Da Perda do Objeto das questões constitucionais de Repercussão Geral no STF: Uma Análise Crítica à Luz da Racionalização da Justiça



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Transcrição:

Da Perda do Objeto das questões constitucionais de Repercussão Geral no STF: Uma Análise Crítica à Luz da Racionalização da Justiça RESUMO O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, desde sua primeira previsão, na maneira difuso-incidental, na constituição de 1891, vem passando por constantes mudanças, tanto em virtude de alterações legislativas, quanto em face da própria mutação constitucional. O objetivo específico do presente trabalho é a abordagem da questão da legitimidade da decretação de perda de objeto, quando a parte que deu causa à chegada da questão constitucional relevante ao supremo através do manejo do recurso extraordinário ou mesmo através de reclamação constitucional desiste do processo originário, ou quando a situação fática que deu causa a reclamação constitucional deixa, pontualmente, de existir. A partir da análise da objetivação do recurso extraordinário e, como conseqüência, do próprio controle difuso-incidental desde que a matéria venha a ser apreciada pelo STF constatou-se que a mera desistência das partes do processo originário, além da mudança pontual do suporte fático que deu origem a questão constitucional relevante, não pode ser fundamento suficiente para extinção do processo por perda de objeto. Observou-se que a decretação da perda de objeto de uma questão constitucional transcendente, pelo Supremo Tribunal Federal, frustra as expectativas democráticas da comunidade jurídica e dos intérpretes sociais da constituição, que aguardam do STF pacificação e segurança jurídica sobre temas polêmicos. As conclusões supra-referidas tiveram como base a análise da jurisprudência atual do STF, tendo sido feita uma abordagem específica sobre a Reclamação n 4335-5 Acre, além do Re n 459749/PE, ambas sinalizaram perda de objeto decretada pelo STF, em que pese possuírem relevante e transcendente questão de fundo constitucional. Palavras-chave: Controle Difuso-Incidental de Constitucionalidade; Recurso Extraordinário; Repercussão Geral

2 Sumário INTRODUÇÃO 1. Controle de Constitucionalidade: Antecedentes Históricos 1.1 A Constituição de 1891 e a influência americana 1.2 A Constituição de 1934 e a mitigação da ausência do STARE DECISIS no Direito Brasileiro10 1.3 A Constituição de 1946 e a emenda 16/65. a) A atribuição de Poderes ao STF para dar eficácia erga omnes a suas decisões b) A influência do Modelo Austríaco 1.4 A Constituição de 1967/69 1.5 A Constituição de 1988 2. O Controle Difuso Incidental e a sua Objetivação, no STF 2.1 A Objetivação do Mandado de Injunção 2.2 O Recurso Extraordinário e a Repercussão Geral 2.3 A Sistemática de Julgamento dos Recursos Repetitivos e a Impossibilidade de Desistência. Nossas Considerações 3. Estudo de Casos 3.1 O RE 459749/PE e o RE 591874/MS 3.2 A Reclamação Constitucional 4335-5 AC 4. CONCLUSÃO 5. BIBLIOGRAFIA INTRODUÇÃO Tema de grande relevância para o neoconstitucionalismo, pretende-se discorrer sobre o controle de constitucionalidade no direito brasileiro, com ênfase especial no controle difuso-incidental. A partir de uma abordagem histórica do controle de constitucionalidade no direito brasileiro, será debatido se foi realmente opção do poder constituinte atribuir mais poderes ao STF, possibilitando a extensão para todos de suas manifestações plenárias, em sede do controle difuso-incidental de constitucionalidade. Ante a objetivação da análise das questões constitucionais pelo pleno do STF, será abordada ainda a questão da legitimidade da decretação da perda de objeto das ações que tramitam no STF, quando a matéria de fundo já foi reconhecida como de repercussão geral, não se limitando aos interesses das partes que figuram no processo originário. Após iniciado o julgamento, será demonstrada a importância de uma manifestação conclusiva do STF, como corolário do princípio da segurança jurídica, haja vista a função pacificadora e uniformizadora da jurisprudência, exercida pelo STF, enquanto guardião da 2

3 Constituição, ainda que tenha havido eventual perda de interesse recursal, em face daqueles que deram causa a apreciação da questão constitucional pelo STF. Mostrar-se-á também que a fixação de teses pelo STF, no controle difusoincidental, desde que se atribua eficácia erga omnes, caminha em harmonia com o princípio da celeridade, tem guarida constitucional, além de contribuir para diminuir o volume de processos que chegam aos tribunais superiores. 1. Controle de Constitucionalidade: Antecedentes Históricos Inexistente na Carta Imperial de 1824, o controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro surgiu a partir da Constituição de 1891 1, na maneira difuso-incidental. Diz-se que o controle é difuso, quando todos os órgãos do poder judiciário detêm competência para apreciar a constitucionalidade das leis, ao contrário do controle concentrado, em que apenas um órgão específico detém tal competência. Incidental, por sua vez, refere-se ao modo como a questão constitucional é apresentada no processo. Ou seja, a questão constitucional na via incidental deve ser apreciada como uma questão prejudicial (preliminar), para que se solucione uma lide concreta entre as partes, num processo subjetivo, não possuindo a decisão judicial, a princípio, capacidade para atacar a validade da norma frente ao ordenamento jurídico. 1.1 A Constituição de 1891 e a Influência Americana Como destacado, em 1891 2, o Brasil adotou o modelo de controle difusoincidental de constitucionalidade, recebendo influência norte-americana. Preliminarmente, para que se possa fazer um controle de constitucionalidade, fazse necessário que o país possua uma constituição escrita e rígida, de maneira que se reconheça a supremacia da constituição em face de outras leis ou atos normativos, como ponderado por 1 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 62. 2 O art. 59 1, b, da Constituição de 1981, já atribuía competência recursal ao STF, no controle difusoincidental, para apreciar, in concreto, questões de cunho constitucional, vejamos: 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: (...) b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnada (grifos nossos). 3

