O DIREITO DE INTERVENÇÃO E OS CRIMES ECONÔMICOS



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Transcrição:

1 O DIREITO DE INTERVENÇÃO E OS CRIMES ECONÔMICOS THE ECONOMIC RIGHT OF INTERVENTION AND CRIMES Marinês Dalla Valle Bortoluzzi 1 RESUMO: O artigo fará uma abordagem sobre o direito de intervenção e os crimes econômicos baseado na teoria do autor alemão Winfried Hassemer. Primeiramente fará uma exposição do conceito da referida teoria explicando como pode ser implantada no sistema penal atual. Ao mesmo tempo aborda o pensamento do autor espanhol Jesus Maria Silva Sanchez, sobre a teoria do direito de intervenção, fazendo uma comparação entre os dois doutrinadores. Aborda de forma sucinta as vantagens e desvantagens de se aplicar a teoria da intervenção proposta por Hassemer e Silva Sanchez. Para o primeiro seria um novo ramo do direito que não utilizaria o direito penal para resolver os conflitos de natureza criminal. Já para o segundo haveria um distanciamento do núcleo do direito penal, mas o mesmo seria aplicado. Utiliza o método indutivo através de pesquisa bibliográfica em periódicos, revistas jurídicas, obras, artigos, etc. PALAVRAS-CHAVE: Direito. Intervenção. Direito penal. Crimes Econômicos. Aplicação. ABSTRACT: The article will make a boarding on the economic right of intervention and crimes based in the theory of the German author Winfried Hassemer. First it will make an exposition of the concept of the related theory explaining as it can be implanted in the current criminal system. At the same time Jesus approaches the thought of the Spanish author Maria Silva Sanchez, on the theory of the intervention right, making a comparison between the two doutrinadores. It approaches of form sucinta the advantages and disadvantages of if applying the theory of the intervention proposal for Hassemer and Silva Sanchez. For the first one it would be a new branch of the right that would not use the criminal law to decide the conflicts of criminal nature. Already for as it would have a distanciamento of the nucleus of the criminal law, but the same it would be applied. It uses the inductive method through bibliographical research in periodic, law journal, workmanships, articles, etc. WORD-KEY: Right. Intervention. Criminal law. Economic crimes. Application. Esta pesquisa tenta explanar de maneira sucinta o pensamento de um autor alemão chamado Winfried Hassemer, a respeito do direito de intervenção para tratar de crimes econômicos especificamente, verifica ainda como um modelo de direito penal liberal, criterioso e dotado de um arsenal de meios limitadores de sua situação mostra-se incapaz de 1 Graduada em Direito pela FADISMA (Faculdade de Direito de Santa Maria-RS), Especialista em Direito Público pela ESMAFE (Escola Superior da Magistratura Federal).

2 atender às atuais e crescentes demandas preventivas. De fato, as inadequações e insuficiências de aparato penal diante da complexidade desses novos fenômenos nocivos inspiram modificações em suas premissas e nos seus métodos de atuação. Tudo isso acontece em decorrência do avanço tecnológico que a sociedade presencia e que traz muitos benefícios e ao mesmo tempo muitos problemas como é o caso dos delitos de ordem econômica ou delitos modernos, que usa o aparato tecnológico a seu favor dificultando a comprovação e até a investigação para se chegar aos responsáveis pelo crime. Opondo-se a todas as tendências do direito penal do risco, Hassemer defende a redução do direito penal a um direito penal nuclear, formado apenas por delitos de lesão a clássicos bens jurídicos individuais ou a bens jurídicos supra-individuais estritamente vinculados à pessoa, delitos de perigo concreto, graves e evidentes e por regras de imputação rígidas e princípios de garantia clássicos. Dessa forma, a proteção aos bens jurídicos transindividuais em face de novos riscos tecnológicos seria definitivamente afastada do direito penal, evitando-se, assim, qualquer tentativa de expansão da tutela penal. E também não ficaria a cargo do direito administrativo. A proposta de Hassemer é a criação de uma nova seara de tutela diferenciada dentro do direito penal, um campo jurídico chamado de direito de intervenção. 2 Esse campo de regulação, segundo Hassemer estaria entre o direito penal e o direito administrativo e entre o direito civil e o direito público, atuaria no combate especialmente em matéria de drogas, crimes econômicos e ecológicos de modo prioritariamente preventivo. Sendo assim, tal sistema, por ser muito mais flexível em relação às garantias materiais e formais, disporia de sanções menos intensas que as penais tradicionais, renunciando definitivamente à imposição das penas privativas de liberdade. Para começar necessita-se de instrumentos eficientes contra as pessoas jurídicas, distintos do direito penal clássico que está totalmente voltado para o indivíduo, para a pessoa física, ou seja, deve ser feito um reaparelhamento dos órgãos responsáveis pela apuração dos fatos. O que Hassemer propõe é um direito cujas penas sejam mais brandas, mais que ao mesmo tempo sejam efetivas, ou seja, aplicadas de fato. 3 2 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e direito penal. São Paulo: IBCCRIM, 2005, pp.196-198. 3 HASSEMER, Winfried. Três temas de direito penal. Porto Alegre: Escola Superior do Ministério Público, 1993, p. 95.

