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Transcrição:

OS SUICIDAS ANÔNIMOS de Paulo Mohylovski Personagens: - garota de uns 23 anos. - rapaz de uns 26 anos. Uma garota - - está andando em cima de uma marquise. está diante de um vão livre. É noite. Há uma rua pequena que dá para a frente do palco. É por esta rua que entra o personagem. (entrando e vendo a garota em cima da marquise) O que você tá fazendo aí cima, garota? Te incomoda? Não, mas você pode cair a qualquer momento. Faz alguma diferença pra você?

Pra mim, não. Nem te conheço. Então por que você está se incomodando? Pode ser perigoso. Uma queda daí... sei lá... (dá de ombros) Então me deixa. Vai cuidar da sua vida. Eu também não te conheço. O que você tá fazendo aí cima? O que você acha? Dançando, contando estrelas, passeando? Sei lá. Você só pode tá querendo... (interrompendo, seca e direta) É isso mesmo: estou querendo me matar... PAUSA E por que você quer fazer isso?

Olha aqui. Afinal o que te interessa? Milhares de pessoas se matam todos os dias e você por acaso já se importou com uma delas? Não, mas... Então por que tá me enchendo o saco? Você acha mesmo que alguém sabe por que se mata? Desespero, talvez. Eu tenho jeito que estou desesperada? Eu não posso estar simplesmente entediada da vida? Pode, mas uma garota tão... Sem cantada, por favor. Não vem me dizer que sou bonita, jovem e que tenho a vida inteira pela frente. Pela frente mesmo, você só tem o vazio.

Engraçadinho. PAUSA O que foi? Vai ficar me olhando? Não tenho nada pra fazer mesmo. E eu nunca vi ninguém se matar. Vai ser a primeira vez. Olha aqui. O suicídio é algo pessoal. (pra si mesma) Pombas! Nem na hora de morrer a gente não pode ter um pouco de privacidade? Pode, mas se você quisesse privacidade, se mataria em casa, não aqui, num lugar público. Isto aqui sempre foi deserto. Ninguém conhece. Justamente hoje, que resolvo me matar, aparece um pentelho. Pode ser a mão de Deus. A mão de Deus só serve pra dar um empurrão e mais nada. (sarcástico)

Um empurrão no seu caso não seria uma boa idéia. Olha aqui, você vai ficar fazendo piada do meu suicídio? Você ainda não se matou. Mas eu já morri, entendeu. Eu levo uma vida morta, vazia, arrastada. E quem não leva? Não sei. Talvez essas atrizes de televisão. A vida delas deve ser muito divertida. A sua não é? (agressiva) Se fosse, você acha que eu estaria aqui? (recua diante da agressividade dela) Tudo bem... Faz como você quiser...

Você vai ficar parado aí, me olhando... (acendendo um cigarro) Não! Vou fumar esse cigarro, esperar você se jogar e depois vai ser a minha vez. Como assim? O que você acha que eu vim fazer aqui? Contar estrelas, ter um momento de reflexão, dançar? Você também... (interrompendo ) Claro, mas até pra morrer tem que ter alguém na nossa frente... Mas por que você vai...?(faz GESTO COM A MÃO DE MERGULHO) Agora eu que pergunto: por que você quer saber? Vai fazer diferença? É, não vai...

E se a gente ficar de papinho furado vai parecer, tipo alcoólicos anônimos, já pensou suicidas anônimos? ri. Sabe que você rindo até que fica bonitinha... Antes você não me achou bonita? Achei, mas não vai ficar nada bonita depois que você se esborrachar lá embaixo... (Olha pra baixo e dá um sorriso melancólico) É. PAUSA Sobe aqui. Por quê? Vamos juntos.

Pra onde? Pro vazio? Não sei, pra alguma estrela, pra uma nuvem, pra uma outra vida... Você é bem otimista. Eu já acho que não vou encontrar nada por lá, do outro lado, como dizem. A gente não pode encontrar o nada. A gente sempre encontra alguma coisa. Tá bom, sem jogos de palavras. Eu quero me esborrachar e acabou. Não quero encontrar São Pedro, nem Chico Xavier e nem o Capeta. Eu não. Eu quero que tenha alguma coisa. Uma coisa muito melhor do que essa vida... No que você tá pensando? Show do Michael Jackson gratuito pela eternidade a fora? (outro sorriso) Bobo. Pausa.

Sobe aqui Pra que? Vai nessa. Depois a gente se encontra lá embaixo. Quem sabe não vamos para o mesmo necrotério... Que mórbido! Morbidez é a vida. E mórbido é este ato idiota, gratuito, que queremos fazer. Camus falava que o único problema filosófico verdadeiro era decidir se devemos ou não cometer o suicídio... PENSA UM POUCO, MAS FICA CONFUSA. (impaciente) Ah, chega de filosofia! Vamos partir logo pra ação. Você vai subir ou não? Tudo bem. Tô subindo. SOBE NA MARQUISE. Não pensei que fosse tão alto...

Eu já me acostumei... Olha, daqui dá pra ver o horizonte... (tentando ver) Tá tão escuro. Não consigo enxergar nada. Aquelas luzes... Ei! Eu moro ali, naquelas luzes lá longe, perto daquela torre. Quer dizer, eu morava. E você mora onde? Não interessa agora. Isto aqui não é uma paquera. Nós não estamos tomando um chopinho, nem marcando um cineminha. O que interessa onde eu moro, qual meu CEP, CPF, RG? Se sou casada, solteira. Se tenho filhos... Filhos você não tem. Quem tem filho, não se mata. Quem tem um cachorro não se mata. Você não tem um cachorro? Não.

Nem eu. Silêncio. Sabe o que eu quero? O que? Um beijo. O beijo da morte? É. Pode ser. Um último beijo. Tudo bem. Eu te beijo. Eu não estava pensando em você.

Acho que você não vai encontrar mais ninguém por aqui, a estas horas, a não ser eu. Então tem que ser você mesmo... S SE BEIJAM Mudou de idéia depois do beijo? Não. E você? Também não. Tá preparado? Pra essas coisas, a gente nunca está. Mas tem outra coisa pra ser feita? Não. Eu acho que já tentamos de tudo. Mesmo que não tivéssemos tentado tudo, já não há mais nada para fazer...

É mesmo... Sabe, eu me lembrei de uma peça de Ibsen, não sei qual, mas no final os dois dão as mãos e se atiraram num abismo. Ibsen, Camus... Você é um intelectual? Um poeta. Eu sempre quis conhecer um poeta, mas agora é tarde. É muito tarde. SILÊNCIO Olha, vem vindo uma viatura da polícia... Eles logo vão chegar aqui...

Vamos nessa, então? Vamos. ( pausa) De mãos dadas, como na peça do Ibsen? De mãos dadas. Eles dão as mãos. Um policial entra com uma arma na mão. POLICIAL Ei, vocês dois... Eles pulam de mãos dadas. POLICIAL Meu Deus! POLICIAL CORRE PARA A BORDA. SE VIRA, LÍVIDO. POLICIAL Morreram de mãos dadas(fala pelo rádio) Liguem para o IML. Suicídio duplo, dois jovens. Mortos de mãos dadas. parecia feliz, tinha um cigarro na boca. Câmbio final! ESCURIDÃO