REFLEXOS DO PENSAMENTO DE FOUCAULT NA CONSTITUIÇÃO DA CULTURA ESCOLAR BRASILEIRA



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Home Índice REFLEXOS DO PENSAMENTO DE FOUCAULT NA CONSTITUIÇÃO DA CULTURA ESCOLAR BRASILEIRA Ellen Borges Barbosa 1 RESUMO: O artigo analisa os elementos presentes no pensamento de Michel Foucault, encontrados na história da educação brasileira. Palavras-chave: Foucault; Arquitetura escolar; Grupos Escolares; Escola Técnica Estadual. Toda arquitetura é em definitivo necessária, mas também arbitrária, funcional, retórica. Seus signos indiciários deixam, no traçado do cotidiano, marcas que guiam a conduta (ESCOLANO, 1994, p. 107 apud SOUZA, 1998, p. 133). O trecho acima nos mostra indícios de como a arquitetura detêm uma grande influência sobre as ações pedagógicas aplicadas nas escolas. Durante todo o percurso de minha pesquisa busquei indícios de uma arquitetura escolar arbitrária, praticada em moldes tradicionais e, que ao mesmo tempo, se assemelhava à arquitetura das prisões, 1 Pós-graduanda Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pedagoga Universidade Presbiteriana Mackenzie e Professora de Educação Infantil

desta forma, confirmando minhas hipóteses a respeito da semelhança entre espaços carcerários e escolares, bem como, da semelhança entre ações praticadas em ambos. A ideia de comparar a arquitetura escolar, com a arquitetura carcerária surgiu a partir da leitura da obra de Michel Foucault Vigiar e Punir o nascimento da prisão, que constrói um paralelo a respeito da arquitetura das chamadas instituições de sequestro, sendo estas, as prisões, os quartéis, os hospitais e as escolas, que levavam este nome por retirarem os indivíduos do convívio social, internando-os com o objetivo de treinar e controlar suas condutas e pensamentos. Tais instituições eram responsáveis por atitudes de vigilância e adestramento dos corpos e das mentes que abrigavam, por meio da disciplina.

(Foto aérea de Grupo Escolar arquitetura semelhante à de prisões. Fonte: CORREA, 1998, p. 100) (Imagem de uma prisão Fonte: http://www.vivercidades.org.br)

(Grupo Escolar do Brás semelhança com a imagem de um presídio. Fonte: CORRÊA, 1991, p. 85) As escolas configuram-se assim, como ambientes similares às prisões em sua disposição física, em seus mecanismos de disciplinarização, na sua organização hierárquica e em sua vigilância constante. FOUCAULT E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA Embora tenha vivenciado suas experiências em locais e tempos históricos distintos, é possível observar elementos das ideias trazidas por Michel Foucault na história da Educação brasileira. O período histórico escolhido para realização da pesquisa foi de 1889-1920, que trazia consigo o início do Período Republicano no Brasil. Neste cenário, era proposta uma nova nação, baseada em ideais civilizatórios que por sua vez tinham a intenção de educar a grandiosa parcela iletrada da população, garantindo desta forma a perpetuação dessa nova nação (BARBOSA, 2010, p. 20). Assim, configurava-se uma nova cultura escolar, ilustrada no surgimento dos chamados Grupos Escolares, que

tinham por principal função consolidar a educação, como forma de perpetuação republicana. A crença no poder redentor da educação pressupunha a confiança na instrução como um elemento (con)formador dos indivíduos (SOUZA, 1998, p. 26). Os Grupos Escolares traziam consigo uma arquitetura bastante questionável. Como mostrado nas imagens acima, seus projetos arquitetônicos eram muito semelhantes aos das prisões, o que nos faz refletir sobre a possível semelhança também nas ações praticadas em ambas as instituições. Foucault nos mostra a ideia do Panóptico de Bentham, que por sua vez, configurava-se em uma arquitetura padrão, frequentemente observada: na periferia um anel, no centro uma torre; construção periférica dividida em alas/ compartimentos, responsáveis pela manutenção da vigilância dos espaços. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar... tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível (FOUCAULT, 2006, p. 166). Os indivíduos distribuídos em círculo, ou seja, celas ou mais especificamente em salas de aula dispostas paralelamente, não têm como ver se há alguém na torre, por isso internalizam a disciplina, uma vez que podem estar sendo vigiados a todo e qualquer momento. A visibilidade é uma armadilha, o indivíduo é visto, mas não pode ver, tendo a sensação de estar sendo observado durante todo o tempo. Assim se dá o funcionamento automático do poder, que caracteriza a função do panóptico. O Panóptico vinha ao encontro de ideais propostos pela cultura escolar que se instalava neste período: o ensino mútuo, adotado nos Grupos Escolares, classificava os alunos quanto ao seu desempenho, excluindo aqueles que não atingissem os resultados pretendidos. O panóptico nas crianças permite anotar os desempenhos, perceber aptidões, apreciar os caracteres, estabelecer classificações rigorosas, e em relação a uma evolução normal, distinguir o que é preguiça e teimosia do que é imbecilidade incurável. Ainda neste sentido, os elementos desta arquitetura aliavam normas e costumes da época à finalidade pretendida pela educação. A separação dos sexos por alas, o formato das salas de aula, a disposição das carteiras e o pátio central, são exemplos

