Derrame pleural na Sala de Urgência

Documentos relacionados
COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIÕES. Abordagem do derrame pleural

DERRAME PLEURAL MARIANA VIANA- R1 DE CLÍNICA MÉDICA ORIENTADORES: FLÁVIO PACHECO MIRLA DE SÁ

Derrames Pleurais DR. RAFAEL PANOSSO CADORE

Imagem da Semana: Radiografia de Tórax

Derrame Pleural. Hemotórax. Quilotórax. Derrame pseudoquiloso (colesterol / BK e reumatóide)

23/04/2013. Análise crítica da coleta, processamento e interpretação dos exames laboratoriais nos Derrames Pleurais INCIDÊNCIA

23/04/2013. Chibante AMS, Miranda S. UNIRIO Maranhão BHF, Silva Junior CT & cols. J Bras Pneumol. 2010;36(4):

Protocolo de abordagem de derrame pleural

02/05/2016. Exsudato pleural Qual é o diagnóstico? Diagnóstico de Exsudato. Declaro que não existe conflito de interesses

Residência Médica Caso 1

INITIAL APPROACH FOR THE PATIENT WITH PLEURAL EFFUSION

Doenças Pleurais ESQUEMA ANATOMIA. Fisiologia. Imagem. Abordagem da Pleura. Diferencial Transudato x Exsudato. Principais Exsudatos.

DERRAME PLEURAL. capilar pleural. mediadores, assim como recrutamento celular. EPIDEMIOLOGIA

DERRAME PLEURAL PARAPNEUMÔNICO EM CRIANÇAS: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

AFECÇÕES PLEURAIS. Paulo Evora. Departamento de Cirurgia e Anatomia FMRP - USP. Disciplina de Cirurgia Torácica e Cardiovascular

Caso 18, adaptado de Relato de Caso Clínico com finalidade didática:

Imagem da Semana: Radiografia e Cintilografia. Imagem 01. Radiografia simples de tórax na incidência anteroposterior (AP) na primeira avaliação

Avanços no Diagnóstico do Derrame Pleural Indeterminado

Resultados 33. IV. Resultados

Temas. Síntese Pulmonar. Pneumonia. Alveolar x Intersticial. Pneumonia Derrame pleural Asma DPOC GESEP - FEPAR. Dr. Ivan Paredes

Declaração sobre Potenciais Conflitos de Interesse

Imagem da Semana: Tomografia de tórax

36º Imagem da Semana: Radiografia de tórax

Imagem da Semana: Radiografia

Doenças Pleurais. Doenças pleurais. Pleuras - Anatomia. Pleuras - Fisiologia. Derrame pleural. Empiema. Pneumotórax. Hemotórax.

02/06/2010. Derrame Pleural. Sarcoidose

COMO EU FAÇO?! TORACOCENTESE

Definição 17/05/2018. Tratamento dos derrames pleurais. Ferraz Gonçalves 2017

Derrame Pleural de Causa Indeterminada

Manejo do Derrame Pleural Maligno. Roberta Sales Pneumologia - InCor/HC- FMUSP Comissão de Pleura da SBPT

INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA EM GATOS

Derrame Pleural. Definição: Acumulo de liquido no espaço Pleural

PAC Pneumonia Adquirida na Comunidade

O PACIENTE COM EDEMA

Definir critérios de diagnóstico, prognóstico e tratamento das pneumonias do adulto adquiridas em comunidade.

PNEUMONIA ADQUIRIDA NA COMUNIDADE NA INFÂNCIA (PAC)

8/10/2009. Líquidos Cavitários

AUTOR. Durval Alex Gomes e Costa

GLOSSÁRIO EXPERIMENTAL DE PNEUMOPATIAS DO TRABALHO

Derrame pleural de aspecto escurecido

PRODUÇÃO TÉCNICA DESENVOLVIMENTO DE MATERIAL DIDÁTICO OU INSTRUCIONAL

RCG 323- Sistema Respiratório. Caso Clínico 7

AB0 HLA-A HLA-B HLA-DR Paciente A 1,11 8,35 3,11 Pai O 1,2 8,44 3,15 Irmão 1 B 1,11 8,35 3,11 Irmão 2 O 2,24 44,51 8,15

NÓDULO PULMONAR SOLITÁRIO

HEMOPNEUMOTÓRAX ESPONTÂNEO

Maria Barros 8 Novembro 2017 PNEUMONIA ADQUIRIDA NA COMUNIDADE E HOSPITALAR

Manejo da Coinfecção TB-HIV

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS. Doença Cardiovascular Parte 4. Profª. Tatiane da Silva Campos

Caso Clínico: IMPATIENT INPATIENT CARE

b) caso este paciente venha a ser submetido a uma biópsia renal, descreva como deve ser o aspecto encontrado na patologia.

