Seminário Desafios Energéticos para o Setor da Cerâmica e Vidro A Eficiência Energética e os Custos da Energia APICER 14 de maio de 2015 Eng.º Jaime Braga - intervenção A eficiência no uso da energia é muito mais do que uma obrigação legal, nacional ou comunitária. É um imperativo do desenvolvimento sustentável e, sobretudo, é uma condição necessária à competitividade das empresas. No caso dos setores da cerâmica e do vidro a eficiência energética e a competitividade dos custos da energia são fatores prioritários para a continuidade das suas empresas nos mercados onde operam. Mas a energia é um assunto transversal e nada simples. 1/14
Agir é importante mas pensar antes de iniciar qualquer ação é muito mais útil e proveitoso. Há que ter em atenção os desenvolvimentos ocorridos nos últimos anos: Existe todo um entusiasmo sobre as energias renováveis para auto-produção, agora com novo enquadramento legal. Em muitos campos de aplicação, as novas tecnologias garantiram reduções drásticas das necessidades de energia. A oferta de equipamentos e de soluções é mais alargada e é melhor. As tecnologias de informação garantem formas de gestão energética muito mais eficientes. 2/14
A informação sobre eficiência energética chega a todos, devido às tecnologias de informação. Mas, informação sem formação nem sempre é entendida e, portanto, pode não ser eficaz. Na área da utilização da energia, a excelência da tecnologia à disposição não dispensa o conhecimento de base sobre estas matérias. Mas excelentes conhecimentos sobre energia valem de pouco se não se der prioridade ao domínio sobre os processos e sobre as atividades. Também a maior eficiência energética significa investimento e as atuais limitações ao crédito são um obstáculo intransponível para muitas empresas. Para a abordagem das perspetivas de um futuro energeticamente eficiente, proponho percorrer rapidamente o passado e o presente. Quatro instantâneos serão suficientes. 3/14
1. A falta de diálogo e de conhecimento das situações Há cerca de trinta anos, uma empresa possuía uma grande nave de produção e embalamento de produtos de consumo. Para essa produção era essencial um muito bom nível de iluminação concretamente cerca de 60 kw de armaduras de iluminação industrial. O consumo mensal médio da iluminação nesta nave era de 35 mil kwh; por outras palavras, o pessoal entrava às zero horas de 2.ª feira, acendia as luzes, os turnos rodavam, e as luzes nunca se apagavam, apesar de existirem sempre linhas de embalamento paradas. A situação era chocante e o responsável pela gestão da energia, que também era responsável pelos projetos, denunciou-a. 4/14
No entanto, uma chefia intermédia chamou a atenção para o facto de a separação dos circuitos de iluminação não estar a respeitar as sequências espaciais da produção, não sendo possível desligar qualquer sector sem prejuízo grave para a qualidade dos produtos. Os circuitos de iluminação foram refeitos e o consumo mensal médio passou para 15 mil kwh. Conclusão: O conhecimento das situações é prévio ao conhecimento das tecnologias. Nenhum especialista poderá substituir as empresas no conhecimento dos seus processos e dos seus procedimentos. 5/14
2. O menosprezo pelas pequenas despesas Uma empresa de produtos alimentares de consumo com boa margem de comercialização teve, por imperativo legal, de realizar uma auditoria de energia. A empresa era marcadamente comercial, e o seu departamento técnico estava muito centrado na garantia de conformidade dos produtos e no abastecimento dos seus clientes sem perturbações. Logo, a produção de ar comprimido era o parente pobre do parente remediado da empresa. O auditor recomendou a realização de um ensaio da rede de ar comprimido sem consumos, mas com toda a rede em carga. O resultado foi esclarecedor: num ensaio de 24 horas, o compressor trabalhou 8 horas; estava a 6/14
perder-se por fugas um terço da eletricidade consumida. Conclusão: O desprezo pelas pequenas despesas pode tornar-se muito caro. Nestes casos, a experiência do especialista é importante. 3. A coerência dos planos energéticos Há muitos anos, uma empresa com grande dinamismo investiu na aquisição de um compressor de ar acionado por uma turbina de vapor era a cogeração permitida nessa época. Mas, simultaneamente, pôs em ação um vigoroso plano de racionalização de consumos, o qual teve um grande sucesso. Como resultado desse plano, deixou de haver vapor disponível para o grande compressor 7/14
