BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR



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Transcrição:

BULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR Cléo Fante O bullying é hoje, sem dúvida, um dos temas mais discutidos em todo o mundo, o que desperta crescente interesse nas diversas ciências e esferas sociais. Em meio às discussões, o que é natural, surge uma infinidade de opiniões, idéias, sugestões, estudos, publicações e etc., que tentam explicar o fenômeno e os motivos que leva um indivíduo ou grupo a agir de forma deliberada e, muitas vezes, tão cruel. No entanto, ante a urgência de encontrar respostas eficazes, interpretações e informações equivocadas, geradoras de controvérsias, acabam por dificultar o processo de entendimento e resolução do problema. O bullying é uma forma de violência que ocorre na relação entre pares, sendo sua incidência maior entre os estudantes, no espaço escolar. É caracterizado pela intencionalidade e continuidade das ações agressivas contra a mesma vítima, sem motivos evidentes, resultando danos e sofrimentos e dentro de uma relação desigual de poder, o que possibilita a vitimação. É uma forma de violência gratuita em que a vítima é exposta repetidamente a uma série de abusos, por meio de constrangimento, ameaça, intimidação, ridicularização, calúnia, difamação, discriminação, exclusão, dentre outras formas, com o intuito de humilhar, menosprezar, inferiorizar, dominar. Pode ocorrer em diversos espaços da escola ou fora dela, como também em ambientes virtuais, denominado bullying virtual ou cyberbullying, onde os recursos da tecnologia de informação e comunicação são utilizados no assédio. Apesar da clareza da definição do termo bullying, ainda há divergências em sua aplicabilidade, talvez, em decorrência dos estudos serem recentes, na maioria dos países, e da carência de estudos mais aprofundados que avaliem seus impactos ao longo do tempo. Tais divergências são percebidas nas declarações entre os especialistas no tema, profissionais da comunicação social, da educação, da saúde, do direito e até mesmo em legislações em vigor em diversos países. Algumas das leis - especialmente em estados americanos - definem como bullying desde as práticas de condutas abusivas contra estudantes e empregados da escola ou voluntários até a destruição de propriedade pública e conduta que altere significativamente a rotina de trabalho da escola, que cause inquietação no aluno e nos empregados da escola e que prejudique o ambiente escolar. O que se há de notar é que por definição, o bullying ocorre nas relações interpessoais, entre pares. Portanto, não faz sentido tipificar condutas de destruição de propriedade pública ou abusos na relação adulto/estudante ou estudante/adulto, uma vez que estas não se configuram relações entre pares. Outro fator que deve ser considerado ao tipificar uma ação como bullying é a ausência de motivos que justifiquem o ato. Isso pressupõe que a vítima nada faz para ser atacada, o que denota a gratuidade do ato. O bullying tem como marca constitutiva o desrespeito, a intolerância e o preconceito - que impregna as relações humanas em todas as sociedades -, contra alguma característica que destaca ou diferencia a vítima dos demais. Há, ainda, que se considerar o desequilíbrio de poder entre as partes, cujo diferencial está ao nível dos jovens, podendo ser percebido em relação à diferença entre forças físicas,

