CONSIDERAÇÕES PARA A ESCRITA DE UMA HISTÓRIA PROSOPOGRÁFICA DA FILOLOGIA PORTUGUESA. Marinês de Jesus Rocha 1 Marcello Moreira 2 INTRODUÇÃO

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Transcrição:

CONSIDERAÇÕES PARA A ESCRITA DE UMA HISTÓRIA PROSOPOGRÁFICA DA FILOLOGIA PORTUGUESA Marinês de Jesus Rocha 1 Marcello Moreira 2 INTRODUÇÃO A leitura acurada de estudos em que se nos apresentam modalidades do fazer filológico presentes em uma vasta produção de estudos textuais, composta por ensaios, artigos publicados em periódicos e livros, é capaz de revelar o modo como alguns lugarescomunscríticos, que foram apropriados por estudiosos como Spina (1977), Azevedo Filho (1987) e Cambraia (2005) são dominantes e determinantes no modo de pensar da maioria dos filólogos portugueses e brasileiros desde as suas primeiras publicações. Objetivamos com essas leituras acuradas angariar subsídios para a escrita da história do fazer filológico em Brasil e Portugal, e, ao mesmo tempo, criticar esse fazer correlacionando filologia e historiografia, criticando aquela por um arrozoado fundado nesta. Tomamos como objeto os principais autores de estudos crítico-textuais no mundo português do final do século XIX e do século XX, assim como filólogos brasileiros formados na escola lusa de filologia. Com efeito, discutimos a coerência desses estudos crítico-textuais no que diz respeito ao uso de conceitos críticos e categorias analíticas frente aos objetivos visados por esses estudos; discutimos outrossim a propriedade gnoseológica desses conceitos e categorias durante todo o século XX, quando eles e os objetivos cuja consecução eles possibilitavam foram objeto de severa crítica no campo historiográfico. Nesse sentido, analisamos, a partir da fundamentação oferecida por importantes debates historiográficos, as contradições na manutenção de funções, objetivos, conceitos e categorias essenciais no interior de uma disciplina do ramo histórico, como o é a filologia, quando, no caso da disciplina histórica, as condições do pensar e do fazer história sofreram 1 Doutoranda em Memória: Linguagem e Sociedade, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB. Atualmente estuda crítica textual, especificamente o método formulado por Karl Lachmann no século XIX e a-historicamente apropriado por filólogos brasileiros. Endereço eletrônico: marines.jr@hotmail.com 2 Doutor em Literatura Brasileira - USP, Mestre em Filologia e Língua Portuguesa - USP. Professor de Literatura Brasileira da UESB. Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da UESB. Endereço eletrônico: moreira.marcello@gmail.com 1719

modificações muita vez radicais. Contrariamente, ao percorrermos a trajetória histórica da crítica textual, é possível depararmo-nos com a inexistência de reflexão sistemática da prática filológica, paradoxo já discutido por Moreira (2011), em Critica Textualis. Desse modo, propomos, frente a estudos historiográficos produzidos no século XX, empreender a escrita de uma história crítica das teorias e métodos filológicos em Portugal e no Brasil. Nossos esforços são pautados na averiguação das condições de possibilidade do pensar e do fazer filológico nos séculos XIX e XX, duração essa em que os filólogos cujas obras estudamos constituíram as primeiras fontes do lachammanismo no mundo lusófono e publicaram estudos crítico-textuais e edições críticas. Essa averiguação, fundada na historicização sistemática de conceitos e categorias críticos, visa a produzir uma outra evidência histórica, capaz de interpretar, de forma mais verossímil, os objetos dos quais se apropriaram os filólogos portugueses e brasileiros dos séculos XIX e XX que estudamos, notadamente ao averiguarmos a compatibilidade entre a historicidade dos métodos em questão e dos objetos que foram estudados por meio deles. METODOLOGIA De início, propomo-nos agenciar conceitos e procedimentos metodológicos adequados para historiar uma disciplina que se propõe como ciência e se vê sempre de um mesmo modo desde o século XIX, quando ela se metodiza. Sabe-se que em Portugal e Brasil ela cessou de acompanhar os desenvolvimentos, rupturas e descontinuidades de sua própria área de concentração, a história, deixando, principalmente, de reconhecer a própria historicidade de seus métodos, categorias analíticas e demais concepções, como demonstram Hansen & Moreira (2011). Para a consecução de nosso estudo, é preciso, em primeiro lugar, expor o que constitui uma história de tipo prosopográfico na abordagem das fontes ou dados de um grupo de filólogos aderentes do lachmannismo, a partir dos principais estudiosos que definiram e discutiram os critérios que particularizam tal visada historiográfica, como Stone (2011), segundo o qual a prosopografia é a investigação das características comuns de um grupo de atores na história por meio de um estudo coletivo de suas vidas (STONE, 2011, p. 115). Partimos também da afirmação de Ginzburg (1989) segundo a qual as linhas que convergem para o nome e que dele partem, compondo uma espécie de teia de malha fina, dão ao observador a imagem gráfica do tecido social em que o indivíduo está 1720

