Seminário Intervir em construções existentes de madeira 111 Construções em madeira Vantagens plásticas na reabilitação António Monteiro Guedes Monteiro Guedes, Arquitectura, Lda., Porto antonio.guedes@amguedes.com SUMÁRIO Questões que importam na decisão de reabilitar, problemas de princípio e questões de ordem plástica, artística e sensorial PALAVRAS-CHAVE: REABILITAÇÃO, HABITAÇÃO, ASPECTOS PLÁSTICOS 1. PONTO PRÉVIO Vivo numa casa do final do século XIX, no Porto que reabilitei em 2008. Confesso que na questão da construção e particularmente da habitação tenho uma envolvente muito conservadora onde as casas vão passando de antepassados para as novas gerações que por sua vez fazem todos os esforços para transmitir esse legado às gerações vindouras. O artigo que aqui apresento, longe de ser um artigo académico, é uma reflexão sobre a minha experiência na área de Restauro e Reabilitação de Edifícios. Figura 1 Casa Almendra e Guedes (Porto 2008) Detalhe da escada central.
112 Construções em madeira - Vantagens plásticas na reabilitação 2. INTRODUÇÃO Faço a ressalva quanto à questão da habitação porque entendo que, como profissionais e principalmente como teóricos, nos princípios que defendemos, é fácil distanciarmo-nos do verdadeiro objectivo do nosso trabalho, a construção de espaços eficazes, em equilíbrio com os seus habitantes. Figura 2 Casa Almendra e Guedes (Porto 2008) Sala de Estar. O facto de residir numa casa restaurada de acordo com os princípios que defendo trouxeme não o posso esconder algumas surpresas, (nem todas boas) mas reforçou no essencial a postura que tenho em relação a estes edifícios. São edifícios que, seguindo um plano de manutenção indicado, resistem muito bem ao envelhecimento. Por outro lado os seus problemas são facilmente detectáveis através de sinais claros que a própria construção nos transmite sem recurso a equipamento especializado. Grande parte das suas peças são substituíveis e raramente corremos o risco de serem descontinuadas ou haver rotura de stock. São ainda construções facilmente adaptáveis em termos construtivos às necessidades reais da habitação actual. 3. REABILITAÇÃO QUESTÕES FREQUENTES (FAQ) A Reabilitação coloca-se geralmente como uma alternativa em contraponto com a construção, uma equação na qual pesam uma série de argumentos esgrimidos por várias partes intervenientes na obra com interesses muitas vezes distintos. É inegável a facilidade com que hoje podemos controlar tecnicamente vários factores de forma a aproximar uma construção tradicional dos standards e normas actuais.
António Monteiro Guedes 113 Figura 3 Teatro Cinema de Fafe (Fafe 2003/09) Vista da Plateia. Entendo, que a reabilitação passa essencialmente por um problema de consciência 1. Numa vertente global na medida em que os recursos de que dispomos não são infinitos, 2. Consciência sobre a paisagem uma vez que a sua diversidade está inversamente relacionada com a quantidade de construção que produzimos. 3. Económica na medida em que começando pelo valor do solo até aos recursos que são aplicados na construção de uma habitação nova a diferença de custo é geralmente significativa. 4. Histórica na medida em que cada construção contém um património histórico indissociável, contado pela sua localização, construção ou uso conhecido e passível de ser lida nos elementos construtivos que a compõem. Lembro aqui a importância que ultimamente têm ganho os centros históricos das cidades que se revelam Museus abertos à custa da reabilitação cuidada do seu parque imobiliário e que Guimarães é um exemplo pioneiro no nosso país. 5. Cultural, uma vez que a construção está intimamente ligada ao quotidiano dos seus habitantes, é por eles criada e transformada de acordo com a sua cultura contemporânea.
