A EXTINÇÃO DO ESTABELECIMENTO E A ESTABILIDADE 1



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Transcrição:

1 A EXTINÇÃO DO ESTABELECIMENTO E A ESTABILIDADE 1 Michel Olivier Giraudeau A extinção do estabelecimento do empregador é uma alteração em sua atividade produtiva, que muitas vezes decorre da iniciativa do próprio empresário, em razão das conjecturas de seu negócio. Em outras situações, por outro lado, o proprietário do negócio simplesmente não tem alternativa, senão encerrar a atividade, ao menos naquela unidade específica, porque a continuidade de seu empreendimento se tornou inviável. Sabemos, contudo, que esse é um acontecimento que traz consequências diretas - e, via de regra, inevitáveis - sobre os contratos de trabalho dos empregados que estejam ligados àquela unidade de trabalho que se desativa. O presente estudo pretende salientar o entendimento jurisprudencial e doutrinário que se estabeleceu diante dessa situação, quando se está diante de um empregado estável. 1 Artigo publicado no livro Temas em Direito do Trabalho I (Direito Material Individual), Editora LTr, São Paulo, 2006. Coordenação Paulo Sérgio João e Pedro Paulo Teixeira Manus.

2 A estabilidade como um conceito natural do trabalho A permanência no emprego é um valor naturalmente derivado do próprio contrato de trabalho, tendo em vista uma característica essencial desse tipo de relação jurídica, que é o trato sucessivo. Por isso o empregado tem a expectativa de continuar em sua atividade, contando com a contraprestação do empregador, e com a perspectiva de enfrentar novos desafios, ao assumir outras funções, de maior relevância, na estrutura da empresa. A expectativa de permanência no emprego reflete-se em diversos aspectos da vida do trabalhador, transmitindo-lhe a idéia de que, garantida a regularidade da sua subsistência, pode assumir compromissos familiares e sociais, desencadeando uma espécie de ciclo virtuoso do sentimento de estabilidade, que se desdobra em diferentes níveis, e atinge a sociedade com um todo. O direito ao trabalho é reconhecido por instrumentos internacionais, aprovados pela Assembléia Geral das Nações Unidas, como um dos direitos fundamentais de todo ser humano. Assim, a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem assegura esse direito, em seu artigo 23, bem como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 6º). Com essa premissa, a idéia de estabilidade reflete-se sobre o contrato de trabalho, sob um conceito geral de que o empregado só pode ser privado do emprego por uma causa justa, segundo os critérios adotados pelo legislador. Por essa concepção, a despedida constitui uma exceção e, se injustificada, uma anomalia jurídica. Arnaldo Süssekind salienta que, assegurando-se ao empregado a continuidade do contrato de trabalho, após o

3 decurso de tempo razoável, salvo na decorrência de atos ou fatos graves que justifiquem a rescisão, garante-se ao próprio Estado uma segurança que não encontra similar em qualquer outra instituição do Direito do Trabalho 2. Por isso mesmo, observa o autor, que a estabilidade, constitui, por um lado, a mais sólida garantia que se possa dar a um empregado, e, a contrario sensu, uma forte restrição à autonomia administrativa dos empregadores. Na definição de Maurício Godinho Delgado, estabilidade é a vantagem jurídica de caráter permanente deferida ao empregado em virtude de uma circunstância tipificada de caráter geral, de modo a assegurar a manutenção indefinida no tempo do vínculo empregatício, independente da vontade do empregador. 3 Sabemos, contudo, que os pressupostos que deram origem ao desenvolvimento desse instituto estavam assentados num modelo de produção, e de relação de trabalho, que muito se transformou, ao longo dos anos. O esforço de preservação do emprego tem, hoje, o desafio de adequarse à realidade das mudanças dos próprios modelos de contratação, e das novas organizações produtivas, frente a um mercado de trabalho cada vez mais competitivo. Nesse cenário, o instituto da estabilidade vem dando lugar ao conceito mais abrangente, de garantia de emprego, com vistas a contemplar a continuidade da própria atividade produtiva do trabalhador, mesmo que em outra contratação, num conjunto de medidas voltadas à política de empregos. 2 Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão e Segadas Viana, Instituições de Direito do Trabalho, vol. 01, p. 614 3 Maurício Godinho Delgado, Curso de Direito do Trabalho, p. 1241.

