Anotadas do 4º Ano 2007/08 Data: 6 de Dezembro de 2007



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Transcrição:

Anotadas do 4º Ano 2007/08 Data: 6 de Dezembro de 2007 Disciplina: Cirurgia I Prof.: J. Mendes Almeida Tema da Aula Teórica: Tumores Pancreáticos e Peri-Ampulares Autores: Miguel Pinto Equipa Revisora: Catarina Santos e Tiago Oliveira Temas 1. Considerações Gerais 2. Tumores Malignos do Pâncreas Exócrino 2.1 Tumores da Cabeça do Pâncreas e Peri-Ampulares 2.2 Tumores do Corpo e Cauda do Pâncreas 2.3 Cistadenocarcinoma 2.4 Carcinoma das Células Acinares 2.5 Caso Clínico I 2.6 Caso Clínico II 3. Tumores Benignos do Pâncreas Exócrino 3.1 Cistadenoma 3.2 Caso Clínico III 4. Tumores do Pâncreas Endócrino 4.1 Tipo Funcionante 4.2 Tipo Não Funcionante 4.3 Caso Clínico IV Bibliografia Anotada do Ano Anterior Tumores do Pâncreas e Peri-Ampulares por Maria Ana Kopke Túlio; SCHWARTZ S: Principles of Surgery. 7th edition. McGraw-Hill; DOHERTY G: Current Surgical Diagnosis and Treatment. 12th edition. Lange;

Considerações Gerais TUMORES DO PÂNCREAS EXÓCRINO Consoante a sua localização e características proliferativas, estes tumores podem ser benignos ou malignos, e envolver a cabeça, o corpo ou a cauda do pâncreas, tendo desta forma comportamento clínico e manifestações diferentes. Mais de 90% destes tumores são adenocarcinomas das células ductais. Os cistadenomas e os cistadenocarcinomas são pouco frequentes e os tumores com origem nas células acinares são ainda mais raros. TUMORES DO PÂNCREAS ENDÓCRINO Actualmente são designados de tumores neuro-endócrinos por terem origem nas células APUD Amine Precursor Uptake and Decarboxylation. As células responsáveis pela secreção de insulina, glicagina, somatostatina, gastrina e calcitonina são membros deste grupo de células. Estes tumores podem ser considerados funcionantes quando são produtores de hormonas, ou não funcionantes quando não segregam nenhum tipo de hormona. Enquanto os primeiros originam síndromas específicos, os últimos são geralmente assintomáticos. TUMORES PERI-AMPULARES Engloba todos os tumores com origem na região da ampola de Vater. Estes assemelham-se muitas vezes na sua apresentação clínica, imagiológica e cirúrgica com o verdadeiro tumor da cabeça do pâncreas. Atendendo às reduzidas dimensões desta região e à grande variabilidade de tecidos histologicamente diferentes presentes na sua periferia, é frequentemente difícil a diferenciação entre o ampuloma, o tumor da cabeça do pâncreas, o tumor distal da via biliar principal e o carcinoma do duodeno. Cerca de 85% deste tipo de tumores são da cabeça do pâncreas, 10% são da ampola, e os restantes dividem-se entre o duodeno e a via biliar. Página 2 de 23

2 - Tumores Malignos do Pâncreas Exócrino Epidemiologia e Etiologia Em Portugal constituem 1% de todos os tumores malignos; Nos EUA, Alemanha e algumas regiões de França são mais frequentes, estando normalmente associados a padrões de vida das sociedades mais ricas; Etiologia desconhecida; Reconhece-se associação a mutação no k-ras em mais 80% dos casos; O tabaco constitui um risco epidemiológico devido à presença de nitrosaminas, que condicionam uma predisposição para as mutações supracitadas; Mais frequente na raça caucasiana e no sexo masculino, parece associarse a Diabetes Mellitus 1, a processos de pancreatite crónica 2 e a dieta rica em gorduras. Patologia Mais de 90% são carcinomas de células ductais; 66% dos casos localizados na cabeça, 15% no corpo e 10% na cauda do pâncreas. Os restantes afectam a glândula de forma generalizada; Tumor com variantes de desmoplasia 3, podendo, nestes casos, ser difícil de distinguir histologicamente de uma pancreatite crónica com processo de cicatrização; Por ordem decrescente de prevalência teremos: adenocarcinoma, cistadenocarcinoma (forma quística destes tumores) e carcinoma das células acinares. 1 Num doente que se encontre na 7ª 8ª década de vida em que subitamente se instala uma Diabetes Mellitus (não tendo quadro de pancreatite crónica: diabetes, esteatorreia e dor abdominal) deve-se pensar na possibilidade de ter desenvolvido um tumor do pâncreas. 2 Possível associação ao consumo de bebidas alcoólicas. 3 Deposição anómala de colagénio como reacção dos fibroblastos à presença de tumor. Página 3 de 23

