Controle difuso. Capítulo II. Análise dos artigos 97, 52 (inciso X) e 102 (incisos referentes ao controle difuso)



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Transcrição:

Capítulo II Controle difuso de constitucionalidade: Análise dos artigos 97, 52 (inciso X) e 102 (incisos referentes ao controle difuso) O controle difuso de constitucionalidade possibilita, no exercício da Jurisdição, que todos os juízes e tribunais verifiquem no caso concreto a constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo. Em outras palavras, possuem a competência para afastar a aplicação da lei, na hipótese desta se mostrar inconstitucional in concreto. 1. Origem histórica O marco histórico do controle difuso de constitucionalidade tem por base o precedente (leading case) envolvendo William Marbury e James Madison, julgado em 1803 pelo Chief Justice John Marshall. Inaugurou-se o sistema americano da judicial review of legislation, que possibilitou pela primeira vez ao Judiciário controlar a constitucionalidade de determinados atos. Além de afirmar a supremacia da Lei Suprema, o julgado possibilitou ao magistrado, em um caso concreto, negar a aplicação da lei contrária à Constituição. Para tanto, Marshall teve por fundamento o artigo VI, cláusula 2ª 48, da Constituição americana, que consagrou a supremacy clause. No caso 49, Marshall, até então Secretário de Estado do Presidente John Adams, auxiliou este, no último dia do seu mandato, a nomear diversos correligionários. Contudo, Marshall não conseguiu a tempo entregar a todos os interessados as respectivas nomeações. O novo Presidente eleito Thomas Jefferson, por intermédio de James Madison, recém-nomeado 48. Artigo VI, cláusula 2ª, da Constituição norte-americana: Esta Constituição, as leis dos Estados Unidos em sua execução e os tratados celebrados ou que houverem de ser celebrados em nome dos Estados Unidos constituirão o direito supremo do país. Os juízes de todos os Estados dever-lhes-ão obediência, ainda que a Constituição ou as leis de algum Estado disponham em contrário [tradução nossa]. 49. CUNHA JR, 2008, p. 63-73. 55

Bruno Taufner Zanotti Secretário de Estado, sustou as nomeações pendentes, o que diretamente prejudicou William Marbury na sua posse como juiz de paz no Condado de Washington. Em razão da problemática exposta, William Marbury moveu uma ação judicial (writ of mandamus) na Suprema Corte Americana em face de James Madison, a fim de obrigar este a empossá-lo. John Marshall, além de Secretário de Estado, também era Chief Justice (Ministro da Suprema Corte Americana). Ao julgar o caso, em vez de se dar por impedido em face do seu manifesto interesse, não só tomou parte no julgamento, como também liderou seus pares pela procedência da ação. No entanto, em razão da opinião pública e da ameaça de impeachment dos juízes da Suprema Corte, John Marshall viu-se obrigado a mudar o curso do julgamento e, para tanto, fez uso, pela primeira vez, do controle difuso de constitucionalidade. Reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivo infralegal que concedeu à Suprema Corte competência para julgar o caso, ao fundamento de que somente a Constituição seria instrumento legítimo para determinar regras de competência para o referido Tribunal, tal como previsto no artigo III, seção II, cláusula 2ª, da Constituição norte- -americana: Em todas as questões relativas a embaixadores, outros ministros públicos e cônsules, e nos litígios em que for parte um Estado, a Suprema Corte exercerá Jurisdição originária. Em todos a demais causas, a Suprema Corte terá Jurisdição em grau recursal, pronunciando-se tanto sobre os fatos como sobre o direito, observando as exceções e normas que o Congresso estabelecer. No Brasil, o início do controle difuso de constitucionalidade ocorreu com o Decreto nº 848, de 1890, que possibilitou à magistratura, desde que por provocação das partes, controlar a constitucionalidade das leis. Sua previsão constitucional ocorreu no ano seguinte, com a Constituição de 1891. Aplicação em Concurso: (TRT8/Juiz do Trabalho/2007/modificada) " O método do controle concentrado de constitucionalidade das leis, que atribui a um único órgão a tarefa de verificação da compatibilidade das leis com a Constituição, foi expressamente previsto na Constituição dos Estados Unidos de 1787, sendo esta a primeira constituição rígida que contemplou esta possibilidade." OBS: A assertiva foi considerada falsa, pois o controle de constitucionalidade inaugurado nos Estados Unidos foi o modelo difuso. 56