4 Não se pode ignorar que o conceito da estabilidade de caráter permanente tem origem num período em que, a despeito das difíceis relações trabalhistas, as perspectivas de industrialização se desenvolviam para o mundo, dentro do modelo tradicional de produção. O instituto tinha forte motivação política, econômica e social, com um mecanismo jurídico que assegurava ao trabalhador a sua efetivação no emprego, diante do risco da rotatividade da mão-de-obra, ligada ao conceito civilista das obrigações contratuais. A mudança dos paradigmas tradicionais da relação de trabalho tem dado preferência à tutela das situações mais específicas, que justificam a garantia de permanência do trabalhador no emprego, enquanto perdurarem aquelas condições, em períodos relativamente curtos. A nova realidade da relação entre capital e trabalho dá ensejo à idéia mais dinâmica, de garantia do emprego, com vistas a assegurar o direito à atividade produtiva do trabalhador, assegurando a reinclusão do exempregado no processo produtivo, inclusive por consequência do próprio desenvolvimento econômico. Por outro lado, a preservação de um emprego específico vincula-se, mundialmente, não apenas à boa conduta do trabalhador, e a sua capacidade de prestar o trabalho para o qual foi contratado, mas também à viabilidade do próprio negócio do empregador, em condições que lhe possibilitem a manutenção dos postos de trabalho, desde que não ameaçados por motivos econômicos, tecnológicos ou estruturais.

5 A Convenção 158, ratificada e, logo posteriormente, denunciada pelo Brasil, institui o princípio segundo o qual a despedida só se justifica quando fundada em justo motivo, seja por incapacidade ou má conduta do empregado, seja para assegurar o bom funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço. Por sua disposição, possibilita-se ao empregado despedido o direito de recorrer a um tribunal ou à arbitragem, organismo que, concluindo pela irregularidade da dispensa, poderá ordenar a readmissão ou pagamento de reparação adequada. A Recomendação número 119 da OIT também afasta as hipóteses de término da relação de trabalho desacompanhadas de uma causa justificada, relacionada com a capacidade ou a conduta do trabalhador, ou ainda baseadas nas necessidades de funcionamento da empresa, do estabelecimento ou do serviço. Estabilidade no Brasil A estabilidade decenal foi a primeira e principal manifestação desse instituto no Brasil, e tem raiz profunda na legislação do funcionário público. Em 1915 a lei assegurava a estabilidade após 10 anos de efetivo exercício no cargo. A Lei 4.682/23, conhecida como Lei Elói Chaves, em homenagem ao seu autor, estabelecia, em seu artigo 42 a estabilidade após o período de 10 anos de serviços efetivos, aos empregados das empresas ali referidas, salvo em caso de falta constatada em inquérito administrativo.

6 O instituto ganhou dimensão mais abrangente do que a original, e, ao longo dos anos, uma hierarquia constitucional, em 1937. A Constituição de 1988 trouxe o critério atual, e estendeu a todos o regime de FGTS, disposição que, excepcionados os casos de direito adquirido, devidamente preservado, tornou inaplicáveis os dispositivos da CLT quanto à estabilidade decenal. A disposição do artigo 7 o, da Constituição Federal, em seus incisos I e III dá conta de excluir do ordenamento a previsão daquela estabilidade, ressalvados os casos de direito adquirido. Diante da disposição do referido artigo 7 o da Constituição Federal, que relega à lei complementar o detalhamento da proteção ao emprego, ali referida, pode-se sustentar que a Lei Fundamental não configura a estabilidade absoluta e nem relativa, mas apenas dificulta e impõe compensação econômica à despedida arbitrária. Nesse sentido, temos: a indenização compensatória (art. 7 o, I); o seguro-desemprego (arts. 7 o, II e 239, 4 o ); o levantamento dos depósitos de FGTS (art. 7 o, III) e o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço (art. 7 o, XXI). No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determina-se, até a promulgação da referida lei complementar, uma indenização genérica, elevando-se o percentual da multa sobre os depósitos de FGTS, na hipótese da dispensa injusta, e admite-se, por outro lado, dois tipos específicos de estabilidade provisória relativa. A lei complementar, ao regular a disposição constitucional deverá sancionar a despedida arbitrária ou sem justa causa, com a imposição de indenização compensatória além de outros direitos. Dentre os referidos