2.1 - TUMORES DA CABEÇA DO PÂNCREAS E PERI-AMPULARES 4 Sintomatologia A confirmação do tipo de tumor é muitas vezes difícil, visto tratarem-se de estruturas muito próximas e com padrões histológicos sobreponíveis, podendo deste modo originar os mesmos sintomas. Os sintomas e sinais mais importantes são a icterícia colestática, emagrecimento e dor abdominal. A icterícia colestática (por compressão da via biliar) é o sinal mais importante. Manifesta-se por escleróticas ictéricas, colúria, fezes hipocólicas e vesícula de Courvoisier. Encontra-se presente em cerca de 75% dos doentes. O emagrecimento clinicamente significativo (superior a 10 % da massa corporal) é fortemente sugestivo de malignidade e ocorre em cerca de 75% dos doentes. A dor abdominal apresenta características de irradiação típicas. Trata-se de uma dor ou desconforto localizada frequentemente no epigastro, estendendo-se por vezes para o hipocôndrio direito, e podendo sofrer irradiação para a região dorsal. Este último aspecto deve-se ao facto dos processos neoplásicos (e processos inflamatórios, nos casos de pancreatite aguda ou crónica) poderem envolver e atingir o plexo celíaco. Desta forma, a dor, inicialmente vaga, adquire a morfologia típica em cinturão, sobreponível à inervação do plexo celíaco. Pode haver anorexia, astenia ou alteração do trânsito intestinal. Os tumores da ampola podem originar um quadro típico de icterícia flutuante associado a hemorragia digestiva alta (manifestado por melenas), sendo um quadro muito específico, mas raro. Os tumores do duodeno apresentam-se geralmente com um quadro de hemorragia digestiva alta, que pode encontrar-se oculta, originando apenas sintomas de anemia. 4 Estes dois tipos de tumores descrevem-se conjuntamente devido a semelhante apresentação clínica e terapêutica. Página 4 de 23

Exames Complementares de Diagnóstico 5 Os exames laboratoriais revelam geralmente um aumento consistente da bilirrubina (a elevação é à custa da bilirrubina conjugada, visto que a capacidade glicuronativa do fígado está mantida) e parâmetros hepáticos (fosfatase alcalina, γ-glutamil transpeptidase, AST e ALT). Relativamente aos marcadores tumorais, o CA-19.9, embora inespecífico, é de longe o mais utilizado e mais frequentemente associado a neoplasias pancreáticas (e outras do sistema gastrointestinal). O seu doseamento sérico serve não só para diagnóstico mas também para follow up do doente oncológico. Podem ainda ser utilizados marcadores como a α-fetoproteína, o CEA ou o antigénio pancreático oncofetal, embora sejam igualmente inespecíficos. A imagiologia é fundamental para o diagnóstico e para o tratamento: A radiografia do duodeno com contraste pode apresentar o sinal clássico de 3 invertido nos tumores avançados (figura 1). A ecografia serve como método de rastreio, especialmente em doentes com icterícia, sendo importante na observação da dilatação dos canais biliares mas também na definição da estrutura do fígado. Contudo é um método que fornece informações pobres relativamente à estrutura do pâncreas. A TC é o exame fundamental para o diagnóstico e estadiamento (em particular a técnica com contraste). Este método permite o diagnóstico de uma Figura 1 - Imagem em ε ou 3 invertido da segunda porção do duodeno, num tumor avançado da cabeça do pâncreas. massa pancreática que pode ter características imagiológicas de tumor, mas não favorece o diagnóstico definitivo. 5 Os quatro motivos principais para que sejam requeridos exames complementares de diagnóstico são: elaboração de um diagnóstico, estadiamento da patologia, planeamento da cirurgia e avaliação do risco cirúrgico. Neste caso, para o planeamento da cirurgia é essencial a avaliação dos planos de clivagem e da invasão dos grandes vasos posteriores ao pâncreas (aorta e cava inferior), de modo a avaliar a ressecabilidade do tumor. Página 5 de 23

