PALAVRAS-CHAVE: Semiótica Greimasiana. Percurso Gerativo de Sentido. Temporalidade. Nível fundamental. Nível discursivo.

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Transcrição:

UMA ANÁLISE SEMIÓTICA DO TEMPO NAS MÚSICAS RODA VIVA E HOJE DEUS ANDA DE BLINDADO Crislaine Junqueira Aguiar SILVA 1 crislainejas@gmail.com Natália Giarola RESENDE ¹ nati.giarola@gmail.com Natália SAMPAIO 2 nataliasampaio2010@hotmail.com Júlia REIS² juliaeuthonium@hotmail.com RESUMO: O trabalho tem como objetivo buscar marcas de tempo deixadas nas letras das músicas Roda Viva (Chico Buarque) e Hoje Deus Anda de Blindado (Facção Central), portanto nosso objeto é o texto verbal das canções. Para tal, utilizaremos como recurso teórico-metodológico a Semiótica Greimasiana, no que tange o nível fundamental e discursivo do Percurso Gerativo de Sentido. Serão analisadas a sintaxe discursiva (o tempo e o aspecto) e a semântica discursiva (temas e figuras). PALAVRAS-CHAVE: Semiótica Greimasiana. Percurso Gerativo de Sentido. Temporalidade. Nível fundamental. Nível discursivo. INTRODUÇÃO A Semiótica Greimasiana, que servirá como base desse trabalho, nasceu na década nos anos 1960, no auge do estruturalismo. Seu objeto de análise é o signo, em seu sentido amplo (texto verbal, não verbal e sincrético), enfim, tudo que permeia um sentido. Uma vez que, para os estudos semióticos, a realidade só é alcançada via texto, o vídeo, intitulado Chico Buarque sobre Roda Viva, coletado do canal Olhosdeclio no YouTube e, no qual, Chico Buarque de Hollanda, cantor e compositor, aparece em um depoimento descrevendo a Peça Roda Viva, foi tomado como intertexto para a análise do contexto histórico que circunda a primeira música trabalhada nesse trabalho, sob a luz das premissas de Greimas. Segundo Chico Buarque, a canção Roda Viva foi escrita para compor a 1Mestranda e Doutoranda, respectivamente, do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Federal de Minas Gerais POSLIN/UFMG 2Graduandas do Curso de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais FALE/UFMG 1

peça de teatro que leva o mesmo nome, também de sua autoria, sendo que nenhuma das obras tinha cunho político. Entretanto, dadas as conjunturas sóciopolíticas da época, a canção tomou outra roupagem de resistência à opressão praticada pelo Governo Militar em várias instâncias sociais. O trabalho também apresenta uma análise da letra da canção Hoje Deus anda de Blindado, do grupo Facção Central, que trata de Temas, como violência e desigualdade social, Figuras, como Deus e boy, gambé, e Temporalidade, como o tempo de Deus, o tempo do boy e o tempo do eu, tendo como fundo a violência no Rio de Janeiro e a ocupação militar nas favelas. Assim sendo, as canções serão analisadas dentro dessa dimensão sócio-política-histórica. 1. Roda Moinho Roda Pião : uma análise semiótica do tempo na letra de Chico Buarque Para realizar a análise da letra da música Roda Viva, vamos utilizar como metodologia o percurso gerativo de sentido proposto por Greimas, mais especificamente os níveis fundamental e discursivo, pois foram os mais produtivos em relação ao foco temático de nosso trabalho. Lara e Mate (2009, p.20) explicam que o percurso gerativo é um movimento cíclico que sai do discurso, passa pelo narrativo até chegar ao fundamental voltando para o discursivo. No nível das estruturas fundamentais, é preciso determinar as oposições semânticas a partir das quais se constrói o sentido do texto. Em Roda Viva identificamos como categoria semântica fundamental: liberdade x opressão. Desta maneira, a oposição pode ser lida como, de um lado, aqueles que buscam a liberdade, enquanto termo eufórico, como na seguinte passagem /a gente quer ter voz ativa, no nosso destino mandar/ e, do lado oposto, a opressão, termo disfórico, que pode ser observada no trecho /mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá/. A última etapa do percurso gerativo é o nível das estruturas discursivas. De acordo com Resende (2017, p.55), é nele que se encontram marcados a temporalidade e a espacialidade, as debreagens, a tematização, em suma, às relações entre uma instância da enunciação e a instância da sua manifestação, 2

