AULA 5 Piaget: os estágios operacional concreto e formal Profª Dra. Claudia Kober INTRODUÇÃO N as unidades 3 e 4, você estudou o mecanismo básico de equilibração, que é aquele presente em todo o desenvolvimento mental da criança até o adulto, e os estágios sensório-motor e pré-operatório. Nesta unidade, vamos continuar essa trajetória, estudando agora os estágios operacional concreto e formal. OBJETIVOS Conhecer os princípios teóricos postulados por Piaget referentes ao desenvolvimento cognitivo. Entender a lógica das estruturas mentais dos estágios operacional concreto e formal. Identificar na atividade infantil os princípios propostos por Piaget da evolução do comportamento.
PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM Para o acompanhamento desta unidade, você precisará ter em mãos o livro: PIAGET, Jean. Seis estudos de Psicologia. Tradução: Maria Alice Magalhães de Amorim e Paulo Sérgio Lima Silva. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011. Vamos continuar trabalhando com a primeira parte do livro: O Desenvolvimento Mental da Criança, itens III. A infância de sete a doze anos e IV. A adolescência. AVALIAÇÃO Ao final desta unidade, você deverá: responder às questões objetivas. Como parte do trabalho desta unidade, você deverá ler o texto de Piaget indicado anteriormente e completar o relato de leitura que você iniciou na Unidade 4, que também será entregue na Unidade 9. O relato de leitura é a respeito de toda a primeira parte do livro. ESTÁGIO OPERACIONAL CONCRETO: OPERAÇÕES NAS PONTAS DOS DEDOS Faça uma experiência: 1) coloque na frente de uma criança de 5 anos dois copos iguais; 2) despeje neles quantidades iguais de suco; 3) peça que a criança concorde que os dois têm a mesma quantidade (acerte a quantidade de líquido até ela achar que os dois copos estão com o mesmo tanto de líquido); 4) despeje o conteúdo de um dos copos em uma vasilha rasa (na frente da criança, não se trata de nenhum truque!) e pergunte em qual dos recipientes a criança acha que tem mais líquido e por que. A criança vai achar que há mais líquido no copo porque ele é mais alto ou na vasilha porque ela é mais larga, mas não vai achar que a quantidade de líquido é a mesma. Impressionante? O que acontece com a criança que ela não percebe que a quantidade de líquido não se modificou? Não se preocupe: ela opera baseada na intuição, avalia a situação pela sua qualidade perceptiva: altura ou largura do recipiente, mas não faz a análise das relações entre altura e largura. 36
AULA 5 - PIAGET: OS ESTÁGIOS OPERACIONAL CONCRETO E FORMAL Assista ao vídeo com esse experimento e mais dois outros, com moedas e com biscoitos. Observação: existem inúmeros vídeos com essas provas piagetianas no YouTube, a maioria é resultado de trabalhos feitos por alunos em cursos de Psicologia. Escolhi esse, por ser bem aplicado e mais claro. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=gelep ogjmy0&feature=related>. Acesso em: jan. 2012. Como vimos na unidade anterior, a criança está no estágio pré-operatório dos 2 aos 7 anos: A criança permanece pré-lógica, incapaz de argumentar e tirar conclusões coerentemente, supre essa falta pelo mecanismo da intuição, graças à qual, diante de um problema prático em uma brincadeira ou em um jogo, suas respostas se apoiam nas configurações perceptivas ou nos tateios empíricos de suas ações. (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 2005) Essa forma específica de cognição se modificará profundamente por volta dos 7 anos de idade. As relações intuitivas vão se agrupar, transformando ações em operações. A criança desenvolverá a capacidade de operar e raciocinar de forma lógica. No entanto, o [...] pensamento infantil só se torna lógico por meio da organização de sistemas de operações, que obedecem às leis de conjuntos comuns (PIAGET, 1974), tais como: composição: 1+1=2; reversibilidade: toda operação pode ser invertida; identidade: operação combinada com sua inversa é nula; associatividade: operações podem ser associadas de diversas maneiras. Operações são ações interiorizadas reversíveis e coordenadas, que só são possíveis quando a criança desenvolve a [...] noção de conservação de um todo, independentemente do arranjo de suas partes (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 2005. No exemplo anterior, a criança ainda não tem essa noção de conservação de substâncias, por isso afirma que a quantidade de líquido é diferente, mesmo quando vê que o líquido apenas mudou de recipiente. Assista à terceira parte do documentário narrado por Yves de La Taille a respeito do estágio operatório concreto. Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=hspo9g_4vwg>. Acesso em: jan. 2012. Atente para a explicação a respeito da ação interiorizada reversível, central para o entendimento dos estágios operacional concreto e formal; e para o desenvolvimento moral da criança, explicado pelo narrador. 37
PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM Observe as provas piagetianas disponíveis no livro de Francesco Tonucci Com os olhos de criança (1997). A noção de conservação evolui conforme a criança fica mais velha. Veja a seguir a idade, em média, em que elas iniciam a aquisição de noção para as medidas listadas. Substância: 7-8 anos. Peso: 9-10 anos. Volume: 11-12 anos. As observações de Piaget e seus seguidores permitem afirmar que a criança passa de um estágio em que não tem nenhuma noção de conservação, para um em que a conservação é suposta sem certeza, apenas para certas transformações, e finalmente evolui para a conservação afirmada como evidente. Faça o mesmo experimento com uma criança de 12 anos e ela vai olhar para você como se a pergunta que você está fazendo fosse a mais sem sentido possível. Veja a seguir a sequência da aplicação das provas piagetianas de conservação: Figura 1 - Conservação de líquidos 38
AULA 5 - PIAGET: OS ESTÁGIOS OPERACIONAL CONCRETO E FORMAL Figura 2 - Conservação de matéria Figura 3 - Conservação de peso No entanto, a criança nesse estágio opera de forma concreta, daí o nome do estágio: operacional concreto. Ou seja, os esquemas referem-se a objetos ou situações que podem ser manipulados ou imaginados de forma concreta. Por isso, nas primeiras séries utilizam-se materiais diversos nas aulas de Matemática: material dourado, pedrinhas, pauzinhos etc. E pede-se para que a criança desenhe a solução dos problemas propostos. Trata-se de uma lógica ainda elementar, vinculada aos processos temporais de manipulação. As crianças não conseguem fazer um raciocínio se a questão for colocada de forma verbal: Elisa é mais alta que Ana e ao mesmo tempo mais baixa que Suzana. Qual delas é a mais alta? : essa resposta só vem por volta dos 10 anos. Assista ao vídeo para outro exemplo, mostrando que a criança no estágio operacional concreto não consegue raciocinar logicamente segundo uma regra, se essa regra contradisser aquilo que ela sabe por experiência própria. Disponível em: <http:// www.youtube.com/ watch?v=1p_o7nxmiqs&feature=related>. Acesso em: jan. 2012. Para se aprofundar nas características desse estágio de desenvolvimento leia agora o item III. A infância de sete a doze anos do livro de Piaget Seis Estudos de Psicologia. Atente apara os seguintes aspectos, além daqueles que já tratamos anteriormente: o desaparecimento quase total da posição egocêntrica, que tem impacto importante na socialização, na linguagem e nas brincadeiras, especialmente os jogos com regras; 39
PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM desenvolvimento das operações racionais que se manifestam na evolução da capacidade de seriação, no estabelecimento das relações lógicas de igualdade, bem como de classificação, que a criança de 5-6 anos só fará considerando um atributo, enquanto a criança de 8-9 anos fará considerando 2 ou 3 atributos, por exemplo: círculos pequenos azuis ou quadrados grandes vermelhos, ou no desenho de Francesco Tonucci no livro Com os olhos de criança (1976); a nova organização dos valores morais que aparece nesse estágio do desenvolvimento, e modifica a relação com as regras, que se tornam agora combinadas com os demais, bem como o sentimento de justiça e o respeito mútuo. Experimente fazer as provas piagetianas. Você verá como é muito interessante verificar as respostas das crianças às questões que propomos. Acima de tudo, observe as crianças brincando e as maneiras como solucionam os problemas que lhes são oferecidos e tente entender porque respondem desse ou daquele modo. 40
AULA 5 - PIAGET: OS ESTÁGIOS OPERACIONAL CONCRETO E FORMAL ESTÁGIO OPERACIONAL FORMAL: EM PENSAMENTO TUDO SE TORNA POSSÍVEL Aproximadamente a partir dos 12 anos o indivíduo muda muito. A criança no estágio operacional concreto opera concretamente, ou seja, encontra soluções para os problemas, sem encontrar princípios gerais que se aplicariam a todos os problemas semelhantes. Já o adolescente passa a operar dentro de uma lógica formal, sem que lhe sejam necessários os apoios concretos antes utilizados. Passa a executar em pensamento ações sobre os objetos. Assim, agora ele é capaz de responder a questões expressas em palavras ou em símbolos matemáticos (agora ele é capaz de operar problemas de álgebra, por exemplo): Edith tem cabelos mais escuros que Lili. O de Edith é mais