4 CAPPELLETTI 3, ao analisar a Constituição americana e o precedente Marbury v. Madison: A opção do Chief Justice Marshall, com a proclamação da supremacia da Constituição sobre as outras leis e com o conseqüente poder dos juízes de não aplicar as leis inconstitucionais, certamente representou então, repito, uma grande e importante renovação. E se é verdadeiro que hoje quase todas as Constituições modernas do mundo ocidental tendem, já, a afirmar o seu caráter de Constituições rígidas e não mais flexíveis, é também verdadeiro, no entanto, que este movimento, de importância fundamental e de alcance universal, foi efetivamente, iniciado pela Constituição norte-americana de 1787 e pela corajosa jurisprudência que se aplicou. A competência atribuída a cada juiz de ser também um guardião da constituição ainda que sua atuação se limite ao controle difuso-incidental de constitucionalidade está presente no direito americano e foi seguida, conforme exposto, pelo direito brasileiro. Entretanto, conforme doravante será demonstrado, não houve plena identidade de tratamento da matéria entre o Brasil e os EUA. Um dos grandes problemas do controle difuso-incidental de constitucionalidade é a criação de insegurança jurídica, em virtude da possibilidade de interpretações divergentes por parte dos juízes ou tribunais locais. Como a norma, objeto de interpretação, é analisada num caso concreto, permanecendo intacta no ordenamento jurídico, é possível que em situações semelhantes um juiz afaste sua incidência, por entendê-la que se trata de norma inconstitucional, ao passo que, aos olhos de outro magistrado, aquela norma possa ser aplicada, por reputá-la constitucional, daí a importância de um órgão capaz de uniformizar a jurisprudência e com competência para exarar decisões erga omnes com efeitos vinculantes. Nos EUA, vigente o modelo do judicial review of legislation, qualquer juiz ou tribunal é competente para apreciar a constitucionalidade das leis e atos normativos, de maneira difuso-incidental, entretanto a Suprema Corte americana desempenha importante papel uniformizador no controle de constitucionalidade, uma vez que lá há a incidência do princípio do Stare Decisis, em que a Corte, ao atribuir eficácia vinculante e erga omnes a suas decisões, confere a última e definitiva voz a respeito das questões constitucionais do país 4. Observe-se que o Stare Decisis, com sua força vinculante, contribuiu para minimizar a 3 CAPPELLETTI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. Tradução Aroldo Plínio Gonçalves. Revisão de José Carlos Barbosa Moreira. 2ª ed. Porto Alegre: Fabris, 1999, p. 48. 4 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 277. 4

5 possibilidade de decisões divergentes no modelo difuso-incidental, através da manifestação final da Suprema Corte, conforme bem destacou o professor Paulo Bonavides 5, ao analisar o sistema americano de controle de constitucionalidade das leis: As vias recursais se exaurem no aresto final da Suprema Corte. Exerce ela função unificadora da jurisprudência, pondo termo assim às vacilações interpretativas do mesmo passo que remove o estado de incerteza e apreensão acerca da validade da lei, oriunda de decisões contraditórias dos órgãos de jurisdição inferior. No Brasil de 1891, por sua vez, vigia o controle difuso-incidental de constitucionalidade, entretanto, ao contrário do sistema norte-americano, não se adotava o princípio Stare Decisis, carecendo o país de um órgão com poder suficiente para exarar decisões erga omnes e vinculantes, persistindo o problema da insegurança jurídica, haja vista a grande possibilidade de divergência entre os juízes ao apreciarem, in concreto, a constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público. Naquela época, não competindo ao STF essa função de uniformizar a jurisprudência, suas decisões, em matéria constitucional, também não possuíam força vinculante, nem eficácia erga omnes. 1.2 A Constituição de 1934 e a mitigação da ausência do Stare Decisis no Direito Brasileiro Importando parcialmente o modelo de controle difuso-incidental nos moldes norte-americano, sem o Stare Decisis, o Brasil carecia de um órgão uniformizador, capaz de suspender leis e atos normativos declarados inconstitucionais pelo judiciário. Com efeito, nos EUA, competia a um órgão integrante da própria estrutura do poder judiciário, a saber, a Suprema Corte Americana, dar a última palavra vinculante sobre a constitucionalidade das leis. No Brasil, a partir de 1934, a ausência do Stare Decisis começa a ser mitigada, uma vez que referida Constituição conferiu poderes ao Senado para suspender leis ou atos declarados inconstitucionais pelo judiciário. Curiosamente, não foi opção do constituinte originário de 1934 atribuir ao poder judiciário a função de atribuir eficácia erga omnes às suas decisões em sede do controle difuso-incidental de constitucionalidade. Pelo contrário, o judiciário apreciava o caso concreto, vergastava a inconstitucionalidade, mas a norma permanecia vigente no ordenamento. O poder de suspender as leis e atos normativos declarados inconstitucionais 5 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 281. 5