3 Para Hassemer, um modelo de direito de intervenção assim configurado seria, pragmaticamente, mais adequado para responder aos problemas específicos das sociedades de risco ou pós-industriais. Esse direito cuidaria somente dos delitos de ordem econômica sem a intervenção do direito penal. Isso levaria a um descomprometimento do direito penal para as expectativas que ele não pode cumprir. Já Silva Sanchez, considera a dificuldade em realizar a expansão do direito penal e procurando atender as exigências da sociedade pósindustrial, propõe a criação de um direito penal com regras de imputação e princípios de garantia funcionando a dois níveis de intensidade, conforme se esteja perante ilícitos aos quais se comina penas privativas de liberdade ou não 4. Afirma o referido autor que seria razoável que em um direito penal mais distante do núcleo do criminal e a cujos delitos se pusessem sanções mais próximas das administrativas, se fossem tornados mais flexíveis os critérios de imputação e as garantias individuais. 5 O que Hassemer e Silva Sanchez propõem é um novo ramo do direito criado somente para regrar os delitos de ordem econômica ou delitos da sociedade pós-industrial. Esse direito traria normas específicas para cada tipo de delito e a penalização mais apropriada, isso faria com que os casos fossem solucionados de maneira mais rápida e coerente, evitando o abarrotamento do direito penal. Também se fosse adotada a teoria dos autores acima citados o processo para apurar delitos de ordem econômica, teria um rito diferenciado e as provas seriam específicas para esse tipo de crime, o que certamente tornaria mais eficaz e traria uma resposta mais rápida e segura para a sociedade. O direito penal de intervenção de Hassemer não utilizaria o direito penal, ou seja, seria um ramo diverso, já para Silva Sanchez, o direito penal continuaria a ser utilizado só que teriam regras próprias e as penas impostas seriam mais em caráter administrativo, mudando apenas o núcleo do direito penal. Na prática o direito de intervenção e o direito de duas velocidades propostos por Hassemer e Silva Sanchez são chamados de administrativização do direito penal. Pois com o surgimento de novos bens jurídicos tutelados pelo direito penal e a antecipação de algumas de suas fronteiras estão levando à propagação dos delitos de perigo. Mas, a proteção relativa 4 SILVA SÁNCHEZ, Jesus Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais, 2ª Ed., traduzida por Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.78. 5 PEREIRA, Flavia Goulart. Os crimes econômicos na sociedade de risco. São Paulo: Revista brasileira de ciências criminais, out/dez, 2004, pp. 127-129.

4 a esses delitos está cada dia mais genérica, assim a participação e a responsabilidade de cada indivíduo são muito pequenas e o direito penal passa a ter a função de gestor de riscos saindo do seu papel original. Já o direito administrativo não segue critérios de lesão ou periculosidade concreta, funcionando como um reforço da gestão ordinária de administração. O direito administrativo é um direito do dano cumulativo, dispensando uma valoração do fato específico e perquirindo sobre o dano dessa conduta quando difundida por um grande número de pessoas. Esse critério de imputação é inadmissível no direito penal. 6 Hassemer tem ressaltado ainda o fato de que esse moderno direito penal se apresenta na forma de crimes de perigo abstrato, que exigem somente a prova de uma conduta perigosa, renunciam a todos os pressupostos clássicos de punição e, com isso, naturalmente, também reduzem as respectivas possibilidades de defesa e, além disso, no campo da moderna política criminal, como a criminalidade organizada, o meio ambiente, a corrupção, o tráfico de drogas ou criminalidade econômica, encontram-se cada vez mais novos tipos penais e agravamentos de pena. 7 O que o autor quis salientar é que nesse ramo do direito penal não é preciso usar todos os procedimentos do processo penal clássico no que se refere a questão probatória, e sim fazer uso das interceptações telefônicas, pois, já que os crimes de ordem econômica exigem a prova apenas da conduta perigosa, uma maneira de provar tal conduta é através dos grampos. Para Beck, o modelo de sociedade de risco se apresenta como uma sociedade subjetivamente insegura, em razão dos novos riscos ou dos novos riscos percebidos 8. Sob a mesma perspectiva, Hassemer analisa a questão tomando como ponto referencial a idéia de segurança, como um contra conceito de risco, observando assim que o risco é categoria própria da sociedade pós-moderna, com o qual se pode compreender, em sua base, este desenvolvimento aqui caracterizado pelo paradigma da segurança. 9 6 SILVA SANCHEZ, Jesus Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. 2ª Ed. Traduzido por Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.145. 7 SILVA, Pablo Rodrigo Aflen da. Aspectos críticos do direito penal na sociedade do risco. São Paulo: Revista Brasileira de Ciências Criminais, out/nov, 2004, pp.80-81. 8 BECK, Ulrich. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Traduzida por Magda Lopes. São Paulo: Ed.da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 207. 9 DIAS, Jorge de Figueiredo. O direito penal entre a sociedade industrial e a sociedade do risco. São Paulo: Revista brasileira de ciências criminais, nº 33, 2001, pp. 39-65.

