VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA MENINOS EM UMA CIDADE DO INTERIOR DO BRASIL ( )

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Transcrição:

GT23 Gênero, Sexualidade e Educação Pôster 740 VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA MENINOS EM UMA CIDADE DO INTERIOR DO BRASIL (2006 2015) Samuel da Silva Souza - UFMS Resumo O presente texto visa a apresentar dados de uma pesquisa em andamento, vinculada ao Mestrado em Educação de um Programa de Pós-graduação em Educação da região Centro-Oeste. O estudo pretende discutir a problemática da violência contra as crianças do sexo masculino em um município do interior do Brasil, de 01/01/2006 a 31/12/2015. Adotamos a perspectiva teórico-metodológica baseada nos pressupostos da pesquisa pós-crítica e nas fundamentações teóricas dos Estudos de Gênero, Estudos Culturais e pressupostos foucaultianos. Através do referencial teórico e dos documentos utilizados (Boletins de Ocorrência), pretendemos elencar algumas características dos/as agressores/as das violências sexuais contra meninos, tais como: gênero, idade, grau de parentesco com a vítima, tipo de violência e, em especial, as violações dos direitos de meninos que foram identificadas no ambiente escolar e encaminhadas à delegacia. Palavras-Chave: Violência Sexual, Gênero, Educação. Violência Sexual Contra Meninos em Uma Cidade do Interior do Brasil (2006 2015) Para cumprir com os objetivos da pesquisa efetuamos um levantamento de todas as violências contra criança na Delegacia de Atendimento à Infância, Juventude e Idoso (DAIJI), através do Sistema Integrado de Gestão Operacional (SIGO) da Polícia Civil. A escolha do local (DAIJ) e dos documentos analisados (Boletins de Ocorrência) foi estratégica pois, legalmente, todos os casos de violências contra crianças, no município selecionado, são registrados na DAIJI, para o devido acompanhamento judicial.

2 Há, no Brasil, programas de combate à Exploração Sexual 1, leis que preveem proteção à criança e ao adolescente 2 e diversos estudos que tratam da violência sexual contra meninas. Entretanto, quando o assunto se refere à violência sexual contra meninos, a lista é menor. Prado (2006, p. 11) declara que: Na área dos estudos sobre violência sexuais contra criança e adolescentes pouco se enfoca o abuso sexual contra meninos. Essa carência de investigações sobre a violência sexual contra meninos pode ser explicada por diversos fatores de gênero. Pinto Junior (2005, p. 41) sugere que [...] no imaginário das pessoas parece existir a ideia de que meninos e homens não são vitimados sexualmente e que é um problema de mulher. Na expressão problema de mulher, percebemos como as questões de gênero aparentam configurar-se nas concepções de violência sexual contra meninos. Prado (2006, p. 12) revela que [...] em situações de abuso sexual contra meninos, diversas condições podem dificultar sua revelação. Dentre elas, o medo da homossexualidade. O fato de se pôr em dúvida a heterossexualidade masculina causaria vergonha à vítima, à família e às pessoas próximas, e levaria à omissão da denúncia e ao ocultamento do abuso sexual sofrido. Podemos suspeitar que os dados das violências contra os meninos são subnotificados e que os números não refletem a realidade das violências sofridas por eles. Enquanto a violência sexual contra meninas é observada e cuidada, a violência sexual contra os meninos é, muitas vezes, banalizada, encoberta por padrões de masculinidades que defendem a figura de homem forte, capaz de suportar dores sem se queixar, autônomo, sem fraquezas, racional, centrado e orgulhoso da sua heterossexualidade. As diversas concepções de masculinidade, que levam as vítimas e seus familiares a terem vergonha e medo de a criança ser taxada como homossexual, estão em todo o tecido social, produzindo e sendo produto de verdades nas relações de poder-saber. Xavier Filha (2012, p. 146) avalia: A falta de compreensão e entendimento acerca da vitimização masculina pode ser atribuída ao silêncio que circunda a questão em uma sociedade patriarcal e machista. Esse silêncio pode ser proveniente de padrões hegemônicos de masculinidade, vigentes nas relações de poder, que estipulam que o menino/homem deve ser forte, ativo, estar no controle e nunca exibir fraquezas ou expressar queixas. 1 Programa de Enfrentamento da Violência Sexual contra Criança e Adolescentes (PNEVSCA), PAIR Programa de ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil no território Brasileiro, além do Disque 100. 2 Estatuto da Criança e do Adolescente ECA Lei 8069/90, Constituição Federal Artigo 227. Em âmbito Internacional, a Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral em 20 de novembro de 1959.

