Educação Matemática, ultura e Diversidade QUDRILÁTEROS DE SHERI laudemir Murari Universidade Estadual aulista - UNES murari@vivax.com.br Resumo: O estudo dos quadriláteros de Saccheri se constitui em um motivador e uma oportunidade de apresentação de uma geometria não-euclidiana, a hiperbólica, já que ela tem sido pouco abordada nos programas de graduação, apesar de a importância desse ensino ser justificada pela sua abrangência e aplicação em relação às diferentes áreas do conhecimento. Utilizamos diferentes materiais pedagógicos (instrumentos de desenho e software), resgatando o uso de régua e compasso, procedimento esse quase abandonado pelos educadores face à facilidade oferecida pelos softwares de geometria. alavras-chave: Geometria hiperbólica; Quadrilátero de Saccheri; onstruções Geométricas. I. INTRODUÇÃO s geometrias não-euclidianas nasceram do questionamento do postulado das paralelas de Euclides. Girolamo Saccheri (1667-1733), no livro intitulado Euclides ab omni naevo vindicatus (achado em 1899), tencionou provar o V ostulado de Euclides e, usando um argumento redução ao absurdo, supôs a negação do postulado das paralelas e tentou chegar a uma contradição, estudando uma família dos quadriláteros que vieram a ser chamados de quadrilateros de Saccheri. Nesta obra derivou alguns teoremas concernentes à geometria não-euclidiana, não reconhecendo estar diante de uma nova geometria. II. O MODELO DO ÍRULO DE OINRÉ ara o desenvolvimento de nosso estudo, escolhemos o modelo do círculo que representa o plano hiperbólico criado por Henri oincaré. Faremos algumas considerações a respeito desse modelo. Sendo conhecidos os elementos básicos de geometria euclidiana, como em ROS [1], inicialmente, constrói-se uma circunferência no plano. região convexa delimitada por essa circunferência é nomeada de plano hiperbólico. Os pontos ali localizados são denominados pontos do plano hiperbólico, em 1
Educação Matemática, ultura e Diversidade nada diferem do plano euclidiano. orém, não é o que acontece com uma reta. ssim vamos definir o que entendemos por reta hiperbólica (geodésica). aseando-nos nas referências, temos que uma circunferência é ortogonal a, se a intersecção de e contiver dois pontos, e as tangentes, respectivamente, a e a (nesses pontos de intersecção) forem perpendiculares. Ver detalhes em MURRI e LZRI [6]. s retas do plano hiperbólico serão, então, os arcos de circunferências, ortogonais a, contidos no plano hiperbólico, juntamente com os segmentos de reta que passam pelo centro e unem dois pontos de (Fig.1). om esta definição, temos que o plano hiperbólico satisfaz os Fig. 1 axiomas de Euclides, mas com a seguinte alteração na formulação do 5º axioma (das paralelas): Dados uma reta do plano hiperbólico e um ponto fora da mesma, existe um número infinito de retas hiperbólicas que contêm o dado ponto e não encontram a dada reta. III. OTÊNI DE ONTO OM RELÇÃO UM ÍRULO Seja (, r), e externo a essa circunferência. Traçando duas secantes a essa circunferência obteremos os pontos,,,, conforme Fig.. Fig. Temos, então, que. '. ', pois (, inscritos, determinando o mesmo arco ) Se e é tangente a (,r), conforme Fig. 3, E então: ( E) '. ', pois ' E ~ E ' Fig. 3 (Fig.4). Definimos a otência do ponto em função de m e de d = Fig. 4
