TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Registro: 2011.0000155492 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 0065389-49.2011.8.26.0000, da Comarca de Santa Branca, em que é agravante DEPARTAMENTO DE ESTRADAS RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO - DER sendo agravado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "negaram provimento ao recurso. v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ZÉLIA MARIA ANTUNES ALVES (Presidente sem voto), RENATO NALINI E EDUARDO BRAGA. São Paulo, 25 de agosto de 2011. RUY ALBERTO LEME CAVALHEIRO RELATOR Assinatura Eletrônica
VOTO nº: 13014 Agravo de Instrumento nº 0065389-49.2011 Agravante: DEPARTAMENTO DE ESTRADAS E RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO - DER Agravados: MINISTÉRIO PUBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL Estrada precária ante a falta de conservação - Concessão de liminar para que as rés, incluindo o Departamento de Estradas de Rodagem, realizem obras de controle e supressão do processo erosivo no local, no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária no valor de 100 salários mínimos Insurgência Alegação de incompetência do Ministério Público para o ajuizamento da ação, bem como de inaplicabilidade da multa à Fazenda Pública DESACOLHIMENTO - O Ministério Público tem legitimidade para intervir, ante as disposições constitucionais específicas referidas, sobretudo, a do artigo 129 da Constituição Federal, às quais se aliam as regras da Lei n. 7.347/85, especialmente A multa está perfeitamente proporcional, nada havendo que reparar nesse tocante. Até porque essa só incidirá na hipótese de descumprimento. Decisão de primeiro grau mantida RECURSO DESPROVIDO. Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo DEPARTAMENTO DE ESTRADAS E RODAGEM DO ESTADO DE SÃO PAULO, em face do Ministério Público do Estado de São Paulo, contra r. despacho que em ação civil pública, concedeu pedido de tutela antecipada, consistente na imposição de obrigações ao agravante, para que realize obras de controle e supressão do processo erosivo no local, objeto da lide, no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária no valor de 100 salários mínimos. O agravante assevera, em síntese, que a manutenção da decisão agravada poderá ensejar grave lesão ou de difícil reparação, uma vez que a multa prevista no art. 644 do CPC é inaplicável à Fazenda Pública, estendendose às autarquias públicas. Aduz, ainda, que cabe
exclusivamente ao Poder Executivo e não ao Ministério Público, decidir sobre a reforma das estradas públicas, haja vista que tal atribuição está garantida constitucionalmente diante do princípio da autonomia e independência dos Poderes. Por fim, afirma que inexiste dotação orçamentária específica para a efetivação da obra, e mesmo que o poder executivo proponha tal dotação, esta somente será válida para o exercício seguinte, desde que aprovada pelo Poder Legislativo. Por tais razões, pleiteia a reforma integral da r. decisão agravada. Indeferido o efeito suspensivo ao agravo (fls. 53/54), fora interposto pedido de reconsideração (fls. 60/67), sendo tal pedido rejeitado por este Relator (fls. 69). Contrarrazões (fls.73/83). Nesta instância, a Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 85/90). É o relatório. De início, pondero que o mundo atual, com o crescente poderio do ser humano de interferir nos ciclos naturais, é um mundo de perplexidades. Não há poder sem impasses. Esse torvelinho de complexidades que assola o mundo pós-moderno reclama, evidentemente, por uma resposta do Estado-Juiz. Daí o esforço por comportar novas situações a antigas categorias, essas fruto de maturação histórico-conceitual. Dito isto, observo que o objeto litigioso de uma ação civil pública ambiental é, de si mesmo, complexo. Logo, a compreensão dos institutos processuais deve ser funcionalizada, para atender ao desiderato constitucional de proteção ao meio ambiente. Estabelecido esse norte, passo a analisar o feito e suas nuances.
