ACÓRDÃO. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores VICE PRESIDENTE (Presidente sem voto), MARIA OLÍVIA ALVES E MARTINS PINTO.

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº , da Comarca de Fernandópolis, em que é apelante PROMOTOR JUSTIÇA VARA INFANCIA E JUVENTUDE DE FERNANDOPOLIS sendo apelado JUÍZO DA VARA DA INFANCIA E JUVENTUDE DE FERNANDOPOLIS. ACORDAM, em Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento parcial, nos termos que constarão do acórdão. V. U. ", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores VICE PRESIDENTE (Presidente sem voto), MARIA OLÍVIA ALVES E MARTINS PINTO. São Paulo, 20 de junho de 2011 EDUARDO GOUVÊA RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Processo n Fernandópolis Apelante: Promotor de Justiça da Infância e da Juventude do Foro Regional de Fernandópolis Apelado: Juízo da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fernandópolis Voto n APELAÇÃO CÍVEL Procedimento de investigação judicial para apuração de irregularidades nas autorizações judiciais de trabalho para adolescentes - Interposição contra decisão do Juízo da Vara de Infância e Juventude de Fernandópolis, que concedeu autorizações judiciais de trabalho para adolescentes Competência da Infância e Juventude - Irregularidades constatadas Adolescentes menores de 16 anos trabalhando e falta de intimação do Ministério Público nestas concessões Aplicação do artigo 7º, inciso XXXIII da Constituição Federal e artigos 60, 62, 63, 67, 69, 202, 203 e 204 todos do ECA. Parcial provimento ao recurso Cuida-se de procedimento de investigação judicial instaurado pelo Juízo da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fernandópolis sobre autorização judicial de trabalho para adolescentes. Foi proferido o Relatório Conclusivo de Inquérito Judicial de fls. 858/1145, contra esta decisão o Ministério Público interpôs o presente recurso de apelação (fls. 1250/1298), no qual alega a incompetência da Vara da Infância e Juventude para a concessão de autorização judicial para o trabalho de adolescentes, a nulidade das autorizações judiciais concedidas sem a manifestação prévia do apelante e por fim, requer a regulamentação sobre a concessão de autorização judicial de trabalho para os adolescentes. A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso de apelação interposto, em sede de preliminar, para que seja reconhecida a nulidade das autorizações judiciais questionadas, por falta de intervenção prévia do Ministério Público e, no mérito, que as mesmas sejam revogadas por terem violado as regras legais que autorizam o trabalho de menores (fls. 1723/1737) É o relatório. Apelação n

3 Em preliminar, requer o Ministério Público em seu apelo seja a Vara da Infância e Juventude julgada incompetente para o julgamento de autorizações judiciais para que menores possam trabalhar. Ocorre que, conforme dispõe o artigo 406 da CLT, o Juiz da Infância e Juventude pode autorizar o trabalho de menores. Portanto, os alvarás para trabalho de menores é matéria atinente à Vara da Infância e Juventude, não se tratando de matéria da Justiça do Trabalho ou da Justiça Federal. Valter Keiji Ishida, em seu livro Estatuto da criança e adolescente, pág. 134 cita o Conflito de Competência n /BA, no qual o STJ decidiu pela competência da Justiça Comum na expedição de alvará de trabalho para menores. Assim, deve ser rejeitada a preliminar arguida. Ao mérito, consta nos autos que o Juízo da Infância e Juventude da comarca de Fernandópolis instaurou o presente procedimento de inquérito judicial para apuração das autorizações judiciais de trabalho para adolescentes. A Constituição Federal em seu artigo 7º, inciso XXXIII proibe o trabalho para menores de 16 anos, exceto na condição de aprendiz para adolescentes entre 14 e 16 anos. Nesse sentido, o artigo 60 do ECA dispõe ser proibido o trabalho para menores de 14 anos. Nota-se, porém, que foram juntadas diversas autorizações judiciais emitidas pelo Juízo (fls. 360/492 e 623/627), nas quais se observa a expedição de autorizações para adolescentes de 13 anos trabalharem. Apurou-se, também que a Gerência Regional do Trabalho e Emprego de Fernandópolis autuou e multou diversos estabelecimentos empresariais e comerciais em razão do emprego irregular de adolescentes constatado (fls. 278/290 e 796/805). Demonstrando que menores de 14 anos estavam trabalhando e que muitos adolescentes na faixa de 14 a 16 anos têm trabalhado, mas não na condição de aprendiz; contrariando as normas legais. Quanto a condição de aprendiz, o artigo 62 do ECA descreve que a aprendizagem é a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e base da legislação de educação em vigor. Destaque-se ainda, que o artigo 428 da CLT explica que o contrato de aprendizagem é aquele em que o empregador deve se comprometer com a formação técnico-profissional metódica. Neste sentido, Valter Kenji Ishida em seu livro Apelação n