Aparentemente, a RMN não tem vantagens sobre a TC, à excepção dos tumores que englobam de forma importante a via biliar. A colangioressonância proporciona excelentes imagens e pode ser importante na distinção do tumor. A colangiografia é determinante para localizar a obstrução. Pode ser realizada através da ampola de Vater (via trans-papilar) CPRE ou através da pele (via trans-cutânea) CPT (com pouco interesse actual). De qualquer forma, a CPRE (Figura 2) é extremamente útil no diagnóstico de tumores da ampola e duodeno, uma vez que permite simultaneamente fazer a biopsia da lesão. Esta permite ainda a colocação de uma prótese biliar temporária ou definitiva e realizar esfincterectomia, facilitando a drenagem e atenuando a icterícia. Figura 2 - CPRE de doente com carcinoma da cabeça do pâncreas em que há compressão dos canais biliar e pancreático. A angiografia tem essencialmente um papel no planeamento das ressecções pancreáticas. A laparoscopia é um importante meio de estadiamento tumoral, nomeadamente na identificação de metástases peritoneais. O diagnóstico histológico de uma massa tumoral é feito sempre com recurso à biopsia. Todavia, face a uma massa pancreática da qual não se conhece a etiologia, não se deve proceder à punção desta para análise histológica, pois os tumores do pâncreas tem elevado poder de implantação no trajecto puncional e os resultados obtidos são muitas vezes pouco esclarecedores. Constituem excepção a esta regra doentes em que não se indique terapêutica curativa, como sejam os casos com metástases. Tratamento Só a cirurgia de ressecção, habitualmente duodenopancreatectomia por técnica de Whipple (Figura 3), sem tumor residual é potencialmente curativa. Esta é mais difícil de conseguir nos tumores do pâncreas por serem tumores que se encontram no espaço retroperitoneal onde não existe uma serosa que o recubra. Para além disso, são tumores em íntima relação com a artéria mesentérica superior, pelo que não é raro verificar a sua invasão. Página 6 de 23

Figura 3 Duodenopancreatectomia (Técnica de Whipple). A anatomia préoperatória. B reconstrução pós-operatória. Se o piloro e antro gástrico puderem ser preservados, a vagotomia é desnecessária. Os tumores da ampola e do duodeno tê melhor prognóstico pois a sintomatologia é mais precoce e são mais limitados localmente. Em casos de risco de tratamento cirúrgico (doentes em que a irressecabilidade é detectada durante a laparotomia ou quando há risco proibitivo para uma grande cirurgia idade, reserva cárdio-pulmonar função renal, etc.), outras técnicas podem ter um papel na paliação, nomeadamente na resolução da icterícia. A drenagem biliar cirúrgica pouco invasiva adquiriu grande importância, podendo esta ser executada através de próteses por via endoscópica ou percutânea. A quimioterapia tem lugar no tratamento de neoplasia metastática. 2.2 - TUMORES DO CORPO E DA CAUDA DO PÂNCREAS Representam cerca de 30% do total dos carcinomas pancreáticos. Sintomatologia Atendendo à sua localização retroperitoneal, estes tumores atingem grandes volumes antes de provocar sintomas, pelo que são diagnosticados tardiamente e raramente são ressecáveis. As principais queixas do doente são dor e perda de peso, que se encontram presentes em 90 % dos casos. A astenia e anorexia podem ser precoces. Página 7 de 23

Exames Complementares de Diagnóstico A suspeita e diagnóstico dependem fundamentalmente da imagiologia, sendo a TC (Figura 4) a melhor opção. A imagem fornecida pela CPRE é geralmente sugestiva de pancreatite, sendo um obstáculo profundo ao nível do canal de Wirsung fortemente indicativo de malignidade. Os marcadores tumorais são semelhantes aos descritos para os tumores da cabeça do pâncreas e Figura 4 TC de doente com adenocarcinoma da cauda e do corpo do Pâncreas (seta). peri-ampulares. Terapêutica Apenas a cirurgia de ressecção por pancreatectomia distal (por vezes associada a esplenectomia) é potencialmente curativa, sendo, no entanto, praticamente impossível não deixar tumor residual. Deste modo, a taxa de ressecabilidade é de 10%, tendo geralmente mau prognóstico. 2.3 - CISTADENOCARCINOMA Representa menos de 2% dos tumores do pâncreas. Surge geralmente em mulheres entre os 40 e os 60 anos. A sintomatologia mais frequente consiste na presença de dor abdominal associada a massa quística por vezes palpável. A TC e a arteriografia são elementos importantes no diagnóstico e avaliação. A presença de uma lesão quística deve fazer diagnóstico diferencial entre cistadenocarcinoma e pseudoquisto pancreático (colecção de líquido pancreático envolvido por tecido de granulação e fibroso). 2.4 - CARCINOMA DAS CÉLULAS ACINARES Muito raro e sem predominância quanto ao sexo. A sintomatologia é sobreponível à supracitada: dor abdominal e perda de peso. O diagnóstico, estadiamento e tratamento é semelhante ao do carcinoma das células ductais. Pode atingir grandes dimensões, mas geralmente tem melhor prognóstico do que o adenocarcinoma. Página 8 de 23

