Departamento de Microbiologia Instituto de Ciências Biológicas Universidade Federal de Minas Gerais http://www.icb.ufmg.br/mic Gênero Haemophilus Introdução Os microrganismos do gênero Haemophilus pertencem á família Pasteurellaceae. São bastonetes gram negativos, pleomórficos, imóveis, não esporulados, aeróbios ou anaeróbios facultativos, parasitas obrigatórios dos seres humanos e de animais, encontrados como parte da microbiota do trato respiratório. O crescimento in vitro da maioria das espécies requer meios de culturas suplementados com fator V - nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD) e/ ou o fator X (hemina). Epidemiologia e patogênese H. influenzae é classificado de acordo com o polissacarídeo capsular expresso. Linhagens sem polissacarídeos capsulares são chamadas de não-tipáveis. As espécies de Haemophilus, exceto H. ducreyi, fazem parte da microbiota indígena da orofaringe e nasofaringe em mais de 85% de seres humanos adultos. Haemophilus influenzae sorotipo b pode causar doença invasiva grave. Linhagens não capsuladas de H. influenzae e H. parainfluenzae podem causar infecção de vias aéreas superiores e inferiores e otite média em crianças; pneumonia, bronquite e sinusite em adultos. Espécies associadas a doenças humanas e síndromes clínicas associadas: H. influenzae: Pneumonia, sinusite, otite, conjuntivite, meningite, epiglotite, celulite, bacteremia; H. ducreyi: Cancro mole (DST); H. parainfluenza: Bacteremia, endocardite, infecções diversas; H. haemolyticus: Infecções oportunistas; H. parahaemolyticus: Infecções oportunistas; H. aphrophilus*: Endocardite, infecções oportunistas; H. paraphrophilus*: Infecções oportunistas. *Foram novamente classificados, em 2006, como uma única espécie Aggregatibacter aphrophilus. Devido a sua alta prevalência, as espécies mais importantes do ponto de vista médico, são H. influenzae e H.ducreyi. Haemophilus influenzae 1
Considerações gerais H. influenzae coloniza crianças (em sua maioria) e adultos, sendo disseminado por meio de contato direto e secreções corporais. Haemophilus influenzae biogrupo aegyptius (biogrupo III, clone BPF) é o agente etiológico de conjuntivite e febre purpúrica brasileira, uma doença infecciosa aguda infantil que ocorre após a conjuntivite. Caracteriza-se por dor abdominal, náusea, vômito, lesões cutâneas petequiais e hemorrágicas, febre e prostração. A febre purpúrica pode evoluir para um quadro fulminante (40 a 90% dos casos). Fatores de virulência A presença da cápsula de poliribosil ribitol fosfato (PRP) promove a resistência do tipo B à fagocitose por leucócitos polimorfonucleares, ocasionando doença invasiva em crianças. Linhagens não capsuladas promovem infecções localizadas no trato respiratório; Adesinas das fimbrías e adesinas não fimbriais possibilitam a fixação dos microrganismos às células do epitélio respiratório; Lipooligossacáride (LOS) comprometem a função dos cílios e lesam a superfície do epitélio respiratório; IgA1 protease, a qual degrada a IgA secretora e facilita a colonização do trato respiratório superior; Hemocina é uma bacteriocina produzida por mais de 90% das linhagens, as quais impedem a colonização por linhagens ou espécies filogeneticamente relacionadas; As proteínas de membrana externa (OMP) possuem papel incerto na patogênese. Profilaxia A profilaxia é feita com vacina injetável tetravalente ou DPT-Hib contra difteria, tétano, coqueluche e PRP capsular de Haemophilus influenzae tipo b. Tratamento das infecções O tratamento de infecções graves consiste na utilização de cefalosporinas (cefotaxima, ceftriaxona ou cefuroxima). Em infecções menos graves, trimetopin-sulfametoxazol e ampicilina. Há resistência a ampicilina em linhagens produtoras de ß-lactamase. A resistência à ampicilina pode ser devido à produção de beta-lactamases (TEM-1 ou ROB-1), ou a alteração de proteínas ligadoras de penicilinas (PBPs). Geralmente, o mecanismo de resistência à ampicilina mais frequente é aquele decorrente da produção de TEM-1. São raras as cepas de H.influenzae resistentes à ampicilina e que sejam beta-lactamase negativas (BLNAR). Neste caso o mecanismo de resistência é consequente às alterações das PBPs e por isso estas amostras devem ser consideradas resistentes às penicilinas, associações penicilina/inibidor de beta-lactamase, e cefalosporinas de 1a e 2a geração. A resistência a cloranfenicol pode ser devido a produção de uma enzima ligadora de cloranfenicol, chamada de cloranfenicol acetiltranferase (CAT), ou por uma diminuição na permeabilidade da membrana externa (alteração nas porinas). A CAT catalisa a transferência de dois grupos acetil proveniente da acetil CoA para sítios ativos da molécula de cloranfenicol impossibilitando assim a atividade do agente antimicrobiano na bactéria, enquanto que a alteração nas porinas dificulta a entrada do cloranfenicol na parede celular bacteriana. 2