Educação Matemática, ultura e Diversidade ot( ) '. ' d m. ( d m) d m, ver [MRMO 3]. IV. O EIXO RDIL DE DOIS ÍRULOS Sejam dados dois pontos fixos e, e um comprimento d constante. onstruir um triângulo retângulo de catetos d e y e hipotenusa x, (ver Fig. 5). Fig. 5 Os arcos (,x) e (,y) (Fig. 6) determinam pontos e, tal que as distâncias de ( ) ao ponto é hipotenusa (x) e a distância de ( ) ao ponto é cateto y do triângulo retângulo (Fig. 5). s distâncias de (, ) aos pontos e têm diferenças dos quadrados constantes:. Fig. 6 Unindo a, e baixando a perpendicular por a obtemos uma reta l, tal que todo ponto l tem a propriedade enunciada acima, conforme Fig. 7 ( x y x' y' d ), ver MRMO [4]. H Fig. 7 Disso, segue: O lugar geométrico (lg) dos pontos, cujas distâncias a dois pontos fixos e variam, mas conservam, respectivamente, a diferença dos quadrados constante, é uma reta perpendicular à reta (eixo radical). V. EQUIOTÊNI Def.: Um ponto é dito eqüipotente em relação a duas circunferências quando sua potência (potência do ponto) é a mesma, tanto com relação a uma como com relação à outra (Fig. 8) x e y. Fig. 8 3
Educação Matemática, ultura e Diversidade O lugar geométrico (lg) dos pontos eqüipotentes com relação a duas circunferências é uma reta perpendicular à reta dos centros, e é denominada eixo radical (e.r.) dessas circunferências. omo =, temos. Se b > c obtemos: = d VI. ONSTRUÇÃO DO (E.R.), DDS S IRUNFERÊNIS (,) E (,) [VER ITEM (IV)] Se é o ponto da circunferência, sua potência é igual a zero. De fato, se temos a circunferência (,b) e (,b), temos e, (Fig. 9). Fig. 9 Método rático: eixos radicais quando: as circunferências são secantes (Fig. 10); as duas circunferências são tangentes externas ou internamente (Fig. 11); e as duas circunferências não se encontram, podendo ser externas ou internas. (Fig. 1). X Fig. 10 Fig. 11 Fig. 1 Def.: Duas circunferências são ditas ortogonais quando se cortam, e os dois raios que incidem no mesmo ponto são perpendiculares entre si. aso articular: O lg dos centros de circunferências ortogonais, simultaneamente a duas circunferências fixas, é o e.r. delas. Justificativa: Se a circunferência (,a) é ortogonal às circunferências (,b) e (,c), os raios a de são tangentes às circunferências (,b) e (,c). omo potência é tangente ao quadrado, o ponto é eqüipotente ot(,)=ot(,)=a (ver Fig. 13 4
Educação Matemática, ultura e Diversidade Fig. 13). Então, todo centro de circunferência ortogonal a (,b) e (,c) é eqüipotente com relação a (,b) e (,c); logo, pertence ao e.r. de (estudo detalhado, ver MRMO [4]). VII. INVERSÃO EM RELÇÃO UM IRUNFERÊNI Def.: Dada uma circunferência (O,r), definimos o inverso de qualquer ponto (distinto de O) como sendo o ponto sobre a reta que passa por O, cuja distância de O satisfaz a equação OO. ' r, conforme OXETER []. Dizemos que os pontos e são inversos em relação ao círculo (O,r). Se um dos pontos ou está fora da circunferência, então, o outro está dentro, e vice-versa. onstrução: ara construir o inverso de um dado ponto, dentro do círculo de inversão, seja T o final da corda através de, perpendicular a O. Então, a tangente em T encontra O (estendido) no ponto. Desde que os triângulos retângulos OT e OT são O r = ou r =O.O' r O' semelhantes e OT = r, temos: (ver Fig. 14). Teorema: Se uma circunferência (O,r ) passa através de dois pontos distintos e, inversos em relação a uma circunferência (O,r), então as circunferências (O,r ) e (O,r) são ortogonais (ver OXETER []). T O Fig. 14 O O Fig. 15 VIII. O QUDRILÁTERO DE SHERI O propósito de Saccheri era provar que os postulados I, II, III e IV de Euclides implicavam no postulado V. or intermédio do argumento redução ao absurdo, ele assumiu os quatro primeiros postulados e negou o quinto (V) e, então, encaminhou o raciocínio para uma contradição. través do uso de um quadrilátero, como mostra a Fig. 16, Saccheri trabalhou a idéia de uma teoria de paralelas, satisfazendo a negação do postulado V. Um estudo detalhado pode ser encontrado em McLERY [5]. 5