Caso Clínico I Sexo masculino; 74 anos; 64kg (perdeu cerca de 12% do peso corporal); 50 UMA, 40g etanol/dia; Saudável até há 3 meses; Discreto enfartamento pós-prandial e diminuição da ingesta geral; Há 2 semanas, refere urina escura e fezes claras ; Há 2 dias, refere olhos amarelos ; Astenia e anorexia; Não tem febre ou dor; Seria igualmente pertinente questionar o doente acerca da instalação recente de esteatorreia e/ou evidências de uma elevação da concentração sérica de sais biliares, manifestado clinicamente pelo prurido 6 e urina espumosa à agitação 7. 1. Diagnóstico Sindromático: Icterícia Obstrutiva Silenciosa O quadro iniciou-se com uma sintomatologia de enfartamento pósprandial e diminuição da ingesta, o que é perfeitamente inespecífico na realização de um diagnóstico diferencial. O professor considerou a ingesta etanólica diária como ligeira, sendo apenas clinicamente significativa quando esta excedesse cerca de 80 g etanol/dia. No entanto, com a evolução do quadro clínico, a presença de escleróticas amareladas, colúria e hipocolia é praticamente indicativo de icterícia. Este tipo particular de icterícia diz-se silenciosa por se caracterizar pela ausência de febre e dor, o que é altamente sugestivo da inexistência de um processo inflamatório ou infeccioso marcado. 6 A presença de prurido num quadro semelhante ao descrito deve-se à deposição de sais biliares e bilirrubina nas terminações nervosas sensitivas na pele do indivíduo. 7 Habitualmente associa-se uma urina de características espumosas à presença de proteinúria. Apesar de neste caso não existirem razões para se pensar num envolvimento renal, após a recolha e agitação de uma amostra de urina, esta apresentar-se-ia espumosa. Este facto não se à presença de proteinúria, mas sim à excreção urinária de sais biliares, que, devido às suas características moleculares anfipáticas, realizam uma saponificação do conteúdo urinário. O professor salientou a manifestação deste achado clínico apenas após a agitação da amostra de urina, e não espontaneamente. Página 9 de 23

2. Hipóteses Diagnósticas Tumor da Cabeça do Pâncreas; Litíase Coledocócica; Colangite Esclerosante Primária; Estenose Iatrogénica das Vias Biliares; Outros Processos Neoplásicos: tumor da ampola de Vater, colangiocarcinoma (tumor das vias biliares) ou tumor compressivo do duodeno. 3. Diagnóstico Diferencial Clínico Tendo em conta a sua prevalência, as duas hipóteses diagnósticas mais prováveis seriam o tumor da cabeça do pâncreas e a litíase coledocócica. Relativamente ao tumor da cabeça do pâncreas, são sugestivos os sinais de icterícia obstrutiva, bem como a anorexia e o emagrecimento significativo. Outros factores a apoiar esta hipótese são, neste caso, a rápida evolução do quadro em cerca de 3 meses e a ausência de dor localizada. Relativamente à possível etiologia litiásica, os sinais de icterícia são comuns: escleróticas ictéricas, fezes acólicas e colúria. O doente poderia apresentar ainda prurido, esteatorreia e antecedentes de intolerância às gorduras (não questionado). No entanto, a icterícia obstrutiva seria normalmente acompanhada de dor tipo cólica no hipocôndrio direito e a perda de peso acentuada não seria de esperar, o que remete esta hipótese para segundo plano. É ainda importante ressaltar que, nestes casos, a dor surge antes dos sintomas de icterícia. A ausência de febre é um sinal pouco esclarecedor para este diagnóstico diferencial, visto que não é frequente o aumento da temperatura corporal em processos neoplásicos do pâncreas (se não tiverem ocorrido procedimentos cirúrgicos locais). Isto acontece porque o tumor obstrui definitiva e continuamente a via biliar principal, pelo que existe oposição à passagem de bactérias, impedindo a instalação de uma infecção 8. 8 Menos frequentemente, uma tal obstrução permanente da via biliar, com dilatação, inflamação e aumento da permeabilidade sanguínea (passagem de toxinas para a circulação), numa bílis já contaminada por bactérias, poderia conduzir a febre. Página 10 de 23

Por outro lado, a ausência de febre justificar-se-ia por uma litíase coledocócica não complicada por infecção. Porém, geralmente, a obstrução de causa litiásica é manifestamente incompleta ou intermitente, devido a migrações do cálculo no interior da via biliar. Deste modo, poderia existir trânsito bacteriano entre a bílis e o tudo digestivo, o que justifica que uma icterícia obstrutiva seja frequentemente acompanhada por febre. Quanto às restantes hipóteses diagnósticas, a colangite esclerosante é uma patologia auto-imune relativamente rara e, apesar de poderem originar um quadro semelhante, os restantes tumores são menos frequentes neste tipo doente (o colangiocarcinoma, por exemplo, é típico de idades mais avançadas). 4. Exames Complementares de Diagnóstico Exames Laboratoriais particular ênfase para os parâmetros hepáticos, inflamatórios e marcadores tumorais Em termos de imagem, importa em primeiro lugar clarificar a etiologia da icterícia obstrutiva, nomeadamente a distinção entre causas intra e extra-hepáticas. A melhor forma de se obter esta resposta é com realização de uma ecografia, uma vez que esta permite observar alterações do fígado 9, da vesícula biliar ou da via biliar. Ecografia Sem litíase da vesícula ou nódulos hepáticos visíveis; Dilatação das vias biliares intra e extra-hepáticas; Cabeça do pâncreas mal visualizada (a ecografia, em geral, não permite uma boa visualização desta estrutura); Exame prejudicado por aerocolia. Que procedimento adoptar de seguida? Se existir litíase da via biliar principal (VBP) faz-se unicamente CPRE com intuito diagnóstico e terapêutico; Se não existir litíase da VBP é necessário fazer CPRE e TC. 9 Dilatação dos canais biliares intra-hepáticos significa provável tumor da confluência da via hepática direita e esquerda, enquanto que a não visualização dos canais biliares primários é concordante com cirrose biliar primária. Página 11 de 23

