1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: SOLUÇÃO PARA O NIVELAMENTO DE MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR June Lessa Freire CETIQT/SENAI - jfreire@cetiqt.senai.br Lilian Nasser IM/UFRJ e CETIQT/SENAI - lnasser@cetiqt.senai.br Débora Mendonça Cardador - CETIQT/SENAI - dcardador@cetiqt.senai.br Resumo Várias estratégias têm sido utilizadas para tentar preencher as lacunas de aprendizagem em matemática básica de alunos ingressantes no curso superior, sem muito sucesso. Este trabalho relata o uso da tecnologia no desenvolvimento de um curso de nivelamento à distância para os calouros nos cursos superiores da Faculdade SENAI/CETIQT, concebido numa perspectiva de Sistema Inteligente. Utilizando a metodologia dos desafios, os alunos participam ativamente da construção do conhecimento necessário para preencher as lacunas e acompanhar com bom desempenho as disciplinas do seu curso. Palavras-chave: educação à distância, sistema inteligente, metodologia dos desafios. INTRODUÇÃO O número de alunos ingressantes do ensino superior que trazem lacunas de aprendizagem em diversas áreas do conhecimento em sua formação básica vem aumentando ano a ano. (Palis, 2005 ; Nasser, 2006). Pesquisas apontam a matemática como uma das áreas de maior defasagem de formação. Esse tema tem sido alvo de debates e investigações do Grupo de Pesquisa em Educação Matemática no Ensino Superior (Nasser, 2003), da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM). A existência dessas lacunas desafia a comunidade educacional a identificar estratégias para assegurar que todos os estudantes superem suas dificuldades e alcancem altos níveis acadêmicos. Nesse sentido, várias iniciativas para suprir as deficiências dos alunos ingressantes nos cursos de graduação têm sido testadas, como cursos de pré-cálculo obrigatórios ou optativos, aulas de apoio e disciplinas eletivas presenciais paralelas às disciplinas da grade curricular. Este trabalho relata o uso da tecnologia no desenvolvimento de um curso de nivelamento à distância para os alunos ingressantes nos cursos superiores da Faculdade SENAI/CETIQT. Os alunos vêm de várias partes do país, recomendados por empresas têxteis, para os cursos de
2 graduação em Engenharia Industrial Têxtil, Design de Moda, Produção de Vestuário, Artes habilitação em Figurino e Indumentária e Administração; e para os cursos técnicos. Ao longo do tempo, o estudo da Educação vem sofrendo muitas mudanças. Uma nova visão, desenvolvida nos últimos 15-20 anos, é fortemente influenciada pelas ciências sociais e cognitivas. O desenvolvimento das teorias de aprendizagem desse período vem provocando mudanças no estudo da natureza da aprendizagem e na percepção que se tem dos aprendizes. O sistema educacional evoluiu do foco no ensino (professor) para o foco no conteúdo, e atualmente está focado na aprendizagem (aluno). O conhecimento é construído socialmente, por meio da ação, comunicação e reflexão, envolvendo os aprendizes. Além disso, a visão clássica do ensino como repasse ou transmissão dos conteúdos se transformou na modelagem de experiências práticas, na promoção de conversas interativas e na negociação de significados, que promovem mudanças nas estratégias e crenças dos aprendizes, aprimorando habilidades e competências. Os professores estão aos poucos se tornando orientadores, tutores e facilitadores da aprendizagem em vez de provedores de informação. Teorias modernas e o uso de novas tecnologias podem ajudar na criação de uma abordagem inovadora para os cursos de nivelamento, que redefina o papel central do conteúdo, e dê mais ênfase no desenvolvimento de habilidades e atitudes investigativas. Esta pesquisa pretende conceber mecanismos alternativos de nivelamento em matemática na educação superior: o curso de nivelamento em matemática é fruto de pesquisa aplicada, utilizando uma metodologia de aprendizagem não tradicional na estrutura e desenvolvimento de cursos à distância. EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA A problemática das dificuldades apresentadas por alunos que ingressam no ensino superior tem sido amplamente discutida nos cursos tradicionais, sem se encontrar uma solução satisfatória. Isto ocorre, principalmente, porque esses cursos não atendem às principais questões do nivelamento: o nivelamento não deve ser considerado apenas uma revisão de conteúdos; há uma grande variação das lacunas de conhecimento, tanto em conteúdo quanto em aprofundamento; é possível aliar as atitudes e experiências pré-existentes dos alunos com o conhecimento do conteúdo do curso;
3 nem todos os estudantes aprendem no mesmo ritmo seu progresso depende do conhecimento prévio e das lacunas individuais; a seleção de conteúdos deve ser baseada nas lacunas dos estudantes; não é necessário que todos os alunos estudem o conteúdo na sua integridade. A educação à distância pode ser uma abordagem promissora para o problema do nivelamento do conhecimento no ensino superior, pois permite uma aprendizagem mais flexível e personalizada. Um Ambiente Virtual de Aprendizagem pode ser usado para apoiar a interação e um amplo leque de contextos de aprendizagem. Pode também promover a aprendizagem formal e informal, por