Controle difuso de constitucionalidade 2. Características 2.1. Necessidade de um caso concreto Somente em face do caso concreto é possível o juiz analisar a constitucionalidade de determinada lei. Faz-se necessária a presença de um litígio, como ocorre numa ação ordinária, habeas corpus, mandado de segurança, dentre outros, para que possa o juiz se manifestar sobre a questão. A partir de um caso submetido ao Poder Judiciário, o magistrado poderá verificar uma questão concreta de inconstitucionalidade. 2.2. Controle incidental ou incidenter tantum ou por via de defesa ou por via de exceção O caso concreto possui como pedido o bem jurídico da vida a ser tutelado, e, para que o juiz possa deferi-lo, deverá declarar a inconstitucionalidade de determinada regra. Assim, a análise da constitucionalidade é um incidente (ou seja, é declarada incidenter tantum) que ocorre durante o processo e é essencial para o deslinde da causa. O incidente não resolve o objeto principal da lide, mas a questão prévia e necessária para seu julgamento. 2.3. Causa de pedir No controle difuso, a inconstitucionalidade não é o pedido feito pelo autor. A declaração da inconstitucionalidade é o fundamento jurídico necessário e imprescindível para que o pedido da ação seja julgado procedente. O motivo de se estar pedindo um determinado bem da vida tem por base a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, ou seja, a causa de pedir da ação. Portanto, a causa de pedir é verdadeira questão prejudicial, não se confundindo com o mérito. O que a parte pede no processo é o reconhecimento de seu direito, que, todavia, é afetado pela norma cuja validade se questiona. Para decidir acerca do direito em discussão, o órgão judicial precisará formar um juízo acerca da constitucionalidade ou não da norma. Por isso, diz-se que a questão constitucional é uma questão prejudicial. Ela precisa ser decidida previamente, como pressuposto lógico e necessário da solução do problema principal. Importante: Como se depreende das regras do direito processual civil 50, a causa de pedir não transita em julgado, o que possibilita sua ampla 50. Art. 469 do CPC: Não fazem coisa julgada: [...] III a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo. 57

Bruno Taufner Zanotti rediscussão em inúmeros outros processos, inclusive com decisões díspares por admitir que outros magistrados julguem livremente a constitucionalidade da norma. A coisa julgada incidirá no pedido, que representa o bem jurídico da vida pretendido, não se confundindo com a questão prejudicial da constitucionalidade. 2.4. Competência para julgamento A competência para julgamento é conferida a todos os juízes e tribunais existentes no Brasil no curso do processo de sua competência, desde o juiz de primeiro grau até o Supremo Tribunal Federal. Não há concentração em um órgão específico, como ocorre no controle concentrado de constitucionalidade. Atenção: É da competência do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial, enfrentar a questão constitucional, de modo a declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo? Consoante Luís Roberto Barroso 51, o Superior Tribunal de Justiça, a exemplo de todos os demais órgãos judiciais do país, pode desempenhar o controle incidental de constitucionalidade, deixando de aplicar as leis e atos normativos que repute incompatíveis com a Constituição. É certo, contudo, que tal faculdade será, como regra, exercida nas causas de sua competência originária (CF, art. 105, I), ou naquelas que se julgarem mediante recurso ordinário (CF, art. 105, II). E dessas decisões, quando envolverem questão constitucional, caberá recurso extraordinário. No normal das circunstâncias, não haverá discussão da matéria constitucional em recurso especial, cujo objeto, como visto, cinge-se às questões infraconstitucionais. A menos que a questão constitucional tenha surgido posteriormente ao julgamento pelo tribunal de origem. Em síntese, somente pode o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, analisar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo se a questão constitucional surgir no curso desse recurso. Caso contrário, se a matéria não tiver surgido nesse momento, de duas uma: ou usurpa a competência do STF, se interposto paralelamente o extraordinário ou, caso contrário, ressuscita matéria preclusa 52. 2.5. Legitimidade A inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pode ser suscitada pelas partes (autor e réu), pelos terceiros que tenham intervindo no processo 53 51. BARROSO, 2009, p. 92. 52. AI 145589, publicado em 24/6/1994, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence. 53. BARROSO, 2009, p. 82. 58

