano nasce sob o signo da contradição. Anais do III Seminário Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Ações Inclusivas de Sucesso 1

A realidade urbana é atualmente o retrato dessa contradição. O processo de urbanização aliado ao de reprodução do lucro gera uma série de desenhos urbanos de exclusão. Em países de economia periférica, os contrastes são acentuados enormemente pelos processos de urbanização e industrialização tardios, que não foram acompanhados, nem de longe, por desenvolvimento social. São verdadeiras cidades dentro da cidade. Prédios luxuosos são facilmente encontrados ao lado de favelas de grande porte. Em tal contexto é constante o aumento do número de pessoas que perdem a capacidade de morar. É um estágio além da mera segregação espacial, verdadeira exclusão espacial. São muitos os que vão parar nas ruas por não terem como pagar aluguel, pelo desemprego, e que fogem da violência urbana. Essas famílias, quando na rua, enfrentam a realidade mais dura que o capitalismo pode infligir na cena urbana. O morador de rua, além de ser alvo de vários tipos de preconceito, enfrenta os desafios da perda da autoestima, da falta de trabalho, do alcoolismo, da mendicância e tudo mais que as calçadas e marquises oferecem. E, quase que invariavelmente, são alvos de medidas de higienização, repressão e confinamento. A Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte, em parceria com a Prefeitura, busca romper com os programas assistencialistas em seu trabalho com a população de rua e os catadores de material reciclável, mediante uma abordagem diferenciada à essa parcela da população. Tal abordagem estimula o protagonismo das pessoas, ajudando-as a participarem da criação e implementação de políticas públicas de geração de trabalho e renda e de moradia que atendam a população de rua. É através de uma metodologia diferenciada, que valoriza o convívio fraterno e a vivência da mística, que se busca o estabelecimento de vínculos com as pessoas e de relações diferenciadas de respeito mútuo e valorização do indivíduo. II. O MORADOR DE RUA Os moradores de rua são pessoas que se encontram num estágio de grande vulnerabilidade social, subsistem com pouca ou nenhuma renda. Em geral trabalham como catadores de material reciclável nas ruas e lixões, lavação de carro, pequenos trabalhos artesanais e bicos dos mais diversos. Anais do III Seminário Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Ações Inclusivas de Sucesso 2

Existem também aqueles que são conhecidos como trecheiros, trabalhadores sazonais e pessoas que não se fixam numa cidade. O conjunto de moradores de rua não é homogêneo, existem várias especificidades. São vários os casos de portadores de sofrimento mental, dependentes químicos e casos de conflitos familiares que levam as pessoas a saírem de casa. Como estratégia de sobrevivência vão morar nas praças, ruas, calçadas sob marquises, viadutos e lotes vagos ou ocupam prédios e ou construções abandonadas. E é nesses lugares que vão construindo seus laços de amizade, relacionamento com equipamentos do entorno e conseguem trabalho, principalmente, nas localidades próximas ao centro da cidade. Existem também os que, há muito anos, pernoitam em albergues públicos, sem perspectiva de mudança significativa na condição em que se encontram. As principais características da população de rua podem ser apresentadas da seguinte forma: trabalhadores excluídos do mercado de trabalho; migrantes que vêem para os grandes centros em busca de melhor qualidade de vida; famílias que perderam o poder aquisitivo e as condições de subsistência. Como as pesquisas censitárias possuem caráter domiciliar, não existem estatísticas oficiais sobre o número de pessoas que vivem nas ruas de Belo Horizonte. A Pastoral de Rua estima que atualmente o número de moradores de rua da cidade seja de 2.000 a 2.500 pessoas. III. A PASTORAL DE RUA A Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte iniciou seu trabalho em 1987 com a chegada das Oblatas de São Bento, que passaram a ver a população de rua como cidadãos portadores de direitos, capazes de definirem os rumos de suas vidas. Este novo olhar proporcionou a organização dos catadores de materiais recicláveis e dos moradores de rua enquanto sujeitos de sua própria história. Durante o trabalho desenvolvido na cidade, alguns passos significativos já foram dados. A pastoral estabeleceu parceria com a Prefeitura para a implantação do Programa de Atendimento à População de Rua, desenvolvido pela atual Secretaria Municipal de Anais do III Seminário Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Ações Inclusivas de Sucesso 3

