Cirurgia ortognática em paciente com fissura labiopalatina: relato de caso

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Transcrição:

RELATO DE CASO ISSN 1677-5090 2017 Revista de Ciências Médicas e Biológicas DOI: http://dx.doi.org/10.9771/cmbio.v16i1.17366 Cirurgia ortognática em paciente com fissura labiopalatina: Orthognathic surgery in patient with cleft lip and palate: case report Lucas da Silva Barreto 1 *, Igor Alexandre Damasceno Santos 1, Mariana Machado Mendes de Carvalho 2, Juliana Silva Minho Souza 2, Caetano Guilherme Carvalho Pontes 3, Roberto Almeida de Azevedo 4 1 Residente de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. UFBA/OSID; 2 Interno do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. Hospital Santo Antônio/UFBA; Acadêmica do Curso de Odontologia. UFBA; 3 Mestre em odontologia pela UFS. Especialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. UFBA; 4 Doutor em Odontologia; Professor Associado. UFBA; Coordenador do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. UFBA/OSID RESUMO Introdução: a Fissura Labiopalatina (FLP) é a malformação facial congênita mais comum, ela pode ser uni ou bilateral e decorre da falta de coalescência entre os processos palatinos e pterigopalatinos no período entre a quarta e nona semanas de vida intrauterina. Essa malformação causa alterações dentárias, esqueléticas, nutricionais e psicológicas, que interferem diretamente no desenvolvimento da fala, fonação, deglutição e estética. Ainda que se obtenha sucesso na queiloplastia e enxertia para recobrimento da fenda palatina, o paciente com FLP normalmente atinge a fase adulta com severos problemas de má oclusão. Nestes casos o tratamento ortodôntico isolado não é suficiente para correção do problema e a cirurgia ortognática é associada ao tratamento a fim de se obter uma oclusão estável, restabelecendo padrões funcionais e harmonia facial. Objetivo: o objetivo deste trabalho é descrer as diferentes etapas do tratamento de uma paciente portadora de FLP unilateral transforame completa acompanhada pela equipe de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial (CTBMF) UFBA-OSID, até a sua alta. Relato de caso: paciente do gênero feminino, submeteu-se a queiloplastia, enxerto autógeno de crista ilíaca em região de palato, e cirurgia ortognática, recebendo alta do Centrinho completamente reabilitada. Conclusão: o acompanhamento precoce destes pacientes por uma equipe coesa e interdisciplinar é fundamental para o sucesso do tratamento e inserção social, as etapas de tratamento e as técnicas empregadas no Centrinho tem apresentado bons resultados quanto ao reestabelecimento estético e funcional dos pacientes portadores de FLP. Palavras-chave: Fissura Palatina. Fenda Labial. Cirurgia Maxilofacial. Abstract Introduction: cleft lip and palate is the most common congenital facial malformation, it can be unilateral or bilateral and stems from the lack of coalescence between the palatine processes and pterigopalatine in the period between the fourth and ninth weeks of intrauterine life. This malformation causes dental, skeletal, nutritional and psychological changes, which directly interfere with the development of speech, speech, swallowing and aesthetics. Even if it succeeds in lip repair and grafting for covering the cleft, the patient with cleft normally reaches adulthood with severe malocclusion problems. In these cases orthodontic treatment alone is not enough to fix the problem and orthognathic surgery is associated to orthodontic treatment in order to obtain a stable occlusion, facial patterns and restoring functional harmony. Objective: the objective of this study is to describe the different stages of the treatment of a patiente with unilateral cleft lip and palate full transforamen accompanied by the team of Oral and Maxillofacial Surgery (CTBMF) UFBA-OSID, until her discharge. Case report: Patient, female, underwent lip repair, autogenous iliac crest bone graft in palatal region, and orthognathic surgery. She was discharged from Centrinho completely rehabilitated. Conclusion: early monitoring of these patients by a interdisciplinary, cohesive team is crucial to the success of treatment and social inclusion, the processing steps and techniques used in Centrinho has shown good results in terms of aesthetic and functional reestablishment of patients with cleft lip and palate. Keywords: Cleftpalate. Cleftlip. Maxillofacial Surgery. INTRODUÇÃO A Fissura Labiopalatina (FLP) é a malformação facial congênita mais comum da raça humana e um grande desafio terapêutico para cirurgiões que, através de múltiplas intervenções tentam reconstruir padrões funcionais e estéticos (LURENTT et al., 2012; MIACHON, LEME, 2014; Correspondente/Corresponding: *Lucas da Silva Barreto End: Rua Capitão Benedito Teófilo Otoni, número 508, Ed. Port Saint John, aprt 601, Bairro 13 de julho, Aracajú-SE Tel: (79)999438317 E-mail: dr.lsbodonto@gmail.com RAPOSO-DO-AMARAL et al., 2008; VACCARI-MAZZETTI, KOBATA, BROCK, 2009). Ela pode ser uni ou bilateral e decorre da falta de coalescência entre os processos palatinos e pterigopalatinos no período entre a quarta e nona semanas de vida intrauterina (LURENTT et al., 2012). As fissuras podem estar associadas a uma síndrome, a fatores genéticos não sindrômicos ou ainda a fatores ambientais. O uso de álcool, drogas, exposição à radiação, e medicamentos anticonvulsivantes ou corticoides durante o primeiro trimestre de gestação são fatores ambientais fortemente relacionados à FLP (LURENTT et al., 110

Cirurgia ortognática em paciente com fissura labiopalatina: 2012). Essa malformação causa alterações esqueléticas, dentárias, nutricionais e psicológicas que comprometem diretamente a fala, fonação, deglutição e estética. A queiloplastia é o primeiro procedimento cirúrgico realizado no protocolo terapêutico para o paciente com FLP, e é vantajoso do ponto de vista funcional, porém normalmente tem uma consequência desfavorável que é a formação de uma cinta labial rígida e fibrosa (LURENTT et al., 2012). Essa sequela impede o crescimento maxilar adequado, resultando em hipoplasia maxilar e deformidade dentofacial do tipo Classe III de Angle (LOPES et al., 2015; LURENTT et al., 2012; YAMAGUCHI, LONIC, LO, 2016; YUN et al., 2015). Nos casos em que há fenda palatina, o enxerto ósseo é executado com o objetivo de fornecer tecido ósseo para a área de fissura, propiciando o recobrimento da fenda, suporte à base alar, melhora na simetria nasal, eliminação de fístula oronasal, estabilidade maxilar e suporte aos dentes adjacentes à fissura, além de permitir a movimentação ortodôntica e instalação de implantes osseointegráveis quando indicados (FREITAS et al., 2012). Uma variedade de fatores contribuí para o sucesso do enxerto, dentre eles, a idade do paciente e o cumprimento da seqüência terapêutica correta que são apontados como os essenciais. Ainda que se obtenha sucesso na queiloplastia e enxertia para recobrimento da fenda palatina, o paciente com FLP normalmente atinge a fase adulta com severos problemas de má oclusão e deformidades esqueléticas. Nesses casos o tratamento ortodôntico isolado não é suficiente para correção do problema e a cirurgia ortognática deve ser associada a fim corrigir discrepâncias maxilomandibulares ao fim do crescimento facial possibilitando uma oclusão estável e o reestabelecimento de padrões funcionais e harmonia facial (FREITAS et al., 2012; LOPES et al., 2015; YUN et al., 2015). O objetivo deste trabalho é descrer as diferentes etapas do tratamento de uma paciente portadora de FLP unilateral transforame completa acompanhada pela equipe de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial (CTBMF) UFBA-OSID, até a sua alta. RELATO DE CASO Paciente L.R.V, 24 anos, gênero feminino, portadora