PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Registro: ACÓRDÃO

Transcrição

1 fls. 1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº , da Comarca de Pilar do Sul, em que são apelantes COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO SABESP e PREFEITURA MUNICIPAL DE PILAR DO SUL, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso da Municipalidade de Pilar do Sul e deram parcial provimento ao recurso da SABESP.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MAGALHÃES COELHO (Presidente sem voto), GUERRIERI REZENDE E MOACIR PERES. São Paulo, 4 de novembro de 2013 Eduardo Gouvêa RELATOR Assinatura Eletrônica

2 fls. 2 7ª Câmara de Direito Público Processo nº Comarca: Pilar do Sul Juiz: Felipe Albertini Nani Viaro Apelante: Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo SABESP Apelante: Prefeitura Municipal de Pilar do Sul Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo (voto nº ) Apelações Cíveis Ação Civil Pública Agua fornecida pelos apelantes à bairros de Pilar do Sul que estariam provocando a doença fluorose em crianças e adolescentes em função de excesso de flúor na água fornecida Responsabilidade objetiva dos recorrentes bem demonstrada Existência do nexo da causalidade Comprovação do aparecimento da fluorose em jovens daqueles bairros. Sentença de parcial procedência da ação que será parcialmente reformada apenas quanto a condenação da SABESP em regularizar o abastecimento de agua, apenas nas áreas em que opera. Recurso da Municipalidade de Pilar do Sul improvido, e parcialmente provido o recurso da SABESP. Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, ante a Prefeitura Municipal de Pilar do Sul e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo -SABESP, em função do surgimento da moléstia denominada fluorose em jovens da Escola Municipal de Educação Fundamental Masajiro Ogawa, decorrente do excesso de flúor na agua fornecida a bairros do Município de Pilar do Sul, pela Prefeitura local e pela SABESP. A sentença, de relatório adotado, deu parcial provimento à ação tornando definitiva a liminar concedida, condenando os recorrentes, solidariamente, ao fornecimento de Apelação n

3 fls. 3 tratamento médico-odontológico, às crianças e adolescentes acometidas da doença bucal fluorose, condenar a SABESP a regularizar a qualidade da agua fornecida ao Município de Pilar do Sul, condenar ainda, genericamente os réus, solidariamente, ao pagamento de compensações pelos danos estéticos sofridos pelas vitimas do evento que se habilitarem e comprovarem o atendimento aos critérios estabelecidos na fundamentação, em valor a ser apurado em liquidação, bem condenar os réus ao pagamento das custas e despesas processuais. Apela a Sabesp, alegando em preliminar cerceamento de defesa, e nulidade da r. sentença, por não ter sido deferida a dilação probatória e, no mérito, pela improcedência da ação, enquanto por seu turno a Municipalidade de Pilar do Sul requer, em síntese, a improcedência da ação. Processado o recurso, foram apresentadas contrarrazões às fls. 1387/1394, e a Douta Procuradoria Geral de Justiça, em seu parecer às fls. 1408/1410, opinou seja dado parcial provimento apenas ao apelo da SABESP, para que a condenação na obrigação de regularizar o abastecimento de agua, seja restrita as áreas que opera. É o relatório. Consta dos autos, que o Ministério Público do Estado de São Paulo, recebeu ofício encaminhado pela direção da Escola Municipal de Educação Fundamental Masajiro Ogawa, do Município de Pilar do Sul, dando conta da má qualidade da agua fornecida aos bairros Jardim Cananeia, Barra Apelação n

