UMA DISCUSSÃO SOBRE O ACENTO EM PORTUGUÊS E EM ESPANHOL



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Anais do 5º Encontro do Celsul, Curitiba-PR, 2003 (749-754) UMA DISCUSSÃO SOBRE O ACENTO EM PORTUGUÊS E EM ESPANHOL Letícia MENA Alves (Universidade Católica de Pelotas ) ABSTRACT: This paper analyses the Brazilian Portuguese and the Spanish languages primary stress, mostly the heterotonics, words with the same sequence of phonemes, but with different stress in both languages, based on the Metrical Phonology from Bisol s proposals (1992) to the Portuguese and from Harris s (1983) to the Spanish language. KEYWORDS: Metrical Phonology; primary stress; extrametricality; Portuguese and Spanish 0. Introdução Dentre os vários fenômenos das fonologias do Português e do Espanhol que, cotejadas em sala de aula, suscitam dúvidas no processo de aquisição dessa língua por brasileiros está a questão do acento. Para a Fonologia Métrica, o acento é uma propriedade da sílaba e não do segmento, e tem natureza relacional. Cada língua tem seu algoritmo acentual estabelecido pela organização de elementos prosódicos: das sílabas em pés métricos e de pés em palavras fonológicas. Com essa base teórica, pretendemos, no presente trabalho, apresentar uma discussão sobre a razão por que palavras, na maior parte das vezes de mesma origem, seja esta latina ou grega, tiveram acentos diferenciados no processo de formação das línguas Portuguesa e Espanhola. São exemplos desse fato palavras como telefone (em Português) e teléfono (em Espanhol) ou alguém (em Português) e álguien (em Espanhol). A literatura corrente na área, especialmente em se tratando de livros didáticos, reconhece tal fenômeno e denomina esses casos de heterotônicos, sem, no entanto, apresentar explicações sobre sua ocorrência. Foi na busca de explicitação do funcionamento dos chamados heterotônicos, bem como de maior embasamento para o ensino do Espanhol como língua estrangeira para falantes nativos de Português que se realizou o presente trabalho. As propostas de análise de acento primário que fundamentam este estudo são a de Bisol (1992), desenvolvida a partir do modelo proposto por Halle e Vergnaud (1987), para a Língua Portuguesa, e a de Harris (1983), desenvolvida a partir do modelo de árvores métricas de Liberman e Prince (1977), para a Língua Espanhola. 1. A Fonologia Métrica A Fonologia Métrica utiliza-se da concepção hierárquica das estruturas lingüísticas para estabelecer as relações silábicas das quais derivarão o acento. Há três tipos de acento, segundo a Fonologia Métrica: o acento primário, o mais forte da palavra; o acento secundário, menos forte que o primário, e o acento principal, decorrente de uma seqüência de palavras. O acento primário é o designado acento tônico nas gramáticas tradicionais e constitui o objeto de nossa pesquisa. Após uma primeira visão do acento proposta pelo modelo gerativo clássico, no qual era considerado um traço pertencente à vogal ([+ acento]) da mesma forma que os demais traços distintivos, a Fonologia Métrica estabeleceu o acento como uma propriedade relacional, ou seja, derivada das relações estabelecidas entre a sílaba, o pé métrico e a palavra fonológica. A sílaba é constituída por um ataque (A) e uma rima (R) e esta pode ser ramificada em núcleo (Nu) e coda (Co). As relações entre os elementos da sílaba não são iguais; há um ligação maior entre a coda e o núcleo do que entre o núcleo e o ataque, conforme em (1) (Selkirk, 1982). (1) σ A R Nu Co A sílaba, quanto ao parâmetro de duração, pode ser leve ou pesada. A primeira é constituída por um elemento na rima, no caso o núcleo, porque este é o elemento obrigatório, e a segunda é constituída pelos dois elementos na rima, o núcleo e a coda. Portanto, a diferença entre sílaba leve e pesada é estabelecida pela presença de uma rima ramificada ou não-ramificada. Segundo Hyman (1985), a