Controle difuso de constitucionalidade ou pelo Ministério Público como parte ou custus legis 54 no curso do processo, bem como pelos magistrados ex officio (juiz ou Tribunal). Atenção: Para que o Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário analise incidentalmente a inconstitucionalidade é necessário o prequestionamento específico da constitucionalidade? Ou seja, os Ministros do STF possuem competência para reconhecer de ofício o incidente de controle de constitucionalidade incidental sem o prequestionamento específico da constitucionalidade? Dirley da Cunha Júnior 55, ao citar o RE 117.805 (julgado em 27/08/93), sustenta que os Ministros do Supremo Tribunal Federal não podem provocar de ofício o incidente de controle de constitucionalidade, salvo se o incidente for devidamente prequestionado. No mesmo sentido, o STF, em julgado mais recente, entendeu que: não dispensa o prequestionamento, segundo a jurisprudência da Corte, que a matéria seja de ordem pública, passível de conhecimento de ofício nas instâncias ordinárias 56. Como a matéria relativa à inconstitucionalidade é questão de ordem pública, conclui-se que os Ministros do Supremo Tribunal Federal não podem provocar de ofício o incidente de controle de constitucionalidade, salvo se devidamente prequestionado, razão pela qual se julga inadmissível o recurso extraordinário se a questão constitucional suscitada não tiver sido apreciada no acórdão recorrido 57. Importante: Em relação aos fundamentos, prequestionado o recurso extraordinário, importante salientar que o Supremo Tribunal Federal não está vinculado aos fundamentos apontados no recurso, pois todos os fundamentos anteriores, apreciados ou não, são devolvidos ao tribunal para rejulgamento. Do mesmo modo, ao julgar, os Ministros não estão adstritos aos fundamentos constitucionais apontados nos recursos: ocorreu alteração da tradicional orientação jurisprudencial do STF, segundo a qual só se conhece do RE, se for para dar-lhe provimento: distinção necessária entre o juízo de admissibilidade do RE para o qual é suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido 54. DIDIER Jr. Fredie e CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Bahia: Podivm, 2008, p. 552. 55. CUNHA JR, 2008, p. 140-141. 56. ED-RE 219703, julgado em 26/9/2006, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence. 57. AI 700144 AgR, julgado em 30/6/2009, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski. 59

Bruno Taufner Zanotti de dispositivos da Constituição nele prequestionados e o juízo de mérito, que envolve a verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a Constituição, ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso extraordinário 58. Aplicação em Concurso: (MP/MG/Promotor de Justiça/2006/modificada) "A arguição de inconstitucionalidade, por via de exceção, necessita haver sido ventilada no juízo de primeiro grau, para ser apreciada pela instância recursal." OBS: A assertiva foi considerada falsa, pois a matéria relativa à inconstitucionalidade é questão de ordem pública e pode ser conhecida de ofício por qualquer juiz ou tribunal, mesmo que não tenha sido ventilada anteriormente. A questão específica no STF não foi levada em consideração pela banca do concurso para a resposta da questão. 2.6. Efeitos, como regra, inter partes e ex tunc da declaração de inconstitucionalidade incidental O controle difuso de constitucionalidade, como foi colocado, tem por base o caso concreto. Como se dá em qualquer ação ordinária, seja em primeira instância, seja via recurso em tribunal, os efeitos da coisa julgada somente atingem as partes do processo (no processo civil existe exceção, o que não vem ao caso nesse momento). Mesmo que, durante o processo, seja incidentalmente declarada a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, tal regra não se altera. Em outras palavras, a lei somente deixa de ser aplicada no processo em que foi julgada. A lei continua plenamente válida no ordenamento jurídico e obrigatória para todos, salvo, repita-se, no processo em que foi declarada inconstitucional. Somente na hipótese de remessa ao Senado Federal 59 pelo Supremo Tribunal do que foi decidido em controle difuso é que se outorgarão efeitos erga omnes, o que representa uma exceção à regra analisada, a ser estudada ainda neste capítulo. 58. RE 298694, julgado pelo Pleno em 6/8/2003, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence. 59. Tal possibilidade consta do art. 52, inciso X, da Constituição Federal: Compete privativamente ao Senado Federal (...) suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. 60

