Causas de óbito dos pacientes com câncer de mama diagnosticados e tratados no Hospital Erasto Gaertner de 1995 a 1999: estudo retrospectivo



Documentos relacionados
Analisar a sobrevida em cinco anos de mulheres. que foram submetidas a tratamento cirúrgico, rgico, seguida de quimioterapia adjuvante.

A Evolução da Morbidade e Mortalidade por Câncer de Mama entre a População Feminina de Minas Gerais 1995 a 2001 *

A situação do câncer no Brasil 1

Registro Hospitalar de Câncer de São Paulo:

DIABETES MELLITUS NO BRASIL

Numeração Única: TEMA: TAMOXIFENO NO TRATAMENTO ADJUVANTE DO CANCER DE MAMA

Causas de morte 2013

ENFERMAGEM EM ONCOLOGIA. Renata Loretti Ribeiro Enfermeira COREn/SP

Mortalidade e morbidade por câncer de mama feminino na região Sudeste do Brasil (segundo UF s): uma análise para 1998 e 2003 *

ESTUDO RETROSPECTIVO DAS NEOPLASIAS CANINAS DIAGNOSTICADAS EM UM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO NO PERÍODO DE 2009 A 2010

Numeração Única: TEMA: TAMOXIFENO NO TRATAMENTO ADJUVANTE DO CANCER DE MAMA

Núcleo Mama Porto Alegre (NMPOA) Estudo longitudinal de rastreamento e atenção organizada no diagnóstico e tratamento do câncer de mama

O que é câncer de mama?

Bioestatística. Organização Pesquisa Médica. Variabilidade. Porque existe variabilidades nos fenômenos naturais? Fontes de variação:

Bastian Ignacio Olivares Flores ANÁLISE DE SOBREVIDA DE PACIENTES COM CÂNCER DO APARELHO DIGESTIVO

Políticas de saúde: o Programa de Saúde da Família na Baixada Fluminense *

MORTALIDADE POR TRÊS GRANDES GRUPOS DE CAUSA NO BRASIL

13. CONEX Pôster Resumo Expandido 1 O PROJETO DE EXTENSÃO CEDTEC COMO GERADOR DE FERRAMENTAS PARA A PESQUISA EM CÂNCER DE MAMA

Risco de Morrer em 2012

Avaliação da sobrevida dos pacientes com câncer colorretal tratado em hospital oncológico terciário

Atualização do Congresso Americano de Oncologia Fabio Kater

Apesar de ser um tumor maligno, é uma doença curável se descoberta a tempo, o que nem sempre é possível, pois o medo do diagnóstico é muito grande,

Diretrizes Assistenciais

CAPÍTULO 2 CÂNCER DE MAMA: AVALIAÇÃO INICIAL E ACOMPANHAMENTO. Ana Flavia Damasceno Luiz Gonzaga Porto. Introdução

EMENTA: Câncer urológico - Critérios de alta para pacientes com câncer CONSULTA

Dra Adriana de Freitas Torres

LIGA DA MAMA: AÇÕES COMUNITÁRIAS DE PREVENÇÃO E RASTREAMENTO DO CÂNCER DE MAMA EM Palavras-chave: Câncer de mama; rastreamento, prevenção.

INTRODUÇÃO (WHO, 2007)

Tabagismo e Câncer de Pulmão

Atuação da Acupuntura na dor articular decorrente do uso do inibidor de aromatase como parte do tratamento do câncer de mama

TEMA: Temozolomida para tratamento de glioblastoma multiforme

Em 2013 perderam-se anos potenciais de vida devido à diabetes mellitus

Caracterização dos doentes toxicodependentes observados pela equipa de Psiquiatria de Ligação - análise comparativa dos anos de 1997 e 2004

Declaro não haver nenhum conflito de interesse.

CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DE DEFESA DA SAÚDE CESAU

TABAGISMO E CÂNCER DE PULMÃO *

O que é câncer de estômago?

CAUSAS DE MORTE NO ESTADO DE SÃO PAULO

O sistema TNM para a classificação dos tumores malignos foi desenvolvido por Pierre Denoix, na França, entre 1943 e 1952.