7 outros direitos não se poderia determinar, a rigor, a própria reintegração, diante do fato de que essa circunstância é excludente do pagamento de indenização. Afinal, a indenização tem exatamente o intuito de compensar o término da relação contratual. As disposições vigentes asseguram, assim, as garantias indenizatórias genéricas, admitindo as estabilidades provisórias, que tutelam situações específicas. Estabilidade e extinção das atividades do empregador Admitida a estabilidade como direito do empregado, cumpre analisar esse direito em contraponto com aquele que se assegura ao empregador, no exercício de sua atividade empresarial, na gestão de seu próprio negócio. Assim é que, seja por contingência da administração de seu negócio, ou mesmo por força de circunstâncias inevitáveis, e contrárias a sua vontade, o empregador pode efetivar a extinção do estabelecimento, ou mesmo de suas atividades, como um todo. A extinção da atividade empresarial, total ou parcialmente, quando ali se realiza a prestação dos serviços do empregado estável, põe em xeque a continuidade do próprio contrato de trabalho desse trabalhador, porque esvazia o contexto em que se inseria o seu trabalho individual. Diante desse impasse deve-se verificar se a extinção do próprio local de trabalho é excludente da garantia de emprego, justificando o fim da relação contratual, com o pagamento dos títulos rescisórios até aquela data, ou se a medida

8 impõe uma compensação patrimonial pela perda da estabilidade, diante da impossibilidade da reintegração. A hipótese da desativação da empresa, ou apenas do estabelecimento da empregadora, configura um motivo objetivo que, seja por razões tecnológicas, conjeturais ou econômicas, tem consequências que transcendem o contrato de trabalho daquele empregado estável, individualmente considerado, atingindo todo o grupo de trabalhadores ligados àquela unidade de produção e impossibilitando, normalmente, a continuidade da relação jurídica de todo um grupo de trabalhadores. Trata-se da situação de dispensa coletiva, que mereceria tratamento específico da legislação brasileira, a exemplo do direito estrangeiro. A dispensa coletiva tem um motivo objetivo, que atinge a todos os empregados desligados, enquanto a dispensa individual está voltada às questões do contrato de trabalho específico, relacionados à conduta do empregado, ou sua compatibilidade com as condições de trabalho. Sob esse ponto de vista vemos que o encerramento das atividades do empregador não justifica a continuidade de um contrato de trabalho isolado. Se o empregado goza de estabilidade no emprego, a resolução do contrato de trabalho por extinção da empresa ou do estabelecimento, merece uma análise, quanto às consequências relativas ao período de estabilidade assegurado. Os artigos 497 e 498 da CLT, inseridos no capítulo relativo à estabilidade decenal, prevêem o pagamento da indenização dobrada, se a extinção da empresa, estabelecimento, filial ou agência, não decorre de força

9 maior. O artigo 502 da CLT determina que o encerramento da atividade da empresa, ou do estabelecimento em que trabalhe o empregado, por acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregado, e para a realização do qual este não concorre (força maior), enseja apenas a indenização reduzida à metade, inclusive na hipótese da estabilidade decenal. Sabemos, contudo, que, excetuada a estabilidade decenal, a que se referem os dispositivos mencionados, hipótese já superada desde a instituição do regime obrigatório do FGTS, na Constituição Federal de 1988 (não obstante se assegure o direito adquirido, pelo período anterior a esse regime), nosso ordenamento prevê, atualmente, situações específicas de estabilidade provisória. A extinção do estabelecimento, ou da própria empresa, como causa de rompimento da relação contratual de emprego é uma condição que não mereceu tratamento atualizado da legislação trabalhista, voltado para as hipóteses presentes de estabilidade. Assim, a solução imposta, sobre o critério a ser observado na quitação do contrato tem recebido interpretação controvertida da doutrina e da jurisprudência, acerca da indenização correspondente ao período de estabilidade, diante da impossibilidade da reintegração do empregado estável desligado. O TST firmou posição quanto a uma situação específica de estabilidade no emprego, ao tratar, na Súmula 369, item IV (ex-oj n. 86), sobre a rescisão do contrato de trabalho de empregado dirigente sindical, na hipótese de extinção da atividade empresarial na base territorial do sindicato.