5 Diante disso, fica claro que os diversos aspectos que resultam no discurso social do risco, intermediados através deste, levaram ao discurso jurídico-penal e político-criminal do risco. O que fica mais nítido é o fato de que o direito penal não representa o instrumento mais adequado com o qual se pode reagir aos riscos, pois segundo Hassemer ele mesmo é visto como um risco na medida em que se converte em um direito penal do risco, pois ao agir na sociedade do risco, o direito penal recebe a função de instrumento de prevenção, e para responder a esta sociedade insegura é preciso muito mais do que uma prevenção e sim também medidas repressoras das condutas de risco que afetam a coletividade. O direito penal do risco caracteriza-se, em primeiro lugar, principalmente pelo fato de que o comportamento que vai ser tipificado não se considera previamente ou socialmente inadequado, ao contrário, se criminaliza para que seja considerado como socialmente reprovado. Quanto mais as sociedades são modernizadas, mais os agentes (sujeitos) adquirem a capacidade de refletir sobre as condições sociais de sua existência, e assim modificá-las. Enquanto no direito penal clássico as condutas não eram criminalizadas mala per se, mas eram criminalizadas porque se apresentavam como socialmente inadequadas, no direito penal do risco, ao contrário, proíbem-se condutas para que com isso elas se tornem socialmente inadequadas. O caso em voga refere-se ao modo de como a norma é aplicada na sociedade do risco, podendo-se usar aqui o direito de intervenção de Hassemer como exemplo, ou seja, um direito de prevenção e não de repressão como é usado no direito penal. Isso decorre do fato de que o Estado, de garantidor da segurança jurídica, torna-se garantidor da segurança dos bens jurídicos, nesse caso, bens jurídicos transindividuais. 10 A motivação ética desse tipo de delito raras vezes tem a ver com comportamentos violentos, mas sim com comportamentos cujas conseqüências transcendem à criminalidade clássica violenta e cuja periculosidade não é algo evidente. Beck afirma que o comportamento do ser humano e a maneira com que os mesmos tratam os bens jurídicos transindividuais são criados pelo desenvolvimento industrial e ficam prejudicados por uma série de males, ou seja, a sociedade é baseada em riscos iminentes, e que seduzem o homem a praticar condutas que ferem os direitos transindividuais. Ao falar no delito econômico sabese que os agentes praticam o crime de modo que não é usada a violência tão comum nos demais crimes, o que é usado nesse tipo de conduta são formas de burlar as normas do 10 BECK, Ulrich. La Sociedade Del Riesgo: hacia uma nueva modernidad. Tradução, Jorge Navarro, Daniel Jiménez, Maria Rosa Borras. Barcelona: Paidós, 1998, p.69.

6 sistema, o que vêm a prejudicar a sociedade de maneira considerável. Nesse sentido, a proteção dos bens jurídicos transforma-se de uma estrita proibição de punição em um mandato de punição, de um critério negativo em um critério positivo de autêntica criminalização. Sendo assim, o direito penal do risco é moderno também em relação ao modo como ele é compreendido e legitimado. 11 O que se pergunta é como se aplicaria uma política criminal e mesmo a dogmática jurídico-penal nesse novo direito penal do risco que seriam os delitos econômicos, pois ao que se vê far-se-ia uma reprovação de pessoas jurídicas e físicas que muitas vezes não tivessem tomado racionalmente as suas decisões de risco conforme um modelo normativo de decisão de risco e por isso ampliassem em razão disso os riscos aos bens jurídicos alheios ou da coletividade. A sociedade dita de risco traz consigo dois aspectos fundamentais que são a globalização e a informação. Ambos têm manifestado aspectos sociológicos determinantes no desenvolvimento do moderno direito penal. Isso decorre do fato de que na sociedade do risco a segurança se converte em uma pretensão social em relação à qual se supõe que o Estado e, principalmente o direito penal devem oferecer uma resposta a sensação de impunidade sentida pela população em geral. Em vista disso, corroborando a idéia de que o direito penal está à procura de novos rumos e novas categorias para solucionar os delitos oriundos de riscos, fala-se de uma criminalidade global, no sentido de que a globalização tem influenciado o direito penal até mesmo pelo crescimento do mercado econômico, o que propicia o aumento dos delitos econômicos. Como é o caso da lavagem de dinheiro fora do país em paraísos fiscais. 12 Com efeito, esse entendimento segue uma orientação que já tem sido confirmada entre alguns sociólogos, na medida em que se exigem respostas flexíveis, em face da variabilidade das circunstâncias. Novamente Beck afirma que os males que nos afligem, como os riscos que resultam em grandes conseqüências tem de ser limitados ao máximo. Não é preciso muita perspicácia para ver como isso pode ser difícil. A industrialização e o desenvolvimento tecnológico com todos os seus infortúnios e também benefícios 11 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e direito penal. São Paulo: IBCCRIM, 2005, p.175. 12 PEREIRA, Flavia Goulart. Os crimes econômicos na sociedade de risco. São Paulo: Revista Brasileira de Ciências Criminais, out/dez, 2004, p.122.