IONE JAYCE CEOLA SCHNEIDER ELEONORA d ORSI

Descobrindo o valor da

PERFIL NUTRICIONAL DE MULHERES COM CÂNCER DE MAMA ATENDIDAS NO HOSPITAL DA PROVIDÊNCIA DE APUCARANA - PR

Tendência da mortalidade da população paulista por neoplasias malignas

Apresentação. Introdução. Francine Leite. Luiz Augusto Carneiro Superintendente Executivo

OUTUBRO. um mes PARA RELEMBRAR A IMPORTANCIA DA. prevencao. COMPARTILHE ESSA IDEIA.

13. CONEX Apresentação Oral Resumo Expandido 1

Nível de estadiamento das mulheres submetidas a tratamento do câncer de mama

CRS Leste/ST Guaianases UBS Jd. Aurora

Otto Feuerschuette. Declaração de conflito de interesse

ACIDENTES DE TRÂNSITO: OCORRÊNCIAS E MORTALIDADE

Tratamento do câncer no SUS

FÓRUM Câncer de Mama. Políticas Públicas: Tratamento e Apoio Dra. Nadiane Lemos SSM-DAS/SES-RS

c Taxas por milhão, ajustadas pela população padrão mundial, Câncer na Criança e no Adolescente no Brasil

Eduardo Henrique Laurindo de Souza Silva¹, João Ricardo Auller Paloschi 1, José Roberto de Fígaro Caldeira 1, Ailton Joioso 1

Desigualdades no Acesso à Tecnologia: Relevância para Grupos de Pacientes

Histórico. O Outubro Rosaéum movimento popular dedicado a alertar as mulheres para a importância da prevenção e da detecção precoce do câncer de mama.

Marília Ávila Acioly 1 ; Maria do Carmo Carvalho de Abreu e Lima 2

TÍTULO: UTILIZAÇÃO DA MAMOGRAFIA PARA O DIAGNÓSTICO DO CÂNCER DE MAMA MASCULINO

SISCOLO RELATÓRIO PRÁ-SABER DIGITAL: Informações de Interesse à Saúde SISCOLO Porto Alegre 2008

Como tratar o câncer de mama na paciente com mutação genética? Prof. Dr. Giuliano Duarte

Palavras- chave: Vigilância epidemiológica, Dengue, Enfermagem

RELATO DA IMPLANTAÇÃO DO REGISTRO HOSPITALAR DE CÂNCER NO SERVIÇO DE EPIDEMIOLOGIA DO HOSPITAL DE CLÍNICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ.

CAMPANHA PELA INCLUSÃO DA ANÁLISE MOLECULAR DO GENE RET EM PACIENTES COM CARCINOMA MEDULAR E SEUS FAMILIARES PELO SUS.

Aumento dos custos no sistema de saúde. Saúde Suplementar - Lei nº 9.656/98

DIAGNÓSTICO MÉDICO DADOS EPIDEMIOLÓGICOS FATORES DE RISCO FATORES DE RISCO 01/05/2015

CANCER DE MAMA FERNANDO CAMILO MAGIONI ENFERMEIRO DO TRABALHO

Doenças Crônicas. uma nova transição. Paulo A. Lotufo. FMUSP Coordenador do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP

Acidentes de transportes passam a ser a principal causa de morte não natural do Estado de São Paulo

Sistema de Informação/Vigilância epidemiológica

Journal of Thoracic Oncology Volume 3, Number 12, December 2008

Capítulo 7 Estudos sobre Causalidade e Etiologia

ANÁLISE COMPARATIVA DOS GRAUS HISTOLÓGICOS ENTRE TUMOR PRIMÁRIO E METÁSTASE AXILAR EM CASOS DE CÂNCER DE MAMA

SEGALLA 1, José G M, CAPRA 1, Rute M M, VENEZIANO 1, Claúdia L A, VENEZIANO 1, Donaldo B, ZULIANI 1, Selma A R, MAUAD 2, Lenira M Q

Projeto Amazona: Desfechos Clínicos de Pacientes Públicos e Privados

André Salazar e Marcelo Mamede CANCER PATIENTS: CORRELATION WITH PATHOLOGY. Instituto Mário Penna e HC-UFMG. Belo Horizonte-MG, Brasil.

A EVITABILIDADE DE MORTES POR DOENÇAS CRÔNICAS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS AOS IDOSOS

HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA: HÁ DIFERENÇA NA DISTRIBUIÇÃO ENTRE IDOSOS POR SEXO?

