ANÁLISE DA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI /2003 EM TRÊS CONTEXTOS DIFERENTES VITÓRIA DA CONQUISTA - BA, PORTO SEGURO-BA E SÃO CARLOS-SP

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Transcrição:

ANÁLISE DA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/2003 EM TRÊS CONTEXTOS DIFERENTES VITÓRIA DA CONQUISTA - BA, PORTO SEGURO-BA E SÃO CARLOS-SP Leonardo Lacerda Campos 1 Gabriela Guarnieri de Campos Tebet 2 INTRODUÇÃO A Lei Federal 10.639/2003 instituiu a obrigatoriedade do Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas escolas públicas e privadas do País, que tem como finalidade contribuir para a superação dos preconceitos e atitudes discriminatórias por meio de práticas pedagógicas que contemplem novas perspectivas no processo de ensino e aprendizagem, sobretudo no que concernem os debates acerca da pluralidade étnica que envolve a composição do povo brasileiro. Assim o papel da escola é conduzir a formação intelectual de indivíduos capazes de interagir dentro de um contexto que garanta o respeito aos direitos legais e a valorização da identidade cultural brasileira e africana, bem como outras que direta ou indiretamente contribuíram para a formação da identidade cultural nacional. É nesse contexto que a pesquisa objetiva verificar a implementação da Lei 10.639/2003 nos Municípios de Vitória da Conquista e Porto Seguro no Estado da Bahia e São Carlos no Estado de São Paulo, buscando indagar alguns pontos importantes para a aplicabilidade da referida Lei, tendo em vista a necessidade da formação inicial e continuada dos docentes para um melhor encaminhamento dos conteúdos norteados pelos princípios que regem a Lei 10.639/2003. METODOLOGIA 1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP. Endereço eletrônico: leo.lacerda.campos@gmail.com 2 Orientadora: Professora Dra. do Departamento de Ciências Sociais na Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Endereço eletrônico: gabigt@g.unicamp.br 1356

Os focos de observações e análises foram estabelecidos por meio da verificação dos aportes teóricos que contemplam os principais temas abordados nesta proposta (livros, tratados governamentais, pareceres). Para atingir tais objetivos, os municípios indicados foram estudados sem a pretensão de realizar uma análise comparativa. Os dados coletados por meio de entrevistas com docentes foram analisados na perspectiva dos Estudos de casos múltiplos, com viés qualitativo. RESULTADOS E DISCUSSÕES A escola é um espaço sociocultural em que as diferentes presenças se encontram, e a ausência da História Africana e Afro-Brasileira ainda é uma das lacunas vigente nos sistemas educacionais brasileiros mesmo com a obrigatoriedade do ensino da temática desde 2003. Embora no século XXI, as políticas públicas brasileiras têm buscado incluir a população afro-brasileira por meio do reconhecimento, valorização e contribuição da identidade, cultura e história da população negra brasileira no processo de formação da nação. Por isso, os alunos negros e não negros, e os seus professores, precisam sentirse valorizados e apoiados, sobretudo, no processo de reeducação das relações entre negros e brancos, hoje designada como relações étnico-raciais. É a partir deste contexto que a presente pesquisa se propõe refletir sobre o processo de implementação da Lei 10.639/2003 nos Municípios de Porto Seguro e Vitória da Conquista no Estado da Bahia e São Carlos no Estado de São Paulo. O Brasil, ao longo de sua História, estabeleceu um modelo de desenvolvimento excludente, impedindo que milhões de brasileiros tivessem acesso à escola, nela permanecessem e obtivessem sucesso. A Colônia, o Império e a República tiveram historicamente, no aspecto legal, uma postura ativa e permissiva diante da discriminação e do racismo que atinge a população afrodescendente brasileira até os dias atuais. Vale salientar que Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro presidente a reconhecer que o Brasil é um País racista, porém foi com o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que várias medidas foram sendo implementadas a fim de redefinir o papel do Estado como propulsor das transformações sociais, reconhecendo as disparidades entre brancos e negros na sociedade e a necessidade de intervir de forma positiva, assumindo o compromisso de eliminar as desigualdades raciais, dando importantes passos rumo à afirmação dos direitos humanos básicos e fundamentais da população negra brasileira. 1357