TC (Tomografia Computorizada) Lesão hipodensa da cabeça do pâncreas; Atingimento do duodeno; Aorta e mesentérica superior não atingidas. A TC é um excelente método para estudar o pâncreas. Torna-se essencial na caracterização e avaliação dos planos de clivagem de um tumor do pâncreas. Permite ainda visualizar a infiltração da artéria mesentérica superior, aorta e veia cava, verificando existência de atingimento das mesmas. CPRE (Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica) (Figura5) Estenose da porção distal da VBP (nota-se uma estenose concêntrica com um afilamento de ambos os lados do canal); Sem ulceração da ampola. Figura 5 - CPRE onde se observa claramente a estenose concêntrica tanto da VBP (CBD), como do canal de Wirsung (PD), por um tumor da cabeça do pâncreas. Formase, desta forma, o sinal clássico de duplo ducto. Do lado direito encontra-se uma imagem esquemática. Imagem não apresentada na aula. CPT (Colangiografia Percutânea Trans-hepática) (pouco utilizada) Estenose da porção distal da VBP (há uma dilatação anterior à estenose); Sem sinais de litíase; 5. Diagnóstico Diferencial Clínico-Imagiológico Neoplasia da Cabeça do Pâncreas. Página 12 de 23

6. Confirmação Diagnóstica Como já foi referido, devido ao elevado poder de implantação dos tumores do pâncreas no trajecto da punção, perante uma massa pancreática da qual não se conhece a etiologia nunca se deve fazer punção para biopsia. A excepção à regra pertence aos doentes com metastização precoce (hepática ou peritoneal) em que não se considere terapêutica de intenção curativa. De qualquer forma, utiliza-se geralmente biópsia por ecoendoscopia para tumores não ampulares e biópsia por CPRE para tumores ampulares. No primeiro caso faz-se punção da lesão neoplásica a partir do duodeno, sendo removida a zona do trajecto da punção 10. Outra hipótese confirmativa seria a biópsia guiada por TC. Contudo esta opção apresenta elevado risco devido à incapacidade de remoção do trajecto puncional. 7. Estadiamento (TNM) T é possível efectuar pela ecoendoscopia, embora de forma difícil e sem repercussão na terapêutica. N muito difícil de determinar, há muitas limitações, embora possa ser feita ecoendoscopia. M numa fase inicial, os tumores do pâncreas podem metastizar por via hematogénica para o fígado, sendo a sua determinação feita por ecografia ou TC. A metastização por via trasncelómica para o peritoneu é também comum sendo determinada por laparoscopia exploratória ou laparotomia no caso de não existir ascite. Pode ainda ocorrer metastização para órgãos envolventes, quer por invasão quer por via linfática, sendo a TC um bom meio para as identificar. 8. Tratamento Ressecção cirúrgica: duodenopancreatectomia por técnica de Whipple 11. 10 Este exame não se encontra disponível na maioria dos hospitais portugueses. 11 Na presença de um tumor pâncreas, este não é normalmente retirado na sua totalidade uma vez que produz uma série de hormonas necessárias ao equilíbrio do organismo. A principal razão prende-se com a produção de glicagina, que não pode ser substituída por administração farmacológica, e que nos permite controlar a glicemia em jejum. Página 13 de 23

Caso Clínico II Sexo feminino; 63 anos; 58Kg; Sem hábitos alcoólicos ou tabágicos; Saudável até há 1 mês; Urina escura e fezes claras durante cerca de 1 semana; Refere episódio de fezes pretas, moles e fétidas que resolveu espontaneamente; Melhorou deixou de ter alterações das fezes e urina; Há 15 dias, recorrência de urina escura e fezes claras ; 4 dias depois, refere olhos amarelos ; Sem astenia, anorexia, febre, perda de peso ou dor; Consultou o médico porque o quadro não resolveu como anteriormente. 1. Diagnostico Sindromático: Icterícia Flutuante ou Intermitente Este tipo de icterícia caracteriza-se pela recorrência, mais ou menos breve, da sintomatologia ictérica após um período de aparente reversão ou melhoria do quadro prévio. Há ainda a destacar a associação da icterícia a um episódio isolado de melenas. 2. Hipóteses Diagnósticas Tumor da ampola de Vater (Ampuloma) Este quadro clínico de icterícia flutuante associada a melenas é raro mas extremamente indicativo de ampuloma. No entanto, a maioria dos tumores da ampola de Vater não se manifestem desta forma tão específica, apresentandose principalmente sob a forma de icterícia obstrutiva permanente. A explicação fisiopatológica dos sintomas apresentados é simples. Inicialmente, o ampuloma prolifera e obstrui progressivamente a porção ampular da via biliar principal terminal. Surgem, então, os sinais precoces de icterícia obstrutiva colúria, hipocolia e escleróticas ictéricas. Página 14 de 23