CARACTERÍSTICAS SOCIODEMOGRÁFICAS DE IDOSAS. UM OLHAR PARA VIÇOSA, MINAS GERAIS, BRASIL

Cartilha REGISTROS DE CÂNCER E O RHC DO HAJ

Metástase Cutânea de Carcinoma de Células Claras Renais: Relato de Caso Aichinger, L.A. 1, Kool, R. 1, Mauro, F.H.O. 1, Preti, V.

Diretrizes Assistenciais. Protocolo de Conduta da Assistência Médico- Hospitalar - Mama

AVALIAÇÃO DE MORBIDADES E ATUAÇÃO FISIOTERAPÊUTICA EM MULHERES COM CÂNCER DE MAMA: ANÁLISE RETROSPECTIVA DE 2008 A 2012

Melhorar sua vida, nosso compromisso Redução da Espera: tratar câncer em 60 dias é obrigatório

Prevalência, Conhecimento, Tratamento e Controle da Hipertensão em Adultos dos Estados Unidos, 1999 a 2004.

MORTALIDADE FETAL SEGUNDO VARIÁVEIS RELACIONADAS À MÃE NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA

Memória de cálculo dos indicadores do Pacto de Atenção Básica 2004

Bases de Dados em Saúde

29/5/2012 DIPOSICIONAL SITUACIONAL OTIMISMO DISPOSICIONAL INTRODUÇÃO REVISÃO DE LITERATURA MÉTODOS FONTE DE DADOS PROJETO INSTRUMENTOS RESULTADOS

ID:1772 MORBIMORTALIDADE HOSPITALAR POR DIABETES MELLITUS EM UM MUNICÍPIO DO INTERIOR DA BAHIA, BRASIL

MS777: Projeto Supervisionado Estudos sobre aplicações da lógica Fuzzy em biomedicina

O Que solicitar no estadiamento estádio por estádio. Maria de Fátima Dias Gaui CETHO

Consulta de Enfermagem para Pessoas com Hipertensão Arterial Sistêmica. Ms. Enf. Sandra R. S. Ferreira

A influência da Estratégia Saúde da Família sobre Indicadores de Saúde em municípios do Rio de Janeiro

Qual é a função dos pulmões?

c Taxas por milhão, ajustadas pela população padrão mundial, Câncer na Criança e no Adolescente no Brasil

Para análise do processo, favor proceder conforme as instruções a seguir:

TEXTO 2 SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DO CÂNCER DE MAMA. Tânia Aparecida Correia Furquim 1

Linha de Cuidado da Obesidade. Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas

Transcrição:

Artigo original Causas de óbito dos pacientes com câncer de mama diagnosticados e tratados no Hospital Erasto Gaertner de 1995 a 1999: estudo retrospectivo Causes of death of the patients with breast cancer diagnosed and treated at the Erasto Gaertner Hospital from 1995 to 1999: retrospective study Bruna Fabiana Vianna Alessio 1, Caroline de Nadai Costa 1 ; Reitan Ribeiro 2 ; Plinio Gasperin Junior 3 ; Sergio Bruno Bonatta Hatschbach 4 Descritores Mama neoplasias da mama saúde da mulher mortalidade causas de morte RESUMO Introdução: O câncer de mama é a segunda neoplasia mais frequente no mundo e é a principal causa de óbito entre as mulheres. Com o aumento do diagnóstico precoce, espera-se que outras causas, que não a neoplasia mamária, sejam determinantes à morte do