7 concomitantes desenvolveram-se sobre a égide da sociedade ocidental. 13 Nesse sentido segue expressamente uma via antigarantista tendo em vista a afirmação de Silva Sánchez de que o direito penal será um direito já crescentemente unificado, mas também menos garantista, no qual poderão se tornar mais brandas as regras de imputação e se relativizarão as garantias político-criminais. 14 O que o autor quis dizer com direito penal antigarantista é que, a maior parte das garantias clássicas se orienta por um paradigma de direito penal que toma por base o indivíduo, de bens jurídicos individuais como lista nossa Constituição Federal, enquanto o paradigma atual é orientado pelo direito transindividual e leva em conta os bens transindividuais, no caso a ordem econômica. Isso não quer dizer que a Constituição Federal não traga, em suas normas, a proteção do direito coletivo, o que se está dizendo é que o direito penal (material) na sua essência protege o direito do indivíduo. Atualmente, tanto a criminalidade de massa (regrada pelo direito penal clássico), quanto a criminalidade moderna, chamada criminalidade econômica, vem causando sérios problemas de segurança e de eficiência do direito penal, e, dessa forma, ambas contribuem para a sensação de impunidade vivida pela sociedade. Nota-se, entretanto, que elas apresentam características bem distintas e ensejam respostas político-criminais substancialmente diferenciadas. Além disso, a criminalidade ligada aos riscos traz problemas específicos de delimitação das causas e conseqüências e de identificação de responsabilidades e formalização das provas. Ao adentrar a ceara que trata de crime econômico, e chamado pelos autores aqui mencionados de sociedade do risco, há certa dificuldade na produção das provas. Isso poderia ser sanado, ou pelo menos amenizado, se houvesse uma mudança no processo (procedimentos) do direito processual econômico para que assim se possa chegar aos responsáveis de crimes econômicos e mudar essa visão da sociedade de que os crimes que lesam a ordem econômica ficam impunes trazendo assim, mais segurança ao cidadão. 13 BECK, Ulrich. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Ed. da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 224. 14 SILVA SANCHEZ, Jesus Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. 2ª Ed. Traduzido por Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pp. 75-112.

8 Diante da teoria de Hassemer 15, percebe-se a emergência de uma política de transformação institucional, que aponta para a expansão do campo da intervenção penal, a partir de algumas linhas tendenciais mestras, quais sejam, a extensão de proteção penal a bens supraindividuais, a significativa antecipação da tutela penal aos crimes de perigo abstrato e aos delitos cumulativos, a freqüente utilização dos crimes de mera desobediência, dos crimes omissivos e culposos e a atribuição de responsabilidade penal a entidades organizacionais. Essa intervenção defendida por Hassemer nada mais é do que a criação de um novo ramo do direito que ficaria entre o direito penal e o direito administrativo, pois se entende que essa intromissão do direito penal no campo econômico ou administrativo seria indevida. O direito de intervenção deixaria de lado as regras de direito penal, que servem para reprimir. O que se propõe é um direito preventivo começando na raiz do problema, ou seja, nesse aspecto os direitos transindividuais são muito mais importantes que os direitos individuais. O fato de o direito penal fundamentar-se na culpa e no dolo impede que se criem instrumentos eficientes para combater a moderna criminalidade. Necessita-se agir preventivamente, estabelecer controles e obrigações com sanções para eventuais descumprimentos. Essas medidas são inadmissíveis no âmbito do direito penal, mais podem ser usadas na sociedade do risco ou nos delitos econômicos 16. O direito penal do risco ou sociedade do risco é muito semelhante ao direito penal econômico, já que tratam dos chamados crimes modernos. Esse tipo de delito traz segundo os autores, uma grande sensação de insegurança, pois, são de difícil apuração pelo alto nível de experiência dos seus agentes, sendo assim, a colheita ou materialização das provas fica quase impossível. Com a criação do novo ramo do direito proposto por Hassemer e Silva Sánchez o direito penal deixaria de resolver as questões referentes aos crimes econômicos e passaria apenas a tutelar os delitos penais de ordem clássica (direitos individuais). É uma ótima saída para solucionar a questão dos crimes da sociedade do risco. O bem jurídico tutelado na sociedade de risco ou nos chamados crimes de ordem econômica, não é individual e sim transindividual o que leva a pensar que deve ter um novo ramo do direito para resolver esses casos, caso contrário consolidaria o império da impunidade aos criminosos do colarinho branco. 15 Ver Hassemer (direito de intervenção ). Três temas de direito penal, 1993, p. 96. 16 HASSEMER Winfried. Três temas de direito penal. Porto Alegre: Escola Superior do Ministério Público, 1993, p. 97.

