I n s i g h t O r t o d ô n t i c o

Documentos relacionados
AVALIAÇÃO RADIOGRÁFICA PERIAPICAL DOS NÍVEIS DE REABSORÇÃO RADICULAR DE INCISIVOS SUPERIORES APÓS TRATAMENTO ORTODÔNTICO

Trauma oclusal antes, durante e depois do tratamento ortodôntico: aspectos morfológicos de sua manifestação

REVISÃO DE LITERATURA

Tracionamento ortodôntico: possíveis consequências nos caninos superiores e dentes adjacentes

Tratamento ortodôntico não promove necrose pulpar

A r t i g o In é d i t o

Variáveis de risco para reabsorção radicular apical externa durante o tratamento ortodôntico

Maloclusão. Conceitos Básicos Em Ortodontia Veterinária. Alexandre Venceslau, MV - CRMV-SP XXXVI SECITAP 23 a 27 de maio de 2011

MONTEIRO, F.D. et al. Avaliação radiográfica da reabsorção da crista óssea alveolar em pacientes tratados ortodonticamente

Reabsorção Radicular Idiopática: Relato de um Caso Clínico

A r t i g o In é d i t o

REABSORÇÃO DENTÁRIA: DETERMINAÇÃO DE SUA FREQÜÊNCIA EM PACIENTES COM ENDOCRINOPATIAS

O primeiro estudo sobre hereditariedade relacionada com as reabsorções dentárias em Ortodontia: uma análise crítica do trabalho de Newman 21

CAMILA TIEMI SAITO RELAÇÃO ENTRE A MORFOLOGIA RADICULAR E A OCORRÊNCIA DE REABSORÇÕES RADICULARES NO TRATAMENTO ORTODÔNTICO.

Cirurgiã-dentista, Aluna do curso de especialização em Endodontia (UNINGÁ).

Reabsorção Radicular e Tratamento Ortodôntico: Mitos e Evidências Científicas

A r t i g o In é d i t o

ODONTOLOGIA PREVENTIVA. Saúde Bucal. Periodontite. Sua saúde começa pela boca!

Prof André Montillo

PERFIL ENDOCRINOLÓGICO DE PACIENTES ORTODÔNTICOS COM E SEM REABSORÇÕES DENTÁRIAS. Correlação com a morfologia radicular e da crista óssea alveolar

Reabsorção óssea à distância na movimentação ortodôntica: quando se inicia e o como ocorre a reorganização periodontal

Aulas Multimídias Santa Cecília Profª Edina Cordeiro / Samia Lima Disciplina: Biologia Série: 1º ano EM

Regulação Endócrina do metabolismo do cálcio e do fosfato

ISAIAS PICCOLI SCHNEIDER

MOVIMENTO DENTÁRIO E REAÇÕES TECIDUAIS

Intrusão Ortodôntica no Tratamento de Dentes com Inserção Periodontal Reduzida Estudo Revisional

O MANUAL DA DOR DE DENTE

Estudo comparativo da reabsorção radicular apical em pacientes bruxônomos e pacientes sem sinais clínicos de desgaste dentário*

O movimento ortodôntico não altera cor, volume e nem induz inflamação gengival

Reabsorção radicular apical Relato de caso clínico

EXTRUSÃO DE DOIS INCISIVOS CENTRAIS SUPERIORES PERMANENTES: RELATO DE CASO

A reabsorção radicular ortodôntica é inflamatória, os fenômenos geneticamente gerenciados, mas não é hereditariamente transmitida

OLIVEIRA,D.C. et al. MOVIMENTAÇÃO ORTODÔNTICA DE DENTES COM NECROSE PULPAR E LESÃO PERIAPICAL CRÔNICA TRATADOS ENDODONTICAMENTE

Assessoria ao Cirurgião Dentista Publicação mensal interna da Papaiz edição XXVII Setembro de 2017

HISTOLOGIA ESTUDO DOS TECIDOS

REABSORÇÕES RADICULARES EM ORTODONTIA

MORDIDAS CRUZADAS. Etiologia

TECIDO ÓSSEO. Prof a Cristiane Oliveira

Patologia Buco Dental Prof. Dr. Renato Rossi Jr.

