A Percepção dos Médicos Obstetras a Respeito da Saúde Bucal da Gestante



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Artigo Original A Percepção dos Médicos Obstetras a Respeito da Saúde Bucal da Gestante Obstetrician's Perception of the Oral Health of Pregnant Woman Eliane Gerson FELDENS* Carlos Alberto FELDENS* Paulo Floriani KRAMER* Bianca Muriel CLAAS** Christine Costamilan MARCON** RESUMO O acompanhamento da gestante nas consultas de pré-natal não tem contemplado orientações de saúde bucal, impedindo sua inserção em uma proposta integral de promoção de saúde. Os conhecimentos e práticas da gestante dependem, rotineiramente, de orientações geridas pelo médico obstetra, o que pode estar limitando ações positivas de saúde bucal que impliquem benefícios concretos a todo âmbito familiar. Desta forma, o objetivo do presente estudo foi avaliar o conhecimento dos médicos obstetras acerca de atitudes de promoção de saúde bucal da gestante. A pesquisa envolveu 17 médicos obstetras da cidade de Santa Cruz do Sul/RS, que responderam a questionário especialmente estruturado para o estudo, envolvendo questões relativas a conhecimentos e práticas. Os resultados demonstraram que orientações ou condutas sem base científica, como a suplementação de flúor pré-natal, se constituem em prática comum pelo médico obstetra. Concluiu-se pela necessidade de maior atuação interdisciplinar entre cirurgiões-dentistas e médicos obstetras no acompanhamento da gestante, de forma a garantir que o pré-natal se constitua em um período profícuo de promoção de saúde integral. ABSTRACT Prenatal follow-up of pregnant woman has not included oral health advice, limiting its insertion within an integrated health promotion approach. The pregnant woman's knowledge and practices typically depend on advice given by the obstetrician, which may limit positive oral health actions that would bring concrete benefits to the whole family. The aim of the present study was thus to evaluate obstetricians' knowledge of and attitudes towards the promotion of oral health measures among pregnant women. The study involved 17 obstetricians in the town of Santa Cruz do Sul, state of Rio Grande do Sul, who answered a purpose-designed questionnaire that included questions relating to knowledge and practices. The results show that advice and practices with no scientific basis, such as supplementing prenatal fluoride intake, are routinely found among obstetricians. The study concludes that there is a need for greater inter-disciplinary cooperation between dentists and obstetricians in the follow-up of pregnant woman, so as to ensure that the prenatal consultation becomes a positive period for integrated health promotion. DESCRITORES Gravidez; Odontologia; Obstetrícia; Saúde bucal. DESCRIPTORS Pregnancy; Dentistry; Obstetrics; Oral health. * Professores da Disciplina de Odontopediatria - ULBRA/RS. **Alunas de graduação do Curso de Odontologia - ULBRA/RS. 41

INTRODUÇÃO Uma prática médica e odontológica baseada na promoção de saúde pressupõe a interdisciplinaridade entre as áreas da saúde relacionadas com o bem-estar da gestante e do bebê. A equipe que acompanha a gestante no pré-natal deveria ser constituída pelo médico obstetra, pediatra, cirurgião-dentista, enfermeira, assistente social e nutricionista (COZZUPOLI, 1981). Esta organização, entretanto, ainda não faz parte da realidade devido à estrutura vigente dos serviços de saúde e à ausência de conscientização quanto à necessidade de integrar de forma interdisciplinar médicos e dentistas (FARIA, 1996). A gestação é um processo em que ocorrem mudanças fisiológicas e psicológicas importantes, trazendo como conseqüência modificações para o organismo feminino. Os cuidados preventivos deveriam receber atenção especial, pois alterações do equilíbrio bucal, como cárie e doença periodontal, podem ser freqüentes neste período (SPOSTO et al., 1997). Ainda hoje, uma gestante procura o cirurgião-dentista quando algum tipo de alteração