Assistência Social. O Programa contratou uma equipe para abordagem com metodologia e práticas inovadoras de atendimento nas ruas, praças e viadutos da cidade. Rompeu com práticas higienizadoras e retiradas violentas. A organização dos moradores de rua levou à conquista da República Reviver (moradia temporária para o processo de saída das ruas); do atendimento médico no Ambulatório Carlos Chagas, que fica no centro da cidade, e do Centro de Referência (espaço de convivência) mediante a participação no Orçamento Participativo. Essas conquistas representam um considerável avanço na luta do povo da rua pela reconstrução de sua dignidade e garantia da cidadania. Em seu trabalho a Pastoral de Rua desenvolve uma metodologia de ação que valoriza a pessoa e a dimensão coletiva. Essa metodologia se baseia no conhecimento da realidade dos grupos, identificação dos locais de concentração e o contexto onde estão inseridos; e na vivência da Mística, que propõe a escuta do povo da rua e a criação de novas relações. São construídas, junto com os moradores, ações transformadoras, a partir da elaboração de projetos para viabilizar a inclusão da população de rua nas lutas por moradia e trabalho. Também são estabelecidas parcerias: articulação com outras instituições e com o poder público para garantir programas de inclusão social. O eixo central da metodologia da Pastoral de Rua é a contribuição para a elaboração de políticas públicas, a partir da mobilização e da organização do povo da rua. Ação Pastoral No trabalho desenvolvido com moradores de rua, a Pastoral se norteia no respeito à diversidade de perfis. Existem várias especificidades regionais e locais, relacionadas aos diferentes grupos, que devem ser observadas em qualquer atividade realizada com esse segmento da população. Mesmo precisando muito conquistar moradia definitiva e garantir uma fonte de renda, muitas vezes não é fácil para essas pessoas se adaptarem ou readaptarem às novas condições de trabalho e moradia. Sempre essas pessoas carregam um histórico de rompimentos e perdas do qual não se separam com facilidade. É preciso romper uma série de barreiras relacionadas à situação de vulnerabilidade em que elas se encontram. Anais do III Seminário Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Ações Inclusivas de Sucesso 4

A reinserção no trabalho mostra-se intimamente relacionada à moradia. A permanência do indivíduo em situação de rua dificulta e, não raro, impossibilita a integração no trabalho. A moradia em residência fixa pressupõe uma série de compromissos que só podem ser cumpridos com uma renda assegurada. Por isso as duas coisas tornam-se indissociáveis. Apoio aos catadores de materiais recicláveis A atuação da Pastoral junto aos catadores de material reciclável de BH, visando à organização dos mesmos, culminou na criação da ASMARE (Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reciclável), há 15 anos, e conta com 350 catadores associados. Através da parceria estabelecida entre a Pastoral, a ASMARE e a PBH são realizados programas de geração de trabalho e renda pra moradores e ex-moradores de rua. A ação da Pastoral atualmente extrapola os limites da Arquidiocese e atua na organização de catadores em associações ou cooperativas em outros 22 municípios de MG. Existe um projeto com a Fundação Banco do Brasil para a disseminação da metodologia empregada na ASMARE em outras cidades do País (Porto Velho, João Pessoa e Fortaleza). Foi implantada uma Rede de Economia Solidária entre 8 associações de catadores da região metropolitana de BH e está sendo construída uma indústria de beneficiamento de plástico em Belo Horizonte. Trata-se de um projeto ousado, que visa à apropriação por parte dos catadores de toda a cadeia produtiva de plástico. Comunidade Amigos de Rua A Comunidade Amigos de Rua é um espaço de encontro, acolhida e convivência da população de rua. Na comunidade realizam-se atividades coletivas e discutem-se formas de fortalecer a luta pela moradia, trabalho e organização da população de rua, bem como a participação no Movimento da População de Rua. Além das reuniões semanais são realizadas assembléias, encontros e celebrações. Em atendimentos individuais são feitos encaminhamentos práticos, tais como documentação, contato com a família, etc. É nesse processo de criação de vínculos e reestabelecimento de relações que os moradores de Anais do III Seminário Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Ações Inclusivas de Sucesso 5

