ESTRATÉGIAS DE REFERENCIAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE SENTIDO NO DISCURSO DE GRADUANDOS DA SEDIS/UFRN Emanuelle Pereira de Lima Diniz 1 Departamento de Letras - UFRN RESUMO: A construção de sentido no discurso é dada por meio da interação entre práticas socioculturais, esquemas cognitivos, capacidades corporais e linguagem. Dessa forma, as relações estabelecidas entre linguagem e cognição são estreitas e mutuamente constitutivas, a linguagem pode ser considerada como principal meio de interação entre a interioridade (corpo) e exterioridade (contexto sócio-histórico-cultural). Diante dos pressupostos teóricos advindos da abordagem Sociocognitiva e da Linguística Textual contemporânea, analisamos a empregabilidade das anáforas lexicais/expressões nominais na construção de sentido. Observamos essas estratégias de referenciação no discurso dos graduandos da Secretaria de Educação a Distância/UFRN, mais precisamente, nas produções textuais da seção de respostas das avaliações da disciplina de Leitura, Interpretação e Produção Textual, ministrada nos cursos de Química, Física, Biologia, Geografia e Matemática, que monitoramos durante o período de 2008.1 a 2010.1. Através das produções discursivas, notamos que as anáforas lexicais/expressões nominais desempenham uma função essencial na organização do texto e, consequentemente, na construção do sentido. PALAVRAS-CHAVE: Estratégias de referenciação, construção de sentido, Educação a Distância. Introdução Referir-se às entidades que estão no mundo sugere a existência de uma negociação entre os falantes de um grupo, ou seja, dentro de suas crenças, esses sujeitos acordam como pretendem referir-se às coisas do mundo. Desse modo, entendemos os processos de referenciação como conseqüência de uma atividade colaborativa. De acordo com Marcuschi (2000) e Koch (2002), quando nos referimos a algo não estamos etiquetando, apontando ou relacionando, mas agindo na construção de interpretações, participando de uma atividade conversacional. Diante dessa perspectiva, e outras compreensões que compõem a abordagem 1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.
Sociocognitiva e a Linguística Textual, analisamos as estratégias de referenciação e, consequentemente, os processos de construção de sentido nas produções textuais dos graduandos da SEDIS/UFRN, disponíveis das seções de respostas das atividades avaliativas. Nas próximas seções, apresentaremos algumas considerações acerca do nosso referencial teórico que sustenta a nossa discussão; considerações acerca da SEDIS/UFRN; a metodologia adotada e a análise do corpus, na qual tentaremos analisar quais são as estratégias de referenciação utilizadas pelos graduandos da SEDIS/UFRN; as considerações finais e as referências consultadas. Linguagem, cognição e cultura na construção de sentido A Linguística Textual contemporânea tem a visão de que todo o fazer (ação) é essencialmente ligado aos processos de ordem cognitiva, ou seja, o agente precisa dispor de modelos mentais de operações e tipos de operações. De acordo com Koch (2004), nessa abordagem os parceiros da comunicação possuem saberes acumulados quanto aos diversos tipos de atividades da vida social, têm conhecimentos na memória que necessitam ser ativados para que a atividade seja coroada de sucesso. Desse modo, podemos afirmar que o sentido de um texto não está propriamente no texto, ele se constitui através das diversas atividades em que os indivíduos estão envolvidos. Portanto, a compreensão de um texto depende de uma grande parcela de conhecimentos partilhados. Os pressupostos teóricos dessa teoria concentram suas atenções no processo comunicativo estabelecido entre o autor, o leitor e o texto em um determinado contexto. Para Marcuschi (apud KOCH, 2005:10), a Linguística Textual é definida como o estudo das operações lingüísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção de textos escritos ou orais [...]