emocionais ou sociais. Portanto, o desequilíbrio é que proporciona vantagem de poder do(s) autor(s) sobre a vítima, possibilitando, com isso, o processo de vitimação contínuo e danos decorrentes. Por outro lado, facilita-lhe a conquista de status perante o grupo classe/escola, o que garante popularidade e aceitação e/ou temor. Portanto, identificar uma ação como bullying não é tão simples. Por isso, é imprescindível que os diversos profissionais tenham pleno entendimento, para que encaminhamentos, atendimentos e procedimentos não sejam equivocados. Infelizmente, tais equívocos também acontecem em nosso país, onde já se percebe divergência na aplicação do termo bullying, motivo pelo qual se convencionou entre os estudiosos que tem se dedicado ao tema a empregá-lo somente quando ocorre na relação entre pares (estudantes), seja no ambiente escolar ou virtual. Apesar dessa preocupação quanto ao conceito, indivíduos e instituições vêm atribuindo muitas das ações agressivas entre os estudantes, como bullying, quando na verdade, são atitudes de intolerância, discriminação, preconceito. Como exemplo, podemos citar alguns dos casos veiculados na mídia, onde uma estudante, que por causa do vestido curto que usava, foi discriminada por seus colegas universitários. Outro caso de uma jovem, que ao chegar à universidade, se deparou com os muros pichados, com palavrões, que ofendiam a si e à sua mãe. Outro ainda, o de uma participante de um reality show, por não ter o corpo escultural e apresentar um gênio difícil, sofreu constrangimentos dos colegas participantes e de espectadores. Nota-se que a maioria das escolas tem se esforçado para entender o fenômeno e orientar seus profissionais, estudantes e pais. Inegavelmente, o bullying é assunto de extrema relevância e de urgente contenção, porém, a visibilidade que os meios de comunicação têm proporcionado, muitas vezes tratando o tema de forma alarmista ou equivocada, acaba por confundir a opinião pública. Fato que pode gerar risco de generalizações todos os problemas entre estudantes se tornam bullying -, o que pode banalizar ou legitimar as ocorrências de bullying. Evidentemente, que as escolas não são ilhas de paz, os conflitos acontecem de forma natural nas relações sociais. Porém, quando não mediados ou mal resolvidos, tendem a gerar desentendimentos e discussões, podendo resultar em agressões ou violências, geralmente pontuais. É comum que os conflitos sejam motivados por divergências de idéias, desentendimen- Nota: Apesar de ser tecnicamente incorreto o uso do termo bullying na relação interpessoal entre adultos e estudantes, sabemos que é realidade mundial a ocorrência de assédio entre ambos. O assédio na relação entre os adultos, em alguns países, é chamado de bullying ou mobbing. Em nosso país, usa-se o termo assédio moral, já previsto na legislação trabalhista brasileira. Na maioria dos casos, em que há abusos na relação adulto/estudante na escola, os motivos mais incidentes são os relacionados à indisciplina, insubordinação, ausência de limites, desobediência às regras, desrespeito, desacato à autoridade, perturbação do ambiente e do trabalho profissional, desmotivação. Já na relação estudante/adulto, os motivos estão relacionados ao abuso de autoridade, desrespeito, preconceito, intolerância, excesso de exigências, exclusão, despreparo profissional, ambiente escolar hostil ou inseguro. Nesse tipo de relação é comum encontrar entre os estudantes expressões anti-autoridade, no passado, onde os pais eram mais presentes, participativos e, muitas vezes, repressivos os jovens se expressavam por meio de xingamentos,