9 As teorias de Hassemer e Silva Sánchez se completam, pois o primeiro propõe um direito de intervenção onde não há a interferência do direito penal, mas sim a aplicação de penas administrativas sem a privação da liberdade e também a criação de normas de caráter preventivo. Já o segundo, defende a criação de um direito que se distancia do núcleo do direito penal clássico e a aplicação de penas de caráter administrativo. Desse modo, ao juntar as duas teorias tem-se um novo ramo do direito que trata apenas dos delitos de ordem econômica com regras e procedimentos específicos. Hodiernamente fala-se muito em sociedade do risco, ou seja, é o campo dos delitos de perigo abstratos onde entram os crimes econômicos e é aqui que se tem a maior dificuldade para controlar a situação. Pois os delitos que lesam a ordem econômica são cometidos geralmente pos pessoas altamente qualificadas e que muitas vezes não deixam rastros. E também são crimes que se prolongam no tempo com isso fica difícil prová-los, sem o uso das provas cautelares, no caso as interceptações telefônicas são as mais usadas assim como a quebra de sigilo de dados. Esta é a maneira mais eficiente e ainda é deficitária de se chegar aos responsáveis por crimes econômicos ou também conhecidos como crimes modernos. 17 O direito penal mudou bastante com o passar dos tempos sua área de atuação, isso aconteceu devido ao avanço tecnológico e social. O significado geral da fórmula ultima ratio tem sido descutida no que atine às relações entre direito penal e direito administrativo. A concretização da ultima ratio deve ocorrer não através de abordagens globalizantes e simplificadoras, mas com a construção de grupos de casos, que partam do bem jurídico protegido e levem em conta os caminhos que conduzem à sua lesão em determinado contexto histórico-social, bem como os recursos para a sua proteção, desdobrando-se assim a necessidade de proteção do bem jurídico numa análise tridimensional. 18 Nessa celeuma pode-se constatar a necessidade de mudança do conceito de bem jurídico tutelado pelo direito penal é necessária, pois com o avanço tecnológico surgem também novos tipos penais, e o direito penal tem que se adaptar para poder proteger os bens jurídicos tutelados que não são mais apenas individuais, mas também coletivos. O que está 17 BORTOLUZZI, Marinês Dalla Valle. As interceptações telefônicas e a violação do direito à intimidade. Trabalho de conclusão do curso da Especialização em Direito Público (ESMAFE). Santa Maria, 2011, p. 43-45. 18 SCHÜNEMAMM Bernd. O direito penal é a ultima ratio da proteção dos bens jurídicos! Sobre os limites invioláveis do direito penal em um Estado de Direito Liberal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 53. São Paulo, 2005, p. 23.

