EDUCAÇÃO AMBIENTAL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NUMA PERSPECTIVA AUTOPOIÉTICA.



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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NUMA PERSPECTIVA AUTOPOIÉTICA. RANGEL, Iguatemi Santos. Professor Adjunto do Departamento de Linguagem Cultura e Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Tutor do Pet Conexões Licenciatura e Coordenador do Núcleo de Educação Infantil da UFES. RAMOS, Andréia Teixeira. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) na linha de pesquisa Cultura, Currículo e formação de educadores/as. Agência financiadora CAPES. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa Interdisciplinar em Educação Ambiental/CNPq. GONZALEZ, Soler. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), na linha de pesquisa Cultura, Currículo e formação de educadores/as. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa Interdisciplinar em Educação Ambiental/CNPq e Professor Adjunto da Faculdade São João Batista/Aracruz/ES RESUMO Esta pesquisa é fruto de um trabalho articulado de formação continuada cujo objetivo foi problematizar as redes cotidianas de formação tecidas por meio de conversações e intercambiamento de experiências com 250 professores de cinco prefeituras municipais do Norte do Espírito Santo (São Mateus, Nova Venécia, Sooretama, Jaguaré, Pedro Canário). A pesquisa surgiu a partir do Projeto de Extensão da Universidade Federal do Espírito Santo e parceria com as Secretarias de Educação dos municípios envolvidos com duração de 150 horas, sendo disponibilizado para cada município 50 vagas para os professores de educação infantil da rede de ensino. Utilizou-se os aportes teóricos metodológicos da perspectiva do cotidiano Alves (2002) Oliveira (2005), combinado com as noções de autopoiése e redes de conversações em Maturana (1999), também apoiamos na noção de experiência em Larrosa (2002). O trabalho evidenciou a necessidade de produção de espaços-tempos de trocas de afecções por meio de conversações em espaços de convivências potencializando e envolvendo, tanto os próprios professores, como também o estabelecimento de diálogos com os professores/formadores da Universidade Federal do Espírito Santo. As experiências produzidas potencializaram diferentes modos de saberes e fazeres pedagógicos, que na perspectiva autopoiética em Maturana juntamente com o devir docente produziu processos de negociação e intercambiamento de sentidos, produção, fabricação e interação com as redes cotidianas, problematizando a suposta autoridade constituidora externa, reafirmando, assim, o sentido da autonomia pedagógica. Nesse sentido, fazemse necessário potencializar outros possíveis de formação continuada com professores/as. A pesquisa enfatiza a potência em problematizar os espaços-tempos da formação dos professores/as, e os saberes e fazeres produzidos nas redes de conversações cotidianas no que o constituí como sujeitos autopoiéticos imersos no devir ontológico que se produzem e em redes de interação e de compartilhamento de conhecimentos e experiências. Livro 2 - p.003380

Palavras-chave: Formação Continuada. Experiência. Conversações. Autopoiése e Educação Ambiental. Introdução O presente trabalho busca articular a Educação Ambiental (EA) com discussões sobre a formação continuada de educadores numa abordagem autopoiética, em processos de autofazimento dos sujeitos em redes cotidianas por meio de conversações. Para tal apoiamo-nos nas teorizações do campo da EA associadas às pesquisas com narrativas em processos de formação de educadores/as (Tristão, 2009) e na noção de autopoiese e conversação presente no pensamento do biólogo chileno Humberto Maturana, e também, na perspectiva do cotidiano como proposto por Alves (2002) e Oliveira (2005). Pensar a EA e a formação de educadores/as com Maturana condiz com o fato de percebermos nossa condição biológica enquanto ser humano nas relações de aprendizagem produzida com as redes cotidianas na escola, assumindo também, que nos tornamos humanos no nosso devir evolutivo baseado no linguajar, na linguagem e nas emoções que ocorrem na convivência amorosa constituída e conservada historicamente em relações cooperativas, assumindo também que a constituição do humano em nós remete a condição inerente ao individuo de se conceber e se perceber como parte de um coletivo que se auto (co) produz nas redes de conversações. Perez (2007), na mesma perspectiva de Maturana (1999), ao fazer referencia os processos de constituição do professor, destaca que esses movimentos de autofazimento autopoiético, quase imperceptíveis pela lente do discurso da Modernidade, configuram uma profissão que se realiza no espaço-tempo da mediação simbólica, pois os professores são o que conseguem ser na relação com o outro; os professores sozinhos não produzem a escola. Segundo essa mesma autora a docência é puro devir, movimento, transformação, criação, invenção. A partir das reflexões com Deleuze, a autora esclarece que: Livro 2 - p.003381