De seguida, devido a uma proliferação desmesurada do tumor (com consequente isquémia tecidual), este sofre necrose de crescimento, surgindo então a hemorragia (episódio de melenas). Simultaneamente, o tumor sofre uma involução decorrente da necrose, resultando numa desobstrução da região ampular, e desaparecendo, desta forma, a sintomatologia ictérica prévia. Posteriormente, as restantes células tumorais iniciam uma nova progressão proliferativa, contribuindo para a recorrência dos sintomas. O ampuloma é um tumor que se encontra numa posição estratégica na VBP, pelo que, mesmo apresentando reduzidas dimensões, pode originar sintomatologia ictérica exuberante. O seu tamanho encontra-se ainda concordante com a ausência de síndromas consumptivos (anorexia e emagrecimento), contrariamente ao que ocorre na neoplasia de grandes dimensões. Por outro lado, esta forte evidência clínica da sua presença em estadios precoces permite um diagnóstico precoce e uma intervenção terapêutica mais eficaz. 3. Exames Complementares de Diagnóstico Exames Laboratoriais (semelhante ao do caso anterior). CPRE Estenose da porção distal da VBP Atendendo à elevada probabilidade do diagnóstico estar correcto antes da realização de qualquer técnica, o exame de eleição é, neste caso, a CPRE porque permite simultaneamente dar informações diagnósticas e fazer a biópsia da lesão. Ecografia Vesícula biliar muito dilatada; Sem lítiase da vesícula ou nódulos hepáticos; Dilatação importante do colédoco; Lesão na posição terminal do colédoco; Cabeça do pâncreas mal visualizada. Página 15 de 23

TC Dilatação da vesícula e da via biliar - vesícula de Courvoisier; É possível visualizar a mesentérica superior; CPT por punção da vesícula (sem interesse actual) Estenose filiforme da porção distal da VBP; Sem sinais de litíase. 4. Confirmação Diagnóstica A confirmação deve ser feita por biopsia a partir da CPRE. A biópsia revelou uma lesão ulcerada na ampola de Vater, altamente sugestiva de ampuloma. O estadiamento é realizado de forma semelhante ao anteriormente exposto. 5. Tratamento Recessão cirúrgica trata-se de um tumor com um bom prognóstico após tratamento cirúrgico, uma vez que é relativamente pequeno (a sintomatologia é precoce e exuberante, normalmente não havendo tempo suficiente para a ocorrência de metástases). 3 - Tumores Benignos do Pâncreas Exócrino 3.1 - CISTADENOMA Constituem menos de 10% das lesões quísticas do pâncreas, sendo mais prevalentes em mulheres entre os 40-60 anos. A sua forma de apresentação clínica mais frequente é vaga, inespecífica e com sintomatologia relacionada com o sistema digestivo alto (desconforto abdominal e lombar). Por vezes, o diagnóstico diferencial com lesões malignas é complicado de elaborar, pois podem ser bastante semelhantes em termos de manifestações clínicas e características macroscópicas (Figura 6). Contudo, o conteúdo seroso do quisto é geralmente sugestivo de benignidade, enquanto que o conteúdo mucoso é menos frequente em quistos benignos. Página 16 de 23

A ressecção pancreática é aconselhável em todos os doentes com sintomas fortemente suspeitos de malignidade. Figura 5 TC de um paciente com cistadenoma seroso (microcístico). Destaque pata a cicatriz central de calcificação (seta). 3.2 - Caso Clínico III Sexo feminino; 46 anos; 42Kg (perda ponderal de cerca de 13%); 30 UMA; Saudável até há 4meses, altura em que inicia quadro de desconforto abdominal; Sem outras queixas; Há 2 semanas, refere dor lombar intensa com irradiação em cinturão; Tomou analgésicos, mas nega desaparecimento da dor; Anorexia e astenia severas. 1. Exames Complementares de Diagnóstico Dos exames complementares que deveriam ser pedidos neste caso, temos apenas acesso à ecografia e TC abdominal. A ecografia não revela alterações, nem litíase coledocócica. A TC evidencia uma lesão hipodensa e heterogénea do corpo do pâncreas, sendo possível observar claramente a mesentérica superior, não havendo envolvimento desta, e existem planos de clivagem, pelo que a massa é potencialmente ressecável. 2. Hipóteses Diagnósticas Neoplasia maligna do pâncreas; Cistadenoma tumor benigno do pâncreas; Pancreatite Aguda. Página 17 de 23