. Em suma, a Lingüística Textual trata o texto como um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações humanas. A partir da citação, compreendemos a linguagem como forma de ação no mundo. Os indivíduos se organizam para atuarem conjuntamente, para tanto, se utilizam, simultaneamente, de recursos linguísticos, extralinguísticos/sociais como também, cognitivos e subjetivos. Assim, toda ação comunicativa tem uma dimensão pública e histórica, como também individual e subjetiva. Essas afirmações nos direcionam a abordagem Sociocognitiva, a qual considera aspectos sociais, culturais e interacionais no processamento cognitivo. Desse modo, os processos cognitivos não se dão exclusivamente na mente dos sujeitos, eles dependem do entrelaçamento das várias ações conjuntas praticadas por eles. Para Koch e Cunha Lima:
[...] uma criança que trabalha vendendo balas na rua consegue, com muita velocidade, realizar cálculos matemáticos relativamente complexos e não consegue realizar os mesmos cálculos na escola (ou, mesmo, outros mais simples). Ora, se estivesse em jogo apenas o raciocínio matemático abstrato, como explicar a flagrante diferença de desempenho? (KOCH & CUNHA -LIMA 2004:280) Compreendemos, então, que nossas diversas atividades diárias são envolvidas por rotinas computacionais que ocorrem em sociedade. Esses hábitos são construídos culturalmente e, também, são responsáveis pela organização das operações mentais internas dos sujeitos, os quais estabelecem táticas no desenvolvimento das suas tarefas diárias de acordo com as regras socialmente acordadas. As relações estabelecidas entre linguagem e cognição são estreitas e mutuamente constitutivas, a linguagem pode ser considerada como principal meio de interação entre a interioridade (corpo) e exterioridade (contexto sócio-histórico-cultural). Entendemos que a referenciação ou a progressão referencial faz parte da (re)construção de objetos-de-discurso. Ou seja, os referentes que utilizamos não refletem diretamente o mundo real, também não são meros rótulos para designar as coisas do mundo. De acordo com nossa visão de mundo, nossas crenças, atitudes e intenções comunicativas, eles são, inerentemente, construídos e reconstruídos no interior do próprio discurso. Para Apothelóz e Reichler-Béguelin (1995), a referência diz respeito, sobretudo, às operações efetuadas pelos sujeitos à medida que o discurso se desenvolve. Portanto, a referenciação constitui uma atividade discursiva. Dessa maneira, concluímos que não fazemos referências a objetos de um mundo estável, fazemos referências a objetos-de-discurso que elaboram e reelaboram, através da linguagem, nossa visão de mundo. Segundo Mondada (2001:9), os objetosde-discurso...não são concebidos como expressões referenciais em relação especular com objetos do mundo ou com sua representação cognitiva, mas entidades que são interativamente e discursivamente produzidas pelos participantes no fio de sua enunciação. Os objetos de discurso são, pois, entidades constituídas nas e pelas formulações discursivas dos participantes: é no e pelo discurso que são postos, delimitados, desenvolvidos e transformados... emergem e se elaboram progressivamente na dinâmica discursiva. Essas afirmações nos levam a crer que a referenciação resulta de uma atividade dinâmica e, principalmente, intersubjetiva, que se situa na interação e discursivização desenvolvida pelos parceiros na enunciação.