6 pelo judiciário competia ao legislativo, em especial ao Senado. Ou seja, o modelo difuso-incidental de controle de constitucionalidade evoluía, porque as leis tidas como inconstitucionais pelo judiciário já poderiam ser suspensas. Entretanto, o constituinte originário da época não dera ao STF poderes suficientes para dar efeitos vinculantes e eficácia erga omnes a suas decisões, tarefa esta que confiou apenas ao Senado Federal, o que demonstra certa fragilidade não só quanto ao controle de constitucionalidade, mas também quanto à incipiente separação de poderes. Permaneceu, portanto, a divergência em relação ao sistema americano, uma vez que foi atribuída competência para atribuir efeitos vinculantes as decisões do Supremo a um órgão fora da estrutura do poder judiciário, a saber, Senado Federal, enquanto que, nos EUA, a própria Suprema Corte detinha tal prerrogativa (Stare Decisis). Com efeito, não havia uma harmonia temporal entre as decisões do STF, que declaravam a inconstitucionalidade das leis, e sua respectiva suspensão pelo Senado. Muitas vezes o STF declarava a inconstitucionalidade e, apenas anos depois, o Senado suspendia sua eficácia. Outras tantas normas tidas como inconstitucionais pelo STF poderiam também permanecer em vigor, acaso o Senado quedasse inerte, sem suspendê-las. Críticas à parte, é possível entender, ao menos do ponto de vista teórico, que, à época, o povo brasileiro, enquanto titular do poder constituinte originário, ainda não quis conferir ao judiciário o poder de atribuir eficácia erga omnes e efeitos vinculantes as suas decisões. Tal poder permanecia, portanto, adstrito ao Senado, que podia suspender as normas tidas como inconstitucionais pelo judiciário. Como inovação da Constituição de 1934, destaque-se ainda a introdução da cláusula da reserva de plenário 6, bem como a previsão da representação interventiva 7, que foi precursora da chamada ação direta de inconstitucionalidade interventiva para preservação dos princípios constitucionais sensíveis, sobre a qual não serão dados maiores aprofundamentos, 6 Assim dispunha o art. 179 da Constituição Federal (CF) de 1934, introduzindo a cláusula da Reserva de Plenário: Só por maioria absoluta de votos da totalidade de seus juízes poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público 7 CF de 1934, art. 12, caput, V: A União não intervirá em negócios peculiares ao Estado, salvo: V Para assegurar a observância dos princípios constitucionais especificados nas letras a a h do art. 7, n. I e a execução de leis federais. 2 Ocorrendo o primeiro caso do n. V, a intervenção só ocorrerá depois que a Corte Suprema, mediante provocação do Procurador Geral da República, tomar conhecimento da lei que a tenha decretado e lhe declarar a inconstitucionalidade. 6

7 por questões de delimitação temática do presente trabalho. Com efeito, foi apenas a partir da promulgação da emenda Constitucional n 16/1965, vigente a Constituição de 1946, que o judiciário passou a deter poderes para exarar decisões vinculantes de eficácia erga omnes, em sede de controle de constitucionalidade, conforme analisaremos no tópico seguinte. 1.3 A Constituição de 1946 e a Emenda Constitucional (EC) 16/65 a) A influência do Modelo Austríaco Kelsen, na Áustria, foi o responsável pela criação do controle concentrado de constitucionalidade, modelo em que a jurisdição constitucional fica atribuída apenas a um órgão, qual seja, o Tribunal Constitucional, não cabendo, ao contrário do modelo difuso, a competência genérica a qualquer juiz ou tribunal de apreciar a constitucionalidade das leis, nos moldes em que realizado pelo direito americano. Diz-se que o controle é concentrado quando apenas um único órgão é legitimado para fazê-lo. Principal, por sua vez, refere-se ao fato de que a questão constitucional se mostra como objeto processual, o qual visa aferir a constitucionalidade da norma, em abstrato, não se tratando de um controle incidenter tantum, como o incidental. O projeto de Kelsen foi concretizado, em sua versão inicial, em 1920, quando da elaboração da constituição austríaca, promulgada em primeiro de outubro, Oktoberverfassung 8. O controle austríaco, na maneira inicialmente concebida por Kelsen, difere do sistema americano nos aspectos subjetivo, modal e funcional. No aspecto subjetivo, a diferença reside no órgão competente para a realização do controle, o qual, na Áustria, é restrito ao Tribunal Constitucional (Verfassungsgerichtshof). No sistema proposto por Kelsen, enquanto não declarada a norma inconstitucional, ela presume-se válida, não podendo os juízes ou tribunais ordinários deixar de aplicá-las 9, possuindo as decisões que declaram inconstitucionalidade das leis efeitos, em regra, para o futuro ex nunc ao contrário do sistema americano 10. Quanto ao aspecto modal, no sistema austríaco a questão constitucional é discutida de maneira principal, haja vista tratar-se de um processo objetivo, em que o objeto central da discussão é a própria constitucionalidade da lei em tese, não havendo partes com interesses contrapostos ou mesmo uma lide concreta, ao contrário do sistema americano, em 8 CUNHA JÚNIOR, ob. cit. p. 281. 9 Idem, Ibidem. p. 284. 7

8 que a discussão constitucional é feita de maneira incidental, com vistas a solucionar uma lide concreta. Quanto ao aspecto funcional, é de destacar que, no sistema austríaco de 1920, a declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional tinha efeitos ex nunc, daí ser válida a afirmação segundo a qual a decisão da Corte Constitucional teria natureza constitutiva, haja vista o fato de que a lei permanecia válida até a declaração de inconstitucionalidade. Kelsen seguia a chamada teoria da anulabilidade da norma tida por inconstitucional, ao contrário dos EUA, que atribuindo efeitos ex tunc as suas decisões, entendiam pela nulidade das normas tidas como inconstitucionais. Destaque-se, por fim, que, em 1929, houve uma reforma constitucional na Áustria que permitiu, em alguns casos, a modulação temporal dos efeitos da decisão em sede do controle concentrado de constitucionalidade. No Brasil, a Emenda Constitucional n 16/65 representou a introdução do modelo concentrado de constitucionalidade, recebendo nítida influência Austríaca. b) A Atribuição de Poderes Ao STF Para Dar Eficácia Erga Omnes a suas Decisões Até a promulgação da EC 16/65 o Brasil possuía apenas um modelo de controle difuso-incidental de constitucionalidade, em que as questões constitucionais eram matérias preliminares ou prejudiciais para a solução de uma lide principal concreta. O STF, quando analisava matérias de índole constitucional, ainda não detinha o poder vinculante de suas decisões, competindo ao Senado a faculdade de suspender a eficácia das normas tida como inconstitucionais pelo Supremo. A EC 16/65, além de introduzir, no Brasil, o modelo concentrado abstrato 11 de controle de constitucionalidade, na via principal, conferiu ao STF o poder de, independentemente de manifestação do Senado, afastar a aplicação, de maneira vinculante e erga omnes, das normas tidas como inconstitucionais. Ou seja, o poder de suspensão das normas tidas como inconstitucionais, outrora atribuído apenas ao Senado Federal pela Constituição de 1934, na vigência de um modelo difuso-incidental, passa a ser exercido, a partir da EC 16/65, também pelo STF, no exercício 11 Não se desconhece, como já destacado em passagem anterior do presente trabalho, que, desde 1934, o Brasil já possuía a chamada Representação Interventiva, que permitia, em situações excepcionais, a intervenção da União nos Estados. Entretanto, é de se observar que a Representação Interventiva era hipótese de controle concentrado concreto. Concentrado, porque realizado por um único órgão, o STF; concreto porque não atacava nenhum ato normativo ou lei em tese, mas sim atos concretos, taxativamente previstos na citada Constituição, aptos a violar princípios constitucionais sensíveis. 8

