UMA E OUTRA COMUNIDADE DE FALA

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Transcrição:

UMA E OUTRA COMUNIDADE DE FALA Dennys Dikson 1 Introdução A Sociolinguística tem por objeto de estudo os padrões de comportamento linguístico observáveis dentro de uma comunidade de fala (doravante CF) e os formaliza analiticamente através de um sistema heterogêneo, constituído por unidades e regras variáveis. Esse modelo visa a responder a questão central da mudança linguística a partir de dois princípios teóricos fundamentais: (i) o sistema linguístico que serve a uma comunidade heterogênea e plural deve ser também heterogêneo e plural para desempenhar plenamente as suas funções; rompendo-se assim a tradicional identificação entre funcionalidade e homogeneidade; e (ii) os processos de mudança que se verificam em uma CF se atualizam na variação observada em cada momento nos padrões de comportamento linguístico observados nessa comunidade, sendo que, se a mudança implica necessariamente variação, a variação não implica necessariamente mudança em curso. O ponto central do presente texto não vem abordar diretamente essas questões de variação e mudança, mas em que consiste ou como é definido o termo CF por alguns teóricos, posto ser uma noção que possui extrema importância nos estudos sociolinguísticos, entretanto, tratado e conceituado de formas por vezes diversas pelos estudiosos do assunto. Ao trabalhar o conceito de CF, no geral, a sociolinguística procura colocar que características um grupo de falantes compartilha e, a partir daí, embasar suas pesquisas e relacionar quais os principais aspectos estariam mutuamente atuando na variação e na mudança da língua. Esse tipo de ação caminha no sentido de buscar esclarecer as semelhanças e as diferenças linguísticas de um grupo, e os motivos pelo quais alguns grupos de falantes compartilham traços linguísticos que os distinguem de outros grupos, através do exame de dados da língua tal como ela é produzida por essas comunidades. Podemos também dizer que, afora isso, a sociolinguística tende a considerar que falantes de uma CF se mostram com diferenças e semelhanças sistemáticas, e que há uma organização social 1 Doutorando em Linguística pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística (PPGLL) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), sob orientação do Profº Dr. Eduardo Calil. Mestre em Linguística pela mesma Instituição. Membro-pesquisador-discente do Laboratório do Manuscrito Escolar (L AME), sediado no PPGE-UFAL. Membro do grupo de pesquisa Escritura, Texto e Criação (ET&C PPGE/UFAL). Professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Unidade Acadêmica de Garanhuns (UAG). Pesquisa com auxílio pecuniário através de convênio FAPEAL/CAPES.

que reflete o uso da fala e, por consequência, as características percebidas no indivíduo da comunidade analisada. A justificativa, segundo fala Guy (2000), para reunir falantes de uma região, classe ou sexo dentro de uma CF é unir os idioletos de falantes individuais, procurando estabelecer quais traços linguísticos são compartilhados por eles e quais os distinguem de outros grupos de falantes. No entanto, a tentativa de se ter uma conceituação única de CF é dificultada por haver várias definições (sociais, linguísticas etc.) para o termo. Além disso, o conceito de CF está imbricado a escolhas que seus próprios membros fazem, pois cada membro ou vários membros podem determinar com que grupo se identificar. As definições se colocam num momento complexas demais, outra hora muito amplas e pouco precisas, dependendo dos autores que as empregam, possibilitando, desta forma, vários alcances e concepções. O termo tanto pode referir-se a grandes ou pequenas comunidades urbanas ou rurais, quanto a bairros e subgrupos (homens, mulheres, crianças). Como se trata de um vocábulo que não é de fácil manuseio, procuraremos trazer contribuições que alguns teóricos fazem acerca da definição e uso do termo CF nas pesquisas em sociolinguística. Adiante traçaremos esse pequeno panorama, tentando abordar, dentro de cada autor, suas principais noções acerca de CF, sem, entretanto, nos aprofundarmos ao que trazem em seus escritos, pois nossa intenção é, de forma superficial, colocar os pontos mais importantes de suas noções. Conceitos e teóricos: um pequeno percurso Bloomfield Iniciando por Bloomfield (1970), observa-se que, para ele, no passado, a noção de comunidade reduzia-se à noção de língua, isto é, os indivíduos que falavam a mesma língua (ou a mesma primeira língua, ou língua padrão) eram tidos como membros de uma mesma comunidade. Para o autor, os membros de uma comunidade linguística se expressam linguisticamente de um modo semelhante e se compreendem, mas podem, ao mesmo tempo, diferenciarem-se de tal maneira a ponto de pessoas de regiões vizinhas chegarem a não se entender uma às outras. O autor dá uma definição de certa forma bastante simples de CF, para ele trata-se de: um grupo de pessoas que interage por meio da fala (1926, p. 42).