06/07/12 OBJETIVOS DE TRATAMENTO. Saúde periodontal. Segundo TWEED, deve-se realizar uma retração anterior de 2,8mm. Robert C.

Bisfosfonatos e tratamento ortodôntico

A ortodontia na atuação odontogeriátrica

CIRURGIA PERIODONTAL

EMERSON DA CONCEIÇÃO QUEIROZ REABSORÇÃO RADICULAR INFLAMATÓRIA INDUZIDA ORTODONTICAMENTE

Tema B TECIDO CONJUNTIVO

MOVIMENTAÇÃO ORTOCIRÚRGICA

DOS TECIDOS BUCAIS. Periodontopatias. Pulpopatias. Periapicopatias TIPOS: -INCIPIENTE -CRÔNICA -HIPERPLÁSICA. Causada pelo biofilme bacteriano

Procedimentos Cirúrgicos de Interesse Protético/Restaurador - Aumento de Coroa Clínica - Prof. Luiz Augusto Wentz

Na mecânica intrusiva não se aplica forças de intrusão, mas obtém-se o efeito intrusivo

Histologia 19/11/2018. Tecido epitelial. Histologia

Movimentação dentária induzida e ovariectomia: avaliação microscópica

INTERPRETAÇÃO RADIOGRÁFICA POR ACADÊMICO DE ENFERMAGEM: PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO DE TÉCNICAS DE PROCESSAMENTO DIGITAL

TECIDO ÓSSEO FUNÇÕES: - Suporte. - Proteção órgãos vitais. - Formação do sangue (medula óssea) - Apoio aos músculos

POSIÇÃO DO ÁPICE DENTÁRIO EM RELAÇÃO AO PROCESSO ALVEOLAR DO OSSO MAXILAR. ESTUDO EM TOMOGRAFIAS DE CONE-BEAM

MESIALIZAÇÃO DE MOLARES COM O USO DE MINI-IMPLANTE

Etiopatogenia das alterações pulpares e periapicais

Entrevista. Alberto Consolaro

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ODONTOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA NÍVEL MESTRADO

TRAUMA DENTAL - O QUE É? O QUE FAZER? RESUMO ABSTRACT INTRODUÇÃO

Reparação. Regeneração Tecidual 30/06/2010. Controlada por fatores bioquímicos Liberada em resposta a lesão celular, necrose ou trauma mecânico

CARLA CHRISTIANNE ALMEIDA MATOS LOPES REABSORÇÃO RADICULAR DECORRENTE DO TRATAMENTO ORTODÔNTICO: REVISÃO DE LITERATURA

INFORMAÇÕES DE IMAGENS DAS LESÕES DOS MAXILARES

IV.2) TECIDO CARTILAGINOSO

Abstract. Resumo. Orthodontic Sci. Pract. 2011; 4(16): Relato de caso (Case report) Guilherme Marigo 1 Marcelo Marigo 2

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

Reabsorção Radicular Repercussões no Tratamento Ortodôntico.

BIANCA CORRÊA DE CASTRO ANÁLISE DA REABSORÇÃO APICAL DOS INCISIVOS SUPERIORES EM PACIENTES TRATADOS ORTODONTICAMENTE

Prof a Dr a Mariana Kiomy Osako Estrutura e Função de Órgãos e Sistemas

ASPECTO DE IMAGEM DAS ESTRUTURAS DO DENTE

Má oclusão Classe II, 2ª Divisão de Angle, com sobremordida acentuada

Glândulas endócrinas:

EXAME CLÍNICO, DIAGNÓSTICO E PLANO DE TRATAMENTO

PREVALÊNCIA DE CANINOS E MOLARES INCLUSOS E SUA RELAÇÃO COM A REABSORÇÃO RADICULAR

Mariana de Pinho Noronha

Prefeitura Municipal de Ipiguá. Processo Seletivo - 01/2018 RECURSO CONTRA O GABARITO OFICIAL DA PROVA OBJETIVA