Secretaria de Educação a Distância UFRN A Secretaria de Educação a Distância(SEDIS), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, foi fundada em junho de 2003, com o objetivo de promover a Educação na sua modalidade a distância e estimular o uso das tecnologias de informação e comunicação como ferramenta de ensino e aprendizagem. Atualmente, a SEDIS coordena e desenvolve os cursos de licenciatura em Química, Matemática, Física, Geografia, Ciências Biológicas e, também, bacharelado em Administração. Durante toda a graduação, o estudante é acompanhado pelo seu tutor presencial, que estará no pólo durante a semana e também um tutor a distância, eles têm a função de orientá-lo, motivá-lo, encaminhar as dúvidas e questões ao professor titular de cada disciplina, dando o suporte necessário à sua aprendizagem. Esses alunos realizam atividades presenciais como as atividades avaliativas das disciplinas de seu curso. São essas atividades avaliativas que iremos analisar, mais precisamente, as produções textuais da seção de respostas das avaliações da disciplina de Leitura, Interpretação e Produção Textual, ministrada nos cursos de Química, Física, Matemática e Geografia, a qual monitoramos durante o período de 2008.1 a 2010.1. As atividades avaliativas são parte integrante do processo de construção dos conhecimentos, elas nos possibilitam diagnosticar questões, verificar resultados, oferecer mudanças, certificando o domínio dos conhecimentos, guiando novas aprendizagens. No entanto, todo esse processo deve-se a complexidade, multiplicidade e dimensões referentes aos aspectos políticos, sociais e cognitivos. Metodologia e análise do Corpus Partimos de uma análise qualitativa baseada na compreensão. Nosso foco é observar e analisar que estratégias de referenciação são utilizadas na construção de sentido dos textos dos graduandos da SEDIS/UFRN. Serviram de base para nossa análise 3 (três) textos de um total 22. Na atividade, os alunos foram orientados a expor a íntima relação existente entre os elementos verbais/não-verbais, considerando a existência da estreita ligação entre a leitura do não-verbal e o contexto sócio-histórico-cultural que nos envolve. Vale salientar que este trabalho não fará julgamento a respeito da construção formal das produções textuais.
Cartaz da atividade 1 Texto 01 1No texto 01, objetiva-se que o público seja sensibilizado pelo problema que está 2exposto, o trabalho infantil, nele vêe-se as duas faces do problema, um modo de vida 3que não é adaptado para as crianças, devido a sua idade, formação física e emocional, 4do outro notamos a bola que simboliza a infância, as brincadeiras comum nessa idade, ou 5seja, o texto mostra através das figuras o drama desse assunto, um fardo, simbolizando a 6escravidão, a rotina extremamente e a bola simbolizando a fase mais terna do ser 7humano.
Texto 02 1Texto 01: No cartaz percebemos uma criança transportando uma carga e pela posição 2de agachamento que ele se encontra, deve ter um peso muito superior a sua 3capacidade de transporte, isso lhe provocará desgaste físico, afetando o 4desenvolvimento normal de seu corpo. Outro detalhe traduzido pela linguagem não- 5verbal é que a criança paga um preço muito alto para trabalhar e ajudar sua família na 6sobrevivência, pois quando está em pleno desempenho de sua labuta diária e penosa 7do transporte de uma carga, com peso e volume inadequados a sua parte física, passa 8na sua frente e lhe chama atenção, uma bola correndo e saltitando como um convite à 9brincadeira, símbolo maior da infância, algo comum entre as crianças de sua idade. 10Isso lhe trará também transtornos psicológicos e de relacionamento com outras 11crianças que não precisam trabalhar, tendo um desenvolvimento totalmente diferente 12dos trabalhadores mirins, vítimas da sociedade em que vivemos. Texto 03 1 No primeiro texto, observamos que a criança que trabalha, além de comprometer 2o seu futuro, ela perde a sua infância, a etapa da vida onde nos preparamos para o 3futuro, através dos estudos, como também brincamos. Trabalhar nessa fase é carregar 4um fardo pesado nas costas e que estão além de nossas capacidades, por isso 5deveriam ter mais programas sociais para tentar erradicar esse trabalho infantil. Como vimos em nossa fundamentação teórica, a nossa compreensão de mundo se constitui a partir dos nossos arquivos de conhecimento que correspondem às estruturas da memória individual e memória social. Podemos observar que no cartaz indicado na primeira atividade estão comprimidas muitas informações acerca da temática em questão o trabalho infantil. Partindo da compreensão dos alunos acerca dos conceitos que envolvem o tema indicado, notamos que duas categorias são evocadas simultaneamente o Trabalho Infantil e a Infância.