114 Construções em madeira - Vantagens plásticas na reabilitação 4. REABILITAÇÃO QUESTÕES PLÁSTICAS Além destas questões incontornáveis existe uma mais-valia significativa na reabilitação - aqui permitam que me estenda a outras artes da construção de ordem plástica. Figura 4 Casa Raquel Guimarães (Guimarães 2005/13) Acessos durante a Obra e após a intervenção. Antes de mais, pela capacidade que temos hoje de recuperar edifícios em elevado estado de degradação, com técnicas apuradas trazendo-os para a actualidade em todo o seu esplendor artístico e construtivo. Este só por si poderia ser um argumento determinante, mas durante a minha prática profissional tenho experimentado algumas formas de intervenção com alguma surpresa enquanto aos seus resultados. A utilização de métodos tradicionais de construção permite recriar sobre o original, ambientes, texturas e mesmo sensações que contribuem para o ambiente geral da Obra. Trata-se muitas vezes de aspectos que não são reproduzíveis por fotografias, mas apenas pela experiência tridimensional e acima de tudo sensorial. Falo da aplicação ou restauro de materiais tradicionais que imprimem na obra um aroma ou um determinado equilíbrio higrométrico muito distinto (não quero aqui fazer distinções de valor). Por exemplo a aplicação de tintas à base de óleo de linhaça, cujo aroma permanece por alguns anos realça a expressividade do edifício através de um sentido pouco comum (ou pouco estudado) na área técnica: O olfacto. Mas os exemplos não param aqui. A madeira
António Monteiro Guedes 115 de riga imprime nas construções também um aroma característico e mesmo o pinho com o seu aroma a resina seca é capaz de despertar a memória de alguma casa antiga acabada de reparar por onde passamos. Por outro lado as estruturas tradicionais de madeira revelam-se muito equilibradas permitindo a transferência de vapores e temperaturas dentro do edifício resultando num ambiente muito uniforme. A própria superfície de uma parede em tabique com uma pintura caiada pode revelar texturas inusitadas que se deformam com o tempo através de pequenas intervenções ou do próprio movimento do edifício criando dessa forma a sua própria narrativa. Figura 5 Casa Raquel Guimarães (Guimarães 2005/13) Acessos. A minha perspectiva de reabilitação plástica de um edifício não se reduz no entanto ao uso de materiais tradicionais. Retomando a questão do início deste texto, entendo que a manutenção destas estruturas passa pela sua actualização e reparação. Na minha prática tenho tentado criar uma gramática de intervenção que me tem servido de orientação em edifícios de habitação. Trata-se de um princípio de verdade da construção. Chamei-lhe assim na última comunicação que realizei porque resume bastante bem o conceito e o resultado do trabalho. Trata-se essencialmente de estabelecer uma regra sob a qual todos os elementos transparecem a sua identidade, idade e método construtivo e aplica-se essencialmente a elementos danificados onde a questão se coloca entre a substituição ou um certo tipo de imitação para aproximação à envolvente. As novas peças por falta de oxidação ou pela contemporaneidade do desenho, começam por assumir um aspecto dissonante se vistas em pormenor mas acabam por integrar-se pela forma repetida do conjunto e pela sua evolução física. A questão plástica, para além da perspectiva física e sensorial que acabei de descrever engloba ainda o projecto e a forma de intervir.
116 Construções em madeira - Vantagens plásticas na reabilitação Figura 6 Casa Jorge Pedrosa (Abrunheira 2007) Detalhe de pavimento. 5. O PROJECTO SEGUNDO UMA MAIS-VALIA PLÁSTICA Definitivamente o que mais me entusiasma no início de um trabalho é a possibilidade de evoluir a partir de uma base complexa onde estão invariavelmente pré-definidas estruturas programáticas, físicas e métodos construtivos. A possibilidade de criar ou recriar espaços e ambientes complexos, cheios de informação, memórias e sensações. Essa é a mais-valia plástica no processo criativo. No nosso trabalho tentamos que ela seja visível nos detalhes e na complexidade do edifício sem fugir à responsabilidade de datar as nossas intervenções mas aproveitando as capacidades que obra e materiais têm para oferecer. O trabalho toma a dimensão de uma equação com infinitas variáveis, o que a meu ver aumenta exponencialmente as possibilidades de soluções e consequentemente o prazer em descobri-las. Figura 7 Casa Jorge Pedrosa (Abrunheira 2007) Sala de Jantar.
António Monteiro Guedes 117 6. AGRADECIMENTOS Aos proprietários das habitações descritas no artigo e durante o seminário nas pessoas da Prof. Dra. Raquel Guimarães e Prof. Dr. Jorge Pedrosa. 7. REFERÊNCIAS [1] Fotografia do Teatro Cinema de Fafe FG+SG
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