10 O entendimento exclui a estabilidade do dirigente sindical quando seu contrato é rescindido por força do encerramento das atividades do empregador, total ou parcialmente. Por consequência, o desligamento desse empregado não enseja o pagamento de indenização correspondente à estabilidade até então existente. A manutenção da estabilidade, nesses casos, não mais seria justificável, já que o interesse coletivo tutelado, não se mantém. É que a estabilidade do empregado dirigente sindical tem intuito de protegê-lo das eventuais represálias do empregador, garantindo-lhe o livre exercício da defesa dos interesses da categoria que representa, sem prejuízo de seu emprego. Embora se saiba que a rescisão contratual do dirigente sindical não impede a continuidade de suas atividades junto ao sindicato respectivo, considera-se que não mais subsiste o conflito entre o exercício da atividade do sindicalista, inserido na unidade de produção, então desativada, e os interesses do empregador. O conflito, até então presumível, deixa de existir, conjuntamente com a própria atividade do empregador. Naturalmente que esse entendimento deve levar em conta a efetiva impossibilidade do aproveitamento do empregado estável, por exemplo, em outro estabelecimento, na mesma localidade, se ali subsiste a atividade do empregador. Na hipótese de o empregado dirigente sindical pertencer a categoria diferenciada, o encerramento das atividades correspondentes, mesmo que mantidas as demais atividades do empregador, não justifica, tampouco, a manutenção da estabilidade, conforme se depreende da disposição do item

11 III da referida Súmula 396 do TST. Isso porque o reaproveitamento do dirigente sindical, numa atividade diversa daquela que caracteriza sua categoria profissional, redundaria em desvinculá-lo do próprio sindicato que representa. O entendimento da Súmula 369 do TST sedimenta, assim, o entendimento jurisprudencial sobre o fim da estabilidade do dirigente sindical, na hipótese do encerramento das atividades da empregadora, desobrigando o empregador da indenização pelo período respectivo. A questão restou igualmente pacificada, na hipótese em que o encerramento da atividade empresarial, ou do estabelecimento, enseja o desligamento do empregado da CIPA (artigo 165 da CLT e artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). As modificações trazidas à CLT pela Lei 6.514, de 22.12.77, disciplinando os chamados Órgãos de Segurança e da Saúde do Trabalhador nas Empresas, na Seção III, trouxeram a disposição do artigo 165 daquele Diploma, para assegurar aos titulares de representação dos empregados nas CIPAS, a proteção contra a dispensa arbitrária, entendendose como tal a que não se fundasse em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro. O artigo 10 dos ADCT, na Constituição Federal de 1988, veio disciplinar a questão para vedar a dispensa arbitrária ou sem justa causa do empregado eleito para o cargo de direção de CIPA s, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final do seu mandato.

12 O motivo de se preservar a permanência desse empregado no emprego é também o interesse coletivo aí envolvido. No cumprimento de suas funções, ao solicitar as medidas que visam a diminuição ou eliminação dos riscos, esse empregado coloca-se, por vezes, em situação de confronto com a vontade do empregador, e se sujeita às represálias ou intimidação por parte deste último. Com a estabilidade pretende-se assegurar uma autonomia do empregado, durante o cumprimento de seu mandado. A Súmula 339 do TST, em seu item II (ex-oj n. 329), firma o entendimento jurisprudencial no sentido de que a estabilidade provisória do cipeiro não é uma vantagem pessoal, mas garantia para as atividades dos membros da CIPA. Essa condição só subsiste, por consequência, enquanto houver o próprio funcionamento do estabelecimento respectivo; caso contrário, não se justificam as atividades na prevenção de acidentes de trabalho. Devemos observar, entretanto, que o encerramento das atividades do empregador tem consequências diferentes sobre a resolução do contrato do empregado estável, conforme seja a natureza da estabilidade considerada. Efetivamente, os casos acima tratados indicam que a estabilidade assegurada ao empregado decorre, necessariamente, do exercício de suas funções, vale dizer, da própria subsistência da atividade do empregador, enquanto se mantém a dinâmica do contrato de trabalho. O dirigente sindical e o representante da CIPA têm garantida a continuidade de seus contratos, protegidos contra a dispensa arbitrária, para que se assegure o exercício legítimo dessas funções, em favor dos demais empregados. A garantia assegurada não é individual, do empregado estável,