Haemophilus ducreyi É o agente etiológico do cancro mole, cancróide ou cavalo. Sua transmissão se dá através de contato sexual, sendo que o período de incubação varia de três a cinco dias. Caracterizado por uma ou poucas feridas doloridas na região genital que liberam exsudato acinzentado, necrótico e purulento. Essas lesões possuem bordas avermelhadas e bem definidas, fundo purulento e odor fétido. Em 40% dos casos ocorre concomitantemente linfoadenopatia inguinal. Pode haver formação de um abscesso, sendo drenagem necessária. O diagnóstico diferencial para um paciente com úlceras genitais e linfonodos inguinais inclui, além do cancro mole, cancro duro (sífilis), herpes simples tipo dois e linfogranuloma venéreo. Profilaxia A profilaxia é somente possível através da realização de sexo seguro, com uso de preservativo. Tratamento Deve-se escolher a droga de acordo com o paciente. Podem ser utilizadas as seguintes formulações e respectivas posologias: Tianfenicol granulado cinco gramas, via oral, dose única; Espectinomicina dois gramas, intramuscular, dose única; Ceftriaxona 250 mg, intramuscular, dose única. As úlceras costumam melhorar de três a sete dias após o início da terapia, e a cura completa ocorre em duas semanas. Diagnóstico laboratorial Os espécimes clínicos são específicos, a saber: Meningite - líquido cefalorraquidiano e sangue; Epiglotite, celulite, endocardite ou pneumonia sangue; Artrite líquido sinovial, sangue; Febre purpúrica brasileira sangue, secreção conjuntival; Úlceras e adenopatia inguinal, aparência clínica diferente de herpes genital e resultado negativo para sífilis - não há exame sorológico para cancro mole e H. ducreyi não é facilmente obtido de úlceras. Isolamento e identificação Seu isolamento e identificação pode ser realizado através de cultura em ágar chocolate suplementado com os fatores V e X. Incubação a 35-37 C, em jarra contendo 5% CO2 (extinção da chama da vela). Uma técnica interessante que pode ser utilizada para identificação da presença das espécies é a técnica de estrias de Staphylococcus, onde ocorre o fenômeno de satelitismo, ou seja, o cresci- 3
mento de colônias úmidas e cinzentas de Haemophilus dentro da área de hemólise adjacente ao crescimento de Staphylococcus aureus, em ágar sangue de carneiro incubado a 35-37 C, em jarra contendo 5% CO2, por 24 horas. À coloração de Gram seguida de microscopia são visualizados pequenos cocobacilos Gram-negativos. Testes bioquímico-fisiológicos Pode ser utilizados os seguintes testes: Catalase, fermentação de glicose, sacarose, lactose e manose para identificação; Indol, urease, descarboxilação da ornitina, fermentação da glicose, redução do nitrato, catalase e oxidase para biotipagem. Testes rápidos de identificação de H. influenzae sorotipo b (Hib) A detecção de antígeno capsular no líquor, soro ou urina pode ser realizada através de técnicas de: Aglutinação do látex (LA); Coaglutinação com proteína A estafilocócica (COA); Enzimoimunoensaio (EIA); Contra imunoeletroforese. 4
Literatura sugerida COLLARES, Guilherme Birchal; CASTRO, Márcia Maria Teixeira de and PAIVA, Lucienne França Reis. Infecção do trato urinário por Haemophilus influenzae: relato de um caso e revisão da literatura. J. Bras. Patol. Med. Lab. [online]. 2005, vol.41, n.2, pp. 95-97. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/s1676-24442005000200006. Acessado em agosto de 2011. BRASILEIRO FILHO, Geraldo. Bogliolo Patologia. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, c1994. 1243p. HARRISON, Tinsley Randolph,; KASPER, Dennis L. Harrison s principles of internal medicine. 17th. ed. New York: Mc- Graw-Hill Medical, 2008. 2754 p. Health Services/Technology Assessment Text (HSTAT). Bethesda (MD): National Library of Medicine (US), 2003, Oct. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=books Acessado em: maio de 2010. JAMISON, D. T. et al. Disease Control Priorities in Developing Countries, 2nd ed. Disponível em: http://www.ncbi.nlm. nih.gov/entrez/query.fcgi?db=books Acessado em: maio de 2010. Washington (DC): IBRD/The World Bank and Oxford University Press; 2006. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih. gov/entrez/query.fcgi?db=books Acessado em: maio de 2010. ERICHSEN, Elza Santiago; VIANA, Luciana de Gouvêa; FARIA, Rosa Malena Delbone de; SANTOS, Silvana Maria Elói. Medicina laboratorial para o clínico. Belo Horizonte: COOPMED, 2009. TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L.; Microbiologia. 8ª ed., Porto Alegre. Ed. Artmed, 2005. MURRAY, Patrick R; ROSENTHAL, Ken S; PFALLER, Michael A. Microbiologia médica. Rio de Janeiro Elsevier, 2010. MCPHERSON, Richard A; PINCUS, Matthew R; HENRY, John Bernard. Henry s clinical diagnosis and management by laboratory methods. 21st ed. Philadelphia: Saunders Elsevier, c2007.