aquela do texto-enunciado. Na música em análise, podemos identificar várias leituras temáticas, como censura, autonomia, governo militar e coragem. Esses temas são concretizados pelos investimentos figurativos como: i) censura, notada em figuras como a roda da saia, a mulata não quer mais rodar e ii) governo militar, figurativizado pela roda-viva que aparece no texto sempre impedindo a liberdade de expressão, e outros. No que tange ao nível discursivo, com foco na sintaxe, destacamos a temporalização e espacialização. A temporalização, segundo Barros (2001, p.88) é um aqui e um agora, respectivamente um lugar e um tempo. No texto, temos um anterior ao agora e no espaço do aqui do narrado, portanto um passado em relação a liberdade. Encontramos ainda um tempo presente relativo ao narrador, como na estrofe /mas eis que chega a roda-viva/ /e carrega o destino pra lá/. A conjunção mas sinaliza para uma mudança de direção, de um passado para um presente do texto, sinalizando uma ação adversa, nesse caso, da democracia (passado) para uma ditadura (presente do texto). Sobre o futuro, destacamos um trecho da última estrofe que pode sinalizar o impedimento de um futuro livre, eis que chega a roda viva / E carrega a saudade prá lá/. A aspectualização temporal, de acordo com Silva (2009), é responsável por revelar a presença implícita de um observador, um ponto de vista sobre a ação. Logo, podemos encontrar efeitos de uma ruptura brusca do tempo na estrofe a gente estancou de repente, que marca um tempo interrompido rapidamente. Outro aspecto encontrado é o do movimento. Esse pode ser encontrado na repetição do refrão roda mundo, dando um tom de movimento acelerado, o qual lembra cantigas de crianças. Notamos, portanto, que a letra tem como objetivo produzir um desnorteio, uma situação em que o tempo não é pontual, não apresentando a sequência início, meio e fim. Não há uma terminatividade, já que a música se encontra em um aspecto cursivo, ou seja, ainda em andamento, em roda. Temos, ainda, as estruturas de base convertida em temas e figuras que concretizam a oposição liberdade X opressão. Em relação ao tempo, encontramos um passado caracterizado pela 3

liberdade, por sujeitos que tinham independência artística para produzir, um futuro marcado pela censura e um futuro possível, já que os movimentos cíclicos poderiam trazer de volta a liberdade de expressão. 2. Análise do texto de Hoje Deus Anda de Blindado - Facção Central Na análise da letra da canção Hoje Deus anda de Blindado, utilizaremos apenas as duas primeiras partes da música. Partimos da observação de que essa música, no nível discursivo do percurso gerativo de sentido de Greimas, tem como temas a violência e desigualdade social, que são figurativizadas nas imagens de Deus, boy, gambé. Na temporalidade, observamos três tempos correntes na letra: passado, presente e futuro. Os três formam um único tempo - o indefinido, não localizado cronologicamente. O tempo do presente é o tempo do boy, o cuzão, que são no texto a mesma pessoa. Já o tempo presente é demarcado pela figura de deus, que aparece como o que detém o poder supremo de controlar e mudar o curso do tempo e espaço. Por fim, o tempo do futuro é o da projeção, relacionado à violência do presente. Neste tempo temos novamente a figura de deus, que aparece como uma projeção de uma possível vítima da violência. Ainda no futuro, há uma projeção da vontade do boy, a de escapar da violência. Uma das formas é criminalizando, torturando e prendendo o favelado. O motivo dessa projeção, que se faz para o futuro, está projetado no passado da letra da canção. A oração Enquanto era pobre desfigurado no caixão preto denota uma ideia de inércia que é interrompida com Só que o vulcão explodiu. Dadas as observações, podemos entender que a música é regida pela oposição, na sintaxe fundamental, de paz vs. violência. Novamente, os temas e figuras se interligam a essa oposição. Em relação à temporalidade, temos um tempo não linear, em que o passado não vem antes do presente e este antes do futuro. Portanto, o tempo e os eventos coexistem, como se tudo fosse narrado ao mesmo tempo. 4