de FLP unilateral transforame completa direita, classe III esquelética e de Angle, procurou o serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial UFBA OSID no Centrinho do Hospital Santo Antônio Obras Sociais Irmã Dulce em outubro de 1999 para tratamento e acompanhamento. Com três meses de idade a paciente submeteu-se a queiloplastia, e aos um ano e seis meses, a palatoplastia em um centro de referência em FLP onde estava sendo acompanhada. A terceira abordagem cirúrgica, quando a paciente tinha nove anos, foi para fechamento do arco maxilar por meio de um enxerto ósseo alveolar autógeno retirado da crista ilíaca. O acesso foi realizado por meio intra-oral em região de fundo de vestíbulo entre as unidades 15 e 23. No pós-cirúrgico a paciente não desenvolveu nenhum quadro de infecção ou exposição do enxerto ósseo, e foi então encaminhada para acompanhamento com o Ortodontista do serviço em maio de 2003. O profissional solicitou remoção da unidade: 45 para fins ortodônticos e em julho de 2009, realizaram-se as exodontias das unidades 18, 28, 38, 48 em nível ambulatorial, sob anestesia local, sem intercorrências. Aos vinte anos de idade a paciente foi encaminhada pelo Ortodontista para realização da cirurgia ortognática com sugestão de avanço da maxila e manutenção de desvio de linha média devido à anodontia. Após avaliação dos modelos de estudo e dos exames de imagem (tele radiografia de perfil) (Figura 1) foi programada cirurgia ortognática de avanço maxilar (Figura 2 e 3). Figura 1 A: Tele radiografia de perfil pré-operatória. B: Tele radiografia de perfil pós-operatória. A B 111

Lucas da Silva Barreto et al. Figura 2 Fotos pré-operatórias intra orais. Figura 4 Fotos do trans-operatório após a colocação das placas em lado direito e esquerdo da maxila. Figura 3 Foto frontal e perfil pré-operatória. A cirurgia ortognática ocorreu sem intercorrências, sob anestesia geral. Realizou-se avanço maxilar de 08 mm e instalação de 04 placas no sistema 2.0 mm em formato de L com 04 parafusos monocorticais em cada uma (Figura 4). A paciente apresentou evolução estável, no exame físico observou-se edema compatível com o procedimento cirúrgico, feridas cirúrgicas limpas, ocluídas e sem sinais de infecção ou deiscência, e alteração de sensibilidade em região perioral, higiene oral regular, com discretas queixas álgicas em face. Foi então instalado um bloqueio maxilomandibular com fio de aço n 0-0, com alta hospitalar no primeiro dia pós-operatório. A prescrição domiciliar consistiu de amoxicilina 250mg/5ml de 08/08 horas por 07 dias, nimesulida 100mg/ml de 12/12 horas por 03 dias, dipirona gotas de 06/06 horas por 02 dias e bochecho diário com digluconato de clorexidina 0,12% durante 01 minuto 02 vezes ao dia. Após 07 dias, a paciente apresentava suturas em posição, sem sinais de infecção ou deiscência, oclusão estável, bloqueio maxilomandibular em posição com fio de aço n 0-0, higiene oral regular. Ao 55 dia ela retornou ao consultório do Centrinho para avaliação e remoção do bloqueio maxilomandibular. Durante a avaliação observou-se uma higiene oral deficiente, suturas com boa cicatrização, maxila estável. Foi realizada orientação de higiene oral e solicitação de radiografia panorâmica e tele radiografia de perfil. Após o 4 mês pós operatório, a paciente retornou apresentando ausência de mobilidade atípica do maxilar, oclusão estável, boa cicatrização, sem sinais de infecção ou deiscência e foi então orientada e encaminhada para finalização ortodôntica (figura 5 e 6). 112