destes elementos que condicionavam as condutas dos alunos, pois facilitavam o ensino, a vigilância e principalemnte a disciplina. Com artifícios como estes, o olhar do professor se torna ainda mais classificador e, consequentemente, mais hierarquizador, organizando os alunos segundo sua idade, desempenho e comportamento. Os lugares determinados possibilitaram um maior controle individual, e a partir de uma mudança metodológica, em que ao invés de cada aluno trabalhar por um curto espaço de tempo diretamente com o professor, passou-se a um ensino simultâneo, é que tornou-se ainda mais necessário este tipo de organização; a escola, assim, se transforma em uma máquina de ensinar, uma vez que garantiu significativa economia no tempo didático, e em consequência, das aprendizagens. As disciplinas, organizando as celas, os lugares e as fileiras criam espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos (FOUCAULT, 2006, p.122). (Mobiliário carteiras individuais de modelo americano. Fonte: CORRÊA, 1998, p. 40)

(Pátio central. Fonte: CORRÊA, 1998, p. 147) Nos pátios ficavam os bedéis, os vigias dos alunos, rondando todo o movimento (...) A sala de diretoria, toda envidraçada para dar uma visão do pátio, representa a guarita da vigilância total (MELATTI, 2004, p.42). Traços dessa arquitetura foram indispensáveis para a formação da cultura escolar brasileira. A escola passa a ser vista como o grande empreendimento de moralização dos costumes com o objetivo de moldar o novo cidadão, moldar o caráter das crianças, futuros trabalhadores do país incutindo-lhes valores e virtudes morais, normas de civilidade, o amor ao trabalho, o respeito pelos superiores, o apreço pela pontualidade, pela ordem e pelo asseio. (SOUZA, 1998). Hábitos tais quais a aplicação de exames para punição/ gratificação dos alunos, a formação de fila, canto do hino nacional, chamada, registro de cabeçalho, cópia da matéria e exercícios, ditado, ir ao quadro, respostas em coro, provas, prêmios e castigos, exigência de silêncio, etc. foram configurando elementos formadores da memória (subconsciente) escolar que temos. Os espaços, juntamente com as ações praticadas nas escolas são responsáveis por este ideário de escola. O espaço, como linguagem silenciosa, comunica, mostra o emprego que o ser humano faz dele; um emprego que é sempre um produto cultural (SOUZA, 1998, p.

123). Os espaços designados a estas escolas fazem parte das lembranças e dos reflexos que se tem até hoje de um modelo escolar. Uma arquitetura singular e marcadamente arbitrária integra os ideais educacionais que se tinha, e que, pode-se dizer, temos até os dias atuais. REFLEXOS FOUCAULTIANOS NOS DIAS ATUAIS: O PRESÍDIO QUE VIROU ESCOLA O grupo escolar, com todos os seus rituais, está ainda saudosamente presente na memória de muitos de nós: fachada grandiosa, hall de entrada primoroso, escadarias, duas alas, uma para meninos e outra para meninas, eixo simétrico, pátio interno, acabamento com materiais nobres, portas com bandeiras, carteiras para dois alunos, relógio redondo com algarismos romanos e pêndulo, professoras competentes, diretor severo, recreio, exames escritos, e orais, entrada e saída da escola, festas cívicas com hino nacional, hasteamento de bandeiras e declamação de poesias, uniforme azul e branco, caixa escolar, boletim com nota de comportamento e aplicação, medalhas de honra ao mérito aos melhores alunos, orfeão, cartilha, livro de leitura, brincadeiras, medo, alegria (BUFFA, 2002, p.18). Conforme mencionado acima, temos um imaginário escolar repleto de representações que perpetuaram desde tempos bastante remotos. Embora hoje se tenha muitas novas concepções pedagógicas, e como consequência delas, novos ambientes e práticas educativas, em geral, o que se tem é ainda muito próximo dos moldes educativos do início da República. Espaços, atores e práticas presentes nos Grupos Escolares, retratados durante o percurso desta pesquisa, podem ser encontrados também nos dias de hoje: pátios centrais, salas paralelas dispostas em corredores simétricos, fileiras rigorosamente organizadas, entre outros aspectos, avaliações, notas e classificações, além de figuras tais como a do o diretor, do professor e a do inspetor escolar, vistos como a personificação da disciplina, ainda ocupam o cenário escolar. Tendo em vista a permanência de certas concepções no cenário atual da educação brasileira, pode-se citar o exemplo da Escola Técnica Estadual (ETEC) Parque da Juventude, de forma a ilustrar o que se tem pretendido discutir até o momento.

