COMPLEXIDADE: A EDUCAÇÃO EM BUSCA DA IGUALDADE SOCIAL Maria Tereza Uille Gomes 1 - PUC/PR uille@brturbo.com Resumo: Política Educacional. A educação precisa ser repensada, pois é um forte instrumento para a redução da desigualdade social. O Estado Democrático de Direito precisa assumir o seu dever de prestar um ensino público e de qualidade para todos. Conforme pesquisa de campo que vem sendo realizada, no âmbito da Promotoria de Justiça e do Juízo da Vara de Adolescentes Infratores, com remessa de dados à PUC-PR, os adolescentes em conflito com a lei, excluídos da rede escolar, são os que praticam os atos de violência mais graves. O indicativo demonstra a importância de se combater a evasão escolar. A qualidade do ensino deve ser pesquisada através de avaliação institucional, obrigatória em todos os níveis. A participação popular e a remoção dos óbices processuais, visando o maior controle dos recursos destinados à educação é medida inadiável, com vistas à maior igualdade social. Palavras chave: educação inclusão social. A educação precisa ser repensada e a UNESCO 2 enquanto Organização comprometida com uma educação integral e de qualidade solicitou a Edgar Morin que expusesse suas idéias sobre a educação do amanhã, cuja análise resultou na obra intitulada Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro 3. Morin enuncia os sete saberes como sendo: 1. As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão; 2. Os princípios do conhecimento pertinente; 3. Ensinar a condição humana; 4. Ensinar a identidade 1 Mestranda em Educação PUC/PR. Promotora de Justiça do Estado do Paraná. uille@brturbo.com 2 A UNESCO é a agência das Nações Unidas especializada em educação. Foi criada em 16 de novembro de 1945, logo após a II Guerra Mundial e o eixo central das ações tem sido aprimorar a educação mundial, pois é no espírito das pessoas que deve ser edificado o alicerce da solidariedade na luta pela paz. Desenvolve também acompanhamento técnico, estabelece parâmetros e normas, criando projetos novos e articula redes de comunicação, atuando como catalisador na proposta e disseminando soluções inovadoras para os desafios lançados. Possui parceria com 188 países e com o MEC. 3 Morin, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro/ Edgar Morin; tradução de Catarina Eleonora F. da silva e Jeanne Sawaya; 2ª edição, São Paulo, Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.
834 terrena; 5. Enfrentar as incertezas; 6. Ensinar a compreensão; 7. A ética do gênero humano. Os sete saberes fundamentais se aplicam a toda sociedade e em todo tipo de cultura, segundo modelos e regras próprias a cada sociedade e a cada cultura. Ao abordar a ética do gênero humano, Morin destaca as duas grandes finalidades ético-políticas do novo milênio: estabelecer uma relação de controle mútuo entre a sociedade e os indivíduos pela democracia e conceber a Humanidade como comunidade planetária. A educação deve contribuir não somente para a tomada de consciência de nossa Terra Pátria, mas também permitir que essa consciência se traduza em vontade de realizar a cidadania terrena 4. O Planeta Terra externamente simboliza o círculo da igualdade, mas internamente o que se percebe é a figura de uma pirâmide, que simboliza a marca da desigualdade social, eis que, a elite composta pelas classes sociais mais privilegiadas no ápice da pirâmide representa o poder hegemônico, que nem sempre reproduz a vontade real de se realizar a cidadania terrena. Uma das formas de se buscar, de forma ética a redução da desigualdade social é ampliando o conhecimento das pessoas, através da educação, fazendo com que o topo da pirâmide seja compartilhado por um número cada vez maior de pessoas, o que significa que a figura geométrica começará a abrir a circunferência do círculo. 4 Ob. cit. pág. 18;
835 Um dos aspectos mais ricos dos processos de aprendizagem, segundo Pedro Demo, é a gestação de oportunidades na vida. Quem sabe aprender, alarga seus horizontes, explora alternativas, conquista fronteiras. Por isso fala-se em aprender a aprender 5. Argumentar, para Demo é questionar e conhecer implica em saber profundamente confrontar-se, não aceitar qualquer limite, tudo pretender para além do que está dado na evolução e na história 6 Não se pode falar de educação, sem que se tenha uma visão complexa, sistêmica, partindo-se da generalidade para a especificidade. Engels inspirado em Lewis Henry Morgan (1818-1881) na obra a origem da família da propriedade privada e do Estado 7, descreveu a formação da sociedade moderna calcada na propriedade privada,na produção, no comércio e no poder do Estado, destacando que foi com a derrocada da família primitiva, organizada em grupos de interesses comuns que a sociedade moderna foi se formando. A organização da sociedade leva a uma constante evolução do papel do Estado. O Estado de Polícia no século XIX passa a dar espaço ao surgimento do Estado Liberal de Direito, também conhecido como Estado Burguês ou Estado Não intervencionista, em que se institucionaliza a proteção ao mínimo existencial e à pobreza, mas não se nota ainda a preocupação com os direitos sociais. 5 Demo, Pedro. Complexidade e aprendizagem: a dinâmica não linear do conhecimento/ Pedro Demo. São Paulo: Atlas, 2002, pág. 141. 6 Ob cit. pág. 31; 7 Engels, Friedrich A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Tradução Ciro Mioranza. Editora Escala.
