Romaria Maria Clara de Aquino VIEIRA Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ RESUMO Romaria apresenta uma jovem, natural do Vale do Paraíba, que retorna à terra natal depois de anos vivendo em uma grande capital. Enquanto caminha rumo ao Santuário de Aparecida, a protagonista reflete sobre os costumes religiosos de sua infância e a fé perdida durante os momentos de dificuldade. Por meio da música, da interprertação e dos efeitos especiais, característicos da linguagem radiofônica, o ouvinte é inserido nos devaneios da romeira, que descreve suas recordações e sentimentos que envolvem a imensa Basílica dedicada à Padroeira do Brasil. PALAVRAS-CHAVE: comunicação, interpretação, música, rádio; radiodrama; religião, romaria. INTRODUÇÃO Pedidos por saúde, por emprego, por paz; ou gratidão por uma graça alcançada. Muitas são as razões que levam um fiel a fazer uma romaria. Há também quem o faça por costume, mesmo em meio às incertezas que envolvem o mergulho nos mistérios da fé. Entre 1º de setembro e 12 de outubro do ano passado, mais de 4,5 mil fieis vindos de todo o Brasil seguiram a pé rumo ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida, no Vale do Paraíba paulista. Durante o feriado, a história da imagem de barro encontrada nas águas do rio que dá nome à região atraiu 290 mil devotos à Basílica, construída próxima ao local onde três humildes pescadores encontraram a cabeça e, em seguida, o corpo da santa. Os fieis atribuem à Nossa Senhora Aparecida a pesca milagrosa que sucedeu a aparição. A despeito da explicação divina para o acontecimento, a razão do título de maior centro de peregrinação mariana do mundo é bastante racional: todo ano, mais de 12 milhões de pessoas passam pelo imenso Santuário. Crescer no Vale do Paraíba, portanto, implica a proximidade com as festas e tradições dedicadas à Padroeira do
Brasil. "Romaria" transporta o ouvinte para o caminho de uma jovem que retorna à terra natal e relembra a infância permeada de costumes religiosos em meio às incertezas de quem já conheceu as dificuldades da estrada de chão. Inspirada na canção homônima de Renato Teixeira, o programa explora a relação de conforto, saudade, fé e, ao mesmo tempo, incerteza, de quem conhece de perto o manto azul-marinho cravejado de pedras preciosas que recobre a antiga imagem de Nossa Senhora da Conceição, mas que duvida das razões para dobrar os joelhos diante de uma singela imagem de barro. OBJETIVO "Romaria" foi escrito com o objetivo de identificar o maior centro de peregrinação religiosa da América Latina, a Basílica de Nossa Senhora Aparecida, às dúvidas comuns ao cotidiano de uma jovem criada nos arredores do Santuário que se afasta dos costumes da região devido à mudança para uma grande capital. Por meio de recursos característicos do radiodrama, como música, interpretação e paisagem sonora, a autora busca transmitir ao interlocutor as emoções vividas pela protagonista durante o trajeto. O programa foi escrito também com a intenção de popularizar a cultura e a religiosidade do Vale do Paraíba no meio universitário, devido à importância da região no cenário nacional. JUSTIFICATIVA A relevância do estudo e compreensão da cultura vale-paraibana se justifica pelo valor econômico e histórico da região para o Brasil. O Vale do Paraíba é considerado um dos mais importantes eixos urbanos do país, devido à sua localização privilegiada entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, seguindo o traçado da Rodovia Presidente Dutra. O turismo religioso é bastante expressivo: anualmente, mais de 15 milhões de pessoas visitam o circuito composto por Guaratinguetá, cidade de Santo Antônio Galvão, Cachoeira Paulista, sede da comunidade Canção Nova, e Aparecida. Somente o Santuário dedicado à Padroeira do Brasil movimenta R$ 1,4 bilhão por ano. Levando em conta a dificuldade de relacionar temas como fé, dúvida e devoção à cultura sem considerar os laços emotivos presentes nesta relação, fez-se necessário escolher um meio que conferisse à autora liberdade para usufruir dos sentimentos evocados na narrativa. O rádio foi considerado o veículo ideal para esta abordagem