Gumperz Para Gumperz (1962, 1971), a língua dos membros da comunidade não precisa ser necessariamente a mesma. Os participantes tanto podem ser monolíngues quanto multilíngues, se se estabilizarem numa união formulada pela frequência da interação social e se se separam de áreas vizinhas por fragilidade (weakness) nas linhas de comunicação, construirão uma CF. Os membros dessa comunidade podem se formar ou se constituir em grupos pequenos através do contato face a face, ou podem cobrir grandes regiões, isso vai depender do nível de abstração/análise que se deseja alcançar. Além disso, Gumperz diz se tratar de um agrupamento humano caracterizado por freqüente e regular interação, efetivada através de um mesmo sistema de signos verbais, e separado de agrupamentos similares por significantes diferenças no uso da linguagem (1971, p.114). Para o estudioso, é preciso que os membros de uma CF estejam em constante união por normas comuns, sendo que tais normas podem se sobrepor aos limites do idioma, e, como exemplo, cita o alemão, o tcheco, o austríaco e os falantes húngaros que podem compartilhar das mesmas normas para seus atos de fala. O autor (1996) indica a diversidade própria da CF, posto ela se constituir por uma variedade de redes de socialização, às quais se imbricam padrões de uso e interpretação linguística. Contudo, o estudioso reforça o papel das redes sociais como unidades de análise, ao invés da CF: se os significados residem em práticas interpretativas e essas se localizam em redes sociais nas quais o indivíduo está socializado, então as unidades cultura- e língua- não são as nações, os grupos étnicos ou algo parecido... ao invés, são redes de indivíduos em interação (1996: p. 11). Labov Ao contrário de Gumperz, Labov (1966), na pesquisa realizada na Cidade de Nova York, apreendeu como CF os falantes que tinham o inglês como primeira língua, isto é, os native new yorkers, não levando em conta os imigrantes, que constituem cerca de um terço de Nova York. De acordo com Labov (1972, p.120-1), a CF não é definida por qualquer acordo marcado no uso de elementos da língua, nem pela participação em um jogo de normas compartilhadas. Estas normas podem ser observadas em tipos manifestos de comportamentos

avaliativos e pela uniformidade dos padrões abstratos de variação, invariantes em níveis particulares de uso. Quem primeiro levou em conta a uniformidade de padrões linguísticos foi Labov, no sentido de variação estruturada, como algo que trouxesse definição de CF. Suas ideias de uniformidade dizem respeito a regras de gramática que são compartilhadas na forma de regras variáveis. Ao formular definição de CF, Labov vai deixando em evidência o objeto da sociolinguística: a comunidade social em seu aspecto linguístico, isto é, a CF. Outro ponto que podemos tocar é na questão de que se pode perceber que Labov prioriza o caráter de consciência das atitudes dos falantes em relação às normas gramaticais que são compartilhadas pelo grupo para caracterizar uma CF. Para o estudioso, os membros de uma CF não precisam falar, necessariamente, da mesma maneira; esses membros apenas compartilham uma série de avaliações sobre a CF. Assim, o linguista coloca e traz uma uniformidade das atitudes dos falantes em relação à língua para que se possa definir os limites de uma CF e, com isso, evitar certo tipo de variação. Dessa feita, Labov tenta garantir a homogeneidade no seu objeto de estudo a CF, e não na língua, que é um sistema heterogêneo. Também podemos observar que Labov (1972, p. 184), ao situar o estudo da língua no contexto social, propõe o estudo da estrutura e evolução da língua dentro do contexto social da CF. Fazendo isso, ele rompe com as correntes anteriores (estruturalismo e gerativismo), que analisavam a língua através de uma estrutura homogênea, formulada por regras categóricas que podiam ser estudadas fora de seu contexto social. Para o estudioso (1972, p. 120-121), a CF não é conceituada ou definida por nenhum acordo/contrato no uso de elementos de língua, mas pela participação em uma espécie de jogo de normas compartilhadas; tais normas podem ser observadas em comportamentos avaliativos no compartilhamento, e pela uniformidade de modelos abstratos dos padrões da variação que são invariáveis em relação aos níveis particulares de uso. O autor cita como principal característica que mantém uma relativa homogeneidade em uma CF as atitudes sociais em relação à língua que são extremamente uniformes numa CF (LABOV, 1972, p. 248). Hymes Já para Hymes (1967/1972), a definição de CF está ligada a indivíduos que compartilham regras de conduta e interpretação de fala de pelo menos uma variedade linguística. Na fundação de sua descrição de CF está, antes do critério linguístico, o critério social, ou seja, a CF deve descrever entidades sociais, mais que linguísticas. Dentro dessa perspectiva do autor, compartilhar apenas as