836 No período de 1919 com a Constituição de Weimar até 1989 com a queda do Muro de Berlim, floresce o Estado Social de Direito, ou Estado de Bem-Estar Social, ou Estado Intervencionista. O endividamento dos Países e a impossibilidade de atendimento de todas as demandas sociais, por excesso de paternalismo levou ao esgotamento dos recursos públicos. A queda do Muro de Berlim trouxe a mudança de importante paradigma jurídico e que coincide historicamente com o colapso da União Soviética, com a desestruturação do socialismo e com a maior globalização, surgindo daí, um novo modelo de Estado, o Estado Democrático de Direito. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 traz um novo marco histórico para o perfil do Estado no País, ao expressar que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito. Uma breve análise dos princípios constitucionais contemplados na Carta Magna remete para a consulta ao Direito Constitucional, ramo do Direito Público fundamental à organização e funcionamento do Estado, à articulação de seus elementos básicos e ao estabelecimento das bases da estrutura política. como: Jorge Miranda define o Direito Constitucional a parcela da ordem jurídica que rege o próprio Estado, enquanto comunidade e enquanto poder. É o conjunto de normas (disposições e princípios) que recordam o contexto jurídico correspondente à comunidade política como um todo e aí situam os indivíduos e os grupos uns em face dos outros e frente ao Estado-poder e que, ao mesmo tempo, definem a titularidade do poder, os modos de formação e manifestação da vontade política, os órgãos de que esta carece e os actos em que se concretiza 8 8 Miranda, Jorge. Manual de direito constitucional. 4ª edição. Coimbra: Coimbra Editora 1990, t. 1, p. 13-14;
837 Constituição em sentido lato é o ato de constituir, o modo pelo qual se constitui algo, um ser vivo, uma organização. E em sentido estrito a Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado. A Constituição tida como lei maior de um País deve ser formal, escrita e consagrar um sistema de garantias da liberdade, bem como, contemplar o princípio da divisão de poderes sistema de freios e contrapesos, em que um poder controla o outro. A Constituição contempla alguns princípios que são imutáveis, onde se veda quaisquer alterações, constituindo-se relíquias históricas 9. No Brasil, a República Federativa formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito que significa a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais e tem como fundamentos: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e, o pluralismo político; Desses princípios fundamentais o mais importante é o que trata da dignidade da pessoa humana. O centro das preocupações sociais deve ser o homem e não os interesses de cunho econômico. A dignidade da pessoa humana, enquanto princípio fundamental está diretamente ligado ao princípio fundamental social que trata da educação. A educação enquanto instrumento de redução do quadro de desigualdade social pode ser vista sob três linhas do gênero violência nas escolas : 9 Moraes, Alexandre de/ Direito constitucional/ 13ª edição São Paulo: Atlas, 2003.