Cirurgia ortognática em paciente com fissura labiopalatina: Figura 5 Fotos intra orais, pós-operatório de 4 meses. Figura 6 Frontal e perfil, pós-operatório de 4 meses. DISCUSSÃO É aceito pela literatura que a FLP é a anormalidade congênita mais comum da face (MIACHON, LEME, 2014; RAPOSO-DO-AMARAL et al., 2008; VACCARI-MAZZETTI, KOBATA, BROCK, 2009). Ela pode ser uni ou bilateral, e decorre de uma falha da união entre os processos maxilares e os processos nasais mediais que acarretam as fendas labiais ou labiopalatinas; ou, uma falha da união entre os processos palatinos que causam as fendas palatinas. O defeito se estabelece entre a 4ª e a 9ª semanas de vida intrauterina. Sua etiologia é multifatorial, sendo os fatores ambientais e genéticos mais preponderantes, e a fissura unilateral mais comum que a bilateral. Em concordância com a literatura, no caso relatado neste trabalho, a paciente apresentava FLP unilateral transforame completa, não sindrômica, tendo fatores genéticos como etiologia. Essa anomalia causa alterações esqueléticas, dentárias, nutricionais, psicológicas, que interferem diretamente no desenvolvimento da fala, fonação, deglutição e estética (FREITAS et al., 2012; LURENTT et al., 2012). Spina et al. (1972) classificou as fissuras labiopalatinas de acordo com seus aspectos morfológicos e embriológicos, sendo o forame incisivo a referência para a divisão em quatro grupos: grupo 1, fissuras pré-forame incisivo, envolvendo apenas o lábio, com ou sem o rebordo alveolar e asa do nariz; grupo 2, fissuras transforame incisivo, envolvem o lábio, o rebordo alveolar e o palato; grupo 3, fissuras pós-forame incisivo, comprometem apenas o palato; e o grupo 4, que são as fissuras faciais raras. Atualmente tal classificação é aceita por grande parte do meio cientifico devido a apresentar se de forma didática e de fácil aceitação. Segundo esta classificação a paciente é incluída no grupo 2, portadora de FLP unilateral transforame completa direita. Segundo a literatura consultada, não existem grandes discussões sobre os fatores para o tratamento de pacientes com FLP, sendo: anatomia modificada, curva do crescimento e o momento ideal para a intervenção cirúrgica. Dentre as consequências encontradas dessa deformidade craniofacial congênita podemos citar: anodontia, dentes inclusos, má-oclusão, arcos alveolares disformes, deformidades esqueléticas faciais, sendo comum a deficiência do terço médio facial e a hipoplasia maxilar advindas das cicatrizes do palato e do lábio, decorrentes das cirurgias de reabilitação. Os pacientes portadores de FLP requerem acompanhamento criterioso e acesso a todas as etapas do tratamento para que sejam devidamente reabilitados. No caso em questão a paciente passou por todas as etapas terapêuticas preconizadas pelo serviço, que segue concordando com o que é apresentado pela literatura mundial (KUMARI et al., 2013; RAPOSO-DO-AMARAL et al., 2008; VACCARI-MAZZETTI, KOBATA, BROCK, 2009). No protocolo de atendimento seguido pelo serviço apresentado ao paciente portador de FLP primeiramente é realizada a queiloplastia, cirurgia plástica para correção dos lábios. No caso descrito neste trabalho a queiloplastia foi realizada quando a paciente estava sendo acompa- 113

Lucas da Silva Barreto et al. nhada por outro serviço de referência aos três meses de idade. Este procedimento é normalmente realizado desde os primeiros meses de nascimento e é muito desejado pelos pacientes, que anseiam abandonar a face estigmatizada. Também é muito vantajoso do ponto de vista funcional imediato, porém normalmente tem uma consequência desfavorável, que é a formação de uma cinta labial rígida e fibrosa, que interfere diretamente no desenvolvimento fisiológico dos maxilares, podendo comprometer o crescimento facial e resultar futuramente em hipoplasia de maxila e deficiência em terço médio da face, como observado no caso descrito. (LURENTT et al., 2012, RACHMIEL, EVEN-ALMOS, AIZENBUD, 2012) O enxerto ósseo para fechamento da fenda alveolar é a terceira etapa cirúrgica para a reabilitação desses pacientes, posterior à palatoplastia. No caso descrito foi realizada a palatoplastia aos um ano e seis meses de idade, e o enxerto ósseo aos nove anos. Optou-se pelo enxerto autógeno retirado