4 Estatuto da criança e adolescente cita os dizeres de Luis Antonio Miguel Ferreira: O processo de aprendizagem é eminentemente profissional (por exemplo em cursos como o do SENAI e SENAC), não se enquadrando verdadeiras profissões desprovidas desse compromisso como o de office boy, ensacador de compras (Luis Antonio Miguel Ferreira, O Estatuto da Crianças e do Adolescente e os Direitos Fundamentais, p. 66). Constata-se, que muitos dos adolescentes que estavam trabalhando eram sorveteiros, polidores de carro, vendedores em lojas de roupas e etc., o que não tem qualquer conotação com a função de aprendiz, emprego autorizado para menores entre 14 e 16 anos. Devendo, portanto, serem revogadas todas as autorizações concedidas aos menores de 14 anos e aos menores de 14 a 16 anos, quando não empenhavam a condição de aprendiz. Observa-se que em audiências públicas realizadas às fls. 207/269 e 296/298, obteve o Juízo apoio da população local sobre a emissão de autorizações para que jovens possam trabalhar. E, igualmente, foram juntados aos autos diversos ofícios de apoio à decisão judicial de autorização de trabalho emitidos pelo Juízo (fls. 73, 87/88, 85, 98/99, 112, 169/170, 182). A criação de programas de inclusão social de jovens no mercado de trabalho realmente é uma medida louvável e que deve ser incentivada pela sociedade, pelo Ministério Publico e o Poder Judiciário, mas não deve esta inclusão ser contraria à Constituição Federal e às leis infraconstitucionais. A Constituição Federal dispõe que é de responsabilidade de todos, Governo, sociedade e autoridades garantir a proteção dos direitos de crianças e adolescentes, e é nesse intuito que deve ser consagrado o direito à educação e à profissionalização. Inserir crianças e adolescentes no mercado de trabalho precocemente é tirar-lhes a oportunidade de adquirirem uma profissionalização adequada e restringi-las à condição de subemprego. A exploração de trabalho infantil como já se sabe é ilegal e deve o juiz observar todos os requisitos da Constituição Federal e das normas infraconstituicionais na autorização judicial de trabalho para menores de 16 anos. Quanto a alegação do apelante sobre a falta de intimação do Ministério Publico na emissão dessas autorizações, acolho-a. Apelação n

5 Verifica-se que em muitas das autorizações judiciais de trabalho para menores não foi o apelante intimado para intervir, gerando nulidade em todos os feitos. Deve ser lembrado que em processos e procedimentos que visem os direitos e deveres de crianças e adolescentes, nos quais o Ministério Público não é parte, deve este órgão ser intimado pessoalmente para atuar como fiscal da lei; e a falta de intervenção acarreta a nulidade do feito, conforme disposto nos artigos 202, 203 e 204 do ECA. Enfim, quanto ao pedido do apelante para a regulamentação da concessão de autorizações de trabalho e sua sugestão de regramento, rejeito-o. Devendo ser aplicado as regras já dispostas na Constituição Federal, na CLT e no ECA, adequando-as a cada caso concreto. Assim, ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso, devendo ser anuladas todas as autorizações judiciais concedidas aos menores de 14 anos; aos menores de 14 a 16 anos, exceto na condição de aprendiz; e às autorizações concedidas sem a prévia intimação do Ministério Público. Ademais, conforme solicitado pela D. Procuradoria Geral de Justiça deve ser oficiado à Coordenadoria da Infância e Juventude para que tome conhecimento dos fatos para se regularizar a atuação em autorizações judiciais de trabalho para menores. Eduardo Gouvêa Relator Apelação n