paciente. O estudo objetivou verificar as causas de óbito das pacientes com câncer de mama tratadas no Hospital Erasto Gaertner, correlacionando os fatores de risco estadiamento, idade, hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus com as principais causas. Metodologia: Foi realizado estudo retrospectivo através da revisão de prontuários das pacientes diagnosticadas entre 1995 e 1999; tratadas na instituição e que foram a óbito até setembro de 2008. Foram coletados dados referentes à idade da paciente no momento do diagnóstico, estadiamento, presença de comorbidades e causa da morte. Resultados: Faleceram 393 pacientes, com idade média ao diagnóstico de 53,8 anos. Em 30% dos casos, a causa de óbito não foi definida. Entre as causas de óbito conhecidas, progressão da doença à distância foi responsável por 87% dos óbitos, seguida de doenças do aparelho circulatório (6%) e outras neoplasias (2,5%). Conclusão: A principal causa de mortalidade averiguada foi progressão da doença à distância, principalmente nas pacientes com estádios avançados. Nas pacientes diagnosticados precocemente, foi significativa a ocorrência de óbito por doenças do aparelho circulatório. A presença de HAS, DM e idade superior a 60 anos, mostraram-se como fatores de risco para óbito por outras causas, que não a neoplasia da mama. Keywords Breast breast neoplasms women s health mortality cause of death ABSTRACT Introduction: Breast cancer is the second most frequent neoplasm and the main cause of women s death. It is expected that with the increase in early diagnosis other reasons than breast cancer will determine the patient s death. The objective of this study was to verify the causes of death of patients treated for breast cancer at Erasto Gaertner Hospital, and related the risk factors such as; staging, age, Diabetes Mellitus (DM), and Arterial Hypertension to the main causes of the deaths found. Methods: A retrospective study was conducted through the review of medical records of patients diagnosed between 1995 and 1999, who received treatment at our Institution and died before September 2008. Trabalho realizado no Hospital Erasto Gaertner Curitiba (PR), Brasil. 1 Médica pela Faculdade Evangélica do Paraná (FEPAR) Curitiba (PR), Brasil. 2 Médico Residente de Cirurgia Oncológica do Hospital Erasto Gaertner Curitiba (PR), Brasil. 3 Professor Adjunto da disciplina de Ginecologia da FEPAR Curitiba (PR), Brasil. 4 Chefe do Serviço de Mama e Ginecologia do Hospital Erasto Gaertner Curitiba (PR), Brasil. Endereço para correspondência: Reitan Ribeiro Rua Dr. Ovande do Amaral, 201 Jardim das Américas CEP 81520-060 Curitiba (PR), Brasil E-mail: taca2003@yahoo.com.br. Recebido em: 10/05/2011. Aceito em: 10/06/2011