rua são preparados e encaminhados para cursos e oficinas de qualificação profissional, além de promover a articulação do grupo Moradia para Todos. É perceptível no grupo a construção de vínculos afetivos, o resgate da auto-estima, a integração pessoal e social de seus integrantes. Não obstante, é preciso reconhecer que não se trata de um processo linear; muito pelo contrário, a reversão do estado de vulnerabilidade em que os moradores de rua se encontram não se dá imediatamente. Dentro das dificuldades encontradas no desenvolvimento das atividades, pode-se ressaltar a abordagem e o encaminhamento dos portadores de sofrimento mental e usuários de álcool, a inserção no mercado de trabalho extremamente restrito e o desafio de construir alternativas de moradia definitiva. Geração de trabalho e renda As ações da Pastoral para a geração de trabalho e renda pautam-se no incentivo ao associativismo e ao cooperativismo, inclusão do povo da rua em grupos de produção, estímulo à criação de grupos de prestação de serviços e de redes de economia solidária, que se apresentam como alternativas de geração de trabalho e renda para além dos saturados mercados de trabalho formal e informal. Algumas alternativas de encaminhamento de moradores de rua para a geração de renda são criadas em parceria com a Asmare e Prefeituira. Nas oficinas do Reciclo (Bar e Espaço Cultural da Asmare) confeccionam-se produtos artesanais feitos dentro conceito de reciclagem e reaproveitamento. Atualmente existe oficina de artigos de papelaria, oficina de corte costura e ateliê de decoração. Os produtos são vendidos em loja própria e reconhecidos no mercado de Belo Horizonte, não só pelo valor social embutido neles, mas, principalmente, pela alta qualidade e primor nos acabamentos. Além dessas oficinas constantes, existem oficinas pontuais, como a de produção de fantasias e adereços do Carnaval da Asmare, mosaico e pintura em tecido. Com a criação do Reciclo II, um novo espaço para oficinas será criado. Além daquelas já existentes, será oferecida uma oficina de cultivo de hortaliças e ervas aromáticas que serão utilizadas no bar e no restaurante do novo espaço. Anais do III Seminário Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Ações Inclusivas de Sucesso 6

Através da parceria com a GEIP, Gerencia de Inclusão Produtiva, da Prefeitura de Belo Horizonte, os moradores são encaminhados para o Eco-Bloco, para o Madeirart e para o Grupo de Prestação de Serviços (garçons). O Eco-Bloco é um grupo de produção baseado no associativismo que fabrica blocos de alvenaria a partir de resíduos da construção civil reciclados. No Madeirart, também baseado no associativismo, são confeccionados brinquedos pedagógicos de madeira. Foi criado a partir de curso de qualificação profissional do Governo Federal em parceria com a Prefeitura, voltado para a população de rua. O grupo de garçons é composto por 12 pessoas que fizeram o curso de qualificação e que estão prestando serviços. Os principais desafios postos no cenário atual são: a inserção efetiva das pessoas qualificadas para o trabalho através de cursos desenvolvidos em parceria com o poder público, a conquista de mais possibilidades de encaminhamento para trabalho e renda, a criação de mais grupos de produção, além de consolidar as experiências existentes. Luta pela moradia A formulação de políticas públicas de habitação sempre foi um desafio no trabalho junto à população de rua. Com o déficit habitacional existente nas grandes cidades e com a grande quantidade de imóveis ociosos e abandonados, o centro da cidade aparece como local de subsistência da população de rua. Em contraponto, esta realidade defronta-se com políticas de requalificação dos centros das cidades, que, na prática, significa expulsão daquele que não possui poder de compra. O Estatuto da Cidade propõe um reordenamento dos espaços urbanos, regulando o uso e ocupação do solo e motivando a recuperação de áreas degradadas. A partir do Estatuto, projetos de inclusão social de populações marginalizadas ganham prioridade e o direito à moradia digna é reconhecido como direito adquirido. A população de rua, desejosa de garantir um espaço de moradia e de reconstrução da dignidade, busca como alternativa a ocupação de imóveis e áreas ociosas e viadutos. É também uma estratégia de resistência ao isolamento, ao anonimato e ao albergamento como única alternativa de política de atendimento. Assim, supera-se a rede de proteção assistencial, até então tida como única viável, e busca-se autonomia. Anais do III Seminário Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Ações Inclusivas de Sucesso 7