10 acontecendo é que as normas penais não estão conseguindo abarcar todos os tipos que surgem a cada dia, mesmo com a ajuda de outros ramos do direito, como no caso do direito administrativo, nos delitos econômicos. A saída seria uma mudança na política criminal por parte dos legisladores, no sistema penal para que se consiga abarcar essa gama de delitos que não estão tipificados pelo direito penal. Uma mudança estrutural no processo e a elaboração de normas punitivas específicas para a proteção do bem jurídico coletivo fora do direito penal. Os crimes de ordem econômica são vistos como crimes de perigo, ou seja, retratam uma conduta típica que, para se consumar, prescinde da produção do resultado lesivo ao bem jurídico, implicando simplesmente uma possível ameaça de produção de tal efeito. 19 Ao ver o bem jurídico como uma entidade que comporta várias zonas periféricas suscetíveis de proteção, o delito de lesão (crimes comuns) atingiria o núcleo central, em quanto que o delito de perigo (crimes econômicos) atingiria as zonas antecipadas de proteção. Isso quer dizer que os delitos de perigo são mais difíceis de ser constatados, pois, os danos ocorrem por etapas, enquanto os delitos comuns o dano ocorre simultaneamente, podendo ser sentido de imediato. Quando se fala em crimes econômicos cometidos dentro de empresas hierarquicamente organizadas o resultado lesivo geralmente é provocado pela ação conjunta de vários sujeitos, de diversas posições hierárquicas e com grau diferenciado de informação, sendo muito difícil identificar todos os participantes da ação e delimitar a contribuição de cada um para o resultado do evento. O ato punível se fragmentado por pessoa que teve participação na realização do mesmo, torna-se atípico, o que se verifica na prática uma cisão dos elementos do tipo. Nesses casos nota-se a importância do uso das provas cautelares como a interceptação telefônica, por exemplo. Esse meio de prova se usado de maneira correta pode elucidar e identificar todos os participantes do fato delituoso, ajudando na tipificação de maneira mais clara, objetiva e justa. O que se nota é que há uma debilitação da eficácia preventiva do direito penal, no âmbito da criminalidade da empresa, mesmo com o uso das interceptações telefônicas às vezes não é o suficiente para desvendar o fato delituoso, causando ou aumentando a sensação de impunidade na sociedade. O que falta são normas e procedimentos direcionados para a 19 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e direito penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais. São Paulo: IBCCRIM, 2005, p. 129.

11 tipificação e responsabilização desse tipo de crime, o que não tem suficientemente no direito penal vigente. O processo de inovação sofre com algumas barreiras erigidas pelo paradigma do direito penal clássico, e que podem dificultar a persecução de certos fins políticos-criminais. Ou seja, os princípios que muitas vezes servem de contenção à intervenção penal como a estrita legalidade, proporcionalidade, causalidade, subsidiariedade, intervenção mínima, fragmentariedade, lesividade, etc, e que são frequentemente apontados como obstáculos à adequação eficiente do direito penal às necessidades preventivas e de proteção da sociedade do risco passam a ser confrontados, reinterpretados e flexibilizados adaptados às novas necessidades da sociedade moderna. 20 Como se vê existe uma incompatibilidade na mudança do paradigma do direito penal clássico, pois de um lado o sistema atual não daria conta de todos os tipos penais que surgem a cada dia gerando e aumentando a sensação de impunidade, por outro lado, as adaptações ao sistema de política criminal já vigente implicariam em confronto direto com os princípios garantistas já consagrados. Dessa maneira se instaura uma dicotomia entre o sistema penal mais adequado aos novos riscos enfrentados pela sociedade atual e o respeito às garantias constitucionais e princípios penais e processuais penais vigentes em nosso Estado Democrático de Direito. O direito penal moderno foi concebido a partir de uma índole restritiva e minimalista, já o movimento a que se submete na sociedade do risco é o de expansão. Isso quer dizer que o direito penal clássico tem maior força de proteção aos bens jurídicos individuais. Enquanto que na sociedade do risco ocorre uma extensão dessa mesma proteção para os bens jurídicos supraindividuais ou coletivos. O que se quer deixar claro é a dificuldade que o atual sistema penal está encontrando para abarcar e proteger todos esses bens jurídicos. Uma tarefa que se pode dizer que é quase impossível, pois o sistema não está preparado para tal mudança de paradigma. 21 Entre os autores citados Silva Sanchez adota uma postura intermediária, denominada de expansão moderada, o mesmo recusa o apego ao tradicionalismo do direito penal clássico, ao mesmo tempo em que nega a adesão à flexibilização do direito penal e 20 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e direito penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais. São Paulo: IBCCRIM, 2005, p. 155. 21 SILVA SANCHEZ, Jesus Maria. La expansión del derecho penal: aspectos de la política em las sociedades postindustriales. Madrid: Civitas Ediciones, 1999, p.18.