4 fls. 4 e Chácaras Reunidas, pois inúmeras crianças e adolescentes daquela escola e moradores da região apresentavam doença bucal denominada fluorose, provocada pelo excesso de flúor na agua fornecida pelo Poder Público, que seria responsável pela doença mencionada cujos sintomas são o aparecimento de manchas brancas e/ou escuras nos dentes. A constatação da veracidade dos fatos apontados foi feita através do laudo pericial realizado pelo Instituto Adolfo Lutz que concluiu que a agua fornecida apresentava teor de flúor acima do limite estabelecido pela Resolução SS 250 do Ministério da Saúde, pois o valor máximo deveria ser entre 0,6-0,8 mg/l quando foi constatado 5,3 mg/l. Tentou ainda o Ministério Público, em vista dos fatos, um Termo de Compromisso de Ajustamento e Condutas com os apelantes, que restou infrutífero em vista da negativa dos agentes públicos, que resultou na proposição da presente ação civil pública. O processo então se arrastou por vários anos com alegações de não responsabilidade por ambos os apelantes até que em maio de 2013, foi prolatada a r. sentença ora guerreada. A r. sentença monocrática, julgou parcialmente procedente a ação civil pública proposta pelo Parquet, tornando definitivos os efeitos da medida liminar concedida, para condenar solidariamente os réus ao fornecimento de tratamento médico-odontológico às crianças e adolescentes acometidos pela doença fluorose, condenando a SABESP a regularizar o abastecimento de agua em todo o Apelação n

5 fls. 5 Município de Pilar do Sul de acordo com Resolução SS-25 do Ministério da Saúde, bem como condenar, genericamente, os réus solidariamente ao pagamento de compensação pelos danos estéticos sofridos pelas vitimas do evento que se habilitarem e comprovarem o atendimento aos critérios estabelecidos na fundamentação, em valor a ser apurado em liquidação de sentença na forma do art. 97 do Código de Defesa do Consumidor, condenando-os ainda ao pagamento das custas e despesas processuais. Inconformada recorre a SABESP, alegando preliminarmente cerceamento de defesa por não ter sido deferida a dilação probatória, e no mérito, que não deu causa ao aparecimento da enfermidade nas crianças e adolescentes porque somente passou a cuidar do tratamento de agua daqueles bairros a partir de 30/06/2000, e que foi chamada para resolver o problema que a Municipalidade não conseguia. Alega ainda que foi condenada a regularizar o abastecimento de agua de todo o Município de Pilar do Sul, quando não é a responsável pela agua de todo o município, mas apenas de algumas áreas. Por fim requer a total improcedência da ação. Também inconformada recorre a Municipalidade de Pilar do Sul, alegando que a responsável pela má qualidade da agua fornecida a população seria da loteadora daqueles bairros afetados, a Comercial Agrofrutícola Ltda., e posteriormente a corré SABESP; que são indevidos os danos estéticos, pois a municipalidade já vem efetuando o tratamento dos afetadas pela fluorose, requerendo por fim a improcedência da ação. Apelação n

6 fls. 6 Entendo que o recurso da Prefeitura Municipal de Pilar do Sul deve ser improvido e o recurso da SABESP, parcialmente provido apenas para condena-la a regularizar o abastecimento de agua somente nas áreas em que opera, mantendo-se no mais a r. sentença monocrática. Não prospera a alegação de cerceamento de defesa feito pela SABESP, por não ter sido deferido pelo magistrado dilação probatória, porque ante a impossibilidade de designação de perito para o cumprimento da decisão de fls. 1234/1237, o Douto Magistrado utilizou parecer técnico sobre a fluorose, fornecido pelo CAEX do Ministério Público Estadual que forneceu todas a características técnicas da referida doença e suas consequências. Além disso, consta dos autos inúmeras constatações das consequências da ingestão de agua com excesso de flúor, bem como a própria Municipalidade de Pilar do Sul admite a enfermidade, pois em sua defesa alega que já fornece tratamento às jovens vitimas. Ademais, incontroverso o excesso de flúor na agua das localidades mencionadas na ação, pois a pericia do Instituo Adolfo Lutz, acima mencionada, não deixa duvidas a respeito. Além disso, para se informar acerca da enfermidade fluorose e de como é adquirida, basta consular a internet onde há centenas de artigos sobre o tema, não se justificando, portanto a alegação de cerceamento de defesa por falta de pericia. Tambem não prospera a alegação da Municipalidade de Pilar do Sul quanto a inclusão da Comercial Agrofrutícola, responsável pelos loteamentos atingidos pela má qualidade da agua, porque a aprovação dos loteamentos e por Apelação n