750 UMA DISCUSSÃO SOBRE O ACENTO EM PORTUGUÊS E EM ESPANHOL diferença existe pelas unidades de peso (moras) que a sílaba possui. A sílaba pesada apresenta duas moras (µ µ) e a sílaba leve apenas uma (µ). O pé métrico é hierarquicamente superior à sílaba na estrutura prosódica. Ele é construído por constituintes que podem ser binários, ternários ou ilimitados; podem ser construídos da esquerda para a direita ou, ao contrário, da direita para a esquerda e podem ser iterativos, ou seja, constroem-se pés sucessivos ou não, dependendo do algoritmo de cada língua. Hayes (1991) propõe a existência de apenas três tipos de pés métricos, necessariamente binários: pé troqueu silábico; pé troqueu moraico e pé iambo. O pé troqueu silábico não é sensível ao peso da sílaba e tem proeminência à esquerda o que implica que a palavra tenha a penúltima sílaba forte. O pé troqueu moraico e o iambo são sensíveis ao peso silábico, logo, se existe uma sílaba pesada, essa atrai o acento, sendo que o pé troqueu moraico tem proeminência à esquerda e o pé iambo tem proeminência à direita. Esses pés são necessariamente binários, o que implica que, se restar uma sílaba na palavra, esta não recebe um pé métrico ou recebe um pé degenerado, se a língua aceitar pés degenerados. O português aceita pés degenerados, pois a língua permite a existência de monossílabos acentuados, da mesma forma que o espanhol. A palavra fonológica é hierarquicamente superior ao pé métrico. As relações estabelecidas pela sílaba, pé métrico e palavra fonológica são as responsáveis pelo acento. Cada língua estabelece um tipo de relação, chamada algoritmo acentual, para explicar as particularidades de seu acento. Para o português existem propostas gerativas clássicas, como as de Mateus (1975), Lopez (1979) e Leite (1974), e propostas métricas de Bisol (1992) e Lee (1994). Para o espanhol existe a proposta de Harris ( 1983, 1992), Roca (1988, 1991), Den Os y Kager (1986). 2. O acento primário do Português O acento é uma propriedade distintiva que obedece a uma série de regularidades nas línguas. Em português, assim como no espanhol, uma delas é o fato de o acento primário só cair sobre uma das três últimas sílabas, conforme ocorria no latim, origem das duas línguas em análise. Portanto, o acento pode cair na última sílaba, e teremos uma palavra oxítona, pode cair sobre a penúltima, e teremos uma palavra paroxítona ou, ainda, cair sobre a antepenúltima sílaba, e teremos as proparoxítonas. As palavras proparoxítonas são as que existem em menor número na língua portuguesa. Essas palavras seriam derivadas de empréstimos do latim e do grego e têm um acento marcado porque este contraria a tendência geral da língua, que é o acento paroxítono. Essa afirmação também baseia-se na tendência popular, apontada por Collischonn (2001: 133), em regular o acento dessas palavras, tornandoas paroxítonas. Exemplos como abóbora abobra, árvore arvri ou xícara xicra são observados na fala popular, evidenciando essa regularização. O peso silábico também é determinante para as proparoxítonas, no sentido de que o peso da penúltima sílaba é que influencia as proparoxítonas através da seguinte restrição: a penúltima sílaba pesada não permite acento proparoxítono, conforme em (2). (2) caderno - *cáderno asfalto - *ásfalto As palavras oxítonas existem em número maior que as proparoxítonas e podem ser divididas em oxítonas com sílaba final ramificada e oxítonas com sílaba final não ramificada. As que possuem rima ramificada têm seu acento justificado pelo peso silábico que, conforme dito anteriormente, é relevante para o acento do português. Estas representam 78% do conjunto das palavras oxítonas, segundo um levantamento realizado por Bisol (1992 apud Collischonn, 2001: 134) no Dicionário Delta Larrousse, e caracterizam uma tendência da língua portuguesa. Porém, existem oxítonas terminadas em vogal resultantes de empréstimos do francês, do africano e das línguas indígenas, mas também de um reduzido número de palavras do próprio português que recebem um acento marcado por contrariarem a tendência geral da língua de o acento recair sobre a última sílaba quando esta é pesada. Dessa forma, o acento paroxítono é marcado para o português quando a palavra terminar em sílaba pesada e não marcado quando esta terminar em vogal. As palavras paroxítonas são as de maior número na língua. O conjunto de afirmativas acima exposto pode ser comprovado pelo acento de novas palavras incorporadas à língua portuguesa. O advento da globalização e da tecnologia difundiram palavras por todas as línguas e esses empréstimos sofreram ajustes de acordo com as regras de cada língua. Exemplos como web, chat, net, sofrem a epêntese da vogal [i] a fim de regularizar a palavra como paroxítona ou palavras como delete (do inglês delete), pronunciada em português como paroxítona, passa a oxítona quando criado o verbo detelar, respeitando o peso silábico da última sílaba, da mesma forma que atachado, atachar (do inglês attachment).