12 propõe um modelo dual para o sistema penal, o do direito penal de duas velocidades. O autor assume que a resposta à demanda punitiva, no campo da chamada criminalidade moderna, deve resolver-se por intermédio de uma ampliação do direito penal. Sendo assim, não questiona substancialmente que, dada a natureza dos objetos de proteção, a expansão resulte mesmo em flexibilização de regras de imputação e princípios de garantias, desde que essa ampliação não baseie sua força comunicativa na imposição de penas de prisão. 22 O direito penal de duas velocidades proposto por Silva Sanchez traria mudanças na estrutura do direito penal e também no âmbito do processo penal. Isto é, fatos delituosos que dizem respeito à direitos coletivos como delitos de ordem econômica seriam apurados de maneira mais célere, pois, nesse tipo de crime as provas desaparecem com muita facilidade. Nesses casos as decisões e prazos deveriam ser diferenciados para facilitar a apuração dos fatos e também a punição dos responsáveis de maneira justa. Isso não quer dizer que os demais tipos criminais não devam ser apurados também com celeridade. Mas há uma diferença que deve ser considerada entre os dois tipos criminais que é a maneira da colheita das provas e é isso que deveria ser levado em conta para que se possa ter um resultado mais justo. A tese proposta por Silva Sanchez permite que seja feita uma divisão do direito penal em dois modelos dogmáticos e político-criminais: o direito penal nuclear, no qual seriam mantidos os princípios do direito penal liberal, e o direito penal periférico, no qual esses princípios seriam flexibilizados ou mesmo transformados, a fim de viabilizar a proteção penal de novas áreas de riscos. Com isso, a proteção dos bens jurídicos individuais seria operada pelo núcleo duro do direito penal, através das garantias clássicas, a fim de salvaguardar os direitos, liberdades e garantias individuais, haveria uma reserva absoluta da pena restritiva de liberdade ao direito penal nuclear. Enquanto que a proteção dos bens jurídicos coletivos diante dos novos riscos dar-se-ia na zona periférica, caracterizada por uma menor intensidade de garantias e pela cominação de sanções patrimoniais e restritivas de direitos. 23 O que o autor sugere é uma cisão do direito penal, ou uma expansão do mesmo com sistemas diferenciados para os diferentes tipos penais. Na proposta de Silva Sanchez no 22 SILVA SANCHEZ, Jesus Maria. La expansion del derecho penal: Aspectos de la política em las sociedades postindustriales. Madrid: Civitas Ediciones, 1999, pp. 195-196. 23 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e direito penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais. São Paulo: IBCCRIM, 2005, pp. 196-197.

13 núcleo do direito penal se situariam os crimes comuns que atentam contra os bens jurídicos individuais e patrimoniais, e a esses poderia se imputar a pena privativa de liberdade. Já nas zonas periféricas ficariam os delitos de ordem econômica e demais tipos penais que atentem contra os bens jurídicos coletivos nesses tipos se aplicariam as penas restritivas de direitos. A diferença na estrutura do direito penal e no processo para os diversos crimes, tanto os tipos comuns como os crimes modernos, é uma solução que deve ser pensada, e viria a facilitar na apuração e punição mais eficiente em alguns casos. Já a proposta de Hassemer de criação de um novo ramo do direito que cuidaria apenas dos delitos da sociedade pós-industrial, ou os crimes modernos (crimes econômicos), seria uma boa saída para diminuir a carga sobre o direito penal, pois o mesmo não está conseguindo abarcar todos os tipos penais que surgem a cada dia, deixando uma sensação de impunidade na sociedade. Essa proposta diverge da teoria de Silva Sanchez, pois na teoria do direito de intervenção de Hassemer, o direito penal não atuaria na proteção dos bens jurídicos coletivos. Em outras palavras, ao lado da descriminalização de condutas, necessária para a redução do direito penal a esse núcleo básico de proteção, dar-se-ia a criação de um sistema novo de direito, livre das rigorosas exigências principiológicas e das formalidades para a atribuição de responsabilidades. Mais apto, portanto, para lidar com as situações da sociedade do risco. 24 O novo ramo do direito proposto por Hassemer atuaria fora do âmbito do direito penal e cuidaria somente de delitos que atentam contra a ordem econômica, meio ambiente, em matéria de drogas atuando com políticas preventivas. A teoria de Hassemer até é um pouco plausível, mas o fato de não entrarem penas privativas de liberdade tira um pouco a credibilidade desse novo sistema. Significa dizer que é impossível não aplicar tais penas em delitos ordem econômica ou em relação a crimes com tráfico e entorpecentes, pois em muitos casos se tratam de criminosos que oferecem mais riscos do que qualquer criminoso comum, e ficam soltos praticando outros delitos e lesando mais pessoas. Destarte, o que deveria ser feito é uma reestruturação do direito processual penal com uma parte para cuidar somente dos crimes do colarinho branco ou crimes econômicos, também a elaboração de leis voltadas para os novos tipos de delitos que surgem a cada dia e não estão normatizados no código penal. Já que o direito penal, além dos bens jurídicos 24 HASSEMER, Winfried. Perspectivas del derecho penal futuro. Revista penal, Barcelona, n.1, pp. 37-41, 1998.