13 mas do grupo que se beneficia das atividades do dirigente sindical ou do cipeiro. Extinta a atividade do empregador, ainda que apenas na dimensão do estabelecimento, esvazia-se naturalmente o motivo da estabilidade. A situação é diferente, todavia, se a estabilidade vem assegurar um direito decorrente de uma condição pessoal do empregado, desvinculado do exercício de sua atividade na empresa. Nesse sentido, por exemplo, a estabilidade provisória da gestante, assegurada pelo artigo 10, inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. O instituto, nesse caso, está voltado à proteção da maternidade, contemplando a própria empregada gestante e o nascituro. O desligamento da empregada, nessas condições, mesmo que decorrente do encerramento das atividades do empregador, impõe solução diferente, no entendimento majoritário da jurisprudência, para garantir à gestante o pagamento dos salários e vantagens correspondentes ao período de estabilidade, e seus reflexos. O mesmo entendimento tem prevalecido nas hipóteses em que o encerramento das atividades do empregador, ou a extinção do estabelecimento, impõem a rescisão contratual do empregado acidentado, contemplado pela estabilidade a que se refere o artigo 118 da Lei 9.213/91. Verifica-se, nesse caso, que a proteção assegurada ao empregado pretende tutelar a possibilidade da sua efetiva reabilitação, garantindo-lhe o emprego pelo período mínimo de um ano após o afastamento por motivo de saúde, desde que verificado o nexo causal com o trabalho.

14 Conclusão A diferença das soluções dispensadas pela jurisprudência, no desligamento do empregado estável por força da extinção do estabelecimento, sugere, como se vê, um critério básico, segundo o qual se atribui ao empregador a responsabilidade pelas más consequências eventualmente advindas de seu empreendimento. Assim, impõe-se ao empregador a obrigação de reparar o direito do empregado contemplado pela estabilidade, na hipótese de extinção do estabelecimento, excepcionados os casos em que a atividade do empregado é o próprio fato gerador do direito à estabilidade, a exemplo do dirigente sindical e do representante da CIPA. Ao lado desses exemplos podem-se imaginar situações específicas, tratadas em instrumentos normativos. A diferenciação nos parece muito apropriada. Entendemos, contudo, que a questão mereceria, também, uma análise mais voltada aos próprios motivos que causaram a extinção do estabelecimento, a exemplo do tratamento dispensado pela CLT, nos mencionados artigos 497, 498 e 502. Assim, se a extinção do estabelecimento decorresse, comprovadamente de acontecimento inevitável, e para o qual o empregador não houvesse concorrido, a indenização correspondente ao período de estabilidade poderia ser reduzida à metade, guardando-se uma pertinência atualizada do artigo 502 da CLT, em seu inciso I, dispositivo que prevê tal redução nas hipóteses da estabilidade decenal, se extinto o contrato por força maior. A hipótese do voluntário encerramento das atividades do empregador ou de seu estabelecimento -, quando motivado por mera estratégia de seu negócio, difere da desativação forçada por acontecimentos inevitáveis. Por

15 esse motivo, nos parece razoável que as situações recebessem soluções diversas, no que diz respeito à indenização pela estabilidade, imposta ao dono do empreendimento, conforme seja ele causador ou vítima das circunstâncias. Por fim, a decisão relativa à extinção do estabelecimento, e o consequente desligamento de todos os empregados a ele vinculados, num contexto de dispensa coletiva, mereceria um tratamento legal específico, que o direito brasileiro não prevê. A despedida em massa estaria, assim, sujeita aos mecanismos de controle de sua legitimidade, com participação de representantes dos empregados envolvidos, para análise da causa objetiva - motivo econômico, conjeturais ou tecnológico - que ensejou o desligamento dos empregados, e com mecanismos legais de proteção contra os abusos.