Letícia MENA Alves 751 3. A Proposta de Bisol (1992) Bisol (1992) descreve o acento do português através de um algoritmo que não distingue a acentuação de verbos e não-verbos. Para a autora, a regra de acento é a mesma, diferenciando-se apenas o domínio da regra: é a palavra derivacional para os nomes e a palavra lexical para os verbos. Nos nomes o acento é cíclico, isto é, a cada acréscimo na palavra é aplicada novamente a regra, como observamos em (3) (3) janela janelinha casa casebre As regularidades do acento do português são explicadas pela autora, observando o peso silábico, e as irregularidades são mostradas através da extrametricidade, que se constitui em um recurso utilizado na Fonologia Métrica, segundo o qual se considera uma unidade periférica como invisível à regra de acento. A Regra do Acento Primário, proposto por Bisol para o português, constitui-se de duas partes (Collischonn, 1991: 144). 1 º Atribua um asterisco à sílaba pesada final; 2 ª Não sendo a última sílaba pesada, construa um constituinte binário, não iterativo, com proeminência à esquerda junto à borda direita da palavra. Vejamos em (4) e (5) a aplicação da regra (4) a nel fe.liz (*) (*) (5) fa zen da es pe lho ( *. ) ( *. ) Por esse algoritmo, ficam justificadas as regularidades apontadas anteriormente, sendo necessário, no entanto, utilizar a extrametricidade para justificar os acentos marcados: das paroxítonas terminadas em consoante e das proparoxítonas; as oxítonas terminadas em vogal recebem outra explicação. As proparoxítonas têm como extramétrica a última sílaba, fazendo com que o acento recue uma sílaba à esquerda como em (6). (6) pân ta no pân ta <no> cé re bro cé re <bro> Já o acento marcado das paroxítonas terminadas em consoante, portanto em sílaba pesada, tem como extramétrica somente a consoante final como em (7). (7) ní vel ní ve<l> e lé tron e lé tro<n> As oxítonas terminadas em vogal, sílaba leve, têm seu acento marcado justificado pela existência de uma consoante abstrata, na subjacência, não presente na forma primitiva, mas revelada no momento da derivação. Os exemplos de Bisol estão em (8). (8) caféc cafeteira, cafezal ( * ) araçác araçazeiro ( * ) Nesse caso, as oxítonas preenchem as características da primeira parte do algoritmo, equivalendo aos exemplos mostrados em (4). Uma explicação do motivo pelo qual palavras fogem da regra natural da língua poderia ser dada através de um estudo diacrônico, que levasse em consideração todos os contatos ocorridos na língua através dos tempos. No entanto, acreditamos que um estudo sincrônico comparativo entre a língua portuguesa e a língua espanhola pode revelar relações esclarecedoras com base no que as propostas da Fonologia Métrica apresentam como natural nas duas línguas.

752 UMA DISCUSSÃO SOBRE O ACENTO EM PORTUGUÊS E EM ESPANHOL 4. A proposta de Harris (1983) para o espanhol Harris (1983) afirma que na língua espanhola o acento primário somente pode cair nas três últimas sílabas. As palavras paroxítonas terminadas em vogal e as oxítonas terminadas em consoante possuem acento não marcado em espanhol, da mesma forma como em português, logo o inverso tem acento marcado. As palavras proparoxítonas também não podem possuir penúltima sílaba pesada, como no português. Por essas características da atribuição de acento no espanhol, descritas por Harris (1983), vemos que o algoritmo de acento proposto para o português por Bisol (1992) também pode ser aplicado ao espanhol, conforme em (9). (9) paroxítonas: helado cuaderno oxítonas: color mujer (*) (*) proparoxítonas 1 : cáma<ra> médi<co> 5. Os desencontros entre o acento primário do português e o acento primário do espanhol Apesar das semelhanças descritas acima, que nos instigam a pensar que as duas línguas possuem o mesmo algoritmo acentual, existem palavras cujo acento apresenta diferença quando comparadas as duas línguas. Essas palavras são denominadas heterotônicos e existem em número reduzido. Os heterotônicos possuem variadas diferenças de acento. Alguns exemplos aparecem em (10). (10) Português Espanhol academia academia polícia policía imbecil imbécil nível nivel limite límite cérebro cerebro Uma comparação entre as diferenças de acento permite-nos afirmar que, enquanto uma palavra entra na regra da língua, a outra configura-se como acento marcado. Observemos os dados em (11). (11) limite, rubrica, atmosfera acento paroxítono, não-marcado em português; límite, rúbrica, atmósfera acento proparoxítono, marcado em espanhol. O contrário ocorre nos exemplos em (12). (12) cérebro, pântano, protótipo acento proparoxítono, marcado em português; cerebro, pantano, prototipo acento paroxítono, não-marcado em espanhol. Nos casos em (13), as palavras oxítonas são não-marcadas em português e o acento paroxítono é marcado em espanhol. (13) imbecil, canibal, condor acento oxítono, não-marcado em português; imbécil, caníbal, cóndor acento paroxítono, marcado em espanhol. O contrário ocorre em palavras como as registradas em (14). (14) nível, míssil, ímpar acento paroxítono, marcado em português; nivel, misil, impar acento oxítono, não-marcado em espanhol. 1 A diferença na descrição do acento das proparoxítonas, para os dois autores, vai ser decorrente da unidade considerada extramétrica: para Bisol é a última sílaba e para Harris é a última vogal do radical.