inserido (GINZBURG, 1989, p. 175), uma vez que visamos o entretecimento do social a que os nomes de autores de estudos filológicos são capazes de nos conduzir. Nesse sentido, visamos à discussão dos grupos de referência que dão coerência aos princípios doutrinais do lachmannismo e que foram primariamente apropriados nesse campo de estudo. Por fim, a análise de uma coletividade de autores de estudos filológicos por meio da análise da apropriação de lugares comuns críticos por parte deles nos levará ao problema da relação que a crítica textual de fundamento lachmanniano mantêm com o passado no processo de aplicação indistinta de seu método crítico, ao considerar a tradição apenas como conservação de lembranças (MASTROGREGORI, 2006, p.70), quando os ações destrutivas e as dispersões (MASTROGREGORI, 2006, p. 70) próprias da história nos indicam que tradição não é apenas conservação de lembranças, mas também a descontinuidade muita vez necessária delas. Sendo assim, Ankersmit (2006) também nos permite pensar que a relação com o passado é sempre fragmentária, porque marcada por um distanciamento que impede o estudioso de acessá-lo pura e simplesmente, uma vez que este também é um ser histórico. RESULTADOS E DISCUSSÃO Um vasto conjunto de referências historiográficas do século XX nos esclarece sobre a historicidade dos conceitos e categorias do lachmannismo e a respeito dos equívocos inerentes aos estudos que tomam um conjunto datado de procedimentos críticos e analíticos como se tivessem validade transistórica, tomando-os sempre ponto de partida para interpretarem e se apropriarem de objetos e torná-los inteligíveis.sendo assim, há escassez de confronto entre os estudos do campo filológico e as inúmeras discussões historiográficas, como nos demonstram Hansen & Moreira (2013). Os estudiosos mencionados nos ensinam que o processo de transmissão e recepção de uma tradição textual, por exemplo, implica a existência de restos e dispersões, havendo o problema das perdas, que tornam clara a complexidade do retorno ao passado e colocam em xeque a possibilidade de restituí-lo, como acreditam os filólogos portugueses e brasileiros em questão. Dessa forma, falta aos lachmannianos e neolachmannianos o reconhecimento de que, no caso de uma disciplina histórica, as condições e possibilidades de produção da evidência passam por transformações. Sendo assim, a dissociação entre o que pertence ao campo filológico e o que é de 1721

cunho historiográfico,manifesta em muitas pesquisas, nos permite afirmar que a raridade de modificações geradas pelo avanço dos conhecimentos da história na crítica textual pode ser percebida quando se realiza uma análise de estudos que dizem respeito à edição de textos, tanto no mundo lusófono quanto no Brasil, uma vez que nos leva diretamente ao método de crítica textual lachmanniano ou nos permite inferir o seu uso através de uma apropriação de conceitos e categorias pelos filólogos. O estudo da tradição filológica portuguesa e brasileira visa, desse modo, a percorrer a cronologia dos trabalhos produzidos por diversos estudiosos, observando o entrelaçamento social para discutir as motivações para que o processo de manutenção das mesmas condições de verdade se efetivasse de forma tão pacífica, diante dos questionamentos e transformações no âmbito da historiografia, que produziram importantes resultados, sobretudo no século XX. CONCLUSÕES O empreendimento de um estudo cujo objetivo seja a elucidação do modo como o lachmannismo filológico se disseminou no mundo lusófono, no século XIX, partindo de uma perspectiva que não seja a comum apropriação de conceitos e categorias que se tornaram lugares comuns, quando se fala em edição de textos, segundo Moreira (2011) e Hansen & Moreira (2013), não pode apartar-se das considerações historiográficas nesse campo de estudos, as quais evidenciam que o trabalho crítico não pode ser uno e independente dos avanços na área de estudos da qual faz parte. Sendo assim, alguns debates de historiadores permitem questionar o fato de as estratégias de cada método crítico e as funções do pensamento filológico não serem objeto de análise no interior da disciplina. Portanto, as propostas de estudo que comprovam a existência de um afastamento, no campo filológico, entre a história dos métodos, teorias, conceitos e categorias críticos e os avanços historiográficos parecem ser o caminho mais viável para a consecução do estudo que nos propomos a produzir e que visa a traçar uma sequência temporal entre os autores de trabalhos cuja ênfase seja a crítica textual, de tal modo que se demonstre a circularidade na atualização de práticas filológicas pelos lachmannianos. 1722

Palavras Chave: História Prosopográfica. Lachmannismo. Inverossimilhança. REFERÊNCIAS ANKERSMIT, Frank R. Historicismo, pós-modernismo e historiografia. In: MALERBA, Jurandir (Org.). A História Escrita: Teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006, pp. 95-113. AZEVEDO FILHO, Leodegário A. Iniciação em Crítica Textual. Rio De Janeiro: Ars Poética; São Paulo: EDUSP, 1987. CAMBRAIA, César Nardelli. Introdução à crítica textual. São Paulo: Martins Fontes, 2005. GINZBURG, Carlo. O nome e o Como. In:. Micro- história e outros ensaios. Tradução Antônio Narino. Lisboa: Difel, Rio de Janeiro, 1989. HANSEN, João Adolfo & MOREIRA, Marcello. Para que Todos entendais: Poesia Atribuída a Gregório de Matos e Guerra: Letrados, Manuscritura, Retórica, autoria, obra e público na Bahia dos séculos XVII e XVIII. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013, Vol. 5. MASTROGREGORI, Massimo. Historiografia e Tradição das Lembranças. In: MALERBA, Jurandir (Org.). A História Escrita: Teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006, pp. 65-93. MOREIRA, Marcello. Critica Textualis in Caelum Revocata? Uma Proposta de Edição e Estudo da Tradição de Gregório de Matos e Guerra. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011. SPINA, Segismundo. Introdução À Edótica - Crítica Textual. São Paulo: Cultrix: 1977. STONE. Lawrence. Prosopografia. In: Revista de Sociologia. Política, Curitiba, Vol. 19, n. 39, jun. 2011, PP. 115-137. 1723