regras gramaticais não é condição suficiente para se caracterizar uma comunidade. Ele critica aqueles que fazem essa limitação, e discorda desse ponto de vista. Falando sobre Bloomfield, Hymes diz que, preteritamente, a noção de CF reduzia-se à noção de língua; aqueles que falavam a mesma língua (ou a mesma primeira língua, ou língua padrão) eram colocados como membros de uma mesma CF. Para o autor essa é uma definição muito limitada. Segundo Figueroa (1994), Hymes prioriza muito mais os aspectos sociais na delimitação do conceito, admitindo que um indivíduo pode participar de diferentes CF como já dito, tornando a relação entre ele e a comunidade bastante flexível. Assim, a CF envolve questões sociais, não sendo suficiente concentrar-se no estudo das regras gramaticais que regem certo grupo de indivíduos. Wardhaugh De acordo com Wardhaugh (1986), o emprego do termo CF pode estender-se para falantes de mais de uma língua ou dialeto. O autor percebe a impossibilidade de tomar como base apenas o uso de características linguísticas para determinar o que é e o que não é CF, dizendo que as pessoas fazem uso de características linguísticas para se identificar com um grupo ou se diferenciar dele. O autor também acredita que o falante pode pertencer a diversas CF, identificando-se com uma ou outra conforme as circunstâncias. Nesta perspectiva, há uma relação entre o processo identificatório e a CF, sendo esta considerada fluida e dinâmica. O linguista assume a abordagem de Bolinger (apud WARDHAUGH, 2002), segundo a qual não há limite para as formas pelas quais os seres humanos se ligam uns aos outros em nome de identificação, segurança, ganho, divertimento, adoração, ou por qualquer outro propósito que seja compartilhado; conseqüentemente, não há limites para o número e para a variedade de comunidades de fala que podem ser encontrados em uma sociedade (p.124). Wardhaugh (2002, p. 126) coloca um caminho para a análise dos relacionamentos dos membros de uma comunidade: a ideia de rede de relacionamentos, sendo sua principal preocupação mostrar que definir como um indivíduo se relaciona a outros indivíduos na sociedade é perguntar de que redes ele ou ela participam. Isso é um tópico muito importante para a sua definição de CF. Ele mostra que uma pesquisa sociolinguística também deve ficar antenada ao repertório de fala que cada indivíduo possui, pois uma única pessoa, um único indivíduo, pode controlar e fazer uso de diferentes variedades de línguas. Afirma que (2002, p. 128) a conexão social que resulta das escolhas linguísticas que você faz pode depender da quantidade de certas características