já está presente, não sendo corrente uma prática baseada na prevenção das doenças bucais. De outra parte, a gestação apresenta-se para a mulher como um período psíquico propício para sensibilização, modificação e aquisição de hábitos que visem ao bem-estar e ao bom desenvolvimento do bebê (TSAMTSOURIS; STACK; PADAMSEE, 1986; GARCIA, 1995). Este seria, então, o momento adequado para a inserção da mulher dentro de um enfoque educativopreventivo voltado para a promoção de saúde bucal (BORGES, 1999). O cirurgião-dentista é o profissional da área da saúde responsável e capacitado para estabelecer este enfoque educativo e preventivo para a gestante, transformando a futura mãe num vetor insubstituível da promoção de saúde bucal em seu núcleo familiar. Porém, levando-se em conta a realidade socioeconômica, bem como a estrutura do sistema de saúde vigente no Brasil, o médico obstetra é o primeiro e, muitas vezes, único profissional da área da saúde a entrar em contato com a gestante. Conforme Massao (1996), o obstetra e o pediatra assumem um importante papel na prevenção de doenças bucais, sugerindo que os mesmos devam ser capazes de fornecer esclarecimentos e orientações básicas em relação a hábitos de higiene bucal, dieta e encaminhamento para consulta ao cirurgião-dentista. Desta forma, o objetivo deste estudo foi avaliar o nível de conhecimento dos médicos obstetras acerca da saúde bucal da gestante e suas possíveis implicações para o futuro bebê, com ênfase às atitudes educativas e preventivas envolvidas. 42 METODOLOGIA O presente estudo foi realizado na cidade de Santa Cruz do Sul, no estado do Rio Grande do Sul, envolvendo médicos obstetras que responderam a um questionário estruturado para avaliar seus conhecimentos sobre a saúde bucal da gestante. A cidade de Santa Cruz do Sul é reconhecida como grande expoente na produção e beneficiamento de fumo no Brasil e está localizada na encosta nordeste do estado, distante 155 Km da capital, Porto Alegre. De acordo com dados do IBGE-SIDRA (2000), a cidade conta com aproximadamente 107 mil habitantes, entre população urbana e rural. A partir de um levantamento onde foram consultados o Conselho Regional de Medicina (CRM), Instituto de Previdência do Estado (IPE) e UNIMED (maior plano de saúde da cidade), verificou-se que o município contava com 18 médicos obstetras. Os questionários foram entregues nos respectivos locais de trabalho, para preenchimento e posterior coleta. O questionário constituiu-se de oito perguntas abertas e fechadas (Quadro 1). Dos 18 questionários distribuídos, 17 foram respondidos. Os dados obtidos a partir dos questionários foram analisados e interpretados através da estatística descritiva. RESULTADOS E DISCUSSÃO A amostra constou de 17 médicos obstetras que responderam ao questionário confeccionado para o presente estudo. A primeira parte continha informações sobre a formação acadêmica dos participantes. O ano de graduação variou entre 1961 e 1996 sendo que a maioria graduou-se na década de 70 ou 80. Todos fizeram sua formação em universidades do estado do Rio Grande do Sul, sendo 11 em instituições federais e 6 em instituições particulares. Além disso, a residência médica em ginecologia e obstetrícia foi realizada no por 16 médicos. O número de médicos avaliados no presente estudo é pequeno, não sendo possível expressar suas respostas na forma de freqüências relativas. Entretanto, deve-se considerar que os dados não foram obtidos de uma amostra, e sim da população de médicos obstetras no referido município. A ocorrência de apenas um não respondente confirma que o estudo é representativo da população de médicos obstetras de Santa Cruz do Sul. Dos 17 médicos participantes do estudo, nove costumam orientar suas pacientes para uma consulta de revisão odontológica, enquanto que cinco o fazem eventualmente, quando a paciente apresenta queixas de dor ou sangramento gengival, e três não têm o hábito de fazer o encaminhamento para o cirurgião-dentista (Tabela 1).