9 do novo controle concentrado-principal de constitucionalidade. A resposta direta do STF às matérias de fundo constitucional, sem a manifestação do Senado, sobretudo no atual momento histórico, em que se necessita de um razoável ativismo judicial 12, acaba fortalecendo o usuário último da norma, o cidadão, que não mais precisa aguardar às vezes anos entre a manifestação do Supremo e a suspensão da norma pelo Senado, tida como inconstitucional, no controle incidental de constitucionalidade. Questão que voltará a ser debatida, ao longo do trabalho, é se ainda se faz necessária a manifestação do Senado para suspensão da norma tida como inconstitucional em sede do controle incidenter tantum, sobretudo quando o Supremo já detém tal prerrogativa na via principal, considerando-se ainda o fenômeno, cada vez mais constante, da objetivação do controle difuso-incidental, à luz da necessidade de repercussão geral do recurso extraordinário, em que o Supremo, analisando apenas o fundo de direito, acaba fazendo um diálogo entre ambas as formas de controle. Destaque-se que, a partir de referida EC 16/65, o Brasil passou a conviver 13 com o modelo difuso-incidental, de raiz americana, ao lado do controle concentrado principal, de influência austríaca, não havendo que se falar em substituição de uma forma de controle por outra. 1.4 A Constituição de 1967/69 A Constituição de 1967 e a emenda constitucional (EC) n 1/69 mantiveram os modelos difuso e concentrado de constitucionalidade. Além da manutenção da representação Interventiva, presente desde a Constituição de 1934, destaca-se ainda a instituição, pela EC n 7/77 14, da chamada Representação 12 Não se pode deixar de lembrar que a introdução do modelo concentrado de constitucionalidade, a partir da EC 16/65, se deu em plena ditadura militar. Apesar de já existente, o referido controle pouco foi utilizado na época da ditadura, sobretudo se considerarmos que o STF sequer chegou a apreciar a constitucionalidade dos diversos atos institucionais. Destaque-se ainda que, em 1965, ao publicar o AI-2, o presidente Castelo Branco chegou a alterar a composição do STF, de 11(onze) para 16 (dezesseis) ministros, nomeando jovens ministros ligados à UDN (União Democrática Nacional), movimento ligado ao governo, com a intenção de ter maioria nas decisões do STF. Por refugir ao objeto específico do presente trabalho, recomenda-se, sobre o tema: VALÉRIO, Otávio Lucas Solano. A toga e a farda: o Supremo Tribunal Federal e o regime militar (1964-1969). 2010. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 13 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 64. 14 A EC 7/77 alterou a redação da alínea L do artigo 119 da Constituição de 67/69, incluindo a competência para o STF, a partir de Representação formulada pelo Procurador Geral da República, apreciar a interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual. 9

10 Interpretativa, ação que poderia ser manejada pelo Procurador Geral da República para que o STF desse a interpretação que entendesse adequada aos dispositivos da legislação federal ou estadual, questionados em face da Constituição. As decisões do STF, na Representação Interpretativa, eram dotadas de efeitos vinculantes. A Representação Interpretativa teve transitória passagem pelo direito brasileiro, não subsistindo com o advento da Constituição de 1988. Caso referida ação permanecesse no ordenamento pátrio, longe de racionalizar a atividade jurisdicional, o STF acabaria, em última análise, adquirindo uma atribuição a mais, qual seja, a função de órgão de consulta. 1.5 A Constituição de 1988 A Constituição de 1988 manteve os modelos de controle difuso-incidental e concentrado-principal, trazendo ainda outros institutos inovadores, como o mandado de injunção, com vistas a sanar as omissões inconstitucionais, podendo ser proposta por qualquer do povo que seja privado de exercer suas prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania ou cidadania. O modelo de controle concentrado de constitucionalidade também foi ampliado, mediante a instituição da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, além da previsão da ação declaratória de constitucionalidade e da argüição de descumprimento de direito fundamental. Destaque-se ainda que houve significativa ampliação do rol de legitimados para a propositura das ações constitucionais (CF, art. 103), acabando-se com o monopólio outrora exercido pelo Procurador Geral da República em relação à propositura de tais ações constitucionais. 15 Após longos anos de regime militar, o Brasil da redemocratização possui uma constituição de vanguarda, destacando-se pelo fortalecimento da jurisdição constitucional. Os anos que se seguiram, pós 1988, demonstram uma evolução na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de dar efeitos vinculantes e erga omnes as suas decisões, ainda que muitas delas não tenham sido fruto de um controle concentrado de constitucionalidade, o que demonstra uma aproximação cada vez maior entre os dois tipos de controle (incidental e principal). 2. O CONTROLE DIFUSO-INCIDENTAL E A SUA OBJETIVAÇÃO NO STF 15 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 66. 10