devido à sua capacidade de instigar a imaginação do ouvinte, que é inserido na história por meio da palavra, das músicas, das pausas e dos efeitos especiais. Estes recursos são imprescindíveis para que o interlocutor não apenas possa recriar o cenário e a personagem, mas compartilhar as emoções descritas. Como ensina a professora Doutora Ana Baumworcel, da Universidade Federal Fluminense: (...) a possibilidade de transmitir emoção é uma das características que potencializa o rádio como meio de expressão. É a melodia ou entonação, o volume, a intensidade, o intervalo que dão colorido à voz, trazem plasticidade, emoção e vida para o discurso. ( ) Não podemos subestimar a força sugestiva da voz humana e seu poder estético" (BAUMWORCEL, 2005, p. 343). Tamanha capacidade de instigar a imaginação e os sentimentos do ouvinte fez com que o cineasta americano Orson Welles considerasse o rádio a maior tela do mundo. A escolha do veículo para a abordagem da relação entre a juventude, a fé e o retorno às origens se justifica, portanto, por meio das intensas emoções vividas pela personagem ao longo de sei trajeto. Somente a maior tela do mundo possibilita que o interlocutor partilhe das experiências da jovem romeira e seja capaz de se imaginar a caminho de Aparecida sem sequer ter conhecido o Vale do Paraíba, livre para identificar seu próprio imaginário às descrições fornecidas pela protagonista. METODOLOGIA "Romaria" foi produzido como trabalho final da disciplina Técnicas de Radiodrama, ministrada pelo professor João Batista de Abreu no âmbito do curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal Fluminense. Foi solicitado que os alunos realizassem um programa de até 10 minutos sobre um sentimento, utilizando as técnicas da linguagem radiofônica para recuperar o ambiente descrito na narrativa. O uso da linguagem coloquial é essencial para a construção do texto para rádio, uma vez que o ouvinte não tem a oportunidade de retomar o conteúdo. Parte-se do princípio de que o veículo alcança interlocutores com diferentes níveis de instrução, de modo que o vocabulário deve ser simples e fácil de ser compreendido. Além do cuidado com a linguagem, o radiodrama requer atenção especial com a descrição das
personagens, emoções e cenários em questão. O radialista Walter Alves chegava a considerar o rádio como um meio visual, devido à liberdade que confere ao ouvinte de criar imagens em sua mente de acordo com o que lhe é apresentado aos ouvidos. Como explica o professor João Batista de Abreu: (...) o rádio visual de que fala Walter vincula-se à associação entre o olhar e a memória cognitica. O ser humano é capaz de reconhecer mentalmente aquilo que já viu. Assim, a descrição de um lugar, ações ou pessoas atua como metonímia de sentimentos como beleza, bondade ou agressividade, desde que o emissor e receptor estejam na mesma sintonia estética, cultural e temporal (ABREU, 2005, p. 324). Por esta razão, houve o cuidado de inserir detalhes sobre o cenário que circunda a jovem romeira, além de associar imagens às memórias e emoções descritas pela protagonista. Foram utilizados efeitos especiais para ilustrar os ambientes mencionadas no texto. O som de tiros e bombas é ouvido quando a personagem cita situações desagradáveis. Ao falar da relação entre a religião e a cidade, ouvem-se cânticos religiosos. A menção do rio e da paisagem natural do Vale do Paraíba é acompanhada de sons de pássaros e água corrente. A importância do cuidado com a harmonia entre os elementos sonoros do programa é ressaltada por Baumworcel em sua análise da teoria expressiva do rádio proposta por Armand Balsebre: (...) o veículo da emoção e da sedução, só vai estimular os sentimentos, causar envolvimento, atrair e chamar a atenção dos ouvintes para que eles visualizem, imaginem, o acontecimento, se trouxer em seu discurso uma harmonia sonora composta pela plenitude de elementos de sua linguagem (BAUMWORCEL, 2005, p. 340). Em referência ao autor Rudolf Arnhein, o professor Doutor Eduardo Meditsch, da Universidade Federal de Santa Catarina, afirma que a música é elemento essencial da linguagem radiofônica. Segundo Meditsch, Arhein não a vê apenas como complemento, ou como um dos elementos do rádio, mas acredita que a musicalidade seja intrínseca à linguagem sonora: O poder excitante da música, segundo ele, se realiza de forma mais completa quando ela é só ouvida, sem acompanhamento visual (MEDITSCH, 2005, p. 104). Considerando os momentos de intensa emoção vividos pela jovem protagonista, a