Síndromes aórticas agudas. na Sala de Urgência

Fonoaudiologia. Caderno de Questões PROVA DISCURSIVA. SRH Superintendência DESEN. de Recursos Humanos

Pericárdio Anatomia e principais patologias

EXAME LABORATORIAL DO LÍQÜIDO CEFALORAQUIDIANO (LCR)

I MÓDULO Grandes Síndromes Clínicas: Sinais e Sintomas 6 Semanas: 1ª a 6ª semana SEMANA DIA HORÁRIO PROF. SALA CONTEÚDO

Derrame Pleural Eosinofílico

DOENÇAS RELACIONADAS AO AMIANTO Diagnóstico e critérios de atribuição: Doenças pleurais

Propomos o Protocolo Para Internação em Hospitais Estaduais de Referência Terciária para Tuberculose

Estudo Radiológico do Tórax

Imagem da Semana: Radiografia e TC. Imagem 01. Radiografia simples do tórax em incidência póstero-anterior.

PNEUMOLOGIA. Introdução ao estudo Radiológico do Tórax. PEC III. Acad. Franchesca Luz

TROMBOEMBOLISMO PULMONAR EMERGÊNCIAS AÓRTICAS. Leonardo Oliveira Moura

Disseção da Aorta. A entidade esquecida. Hugo Rodrigues Cirurgião Vascular HPA

Ascite. Sarah Pontes de Barros Leal

ASCITE DE DIFÍCIL DIAGNÓSTICO: MANEJO CLÍNICO P A U L A A R R U D A D O E S P I R I T O S A N T O O R I E N T A Ç Ã O : D R. C É S A R A M O R I M

Trauma torácico ATLS A airway (vias aéreas pérvias) B breathing (avaliação manutenção resp e mecânica resp) C circulation D disability (avaliação esta

É a resultante final de várias doenças caracterizadas por inflamação persistente que leva à dilatação irreversível de um

Conduta Frente a Casos de Tuberculose Eletânia Esteves de Almeida Infectologista

REUNIÃO CARDIOLOGIA CIRURGIA CARDIOVASCULAR HOSPITAL NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS. Dr REMULO JOSÉ RAUEN JR

urgência do mesmo? Pneumotórax.

DISCIPLINA DE CIRURGIA TORÁCICA MCP 0327

Pneumonia Comunitária no Adulto Atualização Terapêutica

Padrão acinar Gustavo de Souza Portes Meirelles 1. 1 Doutor em Radiologia pela Escola Paulista de Medicina UNIFESP. 1 Terminologia

TESTE TEÓRICO SEGUNDA AVALIAÇÃO

LABORATÓRIO LAGOA NOVA

Edema OBJECTIVOS. Definir edema. Compreender os principais mecanismos de formação do edema. Compreender a abordagem clínica do edema

INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA CRÔNICA EM GATOS

Perfil para transtornos musculares Perfil para enfermidades ósseas Perfil funcional tireodiano

Material: Sangue c/edta Método..: Citometria/Automatizado e estudo morfológico em esfregaço corado

RESIDÊNCIA MÉDICA SUPLEMENTAR 2015 PRÉ-REQUISITO (R1) / CLÍNICA MÉDICA PROVA DISCURSIVA

Emergências Oncológicas - Síndrome de. Compressão Medular na Emergência

QUESTÃO 01. A respiração paradoxal está associada a

Diagnóstico da Causa da Síndrome do Derrame Pleural Prof. Dr. Cyro T. da Silva Junior

Empiema de necessidade doze anos após trauma torácico por arma de fogo

Confira se os dados contidos na parte inferior desta capa estão corretos e, em seguida, assine no espaço reservado para isso.