3 Louro (2016, p. 15) explicita que [...] ao classificar os sujeitos, toda sociedade estabelece divisões e atribui rótulos que pretendem fixar as identidades. Ela define, separa e, de formas sutis ou violentas, também distingue e discrimina. São essas rotulações e subdivisões de quem é visto socialmente como masculino nas relações de poder-saber na sociedade que acabam constituindo sujeitos em situações de violência. Logo, as concepções de gêneros necessitam ser problematizadas. Para tanto, utilizamos o referencial teórico dos Estudos de Gênero, com apoio em estudos de autores/as como Guacira Lopes Louro, Michael Foucault, Constantina Xavier Filha, Antonio Augusto Pinto Junior, e Jean Von Hohendorff. O referencial teórico empregado leva em consideração conceitos de gênero, sexualidade, corpo, relações de poder, resistência, violência, dentre outros que são apreçados na análise das informações. Dentre os conceitos elencados, destacamos os conceitos de violência e gênero: No tocante ao gênero, abraçamos a seguinte definição: Por gênero entende-se a condição social através da qual nos identificamos como masculinos e femininos. É diferente do sexo, termo utilizado para identificar características anatômicas que diferenciam os homens das mulheres e vice-versa. O gênero é construído social e culturalmente e envolve um conjunto de processos que vão marcando os corpos, a partir daquilo que se identifica ser masculino e/ou feminino. (GOELLNER, 2012, p. 109). O conceito de gênero remete a um sentido mais amplo do que apenas o âmbito biológico. Tem ligação com a construção cultural e social nas relações de poder-saber, como aquilo que se identifica no processo histórico como masculino e feminino, e não com a divisão binária entre macho e fêmea. Para a nossa pesquisa, é essencial compreender essas diferenças sexuais e problematizar aquilo que se identifica como ser masculino/e/ou feminino, nos casos das violências analisadas. Utilizamos o conceito de violência conforme Xavier Filha (2008), para quem a violência contra a criança é uma construção histórica, social, cultural e, portanto, humana, por isso [...] aquilo que na atualidade consideramos formas de violência, especialmente contra este público, em outras épocas não foi considerado como tal (XAVIER FILHA, 2008, p. 127). Apreender a violência como uma construção social, como defende Xavier Filha, implica entender que a violência é um fenômeno social e, como tal, está sujeita às concepções de cada sociedade, cultura e tempo.

4 As leituras dos documentos e do referencial teórico suscitam-nos questionamentos sobre as características da situação de violência sexual que envolve meninos como vítimas. Impõe-se investigar como a questão de gênero pode nos fazer pensar nos efeitos dessa violência para os meninos em uma sociedade heteronormativa. Para a realização do estudo, traçamos os seguintes caminhos metodológicos: 1. Levantamento dos casos de violência no município nos últimos dez anos (01/01/2006 a 31/12/2015). Delimitamos o período de dez anos a fim de abranger o maior número de casos possível. A data inicial, 01/01/2006, marca a implantação do Sistema que utilizamos na análise. 2. Elaboração de fichas de registros durante as leituras dos documentos contendo os casos de violência contra meninos. 3. Análise e problematizações sistemáticas dos dados coletados, em especial os casos envolvendo meninos como vítimas de violência sexual. As informações coletadas nos Boletins de Ocorrência e no Sistema SIGO conduziram aos os seguintes resultados: O número de ocorrências relatadas sobre a violência sexual contra meninas foi superior ao dos meninos, 78% contra meninas e 22% contra meninos. Examinamos 48 Boletins de Ocorrência, com 54 vítimas (meninos menores de 12 anos) e 50 agressores/as. Quanto aos dados dos/as agressores/as, 52% foram adolescentes, todos do sexo/gênero masculino, com idades predominantes de 14 e 15 anos. No que tange às profissões informadas dos/as agressores/as, 67% foram estudantes. Os principais vínculos com as vítimas foram: os/as conhecidos/as fora da escola 16%; vizinhos/as 14%; os/as conhecidos/as na escola 13%; parentes das vítimas, como pais 3,5%; padrastos 7%; tios 5%; primos 5%; e irmãos 5%. Constatamos que os/as denunciantes foram, na grande maioria, mulheres (94%) e as mães das vítimas (78%). Houve dois casos de denunciantes homens, coincidentemente pais das vítimas. Os/as agressores/as foram predominantemente homens 92%; as mulheres representaram 8%. Os principais lugares (informados) em que ocorreram as violências sexuais contra os meninos foram na residência apenas do/a agressor/a 22,5% 3 ; na residência da vítima e do/a agressor/a 20%; na residência apenas da vítima 15%; e na escola 15%, principalmente nos banheiros. 3 A palavra apenas expressa nas classes: residência apenas da vítima e residência apenas do/a agressor/a não quer dizer que a vítima ou os/as agressores/as moram sozinhos/as, e sim que não moram na mesma residência.

5 Outro dado levantado foi se durante a violência sexual contra os meninos ocorreu ou não a penetração. Segundo os Boletins de Ocorrência que incluíram essa informação, a porcentagem dos casos em que não houve penetração ficou em 25%. Ocorreu penetração em 75% dos casos. Tais dados demonstram a necessidade de empreendermos mais pesquisas sobre a violência sexual contra meninos, bem como a relevância de trazer tal tema para a área da Educação, que pode ser uma valiosa ferramenta no combate à violência sexual contra os meninos. Referências GOELLNER, SILVANA V. Corpo gênero sexualidade: reflexões necessárias para pensar a educação. In: XAVIER FILHA, Constantina. Sexualidade, Gênero e diferenças na Educação das Infâncias. Campo Grande: Editora UFMS, p.103-115, 2012. LOURO, Guacira L. O Corpo Educado: pedagogias da sexualidade. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016. PINTO JUNIOR, Antonio. A. Violência Sexual Doméstica contra Meninos um estudo fenomenológico. São Paulo: Vetor, 2005. PRADO, Sonia F. Dimensões da violência sexual contra meninos sob a ótica de gênero: um estudo exploratório (Dissertação de mestrado). Universidade de Brasília, 2006. XAVIER FILHA, Constantina (Org). Sexualidade, Gênero e diferenças na Educação das Infâncias. Campo Grande: Editora UFMS, 2012. XAVIER FILHA, Constantina. O despertar de um homem e as marcas do silêncio na violência contra criança e adolescente: gênero e relações de poder. In: SILVA. P. V. B; LOPES. J. E; CARVALHO. A., (Orgs). Por uma escola que protege: a educação e o enfrentamento à Violência contra criança e Adolescentes, Curitiba: editora UEPG, p. 125-160, 2008.