Deveria fazer parte da rotina do médico que faz o acompanhamento pré-natal encaminhar a gestante ao cirurgião-dentista para uma consulta de avaliação e orientações adequadas sobre saúde bucal para ela e para o bebê. A gestante deveria ser motivada a assumir seu papel como sujeito ativo e responsável pela própria saúde bucal e a de sua família. Assim, reveste-se de grande importância a inclusão da consulta odontológica como rotina no controle pré-natal (COZZUPOLI, 1981; SCAVUZZI; ROCHA; VIANNA, 1995; FARIA, 1996). Com relação aos procedimentos odontológicos que poderiam apresentar contra-indicação durante o período gestacional, os médicos obstetras fizeram referências especialmente ao exame radiográfico e exodontias, sendo que seis profissionais não acreditam na existência de procedimentos odontológicos contraindicados na gestação (Figura 1). Tabela 1 - Distribuição dos médicos obstetras (n) quanto à orientação da gestante para consulta ao Cirurgião- Dentista. Santa Cruz do Sul/RS - 2001. Orientação Quanto à Consulta ao Cirurgião-Dentista 8 7 Sim às Vezes Não N 9 5 3 gestante e contato com o médico responsável acerca das condições de saúde geral da paciente (SCAVUZZI; ROCHA; VIANNA, 1998; LIVINGSTON; DELLINGER; HOLDER, 1998). Quando possível, devese optar pelo segundo trimestre de gravidez para realização de procedimentos odontológicos como restaurações, endodontias e exodontias. O primeiro e terceiro trimestres apresentam-se como períodos de maior risco para a gestante e o bebê em desenvolvimento (SPOSTO et al, 1997). Dos 17 médicos participantes do estudo, 15 acreditam que a gravidez pode determinar alterações bucais na gestante, sendo que as mais citadas foram gengivite e fratura de restaurações (Figura 2). A cárie foi mencionada por dois participantes do estudo. O conhecimento dos médicos a respeito da gengivite vai ao encontro de Lindhe (1999) e Machuca et al (1999), que descrevem a gengivite como sendo a alteração mais freqüente na gestação. A gengivite representa uma resposta inflamatória à presença de placa bacteriana, que pode ser modificada pela elevação das taxas dos hormônios sexuais femininos durante a gestação, recebendo a denominação de gengivite gravídica (LINDHE, 1999). Conforme Mundim (1996), o organismo da mulher grávida responde de forma exacerbada aos irritantes locais. Entretanto, gestantes com controle de placa adequado não desenvolvem gengivite, uma vez que placa bacteriana é causa necessária para sua ocorrência. 3 6 5 4 3 2 1 Número de médicos 14 9 8 15 13 15 Radiografia Exodontia Anestesia Restauração Procedimentos Nenhum Figura 1 - Distribuição dos procedimentos odontológicos contra-indicados durante a gestação de acordo com os médicos obstetras consultados. Santa Cruz do Sul/RS - 2001. O conhecimento científico atual demonstra que qualquer tratamento odontológico pode ser realizado durante a gestação. Entretanto, o atendimento de gestantes supõe pré-requisitos como conhecimentos básicos sobre anestesia local, técnica e proteção adequada em tomadas radiográficas, manejo correto da 2 Gengivite Fratura rest. Cárie Outras Nenhuma Figura 2 - Distribuição das alterações bucais associadas à gestação de acordo com os médicos obstetras consultados. Santa Cruz do Sul/RS - 2001. Embora apenas dois profissionais tenham relacionado cárie como alteração bucal associada à gestação, ocorre um incremento do número de lesões cariosas na gestante. Tal fato pode ser atribuído a uma ingestão mais freqüente de carboidratos, maior exposição aos ácidos gástricos (hiperemese), bem como a uma deficiência na higiene bucal (SPOSTO et al, 1997; 4 2 43

FOURNIOL FILHO, 1998). A perda ou fratura de restaurações, uma das alterações mais citadas pelos médicos, pode apresentar-se relacionada à recidiva de cárie ou provocada por motivos técnicos: falhas relacionadas à técnica operatória ou ao material restaurador (FOURNIOL FILHO, 1998) e não à gestação. Quando o questionamento tratou da possível relação entre a situação bucal materna e a possibilidade de parto prematuro e baixo peso do bebê, 11 médicos acreditam que esta relação existe, cinco não acreditam que ela ocorra e um profissional não respondeu. Dos 11 médicos que responderam positivamente, sete justificaram sua resposta estabelecendo a associação com a existência de um foco infeccioso bucal. Os demais não apresentaram justificativas. Nenhum deles estabeleceu relação com doença periodontal. Vários fatores estão relacionados com o nascimento de bebês prematuros e com baixo peso, entre eles a desnutrição, idade materna, uso de