11 Alguns novos institutos, como a necessidade de repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, reforçam a idéia de que, mesmo quando resolve uma lide concreta, em havendo matéria de fundo constitucional, a decisão do STF pode e deve ter força vinculante. Inúmeros são os exemplos que demonstram que manifestações em concreto do STF acabaram tendo força vinculante e efeitos erga omnes, não se limitando as partes originárias envolvidas na lide, como foi o caso do MI (Mandado de Injunção) n 670-ES e do MI n 708-DF, em que o Supremo viabilizou o direito de greve para os servidores públicos, estabelecendo a aplicação da lei de greve dos empregados da iniciativa privada (lei 7783/89) aos servidores da administração pública, naquilo em que for compatível. Na prática, mediante uma interpretação evolutiva, é possível aferir que desde o momento em que o STF passou a ter poderes para exarar decisões erga omnes, em sede do controle concentrado de constitucionalidade, houve esvaziamento da atual redação do artigo 52, X da Constituição, sobretudo porque tal artigo trata de mera repetição que vem sendo feita desde a Constituição de 1934, em que, vigendo apenas o modelo difuso-incidental de controle de constitucionalidade, não possuía ainda o STF o poder de dar eficácia erga omnes e efeitos vinculantes as suas próprias decisões. Como exemplo prático da possibilidade de atribuição de efeitos erga omnes ao controle de constitucionalidade realizado pelo STF, ainda que na via incidental, é possível citar o julgamento do HC (hábeas corpus) n 82.959, ocorrido em 26/02/2006, em que o STF, incidentalmente, consignou que era inconstitucional a vedação de progressão de regime àqueles que cometeram crimes hediondos, declarando a inconstitucionalidade do artigo 2, 1, da lei 8072/90 (lei dos crimes hediondos). Apesar da manifestação do STF ter sido feita incidenter tantum, tal decisão passou a ter aplicação prática geral, não se podendo olvidar que a sua extirpação do ordenamento jurídico independeu de qualquer manifestação do Senado Federal, o que reforça a tese do esvaziamento da interpretação literal do art. 52, X, que remonta à CF de 1934, tempo em que não fora atribuído qualquer poder ao STF para dar efeitos gerais as suas decisões. No mesmo sentido do posicionamento adotado no presente trabalho, manifestouse Luís Roberto Barroso 16 : 16 Idem, Ibidem. p. 130-131. 11

12 A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC n. 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo. Uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de sua instituição em 1934, já não há lógica razoável em sua manutenção. 2.1 A Objetivação do Mandado de Injunção pelo STF Instrumento de concretização dos direitos fundamentais, mediante o controle das omissões estatais, o mandado de injunção é criação originária do direito brasileiro, a partir da CF de 1988. Tal instituto, apesar de ser autenticamente brasileiro, possui certa proximidade com o Verfassungsbeschwerde alemão, sobretudo no que diz respeito à legitimidade de qualquer do povo para impetrá-lo, desde que se veja privado da realização de um direito fundamental inerente a nacionalidade, soberania ou cidadania, em face da ausência de norma regulamentadora estatal. A inconstitucionalidade por omissão, atacável, in concreto, através do mandado de injunção, poderá ocorrer quando se estiver diante de normas constitucionais dependentes de regulamentação infraconstitucional. Tais normas são chamadas de not self-executing, se adotarmos a clássica classificação de Thomas Cooley, diretamente traduzidas por Rui Barbosa como normas não auto-executáveis, chamadas por Pontes de Miranda como normas não bastantes em si, referidas por José Afonso da Silva como normas de eficácia limitada 17. Ocorre que, sempre que a competência para editar a norma regulamentadora for do Presidente da Republica, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma das Casas Legislativas do Congresso, do Tribunal de Contas da União ou do Supremo Tribunal Federal (STF), competirá ao próprio STF, no exercício de sua competência originária, julgar as ações de mandado de injunção. A jurisprudência do STF mostrou clara evolução no que concerne às decisões exaradas em sede de julgamento dos mandados de injunção. Conforme assinala Dirley 18, o STF, em tímida manifestação inicial, quando do julgamento do MI 107-3, em 1990, considerou que o mandado de injunção tinha como objeto a declaração, pelo judiciário, da existência de omissão inconstitucional, a ser comunicada ao órgão legislativo competente em 17 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 47. 18 CUNHA JÚNIOR, ob. cit. p. 813-824. 12

13 editar a norma regulamentadora faltante. Ineficaz, portanto, a inicial manifestação do STF, sobretudo porque não havia como se precisar o limite temporal para manifestação do órgão legislativo, restando prejudicado, em última análise, o cidadão, que permanecia indefinidamente sem uma resposta concretizadora do poder judiciário. Na linha defendida por Konrad Hesse 19, para quem interpretar é concretizar, podese entender que a missão do STF é dar uma resposta rápida e eficaz à sociedade, que por vezes tem seus direitos constitucionais suprimidos por ausência de norma regulamentadora. Não se trata de usurpação de competência, haja vista o fato de que a própria Constituição atribui ao STF poder para apreciar originariamente inúmeras ações de mandado de injunção. Outrossim, é de se entender que, conforme a teoria dos poderes implícitos, a Constituição, quando prevê os fins, deve atribuir meios, daí a validade de uma interpretação concretizadora do STF ao apreciar matérias de índole constitucional. Na atividade interpretativa, é lícito ao STF suprir, ainda que transitoriamente, as lacunas do ordenamento, destacando-se que, a partir do momento em que editada norma regulamentadora pelo órgão competente, despiscienda se tornará eventual manifestação do STF, daí ser válida a afirmação segundo a qual a atividade interpretativa concretizadora não é sinônimo de usurpação de competência legislativa pelo judiciário. Com efeito, em 1991, a jurisprudência do STF evolui, ainda que de maneira insuficiente, sobretudo a partir do julgamento do MI 283-5. Naquela oportunidade, o STF assinalando prazo para que o congresso terminasse o processo legislativo da lei reclamada, determinou que, acaso o congresso quedasse inerte, seria assegurado ao impetrante título jurídico, com vistas a obter reparação nas vias ordinárias. Quanto aos efeitos da decisão do STF, o título jurídico indenizatório só seria conferido ao impetrante do mandado de injunção, daí ser possível concluir que pessoas que vivenciassem situações jurídicas similares deveriam impetrar também previamente mandado de injunção para obtenção do seu direito em juízo. Constata-se que, mesmo em sede de controle difuso, quando o STF debate matérias de fundo eminentemente constitucional, a atribuição de efeitos apenas inter partes às decisões prolatadas acaba gerando tumulto processual, uma vez que tem efeito multiplicador das ações a serem propostas perante o STF, mesmo quando já há posicionamento do pretório excelso sobre a matéria. Logo, em sendo o STF chamado a debater questões constitucionais, ainda que em sede de mandado de injunção, a atribuição de efeitos erga omnes as decisões 19 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreia Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1991, p. 27. 13