Devir não é imitação ou assimilação, devir é dupla captura. A experiência da dupla captura, faz da docência um estado inédito que no plano do visível se materializa na relação com o outro e que no plano do invisível, se expressa na conjugação de novos fluxos, que abalam nossa subjetividade e nos desterritorializam, lançando-nos à exigência de criarmos outras formas de existir (pensar, sentir, agir), que encarnem este estado inédito que se fez em nós, este outro que nos tornamos. A dupla captura incorpora a diferença e instaura a abertura para a criação de outras formas de estar sendo no mundo. A docência como devir, é um estado inédito, uma invenção que anuncia novas possibilidades éticas-políticas-estéticas para o espaço escolar ( PEREZ, 2007). Esses movimentos silenciosos, contínuos e persistentes são expressos nos depoimentos das professoras em processos de formação, sobretudo quando relatam que a experiência dos outros/outras é um dispositivo para ampliar a sua própria experiência. Esse processo de interdependência constitutiva do sujeito também é referenciado por Carvalho (2011 apud SIMONDON, 2007) quando afirma que: A experiência coletiva, a vida de grupo, não é, como se pode acreditar, o âmbito no qual se moderam e diminuem os traços sobressalentes do indivíduo singular, mas ao contrário, é o terreno de uma nova individuação, ainda mais radical. Na participação em um coletivo, o sujeito, longe de renunciar aos seus traços mais peculiares, tem a ocasião de individuar, ao menos em parte, a cota de realidade pré-individual que leva sempre consigo. Nesse sentido, acreditamos que autopoiese e devir docência são movimentos complementares, sobretudo quando fazem parte de um processo de formação continuada, tendo como forma de organização, encontros de socialização, intercambiamento de experiências entre professores das escolas e professores formadores. Cumpre esclarecer que Autopoiese vem do grego: autós, próprio; poieu, poiein, poiesis, faço, fazer, o feito, é a produção de si mesmo, autofazimento, um sistema autopoiético é uma teia de processos que vão se produzindo com transformações e interações, nesse caso aqui tratado, transformações e interações nos modos de ser/estar na profissão de professor/a. Tal perspectiva se coaduna com a formação continuada que acredita que a docência se constitui para além dos conhecimentos técnicos-cientificos ou mesmo disciplinares, específicos de suas áreas de conhecimentos. Os professores se formam em complexos processos de intercambiamento de experiências e em processos de negociação de Livro 2 - p.003382

sentidos, sobretudo localizados nas escolas, por meio de trocas dialógicas, ou como propõe Maturana apud Carvalho, (2009) em processos de conversações. As conversações apresentam-se como estratégias e táticas constitutivas do momento formativo, pois permite a circulação e fertilização de idéias potentes com deslocamentos de lugares conceituais arraigados, possibilitando a abertura ao novo, à atualidade e a diferença. A partir dos conceitos de autopoiese, conversações e experiências assumimos como objetivos nesse trabalho de pesquisa, a) problematizar e articular a EA numa perspectiva autopoiética com discussões de formação de professores nas redes da complexidade cotidiana, b) estabelecer relações entre processos de autofazimento dos sujeitos engajados em redes de saberes-fazeres cotidianas com as questões ambientais com c) oportunizar o debate das questões ambientais de modo a potencializar diferentes espaços de convivência e aprendizagem na comunidade escolar para a produção de conhecimentos e relações de cooperação, solidariedade e amorosidade. Travessias da pesquisa Para o desenvolvimento da pesquisa assumimos a perspectiva das teorizações do campo da EA associadas às pesquisas com narrativas em processos de formação de educadores/as (Tristão, 2009) e na noção de autopoiese e conversação presente no pensamento do biólogo chileno Humberto Maturana, e também na perspectiva do cotidiano como proposto por Alves (2002) e Oliveira (2005). O campo se constituiu com interações experienciadas com 250 professores que fizeram parte do Projeto de formação continuada de professores de Educação Infantil: Múltiplos olhares sobre a docência. A apresentação das abordagens da formação de professores aconteceu por meio de conversas problematizadoras com apresentação de textos/imagens/sons provocativas com a intenção de criar diferentes caminhos que viabilizam novos modos de existência na docência. Durante os sete meses do Projeto de formação continuada realizamos atividades articulando as discussões da EA com a formação de professores. O curso de formação tem me auxiliado muito, pois fez com que me esclarecesse algumas dúvidas relacionadas à minha prática. Pois são compartilhadas as experiências entre todos. Enfim, está sendo muito proveitosa a minha participação nos processo de formação continuada (Professora Josiane Município de Sooretama) Livro 2 - p.003383