7 fls. 7 consequência do serviço de abastecimento de agua é de responsabilidade do Município. No mérito, como já dito acima, a ocorrência de excesso de flúor na agua fornecida àqueles bairros do Município de Pilar do Sul, foi devidamente comprovado através do Laudo Pericial realizado pelo Instituto Adolfo Lutz, fato reconhecido pela própria SABESP e pela Municipalidade de modo que plenamente comprovada a responsabilidade dos apelantes. A SABESP, argumenta que não tem responsabilidade porque somente assumiu o tratamento da agua a partir de 30/06/2000, entretanto, analise feita em amostras de agua coletadas em 17/07/2001, mais de um ano depois, revelaram que ainda havia excesso de flúor na agua fornecida (6.20mg/l) (fls. 161 do procedimento nº 05/01). Ademais, como bem fundamentado pelo Douto Magistrado a quo na r. sentença: De se destacar, ademais, que não é possível precisar o momento ou a quantidade exata de flúor necessário ao aparecimento da doença. É certo, entretanto, que mesmo após a assunção do serviço pela SABESP, durante considerável período detempo(maisde2anosemeio),manteve-seofornecimentode agua com flúor excessivo, o que acarretou o surgimento de novas vitimasounoagravamentodoquadrodaquelasemqueodoença já tinha sido constatada. Assim, bem caracteriza a responsabilidade objetiva dos apelantes nos termos do art. 37, 6º da Constituição Federal e demonstrada a falha de serviço, pois em principio a Municipalidade, e depois a SABESP forneceram agua Apelação n

8 fls. 8 inadequada ao consumo naquelas localidades, caracterizando o nexo causal o que justifica a responsabilidade solidaria dos apelantes. Quanto a condenação em compensação genérica por danos estéticos entendo que a fundamentação do Ilustre Magistrado de primeiro grau na r. sentença esgotou o assunto e corretamente assentou: De fato, é impossível apontar in abstrato a forma como cada vitima foi afetada pelo evento, o grau de adesão e cumprimento ao tratamento recomendado, muito menos a eficiência desse tratamento. Em alguns casos, o tratamento pode muito bem ter eliminado qualquer resquício de dano experimentado, não havendo qualquer dano a ser reparado. Em outros, os danos podem ser muito mais extensos, recomendando, inclusive nova pericia. Não se mostra aconselhável padronizar situações que absolutamente particulares, devendo cada caso ser considerado individualmente no momento da habilitação das vítimas. Como parâmetro para habilitação, a vitima deverá demonstrar que residia no local na época dos fatos e sua residência era abastecida com agua contaminada; foi acometida pela fluorose dentária ou doença assemelhada cuja causa esteja diretamente ligado ao consumo excessivo de flúor; submeteu-se ao tratamento fornecido pelo Poder Público, concessionária ou em consultório particular, comparecendo aos agendamentos e seguindo as recomendações e orientações do profissional habilitado; e, esgotadas as hipóteses de intervenção médicoodontológicas possíveis, as alterações físico-estéticas remanesceram, sendo capazes de gerar constrangimento para a Apelação n

9 fls. 9 vitima. Finalmente, apenas um reparo merece a r. sentença monocrática quanto a condenação da SABESP a regularizar o abastecimento de agua em todo o Município de Pilar do Sul, que deve ser reformado para condenar a SABESP a regularizar o abastecimento de agua apenas na sua área de atuação. E outros fundamentos são dispensáveis diante da adoção dos demais, que foram deduzidos na r. sentença, que aqui são expressamente adotados para se evitar inútil e desnecessária repetição. Isto posto, nego provimento ao recurso da Municipalidade de Pilar do Sul e dou parcial provimento ao recurso da SABESP, nos termos acima. Eduardo Gouvêa Relator Apelação n