10 Alessio BFV, Costa CN, Ribeiro R, Gasperin Junior P, Hatschbach SBB Data related to the patient was collected patient s age at diagnosis, staging, the existence of comorbidities and cause of death. Results: 393 patients died, the mean age at diagnosis was 53.8 years. In 30% of the cases the cause of death was not defined. Among the causes of death, disease progression at distant sites was responsible for 87% of deaths, followed by cardiovascular diseases (6%) and by other kinds of neoplasm (2.5%). Conclusion: The main cause of mortality observed was the progression of the disease at distance, especially in patients in advanced stages. It was observed on patients who were early diagnosed a significant number of deaths from cardiovascular diseases. The presence of hypertension, DM and age higher than 60 years were considered risk factors for other causes of death apart from breast cancer. Introdução O câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais frequente no mundo e o primeiro entre as mulheres, excetuando-se os tumores de pele não melanoma. É a principal causa de óbito por neoplasia entre as mulheres. Sua presença e tratamento acarretam sérias consequências físicas e psicológicas, sendo considerado um grave problema de saúde pública 1. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), estimouse que no ano de 2008 a incidência de novos casos de câncer de mama no Brasil foi de 49.400, com um risco estimado de 51 casos a cada 100 mil mulheres 2. Esta crescente incidência vem sendo relacionada nos países subdesenvolvidos a mudanças sociodemográficas, como o envelhecimento da população, e a melhor atuação diagnóstica nos serviços de saúde 3. Apesar de ser considerado um câncer de relativamente bom prognóstico se diagnosticado e tratado precocemente, as taxas de mortalidade por neoplasia mamária continuam elevadas no Brasil, provavelmente porque a doença ainda é diagnosticada em estádios avançados 1. Segundo os dados de mortalidade disponíveis pelo DATA- SUS, no ano de 2006 ocorreram 437.429 óbitos femininos no Brasil. Destes, 144.288 tiveram como causa as doenças do aparelho circulatório, 70.701 devido a neoplasias malignas, sendo 10.834 por neoplasia maligna de mama 4. Quando diagnosticado em fases iniciais, a probabilidade de cura do câncer é maior. No estádio I (T1N0M0), a sobrevida em 5 anos é de 90%. Contudo, pacientes com câncer de mama em estádio IV (qualquer T, qualquer N, M1) têm uma taxa de sobrevida de 15% em 5 anos 5. A sobrevida global é o resultado mais importante da terapêutica para pacientes com neoplasia. Uma elevada taxa de mortalidade pelo câncer de mama pode ser uma combinação de causas de óbito relacionadas ao seu tratamento e a progressão da doença, assim como de causas não relacionados com o câncer de mama 5. Com o aumento do diagnóstico precoce, espera-se que os pacientes com câncer de mama, cada vez mais, apresentem como causa de óbito outras causas comuns à população geral e não relacionadas ao tumor ou ao seu tratamento. Diante disso, o presente estudo objetivou verificar as causas de óbito das pacientes com câncer de mama diagnosticado e tratado no Hospital Erasto Gaertner (HEG) e relacionou quais os principais fatores de risco para óbito por outras causas que não o câncer de mama. Métodos Foi realizado um estudo retrospectivo baseado na revisão de prontuários das pacientes com câncer de mama diagnosticado entre 1º de janeiro de 1995 a 31 de dezembro de 1999, atendidos e tratados pela instituição, e que foram a óbito até setembro de 2008. Os prontuários foram revisados através de um protocolo que foi preenchido com informações referentes aos aspectos epidemiológicos da população, à neoplasia da mama e às causas de óbito das pacientes. Quanto aos aspectos epidemiológicos da população, foi verificada a idade da paciente à época do diagnóstico e a presença de comorbidades tais como: tabagismo, etilismo, hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes mellitus (DM). Em relação à neoplasia de mama, foram coletados dados referentes ao tipo histológico do tumor e ao estadiamento definitivo. Quando a paciente apresentava dois tumores primários de mama sincrônicos, foi considerado aquele com estadiamento mais avançado. A respeito das causas de óbito averiguadas, a primeira fonte de informações considerada para o preenchimento do protocolo foi a declaração de óbito (DO). Quando a DO não estava anexada ao prontuário, dava-se prioridade para a evolução médica descrita no prontuário. A terceira fonte, na ausência das duas anteriores, foi o registro escrito pelas assistentes sociais informando acerca do falecimento do paciente (muitas vezes obtidos através de contato telefônico feito junto a familiares e responsáveis).