Como a proposta dessa formação foi trabalhar os múltiplos olhares o Grupo de Pesquisa em Educação Ambiental (GPEA), do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Educação Ambiental (NIPEEA) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) foi convidado a compor a equipe desta formação com a temática Educação Ambiental e Educação Infantil. O conteúdo programático da formação contemplou: a) Educação Ambiental e as Políticas Estruturantes, b) Um olhar sobre a Educação ambiental: panorama do Brasil e no Espírito Santo, c) Educação Ambiental e Educação Infantil, d) Reinventando relações entre seres humanos e natureza nos espaços de educação infantil, e) A Carta da Terra e f) Tratado de Educação Ambiental para a Sociedade Sustentável e Responsabilidade Global. Além disso contemplamos práticas educativas em diferentes linguagens que emergiram com momentos autopoiéticos da formação, como por exemplo, poesias, vídeos, filmes, músicas, danças circulares, jogos, brincadeiras, dinâmicas, oficinas de mapas, cartografias, compartilhando experiências, e narrativas nas redes de conversações tessidas com o devir dos docentes na formação. A participação neste curso, esta sendo bastante gratificante, pois trabalho com crianças na faixa etária de 04 anos. A capacitação tem contribuído muito para aplicação da metodologia do meu trabalho em sala de aula (Professora Marly Município de Pedro Canário) No movimento da formação nossa proposta foi também problematizar metodologias em EA, com a intenção de potencializar no grupo de docentes com suas escolas, experiências didáticas em EA, envolvendo a comunidade escolar e outros espaços de convivências e aprendizagens. Durante os encontros aos sábados apresentamos perspectivas teórico-metodológicas no exercício de pensar a EA numa abordagem autopoiética e seus entrelaçamentos com a formação de professores/as considerando os diferentes espaços de convivências que permeiam as redes cotidianas da escola e que encontram-se enredadas com narrativas e conversas (MATURANA, 1999). São grandes as minhas expectativas em relação a formação continuada. No meu entender, como o próprio nome sugere, são visões diferentes, experiências diferentes a serem compartilhadas e isso possibilita grandes aprendizados. Através destes encontros já mudei algumas visões em relação à comportamentos de alunos em sala de aula. Compreendi, por exemplo, que aprendizado às vezes requer barulho e movimentação, por parte dos pequenos (professora Maria Lucia-Município de Sooretama) Na orientação dessas experiências foi proposto os atravessamentos dessas expeirências com os princípios do documentos A Carta da Terra, desencadeando por sua vez, nesse Livro 2 - p.003384

devir coletivo e autopoiético de formação docente a realização do Seminário de Educação Ambiental na Educação Infantil como momento autopoiético do processo de formação docente, emergindo com as temáticas (Projetos Água, Lixo, Horta Patrimônio Histórico e Ambiental do município, etc.) apresentadas pelos grupos das escolas redes de conversações na formação docente. Os últimos encontros têm sido muito criativos e as experiências vivenciadas junto com os professores do curso e as colegas de trabalho, esta sendo muito proveitoso para minha prática na sala de aula, pois os alunos ficam muito felizes quando levamos algo novo (professora Sirlene Município de Pedro Canário) As redes de conversações tessidas no devir autopoiético com os encontros de EA As narrativas das professoras remete a pensar a formação continuada muito mais como redes, fluxos, devires, movimentos do que como projeto estruturado para fazer os professores tornarem-se competentes a partir de módulos instrucionais. Quando os professores colocam em relevo as experiências (LARROSA, 2002), que os constituem no encontro com os outros professores/formadores, sugerem que tão importante quanto o conteúdo da formação são as múltiplas formas que esses saberes/fazeres são socializados. Nesse sentido Carvalho (2009) propõe que a escola seja pensada como comunidade de afetos, e que os espaços-tempos dos encontros (formação continuada, planejamenotos) sejam alargados/ampliados para fazer com que professores/as possam conversar-conversar, alunos e professores possam conversar-conversar, escolas e outras instâncias, dentre elas as mídias e outros produtos culturais, possam conversarconversar, considerando a alteridade, de modo que possibilite a conversação dos outros com eles mesmos. Em relação a potencia desses encontros no compartilhar conhecimentos e afetos em processos de formação continuada estacamos a narrativa de uma professora. Apesar de já trabalhar na educação infantil, posso então relatar que as experiências vivenciadas no decorrer do curso possibilitou-me um aprendizado mais amplo e significativo, principalmente nas experiências relatadas por outros professores, a que me fez entender que buscar conhecimento através da formação continuada é necessário para a nossa prática pedagógica (Professora Eloisa Município de Sooretama) Assim, para além de conhecer textualmente o outro, independentemente do saber científico acerca do outro, é preciso poder vincular/compartilhar experiências de uns Livro 2 - p.003385