Controle difuso de constitucionalidade Além dos efeitos inter partes, a decisão no controle difuso possui efeito ex tunc. Ou seja, por ser a lei declarada nula, os efeitos da decisão retroagem ao seu nascedouro, de modo a tornar inválidos todos os atos que tiverem como base tal lei. Excepcionalmente, o Supremo Tribunal Federal tem aplicado analogicamente o artigo 27 da Lei 9.868/99, admitindo a modulação dos efeitos da decisão. Nesse caso, a Colenda Corte pode restringir os efeitos da declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Tal regramento será analisado em capítulo próprio. 2.7. Objeto do controle difuso O controle difuso pode ser exercido em relação a normas emanadas dos três níveis de poder, de qualquer hierarquia, inclusive anteriores à Constituição. Admite-se, por exemplo, o controle da constitucionalidade de uma Emenda Constitucional que se mostre materialmente incompatível com a Constituição Federal, por violação das cláusulas pétreas. Ressalta-se a possibilidade do controle da constitucionalidade das normas anteriores à Constituição. Essas normas possuem dois parâmetros para aferição da constitucionalidade. De um lado, podem ser analisadas em face da Constituição da época em que foram criadas; de outro lado, podem ser analisadas com base na nova Constituição. No primeiro caso, serão declaradas inconstitucionais, mas, no segundo, fala-se na sua não recepção pela nova Constituição. E mais, não se aplica a cláusula de reserva de plenário quando a lei for anterior a atual Constituição, pois não se estará declarando a sua inconstitucionalidade, mas, sim, a sua não recepção pela nova Constituição (a norma é considerada revogada). Importante: Atualmente, é possível falar também no controle de constitucionalidade dos atos privados (drittwirkung), quando violam direitos e garantias fundamentais 60. Os direitos fundamentais, além da eficácia vertical (decorrente da relação de direito público entre o Estado e o cidadão), também possuem uma eficácia horizontal (decorrente da relação de direito privado entre os cidadãos). Por isso, não existem esferas de atuação privada isentas da fiscalização do poder estatal, razão pela qual, caso um ato privado (por exemplo, o contrato social de uma empresa) 60. AGRA, 2008, p. 175. 61

Bruno Taufner Zanotti viole um direito fundamental, o juiz, ao analisar o caso concreto que lhe for submetido, poderá declarar a inconstitucionalidade deste ato e reconhecer a supremacia da Constituição. Nesse sentido, cita-se o julgamento do STF no RE 201819 61 : Entendeu-se ser, na espécie, hipótese de aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas. Ressaltou-se que, em razão de a UBC integrar a estrutura do ECAD Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, entidade de relevante papel no âmbito do sistema brasileiro de proteção aos direitos autorais, seria incontroverso que, no caso, ao restringir as possibilidades de defesa do recorrido, a recorrente assumira posição privilegiada para determinar, preponderantemente, a extensão do gozo e da fruição dos direitos autorais de seu associado. Concluiu-se que as penalidades impostas pela recorrente ao recorrido extrapolaram a liberdade do direito de associação e, em especial, o de defesa, sendo imperiosa a observância, em face das peculiaridades do caso, das garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. 3. Análise do artigo 97 da Constituição Federal (cláusula de reserva de plenário): Art. 97: Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. Não há dúvida de que o juiz de primeiro grau possui competência para declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo no caso concreto. No entanto, quando o processo estiver se desenvolvendo, originariamente ou pela via recursal em um Tribunal, o magistrado, a Turma ou a Câmara não possuem competência para declarar a inconstitucionalidade da lei. No Tribunal, somente o Pleno ou o Órgão Especial podem declarar a inconstitucionalidade da lei, em razão do artigo 97 da Constituição Federal, que prescreve a chamada cláusula de reserva de plenário. Assim, a Câ- 61. RE 201819, julgado em 11/10/2005, Rel. para acórdão Ministro Gilmar Mendes, conforme noticiado no Inf. 405 do STF. 62