drogas, álcool e fumo, hipertensão, infecções genito-urinárias, diabetes e múltiplas gestações. Além disso, estudos recentes têm sugerido que a doença periodontal materna pode interferir no crescimento do feto, sendo considerada fator de risco para baixo peso e parto prematuro do bebê (OFFENBACHER et al., 1996; DASANAYAKE, 1998; HILL, 1998). Dos médicos avaliados, nove não acreditam que a dieta materna durante a gestação possa exercer influência sobre o paladar do bebê, seis acreditam que sim e dois não responderam. Entre aqueles que responderam afirmativamente, as justificativas foram herança genética do paladar e a preferência gustativa da mãe que influenciaria o tipo de alimentação do bebê. Estudos demonstram, todavia, que o paladar do bebê inicia seu desenvolvimento em torno da 14ª semana de vida intra-uterina. O bebê fica em contato com o líquido amniótico e a alimentação da grávida modifica a qualidade do líquido para mais ou menos doce. Se a gestante fizer consumo excessivo do açúcar, o bebê pode ter seu paladar direcionado para o doce (KONISCHI; KONISHI, 2002). Quando o item abordado referiu-se ao controle dietético da gestante, buscava-se saber se o médico orientava especificamente a paciente quanto ao consumo de sacarose. Dos 17 médicos, 13 responderam que procediam a esta orientação, enquanto que quatro não orientavam. A maioria dos profissionais respondeu positivamente, justificando a orientação de diminuição do consumo de açúcar pela necessidade de estabelecer um controle calórico na gestação (controle do aumento de peso) e pelo risco de ocorrência de cárie na gestante. Esta conduta encontra respaldo em Oliveira e Oliveira (1999) que relatam que uma parcela considerável de gestantes aumenta a freqüência de ingestão alimentar, 44 demonstrando a necessidade de se intervir precocemente nos hábitos alimentares da grávida, principalmente quanto ao consumo de açúcar. Vários estudos confirmam a relação entre consumo freqüente de carboidratos fermentáveis e atividade cariosa, sendo a sacarose o mais cariogênico de todos os carboidratos (THEILADE; BIRKHED, 1988; KRAMER; FELDENS; ROMANO, 2000). Na avaliação da prescrição de suplementos de flúor à gestante por parte dos médicos, verificou-se que quatro sempre receitam, cinco o fazem dependendo do caso e oito não costumam orientar sua utilização (Tabela 2). Desta forma, nove profissionais receitam sempre ou eventualmente, dependendo de fatores como ausência de flúor na água de abastecimento público. A atitude destes médicos não é corroborada pelos conhecimentos atuais acerca do mecanismo de ação do flúor, que referem efeitos benéficos pós-eruptivos (LEVERETT et al., 1997). A utilização de suplementos de flúor pré-natal está contra-indicada em função de basear-se em uma associação dose/efeito empírica e ausência de estudos científicos bem delineados que demonstrem benefício para os dentes do bebê em desenvolvimento. Além disso, quando o flúor é prescrito na forma associada a vitaminas e sais minerais, ocorre redução da absorção do cálcio contido nestas formulações, o que é preocupante devido à sua importância para a gestante e o feto (CURY, 2001). Apesar de todas evidências contraindicarem o uso do flúor pré-natal, os médicos obstetras continuam fazendo sua prescrição (KAMINETZKY; BAKER, 1981). Tabela 2 - Distribuição dos médicos obstetras (N) quanto à orientação de suplementação de flúor à gestante. Santa Cruz do Sul/RS - 2001 Orientação Quanto à Suplementação de Flúor Sempre às Vezes Nunca Ao término do questionário foi deixado um espaço para que os médicos registrassem sugestões, críticas ou dúvidas. Houve manifestações quanto à necessidade de maior relacionamento interdisciplinar entre Odontologia e Obstetrícia. Foi demonstrado interesse para obtenção de conhecimentos, com maior embasamento científico, acerca da utilização de flúor. As sugestões e dúvidas dos médicos obstetras, bem como as respostas ao questionário, demonstram o interesse e a necessidade de uma maior inter-relação com a Odontologia. N 4 5 8