CONSIDERAÇÕES FINAIS Pudemos observar que as duas músicas foram escritas em contextos sociopolíticos diferentes. A música Roda Viva está inserida em um contexto de ditadura e Hoje deus anda de blindado denuncia uma violência em um regime nãomilitar. Tais dados ficam evidentes nas oposições de base, sendo que na primeira música elas são marcadas por liberdade x opressão e na segunda por paz x violência. Os temas e figuras do nível discursivo se interligam a essas oposições, o que propicia a apreensão do posicionamento ideológico de cada uma das canções. Na primeira aparecem temas relacionados a ditadura militar, coragem e liberdade de expressão, que são figurativizadas ao decorrer da música por meio de palavras como roda viva, esperança, dentre outras. Na segunda, observamos temas relacionados a desigualdade social, violência, repressão, morte, guerra, poder figurativizados por meio das figuras deus, boy, cuzão, gambé, pomba branca, favelado de fuzil russo, dentre outros. Em relação ao tempo encontramos nas duas músicas marcas de ciclicidade. Em Roda Viva, por exemplo, o passado é marcado pela liberdade, o futuro e o presente são assinalados pela incerteza e insegurança da Ditadura Militar. Há, também, um futuro pressuposto pelo ciclicidade da figura roda que nos permite inferir um futuro em que não haja mais censura. Já na segunda música, a ciclicidade aparece de forma negativa. Não é um ciclo que se renova e sim um que se repete, sempre com os mesmos infortúnios, violência, drogas, desigualdade social e outros. O tempo, portanto, não linear, criando a ilusão de que a violência narrada se repete em um tempo do sempre. REFERÊNCIAS BARROS, D. L. P. de. Teoria semiótica do texto. 4 ed. São Paulo: Ática, 1994.. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. São Paulo: Atual, 2001; OLHOSDECLIO, canal no YouTube. Chico Buarque sobre Roda Viva. Disponível no URL <https://www.youtube.com/watch?v=-vwdbzwljps>. Acessado em 28 de maio de 2018; 5

FIORIN, José Luiz. SEMIÓTICA E HISTÓRIA. In: ANAIS Seminários Teóricos Interdisciplinares do SEMIOTEC I STIS. Nov/2012. Disponível no URL <http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/stis/issue/view/120>. Acessado em 28 de maio de 2018; MATTE, A C F, LARA, G M P. Um panorama da Semiótica Greimasiana. In: Revista Alfa, vol. 53, n.o 2, 2009. Disponível no URL <http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/view/2119>. Acessado em 28 de maio de 2018; RESENDE, Natália Silva Giarola de. As paixões no ciberativismo: as paixões no ciberativismo: análise semiótica dos comentários das fan- pages do Movimento Brasil Livre (MBL) e da Frente Brasil Popular (FBP). 2018. 130 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Mestrado em Letras, Universidade Federal de São João Del-rei, São João Del-rei, 2017. Disponível no URL <https://ufsj.edu.br/portal2-repositorio/file/mestletras/dissertacao Natalia Silva Giarola de Resende.pdf>. Acesso em: 28 maio 2018; SILVA, Odair José Moreira da. O observador no desenrolar do processo: a aspectualização qualitativa do tempo no discurso cinematográfico. In: Revista Alfa, São Paulo, vol. 53 (n.o 2): pp. 557-573, 2009. 6