Educação Matemática, ultura e Diversidade Seja D um quadrilátero tal que D, D,. D Fig. 16 Saccheri considerou todos os possíveis casos para os ângulos ˆ ˆD : (1) Dˆ ˆ 90º; () Dˆ ˆ 90º; (3) Dˆ ˆ 90º. Desconsiderados os casos (1) e () pela própria teoria, então, só restou: Dˆ ˆ 90º. Este tipo de quadrilátero pode ser obtido na geometria hiperbólica, através de construção no disco de oincaré. seguir, serão construídos dois tipos de quadriláteros, por meio de dois procedimentos: régua e compasso e software abri-géomètre II (hiperbólico). VIII 1. onstrução com régua e compasso: 1) onstruir D, com centro O, e a reta l vertical; ) Dado o ponto l, obter o inverso ' e, ortogonal a D; 3) Obter o e.r. (eixo radical) das D e ; 4) Tomar, obter o simétrico ' ;em relação a l; 5) Determinar no e.r. o ponto O ', centro de e l ''. l ' e l' l '' ; 6) onstruir ''(centro O ''), simétrica de ', ortogonal a e D, através das retas l ' ', em relação à reta l; 7) onstruir ''', ortogonal à D, contendo os pontos inversos q e os pontos '' e ''' nas interseções de ' e '', respectivamente; q ', determinando 8) onstruir o quadrilátero de Saccheri ' '' ''' através de seus arcos (em negrito, Fig.17). 6
Educação Matemática, ultura e Diversidade D O O O Fig. 17 VIII. onstrução no software abri-géomètre II hiperbólico: 1) Traçar D com centro O (botão circunferência); ) través do botão d-line, função (bnd points), obter a reta a, clicando nos dois pontos fronteiros do disco D (pontos fronteiros de a) e, posteriormente, num ponto qualquer de D; 3) Obter (ícone ponto função ponto) na reta a; 4) través do botão centre d-line, função perpendicular at point, obter a reta b (hiperbólica), perpendicular a reta a e passando por ; 5) Determinar e ' em, b através do ícone simetria axial; 6) omo feito em (4), obter as retas c e d (hip) passando por e ', respectivamente; 7) Obter ' a e, usando o mesmo procedimento de (4) para obter a reta (hip), que intercepta as retas c e d nos pontos '' e ''' ; 8) través dos arcos formados pelos pontos ' '' ''' temos construído o quadrilátero de Saccheri (Fig. 18). 7
Educação Matemática, ultura e Diversidade D O Fig. 18 IX. ONLUSÃO No presente trabalho, utilizamos régua e compasso e o software abri-géomètre II (hiperbólico), mostrando as ações necessárias para sua execução, já que, pelo que temos visto nos estudos sobre os quadriláteros de Saccheri, não temos encontrado algumas justificativas sobre os passos da construção dessas figuras geométricas, pois ao serem efetuados através de softwares alguns procedimentos não são demonstrados, dificultando a formalização das provas. Ressalte-se, também, que ao optar pelos softwares o professor deve ter conhecimento das construções geométricas que são executadas com os mesmos, até porque tais construções, com certa freqüência, estão envolvidas nos algoritmos que constituem os programas. Há que se destacar a significativa contribuição dos softwares no ensino de geometria, particularmente, na visualização das construções geométricas e dos teoremas básicos, bem como do ensino de conteúdos mais avançados como geometrias não euclidianas. orém, a prática nos tem demonstrado que utilizando instrumentos de desenho no estudo de alguns conceitos preliminares, o trabalho com os softwares torna-se mais produtivo. ssim, como educadores, envolvidos em questões relativas ao ensino e à formação de professores, devemos fomentar o exercício de metodologias alternativas, vivenciadas em nossa prática. X. REFERÊNIS ILIOGRÁFIS ROS, J.L.M. Geometria Hiperbólica. 0º olóquio rasileiro de Matemática. IM: Instituto de Matemática ura e aplicada, Rio de Janeiro, 1995. OXETER, H. S. M. Introduction to Geometry. New York: John Wiley & Sons, 1961. 8
Educação Matemática, ultura e Diversidade MRMO,. onstruções fundamentais. Livro I. São aulo: Moderna, 1964.. Métodos I. Livro II. São aulo 1974. McLERY, J. Geometry from a Differentiable Viewpoint, ambridge: University ress, 1995. MURRI,.; LZRI, H. Tesselações Hiperbólicas com régua e compasso, In: VII EEM Matemática na Escola: conteúdos e contextos, NIS. São aulo: SEM - S, 004. D. p.01 10. 9