Controle difuso de constitucionalidade mara ou a Turma, quando suscitada a inconstitucionalidade de uma lei, não pode decidir sozinha não representa a maioria absoluta do tribunal, devendo remeter os autos para o Pleno ou Órgão Especial para análise da matéria. A votação se dará por maioria absoluta dos votos (regra do full bench). Ocorre, nesse momento, a cisão funcional de competência, cabendo, de um lado, ao Pleno ou Órgão Especial se manifestar somente sobre o incidente de inconstitucionalidade, e, por outro lado, ao final desse incidente, à Turma ou Câmara dar seguimento ao procedimento e se manifestar sobre o caso concreto. Ressalta-se que a cláusula de plenário somente se refere à declaração da inconstitucionalidade, não se aplicando quando o fim for declarar a constitucionalidade da norma. Ou seja, por ser toda norma presumidamente constitucional, o incidente de inconstitucionalidade somente se aplica na declaração da inconstitucionalidade da norma (e não o contrário). Como é determinado pelo artigo 97 da Constituição Federal, o Pleno ou Órgão Especial podem ter tal competência. Apesar da competência inicial ser do Pleno, é possível delegá-la ao Órgão Especial nos termos do inciso XI, do art. 93 da Constituição Federal: Art. 93: Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: XI nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo- -se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno. Atenção: A declaração implícita da inconstitucionalidade também só pode ser feita pelo Pleno ou Órgão Especial do Tribunal. Ocorre, por exemplo, quando o Tribunal não declara expressamente a inconstitucionalidade, mas afasta sua incidência no caso concreto. Esses são os termos da Súmula Vinculante nº 10 do STF: Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte. 63

Bruno Taufner Zanotti Aplicação em Concurso: (TJ/SE/Juiz/2008) " De acordo com o entendimento jurisprudencial do STF, em relação ao controle difuso de constitucionalidade, realizada a cisão funcional para julgamento de arguição de inconstitucionalidade, o pleno ou órgão especial já decidirá também sobre o bem jurídico em discussão." OBS: A assertiva foi considerada falsa. O Pleno ou Órgão especial somente julga o incidente de inconstitucionalidade, não decidindo acerca do bem jurídico. (TJ/DFT/Analista/2008) "O incidente de deslocamento do processo da arguição de inconstitucionalidade, das turmas de um tribunal ao seu plenário ou órgão especial, quando não houver pronunciamento destes, é desnecessário se o ato normativo questionado já tiver sido declarado inconstitucional por quaisquer das Turmas do STF." OBS: A assertiva foi considerada falsa, pois as Turmas do STF não possuem competência para declarar a inconstitucionalidade, uma vez que viola a cláusula de reserva de plenário. 3.1. A obrigatoriedade do processamento do incidente Suscitada a inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo do poder público pelos legitimados acima enumerados, a Turma ou a Câmara está vinculada à necessidade da remessa ao Pleno ou Órgão Especial? A regra, sem dúvida, é pela obrigatoriedade. No entanto, existem exceções em que a remessa não ocorrerá: quando o Pleno ou Órgão Especial do Tribunal em que foi suscitada a inconstitucionalidade ou o Pleno do Supremo Tribunal Federal já tiver se manifestado sobre aquela lei ou ato normativo (aplicação do parágrafo único do art. 481 do CPC 62 ). Tem-se, portanto, que a cláusula de reserva de plenário somente se aplica na primeira vez em que se alega a inconstitucionalidade da norma, pois, fixado o precedente, a remessa não mais ocorrerá; 62. Parágrafo único do artigo 481 do Código de Processo Civil: Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. 64