EMPIEMA PLEURAL TUBERCULOSO EXTENSO COM DESVIO DE MEDIASTI- NO: RELATO DE CASO

Pleuroscopia com mediastinoscópio em crianças com derrame parapneumônico complicado

PATOLOGIA DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

PNEUMONIA ADQUIRIDA NA COMUNIDADE EM CRIANÇAS: RELATO DE UM CASO

COLECISTITE AGUDA ANDRÉ DE MORICZ. CURSO CONTINUADO DE CIRURGIA PARA RESIDENTES COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIÕES

CAUSAS DE PERICARDITE AGUDA

Emergências Oncológicas - Síndrome de. lise Tumoral na Emergência

Punções: abdominal, vesical e torácica

Toracoscopia em crianças com derrame parapneumônico complicado

Diagnóstico Diferencial das Síndromes Glomerulares. Dra. Roberta M. Lima Sobral

TUBERCULOSE ELIANE FONSECA MÉDICA INFECTOLOGISTA PROFESSORA DO MÓDULO DE INTERAÇÃO EM SAÚDE NA COMUNIDADE-CESUPA

Vigilância Epidemiológica da Tuberculose

PATOLOGIA DO SISTEMA CARDIOVASCULAR

Médico assistente do Serviço de Doenças do Aparelho Respiratório HSPE/IAMSPE

Transcrição:

Derrame pleural na Sala de Urgência Autores e Afiliação: Robson Takashi Hashizume. Ex-Médico Residente da Divisão de Molésticas Infecciosas do Departamento de Clínica Médica - FMRP USP. Abel de Barros Araújo Filho. Médico Assistente da Divisão de Emergências Clínicas do Departamento de Clínica Médica - FMRP - USP Área: Unidade de Emergência / Subárea: Clínica Médica Objetivos: Listar as principais causas, sistematizar uma abordagem prática do derrame pleural e elaborar o seu diagnóstico diferencial, com foco no atendimento de urgência e emergência. Data da última alteração: segunda, 24 de julho de 2017 Data de validade da versão: quinta, 27 de setembro de 2018 Definição / Quadro Clínico: Derrame pleural é o acúmulo anormal de líquido no espaço pleural. Pode ocorrer por aumento na formação de líquido ou por redução na sua absorção. É um problema médico comum e com mais de 50 etiologias já descritas, entre doenças pulmonares e extra-pulmonares. No Brasil, as causas mais comuns são: insuficiência cardíaca, pneumonia, neoplasia, tuberculose e embolia pulmonar. 1

Dispneia é o sintoma dominante, de intensidade variável a depender da extensão do derrame. A presença de sintomas associados como tosse, dor torácica ventilatório-dependente, hemoptise ou febre depende da etiologia subjacente. Carga tabágica, contato com TB e história prévia de TVP/TEP são informações importantes e podem direcionar a investigação diagnóstica. Diagnóstico: Exame físico: murmúrio vesicular reduzido ou abolido no hemitórax acometido, com macicez à percussão, redução do frêmito tóraco-vocal e da ausculta da voz. Pode ser observada redução da expansibilidade torácica. Exames Complementares: Raio-X de tórax: é o exame inicial a ser realizado, sempre que possível nas incidências PA (detecta derrames > 200ml) e perfil (obliteração do ângulo costofrênico posterior em derrames > 50ml) com o paciente em ortostase. O exame em AP no leito, comumente realizado nos pacientes críticos, dificulta a avaliação de derrame pleural. Nessa técnica, pode-se observar aumento difuso na opacidade do hemitórax acometido e borramento ou perda do contorno da cúpula diafragmática ipsilateral. A incidência de Laurell (decúbito lateral com raios horizontais) é muito utilizada para diferenciar derrame de espessamento pleural. Uma lâmina de líquido > 10mm nessa incidência usualmente permite a realização de toracocentese com segurança. Ultrassonografia: superior à radiografia de tórax na detecção de derrame pleural. Pode ser realizado à beira do leito e não tem contra-indicações. Detecta septações com sensibilidade superior à tomografia computadorizada. Utilizado também para guiar a toracocentese diagnóstica. Tomografia computadorizada de tórax: útil na avaliação do diagnóstico etiológico como neoplasia, TEP (angio-ct), pneumonia, etc. Auxilia na diferenciação de abscesso e empiema. Pode evidenciar septações e derrame loculado. À exceção dos casos de IC (vide fluxograma), deve-se proceder à toracocentese diagnóstica. 2

Raio-X de tórax após toracocentese: porém o exame está indicado em caso de tosse, dor torácica, piora da dispneia ou saída de ar durante a toracocentese. Aspecto do líquido pleural: - Amarelo-citrino: mais comum. - Turvo: derrame inflamatório, presença de lipídios, excesso de proteínas ou células. - Leitoso: quilotórax. - Purulento: empiema - Hemorrágico: acidente de punção, neoplasia, tuberculose, TEP - Odor de urina: urinotórax Exames laboratoriais: Sangue: proteínas totais, LDH, albumina, glicose Líquido pleural: proteínas totais, LDH, albumina, glicose, ph, celularidade total e diferencial, cultura * a depender da suspeita clínica, podem ser solicitados exames adicionais no líquido pleural: - neoplasia: citologia oncótica - tuberculose: baciloscopia/cultura para BK, PCR para BK e ADA (adenosina deaminase) - quilotórax: triglicérides 3