14 exaradas, mostra-se como medida de maior abrangência, representando verdadeira economia de escala e pacificando um sem-número de demandas reprimidas, que não precisariam mais ser levadas à apreciação pelo STF. O fenômeno da objetivação do mandado de injunção pelo STF refere-se à possibilidade atual do Supremo, no julgamento de referidas ações, não se limitar a solucionar a lide concretas, mas de fixar teses, outrora controversas, como meio de pacificação e prevenção de outras demandas idênticas. O marco divisor da aqui denominada objetivação do mandado de injunção foi a apreciação feita pelo STF quando do julgamento do MI 670/ES, do MI 708/DF e do MI 712/PA, todos julgados em 25/10/2007, oportunidade em que a decisão do STF, segundo a qual dever-se-ia aplicar a lei de greve da iniciativa privada, no que for compatível, aos servidores públicos, surtiu efeito para todos os sindicatos, não só os que impetraram a injunção, tornando-se despiscienda nova provocação do supremo sobre a matéria por aqueles que não figuraram como parte nos referidos processos. Em nova manifestação concretizadora o STF, ao apreciar o mandado de injunção n 721-DF, concedeu ao impetrante, servidor público de regime próprio, o direito à aposentadoria especial previsto no art. 40 4º da Constituição Federal, mesmo não havendo norma regulamentadora específica sobre a matéria para os servidores públicos. In casu, o STF determinou a aplicação do regime geral dos planos e benefícios da previdência social, vejamos 20 : (...) APOSENTADORIA TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR ARTIGO 40, 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral artigo 57, 1º, da Lei nº 8.213/91. Ao contrário do mero reconhecimento da omissão inconstitucional, o STF começou a ter uma postura concretizadora, mediante uma decisão com força normativa, nos moldes em que é feito no direito italiano, em que o judiciário, em caso de omissão inconstitucional, exara as chamadas sentenças aditivas 21. Trata-se de solução provisória para a 20 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verprocessoandamento.asp?incidente=2291410, acesso em 20/08/2010, às 20h13m. 21 BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 269. 14

15 omissão legislativa, não havendo que se falar em usurpação de competência, sobretudo porque a superveniência de norma regulamentadora, emanada do legislativo, substituirá de maneira também legítima, a manifestação do Supremo. O que não pode acontecer é o prejuízo imediato ao destinatário último da norma, o cidadão, em face da mora do poder legislativa. Legítima, portanto, é a interpretação concretizadora feita pelo judiciário, na função integradora das lacunas normativas. 2.2 O Recurso Extraordinário e a Repercussão Geral A Emenda Constitucional n 45/2004, introduziu no ordenamento brasileiro a necessidade de repercussão geral como condição de admissibilidade do Recurso Extraordinário. Com efeito, qualquer juiz é livre para aferir a constitucionalidade das leis, ao apreciar o caso concreto, entretanto, para que tal matéria venha ser apreciada pelo STF, mediante o apelo extraordinário, o fundo de direito haverá que transcender, não se limitando ao interesse das partes do processo originário. Como destacado pelo professor Marcelo Labanca, a necessidade de demonstração da repercussão geral como requisito de admissibilidade recursal, aproximou ainda mais os controles concentrado e difuso de constitucionalidade 22 : Nesse sentido, o estreitamento da via difusa por meio da exigência de demonstração da repercussão geral da questão constitucional debatida nos autos termina gerando um forte indicativo de aproximação dos modelos concentrado e difuso de controle de constitucionalidade. A demonstração de Repercussão Geral é fruto de uma necessidade de racionalização da justiça, em que o STF, com uma única manifestação, pretende fixar uma tese a ser aplicada em um sem-número de conflitos. Destaque-se ainda que, se a manifestação plenária do STF, quando da apreciação da constitucionalidade da lei, no controle difuso, não tiver força vinculante ou eficácia erga omnes, pouca utilidade terá o instituto da Repercussão Geral, uma vez que demandas similares teriam que novamente ser apreciadas pelo Supremo. Com vistas a regulamentar o modus operandi do instituto da Repercussão Geral, foi editada a lei dos recursos repetitivos (lei n 11418/2006, que regulamentou o art. 103 22 ARAUJO, Marcelo Labanca Corrêa de; BARROS, Luciano José Pinheiro. Revista da Procuradoria Geral do Banco Central. Vol.1 N.1. Brasília: BCB, 2008, p. 58. 15

16 2 da CF). Com efeito, o tribunal a quo, ao exercer o primeiro juízo de admissibilidade sobre o recurso extraordinário, selecionará um representativo da controvérsia, o qual será apreciado pelo STF. Após o STF apreciar o recurso representativo, os tribunais de origem poderão, aplicando a tese do STF, apreciar a matéria, sendo, na maioria das vezes, desnecessária a remessa de novos processos sobre a mesma matéria ao supremo, salvo se o tribunal de origem mantiver tese que contrarie a decisão do STF. Também não se mostra razoável, como alhures demonstrado, acreditar que a eficácia erga omnes das decisões do STF, quando exerce controle difuso-incidental de constitucionalidade, dependa da publicação de resolução do Senado Federal, nos moldes da literal dicção do art. 52 X, da CF de 1988. O professor Fredie Didier 23 bem pondera que os precedentes em matéria constitucional, exarados pelo STF, acabam vinculando, seja oriundo de controle difuso, seja no controle concentrado de constitucionalidade, o que demonstra a aproximação dos efeitos de ambas as formas de controle, citando, como exemplo, a dispensa do reexame necessário em caso de decisões baseadas em manifestações plenárias do STF, vejamos: O 3 do art. 475 do CPC dispensa o reexame necessário, quando a sentença se baseia em posicionamento tomado pelo Pleno do STF, a despeito de ter sido ou não sumulado. Neste caso, revela-se a importância que se pretende conferir aos precedentes do STF, mesmo àqueles oriundos de processos não-objetivos. Observa-se que a manifestação plenária do STF, quando fixa tese em matéria constitucional, acaba vinculando as instâncias inferiores, o que se mostra como hábil mecanismo de racionalização da justiça, uma vez que a matéria já apreciada pelo supremo não precisará ser repetidas vezes apreciada por aquele colenda corte. Destaque-se que ainda que institutos típicos do controle concentrado de constitucionalidade, como a modulação temporal dos efeitos da decisão ou o sobrestamento do julgamento de processos nas instâncias inferiores até a decisão do STF, já começa a ser usado no controle incidental. Com efeito, no controle concentrado, a lei 9868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o STF, permite, em seu artigo 21, que se conceda, por maioria 23 DIDIER JR, Fredie. O Recurso Extraordinário e a Transformação do Controle Difuso de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, in Marcelo Novelino (org), Leituras Complementares de Direito Constitucional: Controle de Constitucionalidade e Hermenêutica Constitucional. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 276. 16