Conforme Günay et al (1998), programas preventivos no período pré e pós-natal podem melhorar significativamente a saúde bucal da gestante e de seu filho. É imperioso, pois, que a classe odontológica se mobilize para uma maior interdisciplinaridade com as áreas do conhecimento oferecendo, desta forma, uma abordagem voltada para a promoção de saúde desde o início da vida: a gestação. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise dos resultados permitiu as seguintes conclusões: 1) O conhecimento dos médicos obstetras a respeito da saúde bucal da gestante e suas implicações para o bebê carece de fundamentação científica e demonstra a falta de interdisciplinaridade entre Medicina e Odontologia; 2) Algumas orientações ou condutas sem base científica, como a suplementação de flúor pré-natal, constituem-se em prática comum pelo médico obstetra; 3) É imprescindível uma maior interação da classe odontológica com médicos obstetras e outros profissionais da saúde que acompanham a gestante, a fim de possibilitar a inserção da mulher grávida na filosofia de promoção de saúde, alcançando efeitos benéficos inestimáveis para si, seu filho e sua família. REFERÊNCIAS BORGES, E. S. Prevalência de cárie em crianças de 0-5 anos. Avaliação após 5 anos de um programa preventivo. Rev ABO Nac, São Paulo, v. 7, n. 5, p. 298-303, out./nov., 1999. COZZUPOLI, C. A. Odontologia na gravidez. São Paulo: Panamed, 1981, p.17-29. CURY, J. A. Uso do flúor e controle da cárie como doença. In: BARATIERI, L. N. Odontologia restauradora - Fundamentos e possibilidades. São Paulo: Santos, 2001. P.31-68. DASANAYAKE, A. P. Poor periodontal health of the pregnant woman as a risk factor for low birth weigh. Ann Periodontol, Chicago, v. 3, n. 1, p.206-212, July, 1998. FARIA, C. F. Programas odontológicos durante a gravidez e o impacto na saúde do bebê [Monografia de especialização em Odontopediatria/ Associação Paulista de Cirurgiões- Dentistas de Araraquara]. Araraquara, 1996. FOURNIOL FILHO, A. Pacientes especiais e a Odontologia. São Paulo: Santos, p. 217-223, 1998. GARCIA, I. L. Cuidados dentales en la mujer embarazada. Rev Rol Enferm, Barcelona, n. 18, n. 205, p. 31-32. Out. 1995. GÜNAY, H.; DMOCH-BOCKHORN, K.; GÜNAY, Y.; GEURSTEN, W. Effect on caries experience of a long-term preventive program for mothers and children starting during pregnancy. Clin Oral Investig, Berlin, v. 2, n. 3, p. 137-142, Sept. 1998. HILL, G. B. Preterm birth: associations with genital and possibly oral microflora. Ann Periodontol, Chicago, v. 3, n. 1, p. 222-232, July, 1998. IBGE-SIDRA [on line]. O Brasil município por município. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/ default.asp>. Acesso em 18 Julho 2002. KAMINETZKY, H. A.; BAKER, H. Principles and practice of obstetrics & perinatology, New York: John Wiley, Cap. 36, p. 655-670, 1981. KONISHI, F.; KONISHI, R. Odontologia intra-uterina: Um novo modelo de construção de saúde bucal. In: CARDOSO, R. J. A.; GONÇALVES, E. A. N. Odontopediatria e prevenção. São Paulo: Artes Médicas, p. 155-166, 2002. KRAMER, P. F.; FELDENS, C. A.; ROMANO, A. R. Promoção de saúde bucal em odontopediatria. Porto Alegre: Artes Médicas, p. 33-39, 2000. LEVERETT, D. H.; ADAIR, S. M.; VAUGHAN, B. W.; PROSKIN, H. M.; MOSS, M. E. Randomized clinical trial of the effect of prenatal fluoride supplement in preventing dental caries. Caries Res, Basel, v. 31, n. 3, p. 174-179, 1997. LINDHE, J. Tratado de periodontia clínica e implantodontia oral. São Paulo: Guanabara-Koogan, Cap.10, 1999. LIVINGSTON, H. M.; DELLINGER, T. M.; HOLDER, R. Considerations in the management of the pregnant patient. Spec Care Dentist, Chicago, v. 18, n. 5, p. 183-188, Sept./Oct. 1998. MACHUCA, G.; KHOSHFEIZ, O.; LACALLE, J. R.; MACHUCA, C.; BULLÓN, P. The influence of general health and socio-cultural variables on the periodontal condition of pregnant women. J Periodontol, Chicago, v. 70, n. 7, p. 779-785, July, 1999. MASSAO, J. M. Filosofia da clínica de bebês da UNIGRANRIO- RJ. Rev Bras Odont, Rio de Janeiro, v. 53, n. 5, p. 6-13, set./out. 1996. MUNDIM, M. F. A influência da gestação na saúde bucal: aspectos de interesse da Odontologia [Monografia de especialização em Odontopediatria/ Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas de Araraquara]. Araraquara, 1996. 32p. OFFENBACHER, S.; KATZ, V.; FERTK, G.; COLLINS, J.; BOYD, D.; MAYNOR, G.; McKAIG, R.; BECK, J. Periodontal infecction as a possible risk factor for pre-term low birth weight. J Periodontol, Chicago, v. 67, n. 10, p.1103-1113, Oct. 1996. OLIVEIRA, A. C. A. P.; OLIVEIRA, A. F. B. Saúde bucal em gestantes: Um enfoque educativo-preventivo. J Bras Odontoped Odonto Bebê, Curitiba, v. 2, n. 7, p. 182-185, maio/jun. 1999. SCAVUZZI, A. I. F.; ROCHA, M. C. B. S.; VIANNA, M. I. P. Percepção sobre atenção odontológica na gravidez. J Bras Odontoped Odonto Bebê, Curitiba, v. 1, n. 4, p. 43-50, out./dez. 1998. SPOSTO, M. R.; ONOFRE, M. A.; MASSUCATO, E. M. S.; SOARES, L. F. Atendimento odontológico da paciente ra, v. 1, 45

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