A figura a seguir demonstra como um espaço carcerário transformou-se em uma escola. A ETEC Parque da Juventude foi construída a partir da reforma de um dos pavilhões do presídio Carandiru, e desta forma, ilustra as ideias de Foucault quando este comparava a arquitetura carcerária com a escolar. (Escola ou prisão? Fonte: Projeto realizado pelos alunos do Ensino Médio da ETEC Parque da Juventude, 2008) Embora tenham sido realizadas reformas e uma visível readequação do espaço, percebe-se que as bases arquitetônicas estruturais foram mantidas, e que para tanto, a arquitetura carcerária se manteve.

(Cela do presídio Carandiru Fonte: Projeto realizado pelos alunos do Ensino Médio da ETEC Parque da Juventude, 2008) (Antiga cela que hoje abriga sala de aula Fonte: Projeto realizado pelos alunos do Ensino Médio da ETEC Parque da Juventude, 2008) As imagens demonstram as precárias condições em que se encontravam as celas do presídio, e que hoje, transformaram-se em salas de aula. É interessante perceber que cada uma das celas transformou-se em uma sala de aula e que a disposição nos corredores, apesar da reforma realizada, como citado anteriormente, permanece a mesma, como segue nas fotos abaixo.

(Antigo corredor carcerário Fonte: Projeto realizado pelos alunos do Ensino Médio da ETEC Parque da Juventude, 2008) (Atual corredor da ETEC Fonte: Projeto realizado pelos alunos do Ensino Médio da ETEC Parque da Juventude, 2008)

(Pátio central do pavilhão do presidio Fonte: Projeto realizado pelos alunos do Ensino Médio da ETEC Parque da Juventude, 2008) (Pátio central da ETEC Fonte: Projeto realizado pelos alunos do Ensino Médio da ETEC Parque da Juventude, 2008) Outro elemento significativamente marcante no ambiente desta escola é o pátio central. Ambiente este, marcadamente utilizado como mecanismo disciplinarizador fazse ainda presente nos moldes escolares atuais. Mesmo que o espaço tenha deixado de abrigar um presídio e tenha se transformado em um ambiente educativo, idealizado para a formação e a transformação de jovens alunos, é interessante pensarmos em como essa adequação do espaço foi

facilmente possível, mediante alguns reparos e cuidados com o edifício. Que concepção de educação está implícita por trás de meros muros e paredes? Assim, o que se tem é que a arbitrariedade pretendida e alcançada através dos Grupos Escolares permanece ainda hoje, como herança na escola pública, porém de forma mascarada. A educação tem passado por diversas modificações, que culminaram na mudança de muitos dos paradigmas existentes, porém a essência da função escolar permanece a mesma: coagir os alunos, enclausurando-os em salas de aula lotadas, sob o olhar inferiorizante de professores, e submetendo-os à conteúdos estabelecidos e inquestionáveis, bem como à avaliações que não registram a realidade. As escolas como espaços ideológicos, que moldam os indivíduos, habitam ainda hoje nossa realidade escolar. Qualquer semelhança não é mera coincidência. REFERÊNCIAS BARBOSA, Ellen Borges. Grupos Escolares e Instituições Carcerárias: a arquitetura como controle e disciplinação dos sujeitos esboços de uma análise Foucaultiana. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Pedagogia) Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo, 2010. BUFFA, Ester. Arquitetura e Educação: organização do espaço e propostas pedagógicas dos grupos escolares paulistas, 1983 1971. São Carlos: Brasília: EdUFSCAR, INEP, 2002. CORRÊA, Maria Elizabeth Peirão. Arquitetura escolar paulista: 1890-1920/ Maria Elizabeth Peirão Corrêa, Hélia Maria Vendramini Neves, Mirela Geiger de Mello. São Paulo: FDE. Diretoria de Obras e Serviços, 1991.. Arquitetura escolar paulista restauro. Maria Elizabeth Peirão Corrêa, Avany De Francisco Ferreira, Mirela Geiger de Mello. São Paulo: FDE, 1998. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 16 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo: (1890 1910). São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. (Prismas)

<http://www.crmariocovas.sp.gov.br/exp_l.php?t=1a1r>. Acesso em: 28 jul. 2010 <www.crmariocovas.sp.gov.br/exp_l.php?t=010>. Acesso em: 15 ago. 2010