A partir destas propostas, é promulgado, o Art. 26-A da LDB, que promove a inserção, nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio, da disciplina Ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira. Criou-se também, em 21 de março de 2003, a Seppir (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e instituiu-se a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial. O mote desses atos estava vinculado a urgente necessidade de alterações positivas na realidade vivenciada pela população negra a fim de trilhar um novo caminho rumo a uma sociedade verdadeiramente democrática, justa e igualitária, revertendo os efeitos de séculos de preconceito, discriminação e racismo. Para tanto está sendo atribuída aos estabelecimentos de ensino a responsabilidade de tratar com mais seriedade a contribuição dos africanos escravizados e de seus descendentes para a construção da nação brasileira; de fiscalizar para que, no seu interior, os alunos negros deixem de sofrer os primeiros e continuados atos de racismo. Sem dúvida, assumir estas responsabilidades implica compromisso com o entorno sociocultural da escola, da comunidade onde esta se encontra e a que serve e, sobretudo, compromisso com a formação de cidadãos atuantes e democráticos capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais de que participam. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da análise da aplicabilidade da Lei 10.639/2003 nos Municípios estudados, o que podemos constatar de maneira latente é a necessidade de refletir sobre concepções metodológicas capazes de inovar os currículos das escolas com a sistematização desta área de conhecimento. Para enfrentar esse desafio tem-se também que construir estratégias e conteúdos para a formação dos atuais e dos futuros professores em estudos sobre culturas de matriz africana e afro-brasileira. O cumprimento da Lei significa construir efetivamente uma nova prática pedagógica, democrática e que respeite a diversidade cultural e étnica brasileira. É importante perceber que o resgate da História da África é imprescindível, e a precariedade dos profissionais no que concerne à formação teórica da temática, acaba por reforçar a discriminação. Dessa forma, é preciso que o educador saiba tratar bem o assunto a ser enfatizado, sabendo ainda correlacioná-lo à realidade em que se insere o aluno. A finalidade que a temática expressa não é somente a de consciência da História construída entre África 1358

e Brasil, mas a de construção de uma identidade negra. Para tanto, o profissional em educação deve ter disponibilidade ao risco, aceitando o novo que não pode ser negado. A tarefa da educação inclusiva não é simples: muitos professores se encontram ética e pedagogicamente despreparados. Contudo a pesquisa apontou que o trato com a educação das relações ético-raciais está restrito ainda a ações de poucos professores não sendo ainda uma prática de todas as escolas das redes municipais de ensino investigadas. Vale mencionar que dos professores entrevistados e que tem desenvolvido trabalhos pertinentes em consonância com a Lei 10.639/2003, apontaram como causa principal para um melhor encaminhamento dos debates e projetos a militância no movimento negro de alguns professores entrevistados, bem como a afinidade com a temática. Destacaram ainda que muitos docentes trabalham com a temática apenas para complementar a carga horária. Esse fato ocorre principalmente nos municípios que possuem na sua grade curricular uma disciplina específica. Palavras-chave: Educação. Lei 10.639/2003. Relações étnico-raciais. REFERÊNCIAS BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico- Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: DF, 2005. BERNARDINO, Joaze. Levando a raça a sério: ação afirmativa e correto reconhecimento. In. ; GALDINO, Daniela (orgs). Levando a Raça a sério: Ação afirmativa e universidade. Rio de Janeiro: DP &A, 2004. FONSECA, Dagoberto José. Políticas Públicas e Ações Afirmativas. São Paulo: Selo Negro, 2009. GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Preconceito de Cor e Racismo no Brasil. São Paulo: Revista de Antropologia da USP, 2004, V. 47 Nº 1.. Democracia Racial: O ideal, o Pacto e o Mito. São Paulo: Novos Estudos CEBRAP, 2001, Nº 61. 1359

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