da crista ilíaca e se obteve um resultado satisfatório, apesar de a literatura científica apontar sua alta taxa de reabsorção. A realização do enxerto ósseo facilitou o avanço maxilar por torná-la uma peça única e não segmentada (RACHMIEL, EVEN-ALMOS, AIZENBUD, 2012). Desde 2008, Raposo et al, referia que a enxertia óssea restabelece o volume ósseo necessário para a reabilitação ortodôntica e protética e também para cirurgia ortognática, indicada nos casos em que os pacientes evoluem com deficiências em terço médio da face após a erupção dos dentes permanentes. O enxerto irá reconstruir a continuidade do osso maxilar, além de proporcionar um bom suporte à base alar, fechamento da fenda palatina, contribuindo para a estabilidade maxilar, melhora do equilíbrio facial, oclusão, nutrição e fonação. O caso apresentado apresentou melhora da projeção nasal ajudado pela movimentação realizada durante a cirurgia e o enxerto ósseo realizado em procedimento anterior como relatado, com isso foi permitido um movimento mais estável. (KUMARI et al., 2013; RACHMIEL, EVEN-ALMOS, AIZENBUD, 2012; RAPOSO-DO-AMARAL et al., 2008; VACCARI-MAZZETTI, KOBATA, BROCK, 2009). Neste caso mesmo após a queiloplastia e enxerto ósseo, a paciente evoluiu com retração maxilar e hipernasalidade. Rachmiel, Even-almos e Aizenbud (2012) afirmam que a hipoplasia maxilar pode ser uma consequência da queiloplastia, e argumentam que este procedimento é de grande importância estética e funcional, porém pode comprometer o crescimento ósseo maxilar, culminando em retração maxilar mesmo nos casos em que o paciente não apresentava tendência genética à deformidade. Pacientes portadores de FLP comumente possuem hipoplasia anteroposterior de maxila e com má-oclusão classe III de Angle, o que resulta em um perfil côncavo (KU- MARI et al., 2013;RACHMIEL, EVEN-ALMOS, AIZENBUD, 2012). Nos casos em que há uma deficiência maxilar e o crescimento facial já foi finalizado, a cirurgia ortognática é indicada. A osteotomia Le Fort I com avanço, rotação da maxila e fixação com 04 mini placas oferece resultados satisfatórios, como observado no estudo de Rachmiel, Even-almos e Aizenbud (2012) que realizaram esta técnica em 17 pacientes, e também no relato exposto neste trabalho, em que a paciente submeteu-se à cirurgia com vinte anos de idade. Devido à deficiência óssea apresentada e possibilidade de recidiva, a paciente permaneceu com bloqueio maxilomandibular por 45 dias, protocolo preconizado pelo serviço, ainda que se tenha utilizado placas e parafusos. Em alguns casos de insuficiência óssea mais severa a utilização de enxerto ósseo no local também é utilizada. Se tratando de avanços maiores decorrentes de discrepâncias acentuadas da maxila, o risco de recidiva em pacientes portadores de FLP é maior devido, às forças geradas pelos músculos da mastigação (KUMARI et al., 2013; RACHMIEL, EVEN-ALMOS, AIZENBUD, 2012; RAPO- SO-DO-AMARAL et al., 2008; VACCARI-MAZZETTI, KOBATA, BROCK, 2009), ou pelo espaço na maxila gerado por um avanço abrupto que favorece a instabilidade, por conta disto, não raramente há necessidade de enxerto ósseo na região (VACCARI-MAZZETTI, KOBATA, BROCK, 2009). Neste caso não houve necessidade de enxertia, provavelmente pela realização da cirurgia de enxerto ósseo alveolar prévio que favoreceu a formação óssea da área. As cirurgias primárias e o enxerto ósseo geram fibroses. Nesses casos, durante a cirurgia ortognática, pode haver dificuldade para o avanço maxilar e tornar-se necessário, a realização de recuo mandibular, mesmo quando não planejado no pré-operatório, o que não aconteceu no caso relatado, houve apenas pequena dificuldade no momento do avanço. Raposo-do-amaral et al. (2008) afirmam que a utilização de mini placas e parafusos de titânio reduzem o índice de recidivas e complicações pós-operatórias, como no caso apresentado em que não houve recidiva nem