838 a) 1ª linha exclusão social: a.1) crianças e jovens que estão fora da escola e precisam ser inseridos de forma especial a qualquer época do ano; a.2) a relação direta da evasão escolar com o quadro de violência nas ruas gravidade dos atos infracionais que são praticados por adolescentes que estão fora da escola; a.3) avaliação dos programas sociais voltados ao adolescente autor de ato infracional, dentre eles, a necessidade de inserção na rede oficial de ensino; a.4) fiscalização externa do grau de eficácia/eficiência dos programas sociais ato conjunto; a.5) proposta de avaliação do quadro de evasão escolar nas escolas, como projeto de pesquisa na Universidade; b) 2ª linha - inclusão social através do sistema escolar:b.1) responsabilidade do Poder Público pelo ensino público gratuito e de qualidade para todos; b.2) garantia de acesso e regras de permanência; b.3) valorização do professor; b.4) avaliação institucional obrigatória para aferir a qualidade de ensino; b.5) projetos de lei estadual e municipal objetivando tornar obrigatória a avaliação institucional em todos os níveis, para aferir qualidade de ensino. c) 3ª linha - financiamento da educação:c.1) interesse dos Organismos Internacionais; c.2) princípios constitucionais que regem o orçamento público; c.3) re-adequação legislativa; c.4) necessidade de maior controle na aplicação das verbas públicas; Nas três linhas, o foco central que se busca atingir é a educação pública de qualidade e para todos, construída sobre bases éticas, com vistas à formação integral do ser - não para satisfazer interesses econômicos hegemônicos e cuja figura central seja a dignidade da pessoa humana
839 e, que tenha como coadjuvante os professores, que precisam ser valorizados, como fonte de transmissão do conhecimento. O que se deve garantir não é só o direito de acesso à educação, mas também o de se ter uma educação de qualidade, que seja eficiente e produza os efeitos de crescimento do ser humano com bases éticas e de solidariedade. O trabalho de pesquisa, através das já referidas - três linhas do gênero violência nas escolas (a exclusão social; b inclusão social através do sistema escolar; c financiamento da educação), fazem parte dos capítulos, que estou desenvolvendo na dissertação de Mestrado em Educação PUC/PR, sob o título avaliação da eficiência do sistema e financiamento da educação: imperativos para a igualdade social. A primeira linha de pesquisa, que trata do quadro de absoluta exclusão social, ou seja, daquelas crianças e jovens que estão fora do sistema escolar, seja por omissão dos pais ou do Poder Público, ou por terem sido expulsos da escola, aborda a importância do combate à evasão escolar, a partir de dados concretos, que mostram a realidade social em Curitiba, daqueles que estão excluídos da rede escolar. Nesse contexto, passamos a identificar através da avaliação de indicadores, mês a mês, desde março de 2005, o perfil de cada um dos adolescentes autores de atos infracionais, ouvidos na Promotoria de Justiça da Vara de Adolescentes Infratores da Capital, de forma a permitir o cruzamento de várias informações. Dentre eles, a idade, a gravidade do ato infracional praticado, o local onde foi praticado (se dentro ou fora da escola), se houve prática de violência e emprego de arma, se estão ou não inseridos na escola,
840 ou há quanto tempo a abandonaram, e várias outras informações de caráter sócio econômico familiar. Os dados obtidos através desses questionários, estão sendo, mensalmente e em caráter oficial encaminhados à PUC- PR, ao Mestrado em Educação, linha de Políticas e Gestão, e estão sendo inseridos num programa informatizado da Universidade, que permite a leitura do resultado através de gráficos e sob vários ângulos, com cruzamento de informações. O objetivo é estimular a criação de grupo de pesquisa na Universidade, a partir do conhecimento dos problemas locais, com vistas à discussão e proposições que possam contribuir com a redução do quadro de exclusão social, combate a evasão escolar, com acesso à escola, através de programas, a qualquer época do ano, eis que, comprovadamente, os atos infracionais mais graves, cometidos com violência, são perpetrados pelos adolescentes que estão fora da escola. Ou seja, a escola tem um papel fundamental na formação da personalidade do ser. A primeira linha de pesquisa também aborda o levantamento que está em curso, junto à Promotoria de Justiça e Juízo da Infância e Juventude Vara de Adolescentes Infratores de Curitiba, em conjunto com a OAB e com apoio científico da PUC/PR (Mestrado em Educação linha de políticas e gestão), de avaliação do grau de eficácia e eficiência dos programas governamentais e não governamentais, que atendem os adolescentes em conflito com a lei, iniciado oficialmente através de ato conjunto sob nº 01/2005 em 18 de março de 2005. A segunda linha de pesquisa está sendo direcionada a aferição da qualidade de ensino, através da avaliação institucional, com ampla participação democrática. A idéia central é a da deflagração de projeto
841 de lei, no plano estadual e municipal, visando tornar obrigatória a avaliação, não apenas no ensino superior, mas também nos outros níveis de ensino, com vistas à melhoria da qualidade do ensino e melhor eficiência no serviço prestado. A terceira linha de pesquisa tem como objetivo, dentre outros, demonstrar as dificuldades de caráter processual, que o Poder Público vem encontrando, para combater os desvios de recursos do FUNDEF, em razão do juízo de prelibação que foi instituído pela Medida Provisória nº 2.088 e da aprovação do foro privilegiado para ex-agentes políticos, através de lei inconstitucional, e que tem provocado o procrastinamento desnecessário, no andamento das ações, que visam coibir a má versação dos recursos públicos e que deveriam ser destinados à educação. É uma violência contra as escolas e contra o direito à cidadania plena, fazendo-se necessário promover o controle social e público 10 do financiamento da educação. Segundo Juan Casassus 11, O Brasil é o país onde há a maior concentração de renda, seguido da Bolívia, Nicarágua, Guatemala, Colômbia, Paraguai, Chile, Panamá e Honduras, que são países de alta desigualdade, fator que exige maior eficiência nas políticas educacionais. 11 Casassus, Juan. A escola e a desigualdade. Tradução de Lia Zatz. Brasília, Plano Editora, 2002, pg.37 e segs.