Causas de óbito dos pacientes com câncer de mama diagnosticados e tratados no Hospital Erasto Gaertner de 1995 a 1999: estudo retrospectivo 11 As pacientes foram classificadas em três grupos principais quanto à causa de óbito: aquelas que morreram por câncer de mama, as que foram a óbito por outras causas e pacientes sem causa de óbito definida. As pessoas que morreram por neoplasia mamária tiveram as causas do óbito classificadas em: progressão local do tumor, progressão da doença à distância e óbito por complicações do tratamento. Este último podendo ser em decorrência do tratamento cirúrgico, da quimioterapia, da radioterapia ou da hormonioterapia. Outras causas conhecidas de óbito incluíam: doenças do aparelho circulatório, outras neoplasias, doenças do aparelho respiratório, doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, doenças do aparelho digestivo, causas externas de mortalidade, doenças infecciosas e parasitárias e doenças do aparelho geniturinário. As pacientes classificadas como sem causa de óbito definida, apresentaram como causa: sinais, sintomas e afecção mal definidas, causa desconhecida e não foi possível encontrar as informações (apenas está registrado que a paciente faleceu). Realizaram-se análises descritivas dos dados e os resultados encontrados foram comparados com dados epidemiológicos disponíveis na literatura mundial, a fim de verificar a concordância entre as causas de óbito das pacientes do HEG e o observado em outras instituições. O tratamento estatístico foi realizado através dos testes do χ 2 e do teste exato de Fisher para a análise univariada dos dados. Buscou-se verificar significância entre as causas de óbito e os seguintes aspectos, comparados separadamente: estadiamento, idade no momento do diagnóstico, presença de DM e/ ou HAS. Foram excluídos da análise os pacientes sem causa de óbito definida. Resultados Dentre todas as pacientes tratadas na instituição com câncer de mama diagnosticado no período de 1995 a 1999, 393 faleceram. Destas, a idade média no momento do diagnóstico foi de 53,8 anos, variando de 26 a 90 anos. O tipo histológico predominante foi o carcinoma ductal invasor, com 90% dos casos, seguido pelo lobular invasor, com 2,5%. Outros tipos histológicos corresponderam a 7,5% dos casos. Com relação ao estadiamento, verificou-se que 74% das pacientes estavam em estádios igual ou superior ao IIIA. Na Tabela 1, pode ser verificada a distribuição das pacientes conforme o estadiamento. Dos 393 falecimentos averiguados, 147 ocorreram no HEG; destes, 70% detinham a DO anexada ao prontuário. Não foi possível definir a causa do óbito em 23,4% dos casos e em 5,8% a causa foi registrada como desconhecida. Deste modo, verifica-se que mais de 70% dos falecimentos apresentaram uma causa específica do seu ocorrido. Na Tabela 2, encontram-se especificados as causas de morte e a idade média ao diagnóstico das pacientes. Entre as pacientes com causa de óbito conhecida, a progressão da doença à distância foi responsável por 87% das mortes. Quando realizada a análise estatística, os fatores estadiamento, idade, presença de DM e presença de HAS, mostraramse significativos para ocorrência de óbito por outras causas, que não a neoplasia de mama (Tabela 3). Na Tabela 4, encontram-se especificados as pacientes que faleceram por câncer de mama, doença cardiovascular e outras causas, de acordo com o estadiamento. Foram excluídas as pacientes sem causa de óbito conhecida e com estadiamento ignorado. Comparando os grupos câncer versus DCV em relação ao estadiamento, o valor p encontrado foi de 0,0207 (p=0,0207), portanto estatisticamente significante, mostrando mais óbitos por DCV nos estádios iniciais. Tabela 1. Classificação das pacientes com câncer de mama Estadiamento Número % Estadio I 12 3,0 Estadio II A 31 8,0 Estadio II B 57 15,0 Estadio III A 73 19,0 Estadio III B 92 23,0 Estadio III C 27 6,8 Estadio IV 87 22,0 Ignorado 13 3,0 In situ 1 0,2 TOTAL 393 100 Tabela 2. Causas de óbito das pacientes com câncer de mama diagnosticado entre 1995 e 1999 Causas de óbito Número % Idade média (anos) Câncer de mama Doença à distância 240 61,0 51,5 Progressão local 5 1,2 56,8 Complicação do tratamento 1 0,3 76,0 Outras causas Aparelho circulatório 17 4,3 67,0 Outras neoplasias 7 1,8 58,8 Aparelho digestivo 4 1,0 58,5 Doenças endócrinas 3 0,8 52,6 Aparelho respiratório 1 0,3 72,0 Sem causa definida Não foi possível encontrar as 92 23,4 56,0 informações Causa desconhecida 22 5,8 55,9 Sinais e sintomas mal definidos 1 0,3 38,0 TOTAL 393 100 53,8