musicalidade se fez indispensável para a construção da narrativa. A escolha da canção Romaria se deve à grande identificação da letra com os anseios de um humilde romeiro que se dirige à Basílica. Embora sua versão mais popular seja a gravação de Elis Regina, feita em 1977, a música foi composta por Renato Teixeira, paulista natural de Ubatuba e criado em Taubaté, a cerca de 40 km de Aparecida. Em entrevista dada ao Jornal Contato, em setembro de 2012, o autor relacionou a canção às próprias experiências no Vale do Paraíba, além de dar detalhes sobre a íntima relação entre a região e a fé católica, como mencionado no programa: O fato de morar ao lado de Aparecida e sempre ir até lá me possibilitaram falar com naturalidade do romeiro e sua saga em busca do milagre. ( ) ainda posso recordar, com muita transparência, a época em que os comerciantes enfeitavam a entrada de suas lojas usando velas dos mais variados tamanhos dispostas de modo a simular uma espécie de porta para o paraíso onde todas as nossas reivindicações depositadas aos pés de Nossa Senhora seriam atendidas de uma forma ou de outra; bastava que pedíssemos com fervor e acendêssemos uma vela como prova da nossa gratidão. ( ) Minha canção é uma visão de quem está para cá dos altares, no meio dos fíeis que a saúdam. (TEIXEIRA, 2012) Além de fornecer detalhes sobre o cotidiano de quem vive em uma região tão marcada pela religiosidade, o autor claramente identifica sua obra ao ponto de vista de um devoto que se dirige à Aparecida. A opção de regravar a canção se deu com o objetivo de simular que a própria protagonista canta enquanto realiza suas reflexões ao longo da romaria. A autora também buscou identificar as estrofes da música à narrativa feita pela personagem. CONSIDERAÇÕES FINAIS Se o coração conta uma história, estabelece o elo essencial entre o escritor e o ouvinte: a emoção humana. ( ) A inspiração do escritor repousa em todo seu entorno. Ele precisa de ouvidos para ouvir, olhos para ver, mãos para apalpar ( ) A emoção é o elo entre o programa e o ouvinte (ALVES, 2005, p. 305). Não tenho dúvidas de que a lição de Walter Ouro Alves foi amplamente explorada ao longo da produção do programa. Nasci e fui criada em Lorena-SP, a
menos de 20 km de Aparecida. Ao contrário da protagonista, nunca passei a cavalo pela Basílica; mas rezava uma "Ave-Maria" em família quando seguíamos de carro para Ubatuba. Portanto, a cultura e a religiosidade do Vale do Paraíba me são familiares e a possibilidade de explorar estes aspectos em um programa universitário foi uma experiência gratificante e enriquecedora. A produção foi essencial para meu desenvolvimento enquanto estudante e futura comunicadora. Agradeço ao professor João Batista pela dica do tema e pela insistência em explorar meu sotaque caipira; e ao técnico Marcelo Santos, cuja dedicação à turma é imensurável. REFERÊNCIAS ABREU, João Batista de. As receitas de rádio de Walter Alves. In MEDITSCH, Eduardo (org). Teorias do rádio textos e contextos, Volume 1, Florianópolis, Insular, 2005. ALVES, Walter. A cozinha eletrônica. In MEDITSCH, Eduardo (org). Teorias do rádio textos e contextos, Volume 1, Florianópolis, Insular, 2005. BAUMWORCEL, Ana. Armand Balsebre e a teoria expressiva do rádio. In MEDITSCH, Eduardo (org). Teorias do rádio textos e contextos, Volume 1, Florianópolis, Insular, 2005. MEDITSCH, Eduardo. Rudolf Arhein e o potencial expressivo do rádio. In MEDITSCH, Eduardo (org). Teorias do rádio textos e contextos, Volume 1, Florianópolis, Insular, 2005. TEIXEIRA, Renato. Entrevista concedida em Taubaté-SP ao Jornal Contato, edição 566. Setembro de 2012. Disponível em http://www.almanaqueurupes.com.br/portal/textos/colunistas/romaria/. Último acesso em 13 de maio de 2015.