Letícia MENA Alves 753 Os exemplos de palavras terminadas em ditongo crescente apresentam ora comportamento de ditongo, ora de hiato nas duas línguas, como em (15). (15) po lí.cia a ca de mi a (português) po li cí a a ca de mia (espanhol) O que os exemplos em (15) evidenciam é que, como os ditongos crescentes não caracterizam sílaba pesada, não atraem acento. Assim, o espanhol e o português os tratam ora como ditongos, ora como hiatos, o que origina mais uma diferença entre itens lexicais das duas línguas, mesmo entre aquelas que parecem ter o mesmo percurso diacrônico. Outros exemplos aparecem em (16). (16) Português Espanhol alergi a alergia anemi a anemia anestesi a anestesia aristocraci a aristocracia magi a magia Podemos observar que há uma tendência, em português, à seqüência das vogais subjacentes /ia/, em final de palavra, ser escandida em duas sílabas que vão constituir um pé troqueu na borda direita da palavra. Diferentemente, em espanhol, essa mesma seqüência tende a receber outra interpretação: a vogal /a/ é tida como extramétrica e, portanto, invisível à formação de pés e, também, à atribuição do acento. Essa interpretação dá origem a uma palavra proparoxítona, que pode transformar-se em paroxítona terminada em ditongo crescente no nível pós-lexical. Exemplos desse comportamento aparece em (17). (17) Português Espanhol academi a acade mi<a> epidemi a epide mi<a> É curioso observar que não há diferença, nas duas línguas, em se tratando das oxítonas terminadas em vogal, demonstrando que, tanto no português como no espanhol, o acento de tais palavras apresenta uma marcação especial no léxico que consiste, segundo Bisol (1992), na existência de uma consoante abstrata final. Observemos em (18). (18) café, dominó, Peru, (português) café, dominó, Perú, (espanhol) 6. Conclusão A presente análise demonstrou que o português brasileiro e o espanhol preservaram fortes características do latim. As regras de acento apresentadas pelos autores Harris e Bisol evidenciam a conservação da regra do acento latino, não só pelo fato de o acento primário recair somente nas últimas três sílabas, mas também por haver influência do peso silábico na acentuação das palavras oxítonas e proparoxítonas. No entanto, fica evidenciado também que as duas línguas resguardaram particularidades. Os heterotônicos são apenas um exemplo de que a diferença dos acentos primários só pode ser explicada pela diacronia da língua, não sendo, portanto, derivada de diferentes algoritmos. Assim, cabe ao professor de espanhol como língua estrangeira observar que, durante a aquisição do espanhol como segunda língua por falantes de português, a acentuação vai exigir do aluno, em alguns casos, a atribuição de diferentes marcas de extrametricidade como em cóndo<r>, teléfo<no>, academi<a> que em espanhol, apresentam unidades extramétricas, enquanto isso não ocorre em português. O contrário também é verdadeiro; palavras como níve<l>, cére<bro>, políci<a> apresentam unidades extramétricas em português e não as apresentam em espanhol.

754 UMA DISCUSSÃO SOBRE O ACENTO EM PORTUGUÊS E EM ESPANHOL RESUMO: Este trabalho analisa o acento primário das línguas Portuguesa e Espanhola, principalmente os heterotonicos, palavras de igual seqüência segmental nas duas línguas mas com acentos tônicos diferenciados, com base nas propostas da Fonologia Métrica de Bisol ( 1992) para a Llíngua Portuguesa e Harris (1983) para a Língua Espanhola. PALAVRAS CHAVES: Fonologia Métrica; acento primário; extrametricidade; Português e Espanhol REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: COLLISCHONN, Gisela. O acento em português. In: BISOL, Leda. Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. HAYES, Bruce. Metrical stren theory: principles and case studies. Los Angeles: University of California, 1991. HARRIS, James Wesley. Syllable structure and stress in spanish: a nonlinear analisis. Cambridg: MIT Press, 1983. HYMAN, Larry M. A theory of phonological weight. Dordrecht: Foris, 1985. MATZENAUER-HERNANDORENA, Carmen Lúcia. Introdução à Teoria Fonológica. In: BISOL, Leda (org). Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 3 ª ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. MUÑOZ, Ignacio Bosque & BARRETO, Violeta Demonte. Gramática descriptiva de la Lengua Espanhola.v.3, Madrid: Espasa Calpe, 1999.