palavrões, desenhos obscenos, ameaças, nas portas dos banheiros, nas carteiras ou muros da escola. Atualmente, tais expressões são utilizadas no espaço virtual ou através de enfrentamentos pessoais, resultando muitas vezes, em violência física, moral, psicológica, material, etc. tos em trabalhos em grupo, nos jogos em equipe ou por ciúme, inveja, traições amorosas, etc. Apesar das divergências apresentadas, há convergência entre inúmeros países na idéia de que o combate ao bullying continua a ser uma missão mais atribuída às escolas do que aos tribunais. No Reino Unido, todas as escolas são obrigadas a ter um plano antibullying e que integre normas disciplinares claras. No Canadá e EUA foram introduzidos no currículo escolar, planos de prevenção contra o bullying, podendo as escolas ser responsabilizadas por omissão. Na Noruega, foi instituído em todas as escolas um programa que prevê, entre outras medidas, que devem ser tomadas em conjunto, a adoção de regras claras, a constituição de comissões antibullying nas escolas, a capacitação de docentes e demais profissionais para a intervenção, a realização de encontros com estudantes e pais de envolvidos, a aplicação de medidas de apoio às vítimas. Em Portugal, o bullying está sendo amplamente discutido e foi incluído no programa de educação para a Saúde associado à Saúde Mental - e deve integrar o projeto educativo das escolas. Em muitos outros países programas estão sendo desenvolvidos nas escolas, bem como legislações específicas. É o que vem ocorrendo em nosso país, em que inúmeros projetos de leis estão em discussão, em níveis municipais e estaduais e várias leis já estão em vigor. Em nível federal, um projeto de lei já foi aprovado pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e pela Comissão de Educação, na Câmara dos Deputados em Brasília. Será analisado, ainda, de forma conclusiva, pelas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça e de Cidadania. De acordo com as leis as escolas devem instituir programas preventivos, compostos por um conjunto de ações que visem reduzir o problema e incentivar a cultura de paz. Dentre as ações, podemos citar: capacitação de docentes e equipe pedagógica para o diagnóstico, intervenção e encaminhamento de casos; formação de equipe multiprofissional para estudos e atendimentos de casos; envolvimento da comunidade escolar pais, docentes, discentes, equipe pedagógica nas discussões e desenvolvimento de ações preventivas; estabelecimento de regras claras sobre o bullying no Regimento Interno Escolar; orientação às vítimas e seus familiares; encaminhamento de vítimas e agressores e seus familiares aos serviços de assistência médica, psicológica, social e jurídica; orientação aos agressores e seus familiares sobre as consequências dos atos praticados e aplicação de medidas educativas capazes de mudanças comportamentais significativas; parceria com a família dos envolvidos na resolução dos casos; implantação de sistema de registro de casos e procedimentos adotados, desenvolvimento de atividades que promovam a cidadania e a cultura de paz, dentre outras. A proposta de lei federal apresenta como diferencial das demais, que além das escolas, clubes de recreação sejam obrigados a adotar medidas de conscientização, prevenção, diagnóstico e combate ao bullying. Apresenta também alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Apesar das iniciativas serem de extrema relevância social, nota-se que muitas das leis ainda são letras mortas. O Estado de Santa Catarina segundo estado brasileiro a legislar

sobre o tema se converteu em exemplo no combate ao bullying, promovendo junto às escolas públicas e privadas, discussões e orientações em seminários regionais; distribuição de materiais educativos direcionados aos estudantes através de histórias em gibi -, docentes e familiares, em Nota: O primeiro Estado brasileiro a legislar sobre o tema foi Paraíba e o primeiro município foi João Pessoa. uma parceria entre a Assembléia Legislativa - Escola do Legislativo - e o Ministério Público Estadual. Outro exemplo de sucesso é a iniciativa da ONG Plan, que está implantando o programa de enfrentamento Educar para a Paz, em oito escolas municipais, no estado do Maranhão, como uma das ações da Campanha Global Aprender sem Medo, que tem como objeto erradicar a violência nas escolas e assegurar um ambiente escolar seguro, onde as crianças possam se desenvolver e aprender sem medo. Site foi criado para divulgar as ações da campanha, disponibilizar material educativo aos diversos públicos; articular junto ao Poder Legislativo a criação de projetos de lei e a implantação de programas de enfrentamento nos diversos níveis governamentais; capacitar docentes, equipe técnica, discentes e pais. Formar jovens multiplicadores para disseminar a cultura de paz em suas comunidades. Além dessas e outras ações, foi realizada uma pesquisa nacional, nas cinco regiões brasileiras, mostrou dados inéditos quanto à realidade do problema. Participaram da pesquisa, 5.168 estudantes de 5ª. a 8ª. séries, sendo que 17% estão envolvidos em bullying no espaço físico escolar enquanto 31% estão envolvidos no espaço virtual. Quanto ao local de maior incidência, foi apontada a sala de aula, sem ou com o professor, seguido do pátio de recreio. Dentre outros dados relevantes, o bullying é mais comum nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do País e a incidência maior está entre os adolescentes na faixa de 11 a 15 anos de idade e alocados na sexta série do ensino fundamental. Quanto ao bullying no ambiente virtual, independentemente da idade das vítimas, o envio de e-mails maldosos é o tipo de agressão mais freqüente, sendo praticado com maior frequência pelos alunos pesquisados do sexo masculino. Entre as meninas pesquisadas, o uso de ferramentas e de sites de relacionamento são as formas mais utilizadas, por estudantes de 11 e 12 anos; na invasão de e-mails pessoais e no ato de passar-se pela vítima, ambos praticados por estudantes de 10 anos. Quanto às consequências, os próprios estudantes ressaltam os prejuízos sobre o processo de aprendizagem. Indicam que tanto vítimas quanto agressores perdem o interesse pelo ensino e não se sentem motivados a frequentar as aulas. Embora gestores e professores admitam a existência de uma cultura de violência pautando as relações dos estudantes entre si, as escolas não demonstraram estar preparadas para eliminar ou reduzir a ocorrência do bullying. A pesquisa confirma que o bullying se faz presente em escolas públicas e privadas, resultando numa série de prejuízos tanto para os envolvidos e seus familiares quanto para as escolas e seus profissionais, como para os governos e a sociedade. Tanto vítimas quanto autores e testemunhas podem apresentar prejuízos no processo de desenvolvimento acadêmico, emocional e social, comprometendo a construção da personalidade e da cidadania. Na tentativa de coibir esse tipo de comportamento, projeto de lei que prevê a criminalização do bullying também está em discussão no país. Porém, é interessante que as discussões se pautem nos resultados obtidos em outros países, através da adoção de medidas