Inclusão do Cirurgião Dentista na Equipe Multiprofissional no Tratamento de Pacientes de Álcool e Drogas

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESDADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO Hospital Universitário Gaffrée e Guinle - HUGG. Prof André Montillo

Jüri Kurol. E n t r e v i s t a

Dentes com Rizogênese Incompleta e Movimento Ortodôntico: Bases Biológicas

REABSORÇÕES RADICULARES EXTERNAS FRENTE ÀS FORÇAS ORTODÔNTICAS

Universidade Federal do Ceará Faculdade de Medicina. Jônatas Catunda de Freitas

CIRURGIÃO (Ã) DENTISTA

Doenças gengivais induzidas por placa

Capítulo 2 Aspectos Histológicos

Sandra Iara Lopes Seixas Professora Adjunta do Departamento de Morfologia da Universidade Federal Fluminense

HISTOLOGIA ESTUDO DOS TECIDOS

BIOMECÂNICA DO MOVIMENTO ORTODÔNTICO. forças que permite o controle do movimento dentário.

FRATURA DE MANDÍBULA SECUNDÁRIA À DOENÇA PERIODONTAL EM CÃO: RELATO DE CASO

Características oclusais de pacientes com. Classe II, divisão 1, tratados sem e com extrações de dois pré-molares superiores.

TRATAMENTO ENDODÔNTICO DE INCISIVOS CENTRAIS SUPERIORES COM REABSORÇÃO RADICULAR INTERNA CASO CLÍNICO

ESTRUTURA DOS TECIDOS DA CAVIDADE ORAL. Prof. Dr. VICTOR ARANA Departamento de Biomateriais e Biologia Oral

posição e/ou o aumento do tecido mole, bem como do tecido ósseo subjacente, em torno de dentes ou implantes

JANET ELIZABETH ROMERO LA FUENTE CHÁVEZ

Tecido Epitelial e Conjuntivo

Revista Científica. Nesta edição três artigos científicos: Reabsorção Radicular Externa. Quando iniciar o movimento ortodôntico?

Assessoria ao Cirurgião Dentista Publicação mensal interna da Papaiz edição XXXI Junho de 2018

Transcrição:

I n s i g h t O r t o d ô n t i c o As reabsorções radiculares múltiplas ou severas não estão relacionadas a fatores sistêmicos, suscetibilidade individual, tendência familiar e predisposição individual Alberto Consolaro*, Telma Regina Gobbi Franscischone**, Laurindo Zanco Furquim*** As reabsorções radiculares múltiplas, ou as mais severas, ainda são frequentemente atribuídas às alterações sistêmicas 4,5, em especial às endocrinopatias. Isso também ocorre quando há maior severidade de perda óssea alveolar, especialmente durante a movimentação ortodôntica 18,19,20. No turnover ósseo, o processo de deposição de matriz se alterna continuadamente com a reabsorção óssea em momentos e locais diferentes. Esse processo dinâmico permite que o tecido ósseo se adapte às demandas funcionais de cada região do esqueleto 14,15,23 e participe ativamente na manutenção da homeostasia mineral do organismo no controle do nível sérico de cálcio e fósforo 2,3,6,15. Em períodos variáveis de acordo com a idade do paciente, o esqueleto ósseo renova-se completamente 22. Os dentes não são envolvidos no turnover ósseo, especialmente as estruturas radiculares 1,8,12,17. O turnover ósseo ocorre devido à atividade celular dos osteoblastos, osteócitos, macrófagos e clastos. Essas células se organizam em unidades multicelulares básicas ou osteorremodeladoras (BMUs) e recebem estímulos de mediadores sistêmicos e locais em receptores de superfície na membrana celular, especialmente nos osteoblastos e macrófagos 2,7,22. As células que colonizam a superfície dentária radicular, os cementoblastos, não têm receptores numericamente suficientes e significativos para os mediadores do turnover ósseo 6,21. Os cementoblastos são células surdas às mensagens dos mediadores do turnover ósseo mesmo quando estão em altos níveis nos tecidos periodontais, como ocorre no hiperparatireoidismo. Em processos inflamatórios periodontais, os níveis locais de mediadores indutores da reabsorção óssea também estão elevados, mas os cementoblastos não respondem e dessa forma os dentes ficam protegidos do turnover ósseo (Fig. 1, 2). A constatação da ausência de receptores de superfície nos cementoblastos para os mediadores do turnover ósseo dificulta qualquer raciocínio para atribuir às reabsorções dentárias uma origem sistêmica como as endocrinopatias 21. Em outras palavras, os cementoblastos não sofrem influência de mediadores sistêmicos ou hormônios. Independentemente de os mediadores sistêmicos estarem em baixos ou altos níveis, os cementoblastos continuam colonizando a superfície radicular. As causas das reabsorções dentárias devem estar relacionadas à perda dos cementoblastos da superfície radicular. A perda dos cementoblastos pode ter origem traumática, química ou biológica, * Professor Titular na FOB e da Pós-Graduação na FORP Universidade de São Paulo. ** Endocrinologista e Doutora em Patologia pela FOB-USP. *** Professor Doutor da Universidade Estadual de Maringá e Doutor em Patologia pela FOB-USP. Dental Press J Orthod 17 2011 Jan-Feb;16(1):17-21