com as experiências dos outros, problematizando o discurso da racionalidade moderna, que sejam estabelecidos encontros que potencializem saberes, fazeres e afetos constituindo um movimento da comunidade educativa que outorgue alternativas possíveis e sensíveis. Pensar a EA e a formação de educadores/as com Maturana condiz com o fato de percebermos nossa condição biológica enquanto ser humano nas relações de aprendizagem produzida com as redes cotidianas na escola, assumindo também, que nos tornamos humanos no nosso devir evolutivo baseado na linguagem, no linguajar e nas emoções que ocorrem na convivência amorosa constituída e conservada historicamente em relações cooperativas. Entendemos por EA numa perspectiva autopoiética os processos de aprendizagem em que os seres humanos estão se autoproduzindo com relações amorosas no compartilhar, na solidariedade, na aceitação do outro como legítimo outro junto a nós e no conviver em prol da sustentabilidade. Como pensar a constituição dos sujeitos e da EA numa perspectiva autopoiética nas relações e no compartilhar a solidariedade e na aceitação do outro como legítimo outro junto nós na amorosidade? Tal questão potencializou o processo de formação autopoiético docente e vem atualizando no devir cotidiano. Nosso propósito foi apresentar potencialidades políticas e a relevância ética e ontológica da abordagem da EA numa perspectiva autopoiética nas relações cotidianas de afeto e aprendizagem da escola, fundamentais em processos de formação de professores com atenção às vivências, valores, práticas e relações de cuidado (BOFF, 1999) de si, e com os outros na sustentabilidade. Pensar com Maturana prescinde assumir nossa condição biológica no domínio operacional do pensar, do fazer com e do aprender. É também, assumirmos que nos tornamos humanos no linguajar na linguagem. Pensando com o autor, queremos aqui, considerar nossas redes cotidianas como espaços de convivência de possíveis, na qual a aprendizagem acontece de modo permanente e de maneira recíproca, alargando os limites dos modelos, fórmulas, controles e indicadores. A vida sempre escapa, assim, concebendo a escola também como espaço de convivência e o currículo como redes cotidianas de saberes-fazeres que permanentemente criam situações de autofazimento dos sujeitos, como nós, Livro 2 - p.003386