adquirido, o qual ficou a ser o elefante branco da empresa. Estratégias não integradas para a energia alimentarão, seguramente, elefantes de várias cores e tamanhos. 4. A insuficiência da formação em energia no sistema de ensino A formação científica e tecnológica no sistema de ensino teve grandes recuos nos últimos anos. Sem boa formação de base em física, química e matemática, não haverá competências em energia. Por isso, a instalação de meios renováveis de produção de energia e de controlo dos consumos nas escolas pode ser um veículo eficaz para o despertar de vocações e do gosto por essa difícil 8/14
formação de base, desde que sirvam de casos de demonstração. As empresas, sobretudo as que têm a energia como fator crítico de competitividade, devem estar abertas às escolas. De resto, recordo o caso de duas alunas minhas numa licenciatura em Gestão e Engenharia que eram um caso perdido em matéria de tecnologias e de energia: eram oriundas da opção de Artes, nada sabiam dessas ciências e, mesmo assim, foi-lhes permitida a frequência de um curso técnico. Este é um exemplo da superficialidade com que estas matérias são tratadas no sistema de ensino. Um ensino geral mais objetivo e um eficaz ensino técnico em energia são medidas a encarar com urgência. 9/14
Conclusões: As exigências curriculares nestas matérias devem ser objeto de maior atenção. As intervenções de melhoria da eficiência energética têm de ser integradas. Não às ações pontuais. As empresas têm de saber o que querem nos seus processos e atividades antes de confiarem nos especialistas e, sobretudo, antes de começarem a ter despesas. Tratemos agora dos preços da eletricidade e do gás natural. Em primeiro lugar, o ponto de partida não é bom os consumidores portugueses. Por consulta ao Eurostat, e no que respeita à eletricidade para os consumidores industriais, Portugal está aparentemente na média europeia mas, na realidade, ocupa, entre os vinte e oito 10/14
Estados-Membros da União Europeia lugares entre o 17.º e o 19.º conforme as diferentes classes de consumo. Já quanto ao gás natural, a situação é pior. Numa Europa de 25 países (sem Malta, Chipre e Luxemburgo), os consumidores industriais portugueses, com a exceção dos maiores alimentados em Alta Pressão, estão entre a 24.ª e a 25.ª posição. De acordo com o Governo, é possível melhorar a competitividade das tarifas de eletricidade mas tal, no caso do gás natural será bem mais difícil. Alguns factos: A dívida tarifária na eletricidade já ascende a 5.000 milhões de euros e terá de ser paga pelos consumidores. 11/14
Mesmo que existam condições de mercado favoráveis à baixa dos preços de energia, os preços finais ao consumidor não poderão ter completamente essa evolução. Os representantes dos consumidores industriais nos Conselhos da ERSE manifestaram-se sempre contra o investimento excessivo nas redes de transporte e de distribuição de eletricidade porque os consumos não têm crescido. A CIP tem sempre afirmado, no que respeita às rendas do setor elétrico, que as medidas do Governo ainda não permitiram a equidade no esforço a cogeração tem sido penalizada. No que respeita ao gás natural, a recente medida do Governo, muito contestada pela GALP, de impor uma contribuição especial sobre as mais-valias obtidas nas transações do gás natural veio permitir uma fixação em baixa da maioria dos valores das respetivas tarifas para o ano gás de 2015/2016. 12/14
Estão anunciadas reduções entre 5% e 6% nas tarifas de acesso às redes para os consumidores de gás natural em média e em baixa pressão. Estas boas notícias, no entanto, não podem fazer esquecer que essa redução poderia ter sido maior. Os gastos gerais do Sistema Nacional de Gás Natural (incluídos na tarifa de uso global do sistema) provocaram um aumento de 25% dessa rubrica. Os representantes dos consumidores industriais nos Conselhos da ERSE manifestaram-se sempre contra o investimento antecipado na rede de transporte de gás natural e contra todo e qualquer investimento na sua rede de distribuição do qual resulte o risco de aumento do valor da tarifa de acesso às redes de gás natural. 13/14
Esta posição, de resto, foi tomada pelos Conselhos da ERSE já no corrente mês de maio de 2015. Em conclusão, este tema não é fácil: Há que dar espaço às opções dos Governos quanto a interligações com a Europa e quanto a perspetivas de exportação de eletricidade renovável e de gás natural. Há que não descurar da boa qualidade do serviço, na eletricidade e no gás natural. Há que reduzir a dívida tarifária do setor elétrico e não permitir que o setor do gás natural a tenha. 14/05/2015 14/14