As reabsorções radiculares múltiplas ou severas não estão relacionadas a fatores sistêmicos, suscetibilidade individual, tendência familiar e predisposição individual FIGURA 1 - Paciente do sexo feminino, com mordida aberta anterior, submetida a tratamento ortodôntico durante 8 anos com uso contínuo de elásticos intermaxilares. A causa da reabsorção radicular severa foi inicialmente atribuída à causa sistêmica ou suscetibilidade individual. O uso contínuo de elásticos intermaxilares, a mudança contínua do planejamento e o longo tempo de tratamento podem estar associados à severidade e multiplicidade da reabsorção radicular múltipla e severa, sem envolvimento de alteração sistêmica da paciente. mas com dimensão local 7 (Fig. 1, 2). Na patologia humana não se conhecem doenças caracterizadas pela ausência ou diminuição de cementoblastos na superfície radicular. Para a reabsorção radicular ocorrer, o primeiro passo necessário é a remoção ou perda local dos cementoblastos. A determinação da causa da reabsorção dentária requer uma anamnese minuciosa, resgatando-se a história dentária anterior, os vícios, os acidentes, os tipos de esportes e atividades de lazer praticados, os tratamentos anteriores e doenças locais associadas. Na anamnese deve-se valorizar detalhes relevantes, como os traumatismos leves do tipo concussão e subluxação, nem sempre lembrados pelo paciente e não passíveis de identificação por parte do clínico examinador. Os traumatismos leves podem ocorrer durante mordidas em objetos muito duros durante a mastigação, pancadas nos momentos de lazer, apoios cirúrgicos de alavancas durante exodontias de dentes vizinhos ou, ainda, batidas do laringoscópio durante procedimentos anestésicos gerais. Quando não for possível determinar a causa local da reabsorção dentária, uma vez esgotados todos os recursos, pode-se adjetivar a sua etiopatogenia como idiopática. O termo idiopático referese à impossibilidade de identificação da causa sem que se dê qualquer conotação de origem sistêmica ou iatrogênica. Nas reabsorções dentárias atribuídas a uma provável causa sistêmica, é necessário encaminhar o paciente ao endocrinologista 9,10,16, pois em estágios avançados as endocrinopatias podem levar à morte. O cirurgião-dentista não tem a obrigação de um diagnóstico preciso de endocrinopatias, mas ao suspeitar deve encaminhar o paciente para o endocrinologista para avaliação e identificação definitiva do problema (Fig. 1, 2). Na etiopatogenia das reabsorções radiculares, eventualmente são citadas a suscetibilidade individual, a tendência familiar e a predisposição individual 4,5,13 sem referências a estudos criteriosos quanto à metodologia de análise. Em casos de suspeita de envolvimento hereditário ou alteração Dental Press J Orthod 18 2011 Jan-Feb;16(1):17-21