A partir de uma abordagem feita constantemente, a Pastoral de Rua conhece os grupos e as áreas e imóveis ocupados. A abordagem permite o estabelecimento de uma nova relação entre os moradores daquele local, a vizinhança e a sociedade. Um fator considerado nessa atividade é o tempo em que as pessoas e famílias se encontram nas referidas áreas e o protagonismo dos mesmos em todo o processo de ocupação e resistência. O objetivo primordial da ação junto a essa população é fortalecer uma rede de intercâmbio entre os grupos para apoio mútuo e organização do Movimento da População de Rua e a conquista de moradia definitiva. Em parceria com o Programa Pólos de Cidadania da Faculdade de Direito da UFMG, Serviço de Assistência Jurídica SAJ e Escritório de Integração da Faculdade de Arquitetura da Pontifícia Universidade Católica PUC Minas, a Pastoral de Rua vem buscando suporte jurídico para as questões inerentes aos casos e elaboração de projetos de infra-estrutura e arquitetônicos para discutir sua viabilidade, acompanhamento aos grupos e à desdobramentos necessários. Outra estratégia utilizada junto aos moradores de áreas e imóveis ocupados é o incentivo e mobilização para participação em eventos de luta pela cidadania, em palestras, cursos e promoção de presença do tema na mídia, a fim de garantir aumento da visibilidade dos casos. O incentivo às manifestações culturais e à realização de atividades de lazer e cultura também constituem uma tônica no trabalho. Grupo Moradia para Todos É um grupo que se reúne quinzenalmente visando à conquista e à defesa dos direitos dos moradores de rua às políticas habitacionais. O grupo surgiu em 1996 como continuidade do processo das Pequenas Comunidades, uma alternativa de moradia comunitária experimentada por alguns ex-moradores de rua. No ano de 1997 o grupo iniciou a construção do Residencial Veneza, em regime de mutirão, concluído em 2000 com sete unidades. O conjunto residencial, situado no município de Ribeirão das Neves, nasceu a partir da organização de um grupo, tornando-se um modelo viável de habitação para a população de rua. Anais do III Seminário Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Ações Inclusivas de Sucesso 8

O Grupo tem como estratégia a participação na discussão e na luta por políticas públicas de habitação: OPH (Orçamento Participativo da Habitação), Bolsa-Moradia (programa de moradia provisória da Prefeitura) e conferências e fóruns. Apoio à luta pela moradia em viadutos e ocupações Tendo como eixo central a defesa do direito à cidade, garantido pelo Estatuto das Cidades, a Pastoral defende a permanência da população de rua próxima ao centro, tendo acesso à saúde, educação, trabalho e moradia digna, e combatendo propostas de guetificação e confinamento. Para tanto, são elaborados projetos de inclusão produtivahabitacional e de reutilização de espaços degradados. Com os grupos acompanhados pela Pastoral são executadas as mais diferentes ações, visando à conquista da moradia definitiva. Entre elas destacam-se: proposta de desapropriação; inclusão dos grupos em programas habitacionais e projetos de requalificação urbana de forma inclusiva; apoio à organização das famílias; defesa jurídica; melhoria da infra-estrutura; realização de DPU (Diagnóstico Participativo Urbano). Como resultado da Ação Pastoral percebe-se o crescimento e fortalecimento pessoal e grupal; melhoria de infra-estrutura dos espaços ocupados e da qualidade de vida das pessoas; maior organização e apropriação de espaços; fortalecimento de relações dos integrantes do grupo com o entorno, com outros grupos e com o poder público; estabelecimento de parcerias; amadurecimento das discussões em torno da inclusão das pessoas nos projetos de requalificação da cidade e, por fim, a discussão e elaboração de projetos arquitetônicos. Destaca-se a criação do programa Se essa casa fosse minha, que desembocou na conquista de moradia definitiva para 54 famílias. A pastoral de Rua de Belo Horizonte participa das articulações e intervenções que dão visibilidade às ações pela cidadania para os moradores de rua e catadores. Para esta articulação trabalha em parceria com a Pastoral Nacional do Povo da Rua e a Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A Pastoral também colabora com a articulação do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis com comissões de trabalho nas cinco regiões do País. Anais do III Seminário Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Ações Inclusivas de Sucesso 9

Apostando sempre no protagonismo do morador de rua, a Pastoral acredita na possibilidade de transformação pessoal e social. Não aceitar a situação atual de exclusão dessa população como realidade razoável é parte fundamental do que impele seus agentes no trabalho cotidiano. Vamos construir novas cidades, com tijolos de solidariedade, com mãos que multiplicam um único pão, reciclando a vida e os valores. Anais do III Seminário Internacional Sociedade Inclusiva PUC Minas - Ações Inclusivas de Sucesso 10