repressivas e preventivas. Por outro lado, também é importante refletir sobre as causas do bullying, sobretudo, no que diz respeito aos exemplos que os adultos têm oferecido às crianças e o modo como relacionam entre si. Não podemos nos esquecer que a imitação é o método mais antigo, sendo utilizado pelas gerações ao longo do tempo. As crianças imitam os adultos e reproduzem em suas relações sociais as aprendizagens adquiridas, sejam positivas ou negativas. Percebe-se que há em nosso país um grande movimento contrário ao bullying. Entretanto, é necessário compreender que estamos diante de uma das facetas da violência. Que outras violências invadem o cotidiano de nossas crianças e adolescentes - seja na escola, na família, na comunidade, nos filmes, nos games, na TV, na Internet, no descaso social, na falta de assistência, na saúde e no ensino de má qualidade, no analfabetismo funcional, na exploração do trabalho e do sexo, na exclusão social, na pobreza extrema gerando a fome, no abandono familiar e do poder público, na falta de lazer, de esperança, de paz -, violando a garantia de seus direitos e estimulando, muitas vezes, o descumprimento dos seus deveres. Por fim, enfrentar a violência não é tarefa fácil. A violência é um fenômeno social, complexo e multifatorial. A escola sozinha não consegue conter as violências sem a participação, envolvimento e compromisso da família, sem o apoio de instituições que asseguram os direitos de crianças e adolescentes, sem o comprometimento efetivo de governos na criação de políticas públicas e aplicação de investimentos em projetos concretos - que ofereçam oportunidades de mudanças significativas na vida de crianças e adolescentes -, na capacitação de profissionais de educação, saúde, assistência social, operadores do direito, dentre outros, para o desenvolvimento de programas preventivos eficazes. Cléo Fante. É Pedagoga e Historiadora. Há 10 anos pesquisa o bullying nas escolas brasileiras. Autora de artigos, entrevistas, manuais e livros sobre o tema bullying. Autora do programa antibullying Educar para a Paz. Consultora da ONG Plan International e da Secretaria Municipal de Educação de Cedral/SP. Conferencista. Saiba mais: www.bullying.pro.br www.aprendersemmedo.org.br Contato: cleofante@terra.com.br Referências bibliográficas:

Fante, Cléo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Verus editora. Campinas, 2005. Bullying Escolar: perguntas e respostas. Editora Artmed. Campinas, 2008