3. Diagnóstico Diferencial Clínico-Imagiológico O quadro clínico sugere um processo neoplásico maligno. Por um lado, verificamos o emagrecimento clinicamente significativo, a astenia e a anorexia, típicos de quadros consumptivos. Por outro lado, a presença de dor abdominal com referência lombar é uma constante nos tumores malignos do pâncreas, como já foi referido. É ainda essencial não descurar a evolução do quadro clínico e a sua progressão relativamente rápida. Relativamente à sua localização, é mais provável que se encontre numa localização profunda (corpo e cauda), não só pelos achados topográficos, mas também pela ausência de uma icterícia obstrutiva, e pela precocidade da astenia e anorexia relativamente a outros sintomas. Neste caso, o cistadenocarcinoma é uma forte possibilidade, uma vez que, apesar de ser raro, é mais frequente em mulheres desta faixa etária, sendo a sua apresentação clínica mais típica uma massa pancreática, dor lombar e perda de peso clinicamente significativa. No entanto, apesar dos aspectos indicativos de patologia maligna, é importante não rejeitar uma possível lesão benigna. Na verdade, tumores benignos do pâncreas são mais frequentes em mulheres de idade média avançada, associando-se a sintomas vagos como dor ou desconforto abdominal, normalmente pouco significativos. Os achados imagiológicos são também relativamente consistentes visto tratar-se de uma lesão única, bem definida e sem sugestões de invasão periférica. A pancreatite apenas se considera porque a imagiologia evidenciou uma lesão pancreática. Porém, o quadro clínico (à excepção da dor abdominal em cinturão) em nada é sugestivo de processos inflamatórios, dada a ausência de febre de alívio com analgésicos, de afecção difusa do pâncreas ou de litíase e hábitos alcoólicos (duas etiologias mais frequentes das pancreatites). 4. Confirmação Diagnóstica Apesar de não ter havido referência a biopsia, análise histológica pósexcisional ou qualquer outro método de diagnóstico, o professor revelou tratarse de um cistadenoma. Página 18 de 23

5. Tratamento Simplesmente devido à forte suspeita de um processo maligno, e atendendo a que grande parte dos cistadenocarcinomas deriva de cistadenomas prévios, foi realizado neste paciente uma recessão cirúrgica através de pancreatectomia distal. 4 -Tumores do Pâncreas Endócrino Originam-se presumivelmente nas células do sistema APUD. Frequentemente pertencem ao grupo de patologias MEN-1 (Multiple Endocrine Neoplasia), apresentando desta forma incidência familiar. Dividem-se em funcionantes e não funcionantes, consoante produzam e segreguem, ou não, algum tipo de hormona. 4.1 - TUMORES FUNCIONANTES São raros, com uma prevalência de cerca de 5 em 1 milhão de indivíduos. São geralmente sintomáticos, originando síndromas específicos que variam consoante a natureza da hormona produzida (quadro 1). A nomenclatura utilizada para a sua classificação depende igualmente da principal hormona envolvida. A sua distribuição não é uniforme, tendo o gastrinoma, o somatostatinoma e o VIPoma uma preferência pela cabeça, ao passo que o insulinoma e o glicaginoma, apesar de poderem surgir em qualquer localização, se encontrarem mais frequentemente no corpo e cauda. A forma diagnóstica consiste na identificação clínica do síndroma originado, a detecção plasmática da elevação da hormona (sendo consistente com a sintomatologia) e, por fim, a localização pancreática ou extra-pancreática do tumor e o seu respectivo estadiamento, ambos realizados através de TC com contraste endovenoso. Página 19 de 23