17 absoluta dos membros do STF, medida cautelar determinando a suspensão o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou ato normativo objeto da ação até o julgamento da ação. No controle difuso-incidental, por sua vez, apesar de não haver dispositivo expresso autorizando, é comum que o ministro relator de recursos extraordinários que envolvam questões constitucionais controvertidas também determine o sobrestamento do julgamento dos processos que envolvam matéria semelhante, nas instâncias inferiores, até a apreciação do tema pelo STF, senão vejamos, corroborando o alegado, notícia extraída do site do STF, em 27/08/2010 24 : Ministro Dias Toffoli acolhe parecer da PGR e suspende os processos de planos econômicos O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), acolhendo parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), determinou a suspensão (ou sobrestamento) de todos os processos judiciais em tramitação no país, em grau de recurso, que discutem o pagamento de correção monetária dos depósitos em cadernetas de poupança afetados pelos Planos Econômicos Collor I (valores não bloqueados), Bresser e Verão. O tema teve a repercussão geral reconhecida e, depois disso, os Bancos do Brasil e Itaú - partes nos Recursos Extraordinários 626307 e 591797 dos quais Dias Toffoli é relator - apresentaram petições requerendo a suspensão, em todos os graus de jurisdição, das demais ações que tratam da cobrança dos expurgos inflacionários. A decisão do STF nestes dois casos deverá ser aplicada a todos os casos semelhantes. (grifos nossos) A notícia transcrita revela a aproximação atual entre os controles difuso e concentrado de constitucionalidade. Frise-se ainda que o STF, ao determinar, mediante juízo monocrático, no controle incidental, a suspensão de processos semelhantes nas instâncias inferiores, foi além do controle concentrado, uma vez que o art. 21 da lei 9868/99 determina que a medida cautelar adotada seja aprovada pela maioria absoluta do STF, não conferindo, via de regra, tal possibilidade de decisão ao juízo monocrático. 24 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?idconteudo=159923, acesso em 27/08/2010, às 23h20m. 17

18 É de se destacar ainda o posicionamento dos professores Marinoni e Daniel Mitidiero 25, que identificam plena aproximação entre os controles abstrato e concreto de constitucionalidade, quando a matéria é levada ao debate pelo pleno do STF, vejamos: Perante o pleno do Supremo Tribunal Federal são praticamente idênticos os procedimentos para a declaração de inconstitucionalidade nos moldes concreto e abstrato. A partir da noção de processo de caráter objetivo que abrange ambos os modelos não existe qualquer razão plausível para se atribuir efeito vinculante a um modelo e não ao outro. Marinoni e Mitidiero 26 destacam ainda que a lei 9756/98, ao inserir parágrafo único ao artigo 481 do Código de Processo Civil (CPC), atribuindo efeitos vinculantes às decisões do STF, nada mais fez do que transformar em direito positivo um entendimento jurisprudencial já consolidado, no sentido de que não se deve deixar de levar em consideração as manifestações plenárias do STF, quando a matéria debatida referir-se à constitucionalidade das leis: Art. 481. Parágrafo Único, CPC. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. Não se pode deixar de reconhecer que o STF tem poderes para dar efeitos vinculantes a suas decisões plenárias, ao julgar o fundo de direito dos Recursos Extraordinários, sobretudo quando o poder constituinte derivado, através da EC 45/2004, introduzindo o artigo 103-A na Carta Magna, foi expressa ao atribuir ao pretório excelso a possibilidade de edição de Súmulas Vinculantes pelo STF. Com efeito, não se pode olvidar que, antes mesmo da edição das súmulas vinculantes, as manifestações plenárias do STF já vinculavam, conforme ficou aclarado pela lei 9756/98, que introduziu o vigente parágrafo único ao art. 481 do CPC. Fixadas as premissas básicas, inclusive empíricas, de que o controle difusoincidental de constitucionalidade, quando feito pelo pleno do STF, muito se aproxima do controle concentrado, será feita, no tópico seguinte, breve abordagem sobre a atual sistemática 25 MARINONI, Guilherme Luiz; MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 71. 26 Idem, Ibidem. p. 72. 18