linguísticas, da mesma forma que de suas qualidades. É justamente a noção do controle das redes sociais dentro da noção de CF que ele coloca. Wardhaugh (2002) ainda destaca que a noção de CF não pode ser um conceito fechado e pronto, e que sua identificação não é menos problemática do que os conceitos de língua, dialeto, grupo e variedade. Dessa maneira, a definição de CF está diretamente ligada à definição de grupo, língua, dialeto ou norma. O autor (p. 121) também mostra que um indivíduo pertence a várias CF ao mesmo tempo, mas em alguma ocasião particular somente a uma delas, a identificação particular depende do que é especialmente importante ou contrastivo nas circunstâncias. Dessa forma, os sujeitos falantes estariam ligados a uma multiplicidade de redes de relacionamentos, e para participar destas redes, o falante utiliza seu repertório e faz o controle das gramáticas de uma língua ou mais, que são necessárias para participar destes relacionamentos (escola, trabalho, lar etc.). Uma pesquisa sociolinguística precisa atentar-se ao repertório de fala que cada indivíduo possui, pois uma pessoa pode controlar e fazer uso de diferentes variedades de línguas. Para Wardhaugh (2002, p. 128) a conexão social que resulta das escolhas linguísticas que você faz pode depender da quantidade de certas características linguísticas, da mesma forma que de suas qualidades. Guy Guy (2001), por sua vez, considera que a CF de fala é formulada a partir de três critérios: (i) os falantes devem compartilhar traços linguísticos que sejam diferentes de outros grupos; (ii) devem ter uma frequência de comunicação alta entre si; e (iii) devem ter as mesmas normas e atitudes em relação ao uso da linguagem. Para ele, os limites entre uma CF e outra devem ser vistos em termos de diferenças gramaticais e não, simplesmente, diferenças na frequência de uso de determinada variável. O estudioso coloca que há: (i) diferenças de frequência em diferentes comunidades de fala, sendo que o efeito de contexto permanece semelhante; (ii) diferenças em termos do efeito de contexto (observado através de resultados estatísticos traduzidos em pesos relativos) entre as comunidades, o que determinaria diferenças estruturais ao invés de diferenças simplesmente quantitativas. Guy traz a seguinte hipótese: em assuntos de variação, diferenças entre comunidades de fala correspondem a diferenças gramaticais, ou seja, diferenças em efeitos contextuais. Ao mesmo tempo, diferenças entre indivíduos dentro da mesma

CF devem ser de natureza não-gramatical, ou seja, diferenças no nível geral de usar ou não um fenômeno variável (2001: p. 8). De acordo com Guy (2001) os membros de uma CF compartilham traços linguísticos comuns que os diferenciam, isto é, a variedade de língua usada deve apresentar pelo menos alguns traços distintos das variedades de outras comunidades. Esses traços fazem permitir a atribuição de uma identidade social, e como marcadores de identidade local, posto que seus membros comunicam-se mais entre si do que com outros, e isso leva à manutenção de suas características linguísticas. O não contato linguístico entre comunidades favorece o desenvolvimento de diferenças linguísticas. Assim, compartilham normas e atitudes no uso da linguagem; posicionam-se frente aos diferentes modos de falar, não só marcados em suas diferenças geográficas, mas correlacionados a certas delimitações de fronteiras sociais, como escolaridade e nível econômico, que, normalmente, andam juntos. Ainda sobre Guy, baseado na proposta laboviana, ele (2000; 2001) apresenta algumas propriedades frequentes na literatura sociolinguística sobre CF, que podem ser assim resumidas: a) Características linguísticas compartilhadas: isto é, palavras, sons ou construções gramaticais que são usadas na comunidade, mas não fora dela. b) Densidade de comunicação interna relativamente alta: isto é, as pessoas normalmente falam mais com outras que estão dentro do grupo do que com aquelas que estão fora dele. c) Normas compartilhadas: isto é, atitudes em comum sobre o uso da língua, normas em comum sobre a direção da variação estilística, avaliações sociais em comum sobre variáveis linguísticas (GUY 2000, p. 18, grifo nosso). Romaine Sobre Romaine (1994), podemos dizer que ele discorda da ideia de homogeneidade da CF, argumentando que as mudanças não ocorrem em toda a comunidade, mas são fenômenos individuais. Para a autora, os falantes interagem com diversos grupos e, por isso, podem assumir diferentes características linguísticas. Assim, valores sociais vários são atribuídos às variantes linguísticas de forma diversificada. A estudiosa afirma que, em diferentes comunidades de fala, fatores linguísticos e sociais estão ligados não apenas a formas diversificadas, mas em diferentes graus; então, a imbricação da estrutura social e linguística em uma dada CF é uma questão de investigação e não pode ser tomada como dada (ROMAINE, 1980).

Continuando sobre a linguista (1980; 1994), ela define CF como um grupo de pessoas que não necessariamente compartilham a mesma língua, e talvez nem mesmo um conjunto de normas e regras para o uso da língua. Para ela, os limites existentes entre comunidades de fala seriam essencialmente sociais, ao invés de linguísticos, já que essas não são necessariamente coextensivas a uma comunidade linguística. A partir daí, a homogeneidade na CF, como pressuposta por Labov, é questionada por Romaine (1994), para a qual as variações linguísticas não acontecem em toda a CF, mas individualmente, visto que nem todos os membros dela utilizam a língua da mesma forma. Para essa linguista, em diferentes comunidades de fala, fatores sociais e linguísticos vinculam-se não apenas de diferentes formas, mas em graus diferentes (ROMAINE, 1980, p. 13). Para autora, os membros de uma mesma CF não utilizam as regras gramaticais da mesma forma. Nesse sentido, não há, na verdade, uma homogeneidade no ambiente de estudo, uma vez que as mudanças linguísticas não ocorreriam em toda a CF, mas essas seriam consideradas locais e individuais. Considerações Finais O que podemos observar do que expomos é que há, basicamente, três tendências, de forma geral, para a definição de CF: a primeira seria a CF como constituída por pessoas que têm a mesma primeira língua, ou seja, elas interagem por meio das regras compartilhadas para o uso da língua materna. A segunda tendência tem o caráter mais pragmático da comunicação, independentemente do número de línguas ou variedades empregadas; nesse sentido uma CF pode se constituir de pessoas que se entendem ao fazer uso da mesma língua, mesmo não sendo esta a materna. A terceira e última, seria que uma CF pode se constituir de sujeitos que compreendem pertencer a uma dada CF, já que se identificam socialmente com ela. O trabalho de definição de CF não é simples, todavia, toda essa dificuldade precisa ser transposta quando o desenvolvimento de um trabalho visa compreender a variação e mudança linguística, pois é necessário um posicionamento sobre esse conceito, o que vai determinar o tipo de amostra que será selecionada. Na verdade, ao ser fazer o trabalho de campo sociolinguístico, todos os conceitos mais importantes da área, incluindo aí fortemente o de CF, devem ser previamente compreendidos e delimitados pelo pesquisador, para que não se utilize um termo com várias definições em um único trabalho. O comportamento, os dados, as análises, o manuseio, tudo está envolvido diretamente com a delimitação que é feita das definições e conceitos, para que a pesquisa possa ter confiabilidade e

trazer contribuições importantes para os estudos da língua em real uso nas diversas e múltiplas comunidades de fala. Referências Bibliográficas BLOOMFIELD, Leonard. Le language. Paris: Payot, 1970. FIGUEROA, E. Sociolinguistic metatheory. Oxford: Pergamon, 1994. GUMPERZ, John. Language in social groups. Stanford: Stanford University Press, 1971.. Types of linguistic communities. Anthropological Linguistics 4(1):28-40. [Reprinted in J Fishman ed. 1968, Readings in the sociology of language, 1962, pp. 460-472.]. Introduction to part IV. In: GUMPERZ, J. J.; LEVINSON, S. C. (Ed.). Rethinking linguistic relativity. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. p. 359-373. GUY, Gregory. A Identidade lingüística da CF: paralelismo interdialetal nos padrões de variação lingüística. Organon, Revista do Instituto de Letras da UFRGS, Porto Alegre, v. 28 e 29. p. 17-32, 2000.. As comunidades de fala: fronteiras internas e externas. Abralin, 2001. Disponível em http://sw.npd.ufc.br/abralin/anais_con2int_conf02.pdf. HYMES, Dell. Models of the interaction of language and social life. (Revised from 1967 paper.) In: GUMPERZ & HYMES, eds. 1972. Directions in sociolinguistics : The ethnography of communication. Blackwell, 1972, pp.35-71. LABOV, William. The social stratification os english in New York City. Washington, D.C.: Center for Appliied Linguistic, 1966.. Sociolinguistic patterns. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972. ROMAINE, S. What is a speech community? In: SOCIOLINGUISTIC variation in speech communities. London: Edward Arnold, 1980. p. 13-24.. Language in society: an introduction to sociolinguistics. London: Blackwell, 1994. SEVERO, C. G. A comunidade de fala na sociolinguista laboviana. Revista Voz das Letras. Concórdia, Santa Catarina, Universidade do Contestado, número 9, I Semestre de 2008. VANIN, A.A. Considerações relevantes sobre definições de comunidade de fala. Maringá, v. 31, n. 2, p. 147-153, 2009. WARDHAUGH, Ronald. An introduction to Sociolinguistic. Oxford/Cambridge: Blackwell, 1986/2002. WIEDEMER, M. L. As faces da comunidade de Fala. Linguagens - Revista de Letras, Artes e Comunicação ISSN 1981-9943 Blumenau, v. 2, n. 1, p. 21-35, jan./abr. 2008.. Ampliação da Noção Teórica da Comunidade de Fala na Pesquisa Sociolinguista. Anais do SILEL. Volume 1. Uberlândia: EDUFU, 2009.