12 Alessio BFV, Costa CN, Ribeiro R, Gasperin Junior P, Hatschbach SBB Tabela 3. Fatores de risco para óbito por causa não relacionada ao câncer de mama Óbito pelo câncer Óbito por outras de mama (%) causas (%) Valor p Estadiamento 0,0024* Estadio I 04 (57%) 03 (43%) Estadio II 49 (82%) 11 (18%) Estadio III 119 (89%) 15 (11%) Estadio IV 66 (97%) 02 (3%) Idade 0,0011* <60 anos 183 (92%) 15 (8%) 60 anos 62 (78%) 18 (22%) Diabetes 0,0218** Sim 10 (67%) 05 (33%) Não 235 (89%) 28 (11%) Hipertensão 0,0057* Sim 37 (76%) 12 (24%) Não 208 (91%) 21 (9%) Foram excluídas as pacientes sem causa de óbito definida; *teste χ 2 ; **teste exato de Fisher Tabela 4. Classificação das causas de óbitos em relação ao estadiamento CA de Outras DCV Mama causas Total Estadio I 4 (58%) 2 (27%) 1 (15%) 7 (3%) Estadio IIA 16 (84%) 2 (11%) 1 (5%) 19 (7%) Estadio IIB 33 (80%) 4 (10%) 4 (10%) 41 (15%) Estadio IIIA 50 (93%) 0 (0%) 4 (7%) 54 (20%) Estadio IIIB 53 (85%) 7 (11%) 2 (4%) 62 (23%) Estadio IIIC 16 (90%) 1 (5%) 1 (5%) 18 (7%) Estadio IV 66 (98%) 1 (1%) 1 (1%) 68 (25%) TOTAL 238 (89%) 17 (6%) 14 (5%) 269 (100%) Excluídos todos os pacientes com estadiamento ignorado e causa de óbito desconhecida p=0,0207 Discussão Segundo o Registro Hospitalar de Câncer (RHC) do HEG, no período de 1990 a 1999, o câncer de mama foi a terceira neoplasia maligna do sexo feminino, mais frequente na instituição, atrás dos tumores de pele e do câncer do colo do útero, totalizando no período 2.630 casos 5. A prevalência histológica do carcinoma ductal invasor foi de 90%, apresentando comportamento similar a outros estudos 6,7. De acordo com o RHC do HEG em relação à neoplasia de mama, 46,7% dos casos atendidos pela instituição apresentavam-se em estádios iniciais da doença (I e II) e 38,2% em estádios III e IV 5. No presente estudo, verificou-se que 74% das pacientes com neoplasia de mama que foram a óbito apresentavam estadiamento igual ou superior ao IIIA. O predomínio das pacientes com estádios IIIA ou superior entre as pacientes que faleceram era esperado, uma vez que sobrevida destas pacientes não passa de 40% em 5 anos, conforme publicação prévia 8. A principal causa de óbito das pacientes foi progressão da doença à distância. As doenças do aparelho circulatório foram responsáveis por 6% dos óbitos, tendo sua prevalência aumentada nas pacientes em estádios iniciais. No atual estudo, óbito por complicação do tratamento ocorreu em apenas um caso, em decorrência do tratamento quimioterápico. Esta baixa porcentagem de óbito por complicação do tratamento e por outras causas pode significar a tendência de se atribuir à neoplasia a responsabilidade pelo óbito. Estudo desenvolvido no Royal Marsden Hospital (Inglaterra) verificou a causa de morte de 161 pacientes que estavam em até 30 dias do tratamento quimioterápico. Do total dos 161 óbitos, 12 foram decorrentes de complicação da quimioterapia. Os óbitos ocorridos foram relacionados principalmente ao estádio clínico avançado e ao baixo performance status do paciente 9. É preciso destacar também uma subnotificação dos registros de falecimento nos prontuários examinados. Em 30% dos casos não foi possível encontrar informações que permitissem a definição da causa do óbito. Quanto às pacientes que morreram na instituição, 30% delas não possuíam uma via da DO anexada ao prontuário. O hospital é responsável por anexar ao prontuário todas as DO das pacientes que morreram na instituição. Assim, destaca-se a importância da DO como um registro padrão para a coleta das informações sobre mortalidade, as quais servem de base para o cálculo das estatísticas vitais e epidemiológicas do Brasil 10. A retirada da DO do hospital para registro em cartório é uma das principais responsáveis pela sua ausência, uma vez que grande parte dos familiares não retorna para devolver a via do hospital. Como já destacado anteriormente, com o aumento das taxas de detecção precoce e de melhores terapias, espera-se que mais pacientes sobrevivam à neoplasia de mama e, portanto, estejam mais vulneráveis a morrer por outras doenças, principalmente as de origem cardiovascular 11. Uma análise dos dados de Lloyd-Jones et al. 11 estima que mulheres na idade de 50 anos possuam um risco aproximado de 39% para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Nessa idade, 40% das mulheres na população tiveram pelo menos 1 fator de risco existente e 17% tiveram 2 ou mais fatores de risco. Esta última associada a 50% de risco para o desenvolvimento de DCV. Observamos que as pacientes com estadiamento I apresentaram, quase na mesma proporção, óbito por neoplasia da mama (57%) e óbito por outras enfermidades (43%), em especial das doenças cardiovasculares. Como esperado, quanto mais avançado o estadiamento, maior o número de óbitos por causa da neoplasia mamária, sendo que outras causas de óbito são praticamente irrelevantes para as pacientes com estádios III e IV. Um estudo 12 selecionou pacientes livres da doença após transcorridos aproximadamente 5 anos de tratamento com tamoxifeno adjuvante, a fim de verificar as causas de óbito destes indivíduos. Foi constatado que 60% dos óbitos não estavam