Depreende-se dos autos que, o Ministério Público da Comarca de Santa Branca ajuizou ação civil pública em janeiro de 2010, em face da municipalidade de Santa Branca, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo e o Departamento de Estrada e Rodagem (DER), dando conta dos desmoronamentos existentes em diversos trechos da Rodovia Nilo Máximo (SP 77) que é o único acesso do município de Santa Branca. Aduz que, tendo em vista a circulação de centenas de veículos de pequeno e grande porte, diariamente por esta rodovia, aliada a grande concentração pluviométrica e quantidade de chuvas excessivas, a população vem sofrendo grandes transtornos, haja vista os desmoronamentos de alguns trechos da referida rodovia, o que coloca em risco a vida de toda a sociedade local. Por tais razões, a MM. Juíza entendeu presentes os requisitos autorizadores da tutela, deferindo-a nos termos pleiteados na peça inicial. A decisão guerreada não merece reforma. A alegação de que não é função do Órgão Ministerial o poder de decidir sobre recuperação de estradas ou o implemento de obras viárias, não deve ser acolhida. O Ministério Público tem legitimidade para intervir, a partir das disposições constitucionais específicas, sobretudo a do artigo 129 da Constituição Federal, às quais se aliam as regras da Lei n. 7.347/85, especialmente. A ação é coletiva, nas circunstâncias, e não diz respeito a direitos individuais homogêneos, cuja defesa poderia se dar em mãos dos prejudicados. Vê-se, afinal, que dirigida contra o próprio Poder Público e a mirar não num alvará apenas de expedição deste. No Código de Defesa do Consumidor, artigo 81, parágrafo único, ns. I e II, foram definidos como sendo interesses ou direitos difusos os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, enquanto que por interesses ou direitos coletivos foram considerados os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. A afirmação de que a Fazenda Pública, bem como as autarquias públicas não podem sofrer imposição
de multa, não procede. Isto porque é tão responsável quanto os co-requeridos, uma vez que deixou de cumprir seu dever, isto é, zelar pela preservação da estrada, objeto da lide, colocando em risco a segurança dos que transitam pela rodovia. Ademais, a antecipação da tutela, apesar de impor obrigação de fazer ao requerido, não se volta contra o interesse público, antes defende o direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e o direito da comunidade local de ir e vir, além do direito à vida e a segurança. Saliente-se, ainda, a admissibilidade da imposição da multa cominatória em caso de atraso da obrigação de fazer, pois é necessário um instrumental que não deixe ao alvedrio da Administração o cumprimento do que lhe foi imposto em decisão judicial. As normas insculpidas nos artigos 461 e 644 do Código de Processo Civil não fazem qualquer distinção entre os particulares e o Poder Público, motivo pelo qual devem ser aplicadas sempre que o devedor se mostrar renitente em cumprir a obrigação. Nesse sentido, entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL - MULTA COMINATÓRIA DO ART. 461 DO CPC ASTREINTES - APLICABILIDADE CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. 1. Inexiste qualquer impedimento quanto a aplicação da multa diária cominatória, denominada astreintes, contra a Fazenda Pública, por descumprimento de obrigação de fazer. Inteligência do art. 461 do CPC. Precedentes. 2. Recurso especial provido. Para a concessão da tutela antecipada é preciso existir prova inequívoca da verossimilhança da alegação, conforme preceitua o artigo 273, caput, do Código de Processo Civil, somado ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, consoante prevê o
inciso I do mesmo artigo. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Primeiramente, existe prova inequívoca e verossimilhança da alegação, uma vez que o agravante não nega a precariedade da estada, limitando-se, somente a indagar a impossibilidade legal e material para o atendimento da determinação judicial face a ausência de orçamento suficiente para atender as necessidades públicas. O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação está consolidado pelo dano causado ao meio ambiente. O fato de existirem várias estradas que também necessitam de reformas, como sustentado pelo recorrente, acaba por indicar a necessidade de uma providência urgente, sob pena de ocorrer degradação irreversível do meio ambiente, atingindo e comprometendo não só a sobrevivência dos animais nativos, mas da própria humanidade. Saliento que o pleito está baseado nos princípios constitucionais e nos ditames do Código Florestal, isto é, encontra respaldo legal. Nesse sentido, o artigo 225, caput, da Constituição Federal consagra o princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana, cabendo ao Poder Público tomar todas as medidas cabíveis para assegurar tal direito. Além disso, pelo princípio da prevenção ou da precaução, deve ser dado prioridade às medidas que evitem qualquer atentado ao meio ambiente. Também não merece acolhimento a alegação de impossibilidade do cumprimento da obrigação ante as restrições orçamentárias, pois se acolhermos tal justificativa estaremos abrindo precedentes para que outras obrigações legais deixem de ser cumpridas, o que acarretaria um verdadeiro colapso na proteção do direito de maior relevância que é o de preservação ao meio ambiente, direito este tutelado na Constituição Federal e que deve se sobrepor às regras destinadas a proteção do erário e de outros direitos secundários. Como bem asseverou o nobre representante do Ministério Público, as fls. 89, a lei orçamentária prevê elementos de despesa e respectivos valores, não mencionando se eles se destinam à aquisição desde ou daquele item ou implemento desta ou daquela obra. E, eventual insuficiência de recursos no elemento próprio pode ser facilmente suprida por crédito suplementar.
Por fim, A multa está perfeitamente proporcional, nada havendo que reparar nesse tocante. Até porque essa só incidirá na hipótese de descumprimento da obrigação. RECURSO. Por tais razões, NEGO PROVIMENTO AO Para fins de acesso aos Egrégios Tribunais Superiores, ficam expressamente pré-questionados todos os artigos legais e constitucionais mencionados pelos litigantes. São Paulo, 01 de agosto de 2011. RUY ALBERTO LEME CAVALHEIRO RELATOR