Trabalho Infantil: - problema (Texto1, l. 1) - um modo de vida que não é adaptado para as crianças, devido a sua idade, formação física e emocional (Texto1, l. 2-3) - a escravidão (Texto1, l. 6) - drama(texto1, l. 5) - labuta diária e Infância: - a fase mais terna do ser humano(texto1, l. 6-7) - bola correndo e saltitando (símbolo maior da infância, algo comum entre as crianças de sua idade.) (Texto2, l. 8-9) - a etapa da vida onde nos preparamos para o futuro(texto3, l. 2-3) penosa(texto2, l. 6) -trabalhadores mirins, vítimas da sociedade em que vivemos (Texto2, l. 12) - um fardo(texto3, l. 4)
As expressões nominais surgem nos textos como estratégia de referenciação, dando sequencialidade e coerência aos textos. Essas nominalizações nos trazem importantes informações acerca das opiniões e crenças dos graduandos da SEDIS/UFRN. As expressões nominais que se referem a esses dois conceitos não apenas os retomam no texto, elas os (re)constroem e os remontam as referências indicadas (Trabalho infantil e infância). Nos textos, observamos o compartilhamento de informações acerca dos temas principais. Os graduandos têm a mesma crença de que o trabalho infantil é um problema, escravidão, um drama, um fardo, um modo de vida que não é adaptado para as crianças, devido a sua idade, formação física e emocional. A infância seria a fase mais terna do ser humano, a etapa da vida onde nos preparamos para o futuro. Os conceitos de trabalho infantil e de infância são evocados em cada texto e podem ser inferidos a partir do grupo de expressões nominais que os estabilizam nas produções. Assim, essas categorias constituem-se idealizadas por se estruturarem em conhecimentos socialmente produzidos e culturalmente disponíveis. Considerações finais No decorrer de nossa análise, observamos que os referentes são mantidos ou recuperados na cena interativa, por meio de vários processos de referenciação, tais como o uso de anáforas pronominais, de elipses, e também através do emprego das anáforas lexicais/expressões nominais. O foco deste trabalho foram as expressões nominais, pois as mesmas evidenciam olhares e percepções diferentes embasadas no conhecimento partilhado e individual (frames e esquemas). Com as observações feitas neste trabalho, sobre as estratégias de referenciação no discurso, constatamos que os a referência é construída no mundo a partir da integração entre os processos cognitivos, linguagem e cultura.
Referências APOTHÉLOZ, D. & REICHLER-BÉGUELIN, M. J. Construction de la référence et stratégies de désignation. In BERRENDONNER, A. e REICHLER-BÉGUELIN, M. J. (eds.) Du syntagme nominal aux objets de discours. SN complexes, nominalizations, anaphores. Neuchâtel: Institute de Linguistique de Neuchâtel, p. 227-271, 1995. KOCH, Ingedore G. V. Introdução à lingüística textual. São Paulo: Martins Fontes, 2004.. Referenciação e orientação argumentativa. In: Koch, I. V., MORATO, E. M. E BENTES, A. C. Referenciação e discurso. São Paulo: Contexto, p. 33-52, 2005.. A Referenciação. In: Desvendando os Segredos do Texto. Cortez, ed. São Paulo; 2002. KOCH, Ingedore G. V.; CUNHA-LIMA, Maria Luiza. Do Cognitivismo ao Sociocognitivismo. In: MUSSALIM, Fernanda, BENTES, Anna Christina (orgs). Introdução à Lingüística: fundamentos epistemológicos. vol. 3. São Paulo: Cortez Editora, p. 251-299, 2004. KOCH, I.G.V.; MARCUSCHI, L.A. Processos de referenciação na produção discursiva. Revista DELTA, 14, p.169-190, 1998. (número especial). MARCUSCHI, Luiz Antônio. Quando a referência é uma inferência. GEL de 2000, São Paulo, 2000. MARTELOTTA, M. E. (org.). Manual de lingüística. Rio de Janeiro: Editora Contexto, 2008. MONDADA, L. Gestion du topic et organization de la conversion. In: Cadernos de Estudos Lingüísticos, Campinas, IEL/Unicamp, n.41, 2001.