- hemotórax: hematócrito Critérios de Light: (sensibilidade 98%; especificidade: 83%) Diferenciação entre transudato e exsudato. Exsudatos preenchem pelo menos um dos critérios: - Relação entre as proteínas do líquido pleural/sérico > 0,5; - Relação entre LDH do líquido pleural/sérico > 0,6; - LDH do líquido pleural mais de 2/3 do limite superior da normalidade * Se o quadro clínico for compatível com derrame transudativo e o resultado da análise do líquido pleural mostrar exsudato, especialmente com valores limítrofes (p. ex. relação de proteínas = 0,51 ou relação de LDH = 0,62) e paciente em uso de diurético, pode-se tratar de falso positivo para exsudato. Deve-se aplicar outro marcador com maior especificidade: * Outros achados que sugerem exsudato: - albumina sérica albumina do líquido pleural 1,2 (especificidade 92%) - proteínas totais sérica proteínas totais do líquido pleural < 3,1 Celularidade do líquido pleural: - Predomínio de PMN (> 50%): derrame parapneumônico, embolia pulmonar, pancreatite - Predomínio de linfócitos: tuberculose ou neoplasia. Pode ocorrer no derrame após cirurgia de revascularização coronariana - Eosinófilos (> 10%): sangue ou ar na pleura. Pode ocorrer no derrame por reação a drogas 4

Critérios para derrame parapneumônico complicado: 1. ph < 7,20 2. Gram / cultura positiva 3. Glicose < 60 mg/dl 4. LDH > 1000 U/L* * critério menos específico; levar em consideração quadro clínico e volume do derrame NÃO SE DEVE APLICAR CRITÉRIOS DE COMPLICAÇÃO PARA OUTROS TIPOS DE DERRAME PLEU- RAL, APENAS PARA O DERRAME PARAPNEUMÔNICO! * a depender da suspeita clínica, podem ser solicitados exames adicionais no líquido pleural: - neoplasia: citologia oncótica - hemotórax: hematócrito (confirma hemotórax se > 50% do hematócrito do sangue e indica drenagem de tórax) - quilotórax: triglicérides (> 110 mg/dl) - urinotórax: uréia e creatinina - colagenose: FAN, fator reumatóide TUBERCULOSE PLEURAL: - Baciloscopia: sensibilidade 5-10% - Cultura para BK: sensibilidade 30% 5

- PCR para BK: especificidade > 90% - ADA (adenosina deaminase): > 40U/L diagnostica TB pleural (nos exsudatos linfocíticos). Sensibilidade 91-100% e especificidade 81-94% - > 5% células mesoteliais no líquido tornam a hipótese de TB pleural pouco provável - Caso investigação laboratorial seja negativa e persista hipótese diagnóstica de TB, indicada biópsia pleural Tratamento: Transudatos: tratamento direcionado à causa-base. Usualmente envolve restrição de sódio e uso de diuréticos. Derrame parapneumônico: antibioticoterapia. Derrame parapneumônico complicado: antibioticoterapia e drenagem de tórax Empiema (pus no espaço pleural): antibioticoterapia e drenagem de tórax. * No derrame parapneumônico complicado e empiema multiloculados, a videotoracoscopia é o tratamento preferencial. Derrame pleural neoplásico: toracocentese de alívio se paciente sintomático. Nos casos refratários à quimioterapia e com necessidade de toracocentese de alívio de repetição, considerar pleurodese. TORACOCENTESE DE ALÍVIO: não retirar volume > 1500ml pelo risco de edema pulmonar de reexpansão. 6

Referências Bibliográficas: 1. British Thoracic Society Pleural Disease Guideline 2010. Thorax. 2010 Aug;65 Suppl 2 2. Diretrizes na Abordagem Diagnóstica e Terapêutica das Doenças Pleurais. Jornal Brasileiro de Pneumologia 2006 - Vol. 32 - Supl. 4 3. Light RW. The Light criteria: the beginning and why they are useful 40 years later. Clin Chest Med. 2013 Mar;34(1):21-6 Considerações Administrativas: Aprovado. 7

Anexos: Fluxograma 1. Abordagem diagnóstica do derrame pleural 8

Fluxograma 2. Abordagem diagnóstica do derrame pleural exsudativo 9