19 de apreciação dos recursos extraordinários repetitivos, enquanto instrumento de racionalização do controle difuso-incidental de constitucionalidade. 2.3 A Sistemática de Julgamento dos Recursos Repetitivos e a Impossibilidade de Desistência. Nossas Considerações Quando o tribunal a quo seleciona, por amostragem, um recurso extraordinário representativo da controvérsia constitucional, remetendo-o para apreciação do STF e sobrestando os demais, isso significa que, ainda que as partes do processo principal desistam, será importante a continuidade do julgamento, posto que haverá a fixação de uma tese jurídica sobre a matéria, pelo STF, que pacificará um sem-número de questões, racionalizando a atividade judicial. Feitas tais ponderações, a melhor conclusão a que se pode chegar é que o STF, independentemente da perda de interesse recursal das partes originárias, deve fixar uma tese sobre a matéria constitucional objeto da controvérsia. Entretanto, a impossibilidade do STF deixar de apreciar matéria que repercutirá em diversos processos semelhantes, não deve ser interpretada como impossibilidade de desistência recursal por parte dos litigantes, no processo subjetivo, posto que, tal vedação acabaria por interferir sobremaneira na autonomia das partes em, por vezes, realizar uma composição de conflitos. Em casos deste jaez, em que as partes, no processo originário, desejam desistir, quando o recurso já foi remetido ao STF, deve-se dar razoável interpretação, de maneira a harmonizar a necessidade de preservação da autonomia de vontade das partes do processo subjetivo, com a necessidade de continuidade do julgamento, como medida pacificadora de processos semelhantes. Quanto à questão temporal para que se desista do processo, na linha da doutrina e jurisprudência, é de se considerar como limite o início do julgamento (princípio da unidade do julgamento), conforme noticiado no informativo n 540 do STF, vejamos: O pedido de desistência só é cabível antes do início do julgamento de mérito do processo. Com base nessa orientação, o Tribunal, resolvendo questão de ordem suscitada pelo Min. Ricardo Lewandowski, relator, indeferiu pedido de desistência formulado em duas reclamações, nas quais já proferido um voto de mérito no sentido da improcedência. Asseverou-se que, do contrário, facultar-se-ia à parte desistir do processo quando, no curso da votação, identificasse a existência de uma tendência que lhe fosse desfavorável. O Min. Cezar Peluso, em seu voto, acrescentou a esse fundamento que o julgamento colegiado seria ato materialmente 19

20 fragmentado, mas unitário do ponto de vista jurídico. Em razão disso, sua interrupção, depois de proferidos um ou mais votos antes que todos fossem colhidos, equivaleria, do ponto de vista jurídico, a uma sentença que estivesse sendo proferida no curso de uma audiência e o juiz, de repente, interrompesse o seu ditado, o que não seria possível. Rcl 1503 QO/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.3.2009. (Rcl-1503) Rcl 1519 QO/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.3.2009. (Rcl-1519) Fredie Didier e Leonardo Cunha também defendem a possibilidade de desistência das partes que tiveram o recurso repetitivo selecionado para serem julgados por amostragem no Tribunal Superior 27. O indeferimento do pedido de desistência implicaria uma violação do direito dispositivo das partes em transigirem. Em que pese a possibilidade de desistência, o julgamento da vexata quaestio deve seguir, para fixação de tese sobre o tema controvertido. O STF já se manifestou favoravelmente à possibilidade de desistência das partes do recurso paradigma selecionado para apreciação na sistemática dos recursos repetitivos. Em tal julgado, ao invés de dar seqüência ao julgamento para fixação de uma tese, o STF deferiu o pedido de desistência e extinguiu o processo por perda de objeto, apesar de posteriormente ter admitido a repercussão geral noutros processos similares utilizados como paradigma, vejamos 28 : Petição/STF nº 55.990/2008 RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESISTÊNCIA HOMOLOGAÇÃO. 1. Juntem. 2. Eis as informações prestadas pelo Gabinete: (...) Aponta a existência de outros extraordinários nºs 441.298 e 475.654, da relatoria de Vossa Excelência, a versarem também sobre desvio de finalidade e violação ao artigo 150, 6º, da Constituição Federal. Entende que a apreciação deste extraordinário poderá vir a causar-lhe prejuízos, ante a irrecorribilidade das decisões proferidas em repercussão geral e a possibilidade de o leading case gerar a inadmissão sumária dos recursos que tratem da mesma questão. Apresenta substabelecimento. 27 DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 7ª ed Vol. 3. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 323-324. Noutro sentido, afirmando a impossibilidade de desistência na sistemática do julgamento dos recursos repetitivos, entendeu o STJ (REsp. 1.058.114 e REsp 1.063.343). 28 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/diariojustica/verdiarioprocesso.asp?numdj=91&datapublicacaodj=21/05/2008&inc idente=2568797&codcapitulo=6&nummateria=72&codmateria=3, acesso em 29/08/2010, às 23h20m. 20

21 Em 18 de abril de 2008, Vossa Excelência pronunciou-se a favor da existência de repercussão geral. Não tendo ocorrido até esta data qualquer outra manifestação dos Ministros desta Corte. O prazo termina em 8 de maio próximo. A subscritora da peça está regularmente credenciada no processo, contando com poderes especiais para desistir. 3. Ante o disposto no Regimento Interno desta Corte, homologo o pedido de desistência do recurso para que produza os efeitos legais. Insiram a notícia no sistema, considerado o prejuízo da repercussão geral. 4. Publiquem. Brasília, 24 de abril de 2008.Ministro MARCO AURÉLIO, Relator Quando o STF admite o pedido de desistência das partes, no processo subjetivo em que declarada repercussão geral da questão constitucional, deixando de dar seqüência ao julgamento para fins de fixação de tese pacificadora, acaba indo na contramão da racionalização da justiça. Com efeito, a declaração de repercussão geral é feita justamente para que se solucione, num só julgamento, um tema controverso que pode interessar a um número indeterminado de pessoas. Feitas tais ponderações, é de se defender que a melhor interpretação conciliadora seria no sentido da possibilidade de desistência das partes sem decretação de extinção do processo por perda de objeto, desde que se desista antes do início do julgamento, dando-se seqüência à apreciação da lide para fins de fixação da tese solucionadora da controvérsia constitucional, de maneira a pacificar um sem-número de processos semelhantes. Não é razoável que o STF, uma vez admitido o recurso extraordinário, decrete a extinção do processo por perda de objeto, uma vez que frustra justas expectativas sociais e da comunidade jurídica, que aguarda pronunciamento conclusivo do STF sobre muitos temas polêmicos, de cunho constitucional. Ora, se o STF adotasse o posicionamento aqui defendido, qual seja, a possibilidade de desistência sem decretação de extinção do processo por perda de objeto, prosseguindo o julgamento para fixação de uma tese, haveria uma maior racionalização da justiça, sobretudo porque a extinção de um processo e a reapreciação da mesma matéria de idêntico fundo constitucional, em processo posterior, representa desnecessário adiamento na fixação na solução da questão constitucional objeto da controvérsia. 21