Classificação do tumor Hormona produzida Tipo de célula Síndroma Malignidade Localização extrapancreática Insulinoma Insulina Células β Hipoglicémia < 15 % Raro Gastrinoma (Síndroma de Zollinger-Ellison) Gastrina - Úlcera péptica 50 % Frequente 12 Diarreia aquosa VIPoma (Síndroma de VIP e - Hipocaliémia Verner-Morrison) Prostaglandinas Acloridria Maioria Ocasional Glicaginoma Glicagina Células α Hiperglicémia Maioria Raro Somatostatinoma Somatostatina Células δ Hiperglicémia Esteatorreia Maioria Raro Quadro 1 Sistematização das principais neoplasias endócrinas funcionantes. 4.2 - TUMORES NÃO FUNCIONANTES São normalmente assintomáticos, sendo a única hormona passível de ser produzida por estes tumores o polipéptido pancreático (PP). Apresentam um quadro clínico idêntico a outras patologias do pâncreas exócrino (quadro insidioso, dor abdominal e lombar, saciedade precoce, náuseas, vómitos e perda de peso). A imagiologia e tratamento são também sobreponíveis às de outros tumores pancreáticos, fazendo-se acompanhar de malignidade em cerca de 90% dos casos. No entanto, o seu crescimento é extremamente lento, pelo que a cirurgia de ressecção oferece elevadas taxas de sobrevivência. O diagnóstico depende essencialmente da TC abdominal. Colocam problemas de diagnóstico diferencial clínico e imagiológico de massas sólidas do pâncreas. Por um octreoscan, através de um análogo da somatostatina, é possível localizar cerca de 80% destes tumores, uma vez que estes possuem receptores para a somatostatina. 12 Ao contrário do que se poderia pensar, apenas muito raramente os gastrinomas têm origem nas células G gástricas. Na verdade, as localizações mais frequentes são o pâncreas e a submucosa duodenal, e muito raramente, o antro gástrico e o ovário. Página 20 de 23

4.3 - Caso Clínico IV Sexo feminino; 53 anos; 58 kg; Saudável até há 4 anos; Inicia queixas de pirose e dispepsia; Há 1 mês, realiza EDA que identifica esofagite de grau II; Há 1 semana, faz ecografia abdominal que mostra alterações da cabeça do pâncreas. 1. Crítica Clínica Em primeiro lugar, importa elaborar uma crítica ao historial clínico desta doente. Por um lado, a identificação da esofagite apenas indica que a paciente tem em princípio, refluxo gastro-esofágico. A etiologia deste problema pode ser múltipla, sendo mais provável neste caso a presença de uma hérnia do hiato. A endoscopia digestiva alta (EDA) é, de facto, o exame mais adequado para investigação de um paciente com queixas dispépticas. No entanto, a ecografia abdominal que realizou de seguida é controversa no estudo de uma esofagite, tratando-se de uma escolha desajustada do método complementar de diagnóstico. Porém, e apesar de ser um péssimo método para avaliar a estrutura pancreática, este exame identificou uma lesão na cabeça do pâncreas (o que não se encontra provavelmente relacionado com a esofagite). Um melhor estudo do pâncreas deverá ser realizado com TC. A tomografia simples salientou um nódulo na transição entre a cabeça e o corpo do pâncreas, enquanto que a tomografia com utilização de contraste acrescentou que esse nódulo capta fortemente contraste. 2. Hipóteses Diagnósticas Tumor Benigno do Pâncreas; Pancreatite Crónica; Tumor Neuroendócrino do Pâncreas. Página 21 de 23

3. Diagnóstico Diferencial Clínico-Imagiológico Os tumores benignos do pâncreas afectam geralmente mulheres de meia-idade e podem ser inicialmente assintomáticos (ou ter apenas sintomas vagos e ténues), razões pelas quais esta hipótese se encontra colocada. Relativamente à pancreatite crónica, os aspectos contra este diagnóstico assentam no quadro assintomático, na ausência de uma etiologia presumivelmente etanólica 13 e à inexistência de outras lesões semelhantes ou cicatrizes de processos inflamatórios anteriores (por exemplo, de uma pancreatite aguda recorrente). A justificação para a presença deste diagnóstico será apenas a presença de um nódulo sugestivo de calcificação pancreática (que raramente é único). Porém, o facto de o nódulo captar fortemente o contraste sugere que os diagnósticos apresentados são pouco justificativos da real patologia da doente. Seríamos forçados a pensar que se trata de uma estrutura vascular. Porém, geralmente, nem as lesões excessivamente vascularizadas captam tanto contraste. Pela sua localização pancreática e pelo nível de captação de contraste deve suspeitar-se de uma neoplasia do pâncreas endócrino. Porém, a maior parte das neoplasias endócrinas produtoras de hormonas são encontradas e diagnosticadas por um quadro sindromático específico que leva o doente a recorrer a ajuda médica. Que justificação encontrar então para a ausência de sintomatologia da doente? A razão reside na ausência de funcionalidade deste tumor. As células neoplásicas proliferam mas não produzem qualquer hormona que pudesse condicionar sintomas específicos. Trata-se, tal como a análise histológica o revelou, de um tumor não funcionante ou neuroendócrino. 4. Tratamento O tratamento passa, neste caso, pela ressecção cirúrgica, apresentando um bom prognóstico. 13 A grande maioria das pancreatites crónicas possuem uma etiologia alcoólica e apresentam achados pancreáticos cicatriciais frequentes, quer observados imagiologicamente na forma de calcificações difusas, quer observados clinicamente numa hipofunção do pâncreas exócrino (originando esteatorreia e desconforto pósprandial) ou do pâncreas endócrino (originando diabetes mellitus tipo III). Já a etiologia litiásica associa-se bastante mais a pancreatite aguda, sem sequelas nesse órgão. Página 22 de 23