claro que o de Suzana. Qual das três tem cabelos mais claros?. Essa possibilidade abre um mundo inteiramente novo ao adolescente, uma vez que a reflexão passa a ser livre e destacada do real, permitindo que se construam sistemas e teorias próprias. Nesse sentido, a transformação do mundo torna-se possível, o que tem muitas implicações afetivas também (pense em todas aquelas discussões acaloradas que você teve com seus pais...). Piaget destaca, no entanto, a presença ainda de uma forma de egocentrismo intelectual que se: [...] manifesta pela crença na onipotência da reflexão, como se o mundo devesse submeter-se aos sistemas e não estes à realidade. É a idade metafísica por excelência: o eu é forte o bastante para reconstruir o Universo e suficientemente grande para incorporá-lo. (Piaget, 1969) Esse egocentrismo se desvanecerá aos poucos, conforme o pensamento formal vai sendo desafiado pela realidade, mas, enquanto isso não ocorre, traz em si traços de megalomania ou de messianismo. É uma época de intensas descobertas, de construção de uma personalidade própria e da inserção em um mundo de adultos: tarefa nada fácil. Leia agora o item IV: A adolescência, para melhor entender essas ideias de Piaget. Atente para: o papel do egocentrismo na formação do pensamento formal e como finalmente ele vai desaparecendo; a sociabilidade adolescente, como entendida pelo autor; a relação entre afetividade e inteligência apontada por Piaget. Reflita a respeito da passagem transcrita a seguir e no papel que a escola deve ter na construção de programas de vida dos adolescentes: Percebe-se, em geral, comparando-se as realizações dos indivíduos aos seus antigos comportamentos de adolescentes, que aqueles que, entre 15 e 17 anos, nunca construíram sistemas inserindo seus programas de vida em um vasto sonho de reformas, ou aqueles que, no primeiro contato com a vida material, sacrificaram seus ideais quiméricos a novos interesses adultos, não foram os mais produtivos. A metafísica própria ao adolescente, assim como suas paixões e megalomanias, são preparativos reais para a criação pessoal. (Piaget, 1969) 41
PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM Para finalizar as Unidades 3, 4 e 5, nas quais tratamos da teoria construtivista, como cunhada por Jean Piaget, assista à quarta parte do documentário a respeito desse autor, com Yves de La Taille. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hspo9g_4vwg>. Acesso em: jan. 2012. Atente especialmente para os mitos a respeito da teoria construtivista apontados pelo narrador. O que foi mais difícil de entender? Por quê? O que foi mais fácil? Por quê? Quais dos meios utilizados nessa unidade facilitaram/dificultaram sua aprendizagem? Essa coletânea de textos de autores espanhóis conhecidos no campo da educação discute as concepções construtivistas no dia a dia da escola: COLL, César et al. O construtivismo na sala de aula. Tradução: Cláudia Schilling. São Paulo: Ática, 2009. Disponível na biblioteca virtual 3.0 As práticas construtivistas vêm sendo bastante contestadas nos últimos tempos, principalmente em função dos maus resultados dos estudantes brasileiros nos testes padronizados como o internacional PISA, o nacional Prova Brasil e os estadual Saresp. Leia o artigo da revista Veja que aponta alguns dos problemas do construtivismo na sala de aula, segundo seus críticos. Veja, no entanto, que um dos grandes problemas apontados é a falta de compreensão do professor da teoria. Você viu que a teoria não é fácil, faça a sua parte: dedique-se a entendê-la e tirar suas próprias conclusões. LINKS O site <www.scielo.br> é um portal de revistas científicas com acesso gratuito. Ele traz inúmeros artigos que abordam o construtivismo nas mais diferentes áreas da educação: linguagem, matemática, ciências, epistemologia etc. VÍDEO Assista ao trecho do DVD Construtivismo e práticas pedagógicas, produzido por ATTA Mídia, no qual o professor Lino de Macedo, do Instituto de Psicologia da USP, comenta fragmentos de aulas. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=cclgw2iy6r0>. Acesso em: jan. 2012. 42
AULA 5 - PIAGET: OS ESTÁGIOS OPERACIONAL CONCRETO E FORMAL REFERÊNCIAS PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. Tradução: Maria Alice Magalhães D Amorim e Paulo Sérgio Lima Silva. Rio de Janeiro: Forense, 1969. RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. R. Piaget: modelo e estrutura. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.. Os estágios do desenvolvimento da inteligência. Jean Piaget. Coleção Mestres da Pedagogia, n.1. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Segmento Duetto, 2005. 43