complicações, além disso, o autor ainda salienta a importância de um longo acompanhamento pós-operatório do paciente tanto pelo Ortodontista quanto pelo Cirurgião Bucomaxilofacial. Quanto a hipernasalidade, muito comum em pacientes com FLP, os relatórios da fonoaudiologia atestam que não houve piora após a cirurgia ortognática no caso em questão. No momento da alta ainda existia a possibilidade de intervenção da cirurgia plástica para realização de uma rinoplastia reparadora, porém neste caso a paciente ficou muito satisfeita com seu resultado estético e não solicitou esta intervenção. O tratamento do paciente portador de FLP é um desafio para a equipe que tem em suas mãos uma alta carga de expectativas e grande responsabilidade. Trata-se de pacientes, em maioria, com capacidade intelectual e motora preservadas e com face e fala que remetem a deficiências de desenvolvimento intelectual e cognitivo, logo, anseiam pelos benefícios do tratamento e sobretudo pelo abandono do estigma estampado na face. 114

Cirurgia ortognática em paciente com fissura labiopalatina: CONCLUSÃO A realização de cirurgia ortognática em paciente com FLP permite como visto neste trabalho, a obtenção de resultado estético e funcional adequado visto que não devem ser poupados esforços para se alcançarem os melhores resultados possíveis em cada caso. Vale salientar que uma equipe coesa e interdisciplinar são fundamentais para o sucesso do tratamento e inserção social. Nos casos em que o paciente, mesmo passando por todas as etapas de tratamento, apresente deformidade esquelética, a cirurgia ortognática geralmente é o último recurso, apresentando bons resultados com o retorno do paciente ao convívio social esperado. REFERÊNCIAS FREITAS, J. A. de S. et al. Rehabilitative treatment of cleft lip and palate: experience of the Hospital for Rehabilitation of Craniofacial Anomalies USP (HRAC-USP) Part 3: oral and maxillofacial surgery. J. Appl. Oral Sci., Bauru, v. 20, n. 6, p. 673-679, Nov./Dec. 2012. KUMARI, P. et al. Stability of Cleft maxilla in Le Fort I Maxillary advancement. Ann. Maxillofac. Surg., Indía, v. 3, n. 2, p. 139-143, July 2013. LOPES, J. F. S. et al. Interrelationship between implant and orthognathic surgery for the rehabilitation of edentulous cleft palate patients: a case report. J. Appl. Oral Sci., Bauru, v. 2, n. 23, p. 224-229, Jan. 2015. LURENTT, K. et al. Cirurgia ortognática em paciente portador de fissura lábio-palatina. Relato de caso. Rev. cir. traumatol. buco-maxilo-fac., Camaragibe, v. 12, n. 1, p. 47-52, jan. 2012. MIACHON, M. D.; LEME, P. L. S. Tratamento operatório das fendas labiais. Rev. Col. Bras. Cir., Rio de Janeiro, v. 41, n. 3, p. 208-215, 2014. RACHMIEL, A; EVEN-ALMOS, M.; AIZENBUD, D. Treatment of maxillary cleft palate: Distraction osteogenesis vs. orthognathic surgery. Ann. Maxillofac. Surg., Indía, v. 2, n. 2, p.127-130, jul. 2012. RAPOSO-DO-AMARAL, C. A. et al. Estudo do avanço maxilar e das complicações em pacientes fissurados e não-fissurados submetidos a cirurgia ortognática. Rev. Bras. Cir. Plást., São Paulo, v. 4, n. 23, p. 263-267, nov. 2008. SPINA, V. et al. Classificação das fissuras lábio-palatais: sugestão de modificação. Rev. Hosp. Clín. Fac. Med. Univ. São Paulo, São Paulo, v. 27, n 1, p. 5-6, 1972. VACCARI-MAZZETTI, M. P.; KOBATA, C. T.; BROCK, R. S. Distração óssea maxilar na seqüela de fissura lábio palatina. Relato de caso. ACM arq. catarin. med., Florianopolis,v. 38, n. 1, p.49-51, Jan. 2009. YAMAGUCHI, K.; LONIC, D.; LO, Lun-jou. Complications following orthognathic surgery for patients with cleft lip/palate: A systematic review. J. Formos. Med. Assoc., Taipei, v. 115, n. 1, p.269-277, Jan. 2016. YUN, Yung Sang et al. Bone and Soft Tissue Changes after Two-Jaw Surgery in Cleft Patients. Arch. Plast. Surg., Estados Unidos, v. 42, n. 1, p. 419-423, Mar. 2015. Submetido em: 21/08/2016 Aceito em: 30/03/2017 115