Causas de óbito dos pacientes com câncer de mama diagnosticados e tratados no Hospital Erasto Gaertner de 1995 a 1999: estudo retrospectivo 13 relacionados ao câncer de mama e seu tratamento e, que a presença de doenças cardiovasculares era um fator de risco estatisticamente significante para a ocorrência de óbito por outras causas, que não o câncer de mama. Além disso, outro estudo 13 demonstrou que moduladores dos receptores de estrógeno aumentam os riscos de acidente vascular encefálico. A confirmação de que DM, HAS e idade maior de 60 anos são fatores de risco significativos para o óbito por outras causas em pacientes com tumores inicias, deve alertar a equipe assistente para a profilaxia da doença cardiovascular destas pacientes. Muitos médicos acabam ignorando outras doenças após o diagnóstico de câncer. Da mesma forma, talvez se deva considerar o relaxamento de medidas comportamentais de doenças crônicas como HAS e DM que causem desconforto ou insatisfação para pacientes com doença mais avançada, uma vez que 92% das pacientes com doença estádios III e IV morrerão por progressão da neoplasia. Também se destaca que os estudos citados anteriormente 12,13 foram realizados em países desenvolvidos, com uma estrutura populacional e de saúde diferente da encontrada na nossa população, não servindo como referência para comparação, mas sim como dado informativo. Devem-se considerar as limitações do estudo, por ser retrospectivo e contar com as inúmeras falhas relacionadas a este desenho, como a tendência à subnotificação das comorbidades e em especial à tendência a atribuir-se a neoplasia como a causa de óbito em casos em que a causa não fica totalmente clara; somado ao fato da falta de tradição na realização de necropsias no Brasil, o que dificulta o diagnóstico preciso. Ainda, deve-se considerar o seguimento limitado. Um segmento mais prolongado, provavelmente, tenderia a mostrar um maior número de óbitos por causas não relacionadas ao tumor mamário. Conclusão A progressão do câncer é a principal causa de morte em pacientes com câncer de mama. Entretanto, paciente com estádios iniciais, idosas, diabéticas e hipertensas apresentam fatores de risco para óbito por outras patologias que não o câncer de mama, em especial por doença cardiovascular. Referências 1. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer [homepage on the internet]. Brasil: Câncer de mama; c1996-2009 [cited 2009 Aug 10]. Available from: http://www.inca.gov.br. 2. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Assistência à Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Estimativa de Incidência e Mortalidade por Câncer no Brasil 2008. Rio de Janeiro: Inca, 2007. 3. Silva LN, Simões JC. Câncer de mama. In: Simões JC, Gama RR, Winheski MR. Câncer: estadiamento e tratamento. São Paulo: Lemar Livraria e Editora Marina; 2008. p. 45-82. 4. Ministério da Saúde. DATASUS [homepage on the internet]. Brasil: Indicadores e dados básicos Brasil 2008; c2008 [cited 2009 Aug 06]. Available from: http://www.datasus.gov.br/. 5. Liga Paranaense de Combate ao Câncer. Hospital Erasto Gaertner. Registro Hospitalar de Câncer. 10 Anos de Registro Hospitalar de Câncer 1990 1999. Curitiba: LPCC, 2003. 6. EINSENBERG ALM. Sobrevida de cinco anos para pacientes com carcinoma ductal infiltrante de mama sem comprometimento de linfonodos axilares: coorte hospitalar, 19921996 [tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; 2001. 7. de Moraes AB, Zanini RR, Turchiello MS, Riboldi J, de Medeiros LR. Survival study of breast cancer patients treated at the hospital of the Federal University in Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brazil. Cad Saúde Pública. 2006;22(10):2219-28. 8. Ribeiro R, Hatschbach SBB, Linhares JC, Minari CL, Guerreiro JA, Orlandi D, et al. Breast Cancer Registry: epidemiology, survival rate and quality of cancer registry in tertiary cancer hospital. RSBC. 2009;38(2):145-60. 9. O Brien ME, Borthwick A, Rigg A, Leary A, Assersohn L, Last K, et al. Mortality within 30 days of chemotherapy: a clinical governance benchmarking issue for oncology patients. Br J Cancer. 200618;95(12):1632-6. 10. BRASIL. Ministério da Saúde e Conselho Federal de Medicina. A Declaração de Óbito: documento necessário e importante. Série A. Normas e Manuais Técnicos. Brasília (DF), 2006. 11. Lloyd-Jones DM, Leip EP, Larson MG, D Agostino RB, Beiser A, Wilson PW, et al.. Prediction of lifetime risk for cardiovascular disease by risk factor burden at 50 years of age. Circulation. 2006;113(6):791-8. 12. Chapman JA, Meng D, Shepherd L, Parulekar W, Ingle JN, Muss HB, et al. Competing causes of death from a randomized trial of extended adjuvant endocrine therapy for breast cancer. J Natl Cancer Inst. 2008;20;100(4):252-60. 13. Mosca L, Banka CL, Benjamin EJ, Berra K, Bushnell C, Dolor RJ, et al. Evidence-based guidelines for cardiovascular disease prevention in women: 2007 update. Circulation. 2007;115(11):1481-501.