14 individuais e patrimoniais também cuida ou protege os direitos coletivos, havendo assim uma mudança de paradigma, o mesmo deve ser eficiente para que a sensação de impunidade sentido pela sociedade diminua, dando assim mais segurança a todos. Além disso, o movimento expansionista caracterizado pela criminalização de condutas não lesivas, pela antecipação da tutela ao perigo meramente abstrato e pela invasão do direito penal a áreas antes regulamentadas por outros ramos do direito como o direito administrativo. O que denota uma atuação do direito penal distinta da idealizada para um instrumento da ultima ratio. Trata-se da confrontação do direito penal da sociedade do risco com os próprios pressupostos da racionalidade penal. Ou seja, o surgimento de propensões político-criminais adaptadas ao fenômeno do risco, que emergem em situação de conflito com o programa de intervenção penal da sociedade industrial ou moderna. Resumindo é a mudança de paradigma do direito penal em relação à proteção de bens jurídicos individuais e coletivos. 25 A polêmica em relação do direito penal e o surgimento de novos riscos está intensamente centrada no binômio segurança versus garantias de liberdade, que se revela na discussão acerca da legitimidade de um sistema penal voltado à busca de segurança e proteção contra novos riscos que venham a surgir, mediante o sacrifício dos pressupostos clássicos e garantias individuais em que se assenta a racionalidade penal moderna. Ou seja, o direito penal vem se adaptando às necessidades de combater os fenômenos do risco e o apego aos princípios e regras de imputação que sustentam o modelo concebido para a atuação penal no Estado de Direito moderno. Significa dizer que o direito penal está tentando se modernizar para atender as necessidades da sociedade moderna, mas o que se vê é que o mesmo não está preparado para abarcar todos os tipos penais que surgem a cada dia o que vem a causar sérios problemas de segurança para a sociedade. O que se propõe é compreender se as mudanças propostas pelo direito penal do risco são capazes de conduzir à eficiência do aparato penal já existente no combate de novos tipos penais que surgem a cada dia. E também questionar a própria adequação do direito penal clássico como instrumento adequado para dar conta de todos esses problemas tão complexos da sociedade moderna. Sempre levando em conta os direitos fundamentais e os princípios processuais penais. 25 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e direito penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais. São Paulo: IBCCRIM, 2005, p. 202.

15 Portanto, o que se pretende com essa pesquisa é analisar e questionar se o direito penal está apto a lidar com todos os fenômenos da sociedade do risco de maneira eficiente, mesmo com sua expansão ou se deveriam ser criados novos instrumentos legislativos para controlar preventivamente os chamados crimes de perigo abstratos e que lesam o bem jurídico supraindividual. O que se nota é que o direito penal não está preparado para essa mudança de paradigma o que gera um aumento da crise de credibilidade no Estado e no Direito, e muito mais insegurança. É inegável que o direito penal tem um potencial simbólico muito maior que outras áreas do direito, mas isso por si só não basta para lidar com os intrincados fenômenos da sociedade do risco ou da sociedade moderna, ou seja, com os novos tipos penais que surgem a cada dia, provocando o abarrotamento do sistema penal. Resumindo o que se precisa é uma mudança de urgência para adequar o direito penal a essa mudança de paradigma ou então a criação de um novo ramo do direito que trate exclusivamente de crimes modernos, e que tenha mais ênfase na prevenção e não na repressão como o direito penal clássico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECK, Ulrich. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Ed. da Universidade Estadual Paulista, 1997.. La Sociedade Del Riesgo: hacia uma nueva modernidad. Tradução, Jorge Navarro, Daniel Jiménez, Maria Rosa Borras. Barcelona: Paidós, 1998. BORTOLUZZI, Marinês Dalla Valle. As interceptações telefônicas e a violação do direito à intimidade. Trabalho de conclusão do curso da Especialização em Direito Público (ESMAFE). Santa Maria-RS, 2011, p. 43-45. DIAS, Jorge de Figueiredo. O direito penal entre a sociedade industrial e a sociedade do risco. São Paulo: Revista brasileira de ciências criminais, nº 33, 2001, pp. 39-65. HASSEMER Winfried. Três temas de direito penal. Porto Alegre: Escola Superior do Ministério Público, 1993.

MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do risco e direito penal: uma avaliação de novas tendências político-criminais. São Paulo: IBCCRIM, 2005. 16 PEREIRA, Flavia Goulart. Os crimes econômicos na sociedade de risco. São Paulo: Revista Brasileira de Ciências Criminais, out/dez, 2004. SCHÜNEMAMM Bernd. O direito penal é a ultima ratio da proteção dos bens jurídicos! Sobre os limites invioláveis do direito penal em um Estado de Direito Liberal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 53. São Paulo, 2005, p. 23. SILVA SANCHEZ, Jesus Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. 2ª Ed. Traduzido por Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. SILVA, Pablo Rodrigo Aflen da. Aspectos críticos do direito penal na sociedade do risco. São Paulo: Revista Brasileira de Ciências Criminais, out/nov, 2004, pp.80-81. PUBLICADO EM 26/08/2011