educadores ambientais, podemos potencializar relações solidárias, fundamentadas em emoções amorosas e de cooperação? Como nos tornamos o que somos? Conclusões e recomendações O encontro de hoje foi muito dinâmico e participativo. O conteúdo sobre Educação Ambiental foi trabalhado de forma lúdica e prazerosa. Isso foi maravilhoso, porque a professor de educação infantil é cobrado um trabalho acolhedor, lúdico, música, dança, pois, movimento corporal, porém nos encontros de formação somos obrigados a permanecer escutando, escutando,escutando, e hoje foi diferente. O encontro despertoume para um trabalho ambientalista na escola, já trabalhamos, mas pode ser melhor. (Professora Sicleide do município de Pedro Canário) Esta formação de professores (as) pretendeu ser um exercício coletivo de discussão dos possíveis produzidos com a abordagem da EA numa perspectiva autopoiética nas redes cotidianas da escola, por meio das narrativas e das conversas nos processos de autofazimento de educadores/as. Foi também a possibilidade de problematizarmos as questões ambientais, as relações sociais, éticas, políticas e as práticas cotidianas de sustentabilidade, em ações de EA comprometida com a cooperação, a solidariedade e a aceitação do outro como legítimo outro junto a nós na amorosidade. Aprendi muitas coisas nesse dia importante para a nossa prática em sala de aula e no meu viver. Sei que o presente é que requer mudanças da minha parte, também de todos que estão a minha volta, para que assim no futuro o meu filho e as crianças de hoje possam viver em um planeta terra cheio de vida, principalmente água para bebermos e para os nossos cuidados no nosso dia-a-dia. A conscientização do cuidado das árvores e animais e qualquer ser vivente na terra com amor e dedicação. Plante uma árvore, não jogue o lixo de qualquer jeito em qualquer lugar, se possível for recicle. Essas práticas que devemos ter na nossa vida para mantermos um mundo de paz e tranqüilidade. (Professora Deisiane do Município de Pedro Canário) Assim como os estudos de Maturana, esses encontros de formação em EA trouxeram pistas para pensarmos as relações da biologia humana com a linguagem ao considerar as nossas experiências enquanto seres humanos no linguajar, constituída e conservada em relações amorosas e cooperativas no nosso devir evolutivo na história dos primatas bípedes, de modo que a potência dessa condição ontológica pode em muito contribuir, com processos de formação de educadores/as na ação do exercício do linguajar e do conversar num movimento da sustentabilidade enquanto ação, verbo, ou seja, sustentabilizar, as relações sociais nos espaços-tempos da escola. Livro 2 - p.003387

A experiência relatada por outros professores me fez perceber o quanto é importante buscar novos conhecimentos para garantir através da nossa prática pedagógica um conhecimento mais significativo que auxiliara no processo ensino aprendizagem da criança, podendo então refletir no nosso desenvolvimento profissional (Professora Eva Município de Sooretama) Ao apresentar argumentos associando as narrativas e as conversas produzidas nas redes cotidianas de conversações da escola com a EA numa perspectiva autopoiética apostamos nas dimensões éticas e políticas dos movimentos de formação e de aprendizagens coletivas com educadores/as. Tal concepção ética e política acerca da cooperação e da coletividade na formação de educadores/as por meio das conversas, nos provoca a pensar em outros caminhos possíveis e diferentes das lógicas individualistas, consumistas e da atitude anti-ecológica. Caminhos que sejam potentes em alternativas que alarguem as relações de aceitação do outro como legítimo outro e de outras formas de vida que atravessam os espaços-tempos da escola. As ações desenvolvidas nos encontros de EA disseminaram outros movimentos formativos com municípios que compõem a região metropolitana da Grande Vitória, juntamente com professores da Educação Infantil da rede pública do município de Vila Velha, dando sustentabilidade às ações que já foram realizadas e fertilizando outros movimentos possíveis de formação docente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Nilda. No cotidiano da escola se escreve uma história diferente da que conhecemos até agora. In: VORRABER, Marisa. A escola tem futuro?. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.. Algumas idéias sobre a formação de professores. Disponível em: <Alves.htm.11/12/2001>. Acesso em: 13 maio 2002.. A articulação dos saberes e a educação na transição paradigmática. Cadernos de Pesquisa em Educação-PPGE-UFES, Vitória, v. 8, n. 16, p. 7-30, jul./dez. 2002. Livro 2 - p.003388

. Decifrando o pergaminho: o cotidiano das escolas nas lógicas das redes cotidianas. In: OLIVEIRA, Inês Barbosa de; ALVES, Nilda (Org.). A pesquisa no/do cotidiano das escolas: sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. BOFF, L. Saber cuidar, Ética do humano compaixão da terra. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1999. CARVALHO, Janete Magalhães. O cotidiano escolar como comunidade de afetos. Petrópolis/RJ: DPet Alii, 2009. MATURANA, H. A ontologia da realidade. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação. n.19, jan./fev./mar./abr.2002. MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Ed. Sulina, 3ª edição, 2007. OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Criação curricular, autoformação e formação continuada no cotidiano escolar. In: FERRAÇO, Carlos Eduardo (Org.). Cotidiano escolar, formação de professores(as) e currículo. São Paulo: Cortez, 2005. SATO, Michele. Apaixonadamente pesquisadora em educação ambiental. Revista Educação Teoria e Prática, Rio Claro, v. 9, n. 16/17, p. 24-35, 2001. TRISTÃO, Martha. A educação ambiental na formação de professores: redes de saberes. São Paulo: Annablume, 2004. Livro 2 - p.003389

Livro 2 - p.003390