Consolaro A, Franscischone TRG, Furquim LZ FIGURA 2 - Paciente com hiperparatireoidismo secundário à insuficiência renal e submetido a hemodiálise por muitos meses. A gravidade do quadro sistêmico e a longa duração a que foi submetido o paciente acabaram por envolver os maxilares nas severas mudanças do trabeculado ósseo. Nota-se que a lâmina dura não se organiza a ponto de ser delineada imaginologicamente e destaca-se a preservação das estruturas radiculares, sem reabsorções. genética específica, o paciente deve ser encaminhado ao geneticista para uma avaliação minuciosa e localização do problema. Sobre a suscetibilidade individual, a tendência familiar e a predisposição individual, não se devem ignorar os fatores locais como morfologia radicular, forma do ápice radicular, formato da crista óssea alveolar e a proporção coroa-raiz, que influenciam muito o prognóstico de reabsorções radiculares durante o futuro tratamento ortodôntico 11. Esses aspectos morfológicos, que podem ser preditivos de maior ou menor reabsorção radicular durante o tratamento ortodôntico, podem ser herdados ou adquiridos durante a odontogênese por influência de fatores ambientais. Mas, em geral, quando se refere à suscetibilidade individual, à tendência familiar e à predisposição individual nas reabsorções radiculares em Ortodontia, quase sempre são consideradas como fatores sistêmicos e não locais. A publicação sobre as características de grandes casuísticas ortodônticas pode ter contribuição importante para a literatura: 1. Quantos pacientes são checados criteriosamente, na consulta de avaliação e diagnóstico, sobre as condições sistêmicas relacionadas ao diabetes melito, funcionamento da tireoide, paratireoides, hipófise, ovários e demais glândulas endócrinas? 2. Quantos pacientes são avaliados pelo endocrinologista antes de iniciar o tratamento ortodôntico? 3. Muitos pacientes são endocrinopatas assintomáticos e foram ortodonticamente tratados, receberam alta e não apresentaram qualquer problema quanto ao nível ósseo e índice de reabsorções radiculares. Quantos desses pacientes foram pos- Dental Press J Orthod 19 2011 Jan-Feb;16(1):17-21

As reabsorções radiculares múltiplas ou severas não estão relacionadas a fatores sistêmicos, suscetibilidade individual, tendência familiar e predisposição individual teriormente avaliados sistemicamente, detectando-se as endocrinopatias? 4. Quantos pacientes apresentaram reabsorções múltiplas ou severas e foram avaliados endocrinologicamente, detectando-se algum distúrbio glandular? Se as alterações sistêmicas, a suscetibilidade individual, a tendência familiar e a predisposição individual não apresentam evidências de que são causas de reabsorções radiculares, a que se deve atribuir as reabsorções múltiplas ou severas eventualmente diagnosticadas na clínica ortodôntica? Primeira Explicação Para as reabsorções radiculares se iniciarem na superfície radicular, os cementoblastos devem ser removidos, eliminados ou desaparecer do local. Os cementoblastos estão intimamente relacionados com a superfície do cemento e, ao mesmo tempo, estão protegidos lateralmente pelas fibras colágenas que se inserem ou fusionam-se com o cemento radicular. Os traumatismos, os procedimentos cirúrgicos e os produtos bacterianos e químicos aplicados na superfície radicular podem remover os cementoblastos. Nos dentes traumatizados as grandes lesões de camada cementoblástica podem ser reconstruídas, em parte, com células de linhagem osteoblástica, que apresentam receptores para os mediadores do turnover ósseo. Serão como cementoblastos, ou cementoblatos-like, mas, frente a um novo estímulo inflamatório local, precocemente iniciam um processo reabsortivo local, promovendo maior perda de estrutura radicular a cada movimento dentário induzido, quando comparar-se com uma superfície sem cementoblastos-like 7. Por isso pode-se adotar a seguinte premissa: dentes traumatizados, se movimentados ortodonticamente, apresentam maior chance de reabsorções radiculares mais frequentes e severas. Isso não significa contraindicação, apenas maior cuidado na aplicação de forças ortodônticas em dentes nessas condições, especialmente quanto à sua distribuição homogênea por toda a raiz quando possível, além da preocupação com a sua intensidade. Segunda Explicação A eliminação dos cementoblastos também pode ocorrer durante o movimento dentário induzido. Uma força excessiva pode impedir que o ligamento periodontal comprimido entre o osso e o dente possa receber suprimento sanguíneo. As células deste segmento ligamentar comprimido, incluindose os cementoblastos, fogem do local e abandonam a superfície ou morrem antes de migrar e desnudam a raiz. Essa debandada ou morte celular deixa na região apenas uma matriz extracelular hialinizada. A superfície radicular sem a proteção dos cementoblastos passa a ser palco de reabsorções no processo de reorganização periodontal da região após a dissipação da força aplicada. Depois de alguns dias, a reorganização periodontal termina e uma nova camada cementoblástica se estabelece, voltando a proteger a raiz da reabsorção. A superfície pode ficar irregular em seu contorno, mas funcionalmente no local o ligamento periodontal volta ao normal. Essa área não ficará mais suscetível a novas reabsorções radiculares. Depois de aproximadamente 21 dias, o processo descrito pode recomeçar e nova perda de tecido dentário mineralizado se soma à do período anterior. Mas, se a força for adequada e compatível com a vida dos cementoblastos, não acontecerão novas reabsorções radiculares. A reabsorção radicular diagnosticada no final do tratamento ortodôntico representa o somatório das reabsorções de cada período de ativação e não significa um único processo durante o período de movimentação (Fig. 2). A cada período de ativação do aparelho ortodôntico cria-se uma grande expectativa na comunidade celular e tecidual no ambiente periodontal: teremos ou não novos ataques aos cementoblastos? Quanto termina o tratamento ortodôntico e o paciente recebe alta, todos se confraternizam, pois o pior já passou! E que não venham os traumatismos acidentais e oclusais! Dental Press J Orthod 20 2011 Jan-Feb;16(1):17-21

Consolaro A, Franscischone TRG, Furquim LZ Consideração final Cada vez menos, em casos de reabsorções radiculares múltiplas e severas, se atribui como causa os fatores ou doenças sistêmicas, a suscetibilidade individual, a tendência familiar e a predisposição individual. Quando houver suspeita de alguns desses fatores influenciando no aparecimento e evolução das reabsorções radiculares, os pacientes devem ser encaminhados ao endocrinologista e/ou ao geneticista para uma abordagem médica adequada. Nos casos em que essa conduta é adotada, em geral, o paciente retorna com a informação de que não existe relação da reabsorção radicular múltipla ou severa com o seu estado sistêmico e/ou histórico familiar. Independentemente da inexistência da relação entre fatores sistêmicos, suscetibilidade individual, tendência familiar e predisposição individual e as reabsorções radiculares, parece-nos pertinente que casos de pacientes com doenças sistêmicas controladas ou não e que foram submetidos a tratamentos ortodônticos sejam publicados criteriosamente para enriquecer a literatura de evidências de que as endocrinopatias e outras doenças não apresentam as reabsorções dentárias como parte de suas manifestações clínicas. Referências 1. Albright F, Aub JC, Bauer W. Hyperparathyroidism: common and polymorphic conditions as illustrated by seventeen proved case from one clinic. J Am Med Assoc. 1934 Apr;102:1276-87. 2. Aurbach GD, Marx SJ, Speegl AM. Parathyroid hormone, calcitonin and the calciferol. In: Wilson JD, Foster DW, editors. Williams textbook of Endocrinology. 8 th ed. Philadelphia: Saunders; 1992. cap. 27, p. 1397-476. 3. Baumrind S, Korn EL, Boyd RL. Apical root resorption in orthodontically treated adults. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1996 Sep;110(3):311-20. 4. Brezniak N, Wasserstein A. Root resorption after orthodontic treatment: part 1: literature review. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1993 Jan;103(1):62-6. 5. Brezniak N, Wasserstein A. Root resorption after orthodontic treatment: part 2: literature review. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1993 Feb;103(2):138-46. 6. Cho MI, Lin WL, Garant PR. Occurrence of epidermal growthbinding sites during differentiation of cementoblasts and periodontal ligament fibroblasts of young rat: a light and electron microscopic radioautographic study. Anat Rec. 1991 Sep;231(1):14-24. 7. Consolaro A. Reabsorções dentárias nas especialidades clínicas. 2ª ed. Maringá: Dental Press; 2005. 8. Fish EW. An experimental investigation of enamel, dentine and the dental pulp. London: John Bale; 1932. 9. Francischone PC. Avaliação da perda óssea maxilar pela análise da radiografia panorâmica digitalizada, comparando com a densitometria óssea lombar e femural [dissertação]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo;1999. 10. Francischone TRCG. Reabsorção dentária: determinação de sua freqüência em pacientes com endocrinopatias [tese]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo; 2002. 11. Furquim LZ. Perfil endocrinológico de pacientes ortodônticos com e sem reabsorções dentárias [tese]. Bauru (SP): Universidade de São Paulo; 2002. 12. Gies WJ. Studies of internal secretions in their relation to the development and condition of the teeth. J Nat Dent Assoc. 1918;5:527-31. 13. Harris EF, Kineret SE, Tolley EA. A heritable component for external apical root resorption in patients treated orthodontically. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1997 Mar;111(3):301-9. 14. Harris EF, Robinson QC, Woods MA. An analysis of causes of apical root resorption in patients not treated orthodontically. Quintessence Int. 1993 Jun;24(6):417-28. 15. Hill PA, Orth M. Bone remodelling. Br J Orthod. 1998 May; 25(2):101-7. 16. Krall EA, Dawson-Hughes B, Hannan MT, Wilson PW, Kiel DP. Postmenopausal estrogen replacement and tooth retention. Am J Med. 1997 Jun;102(6):536-42. 17. Kronfeld R, Boyle PE. Histopatologia dos dentes. 3ª ed. Rio de Janeiro: Científica; 1955. p. 37-46. 18. Levander E, Malmgren O. Evaluation of the risk of root resorption during orthodontic treatment: a study of upper incisors. Eur J Orthod. 1988 Feb;10(1):30-8. 19. Levander E, Malmgren O, Eliasson S. Evaluation of root resorption in relation to two orthodontic treatment regimes. A clinical experimental study. Eur J Orthod. 1994 Jun;16(3):223-8. 20. Levander E, Malmgren O, Stenback K. Apical root resorption during orthodontic treatment of patients with multiple aplasia: a study of maxillary incisors. Eur J Orthod. 1998 Aug;20(4):427-34. 21. Lindskog S, Blomlöf L, Hammarström L. Comparative effects of parathyroid hormone on osteoblasts and cementoblasts. J Clin Periodontol. 1987 Aug;14(7):386-9. 22. Manolagas SC. Birth and death of bone cells: basic regulatory mechanisms and implications for the pathogenesis and treatment of osteoporosis. Endocr Rev. 2000 Apr;21(2):115-37. 23. Miller SC. Hormonal regulation of osteogenesis. In: Davidovitch Z, editor. Biological mechanisms of tooth eruption and root resorption. Colombus: Ohio State University; 1988. cap. 8, p. 71-9. Endereço para correspondência Alberto Consolaro E-mail: consolaro@uol.com.br Dental Press J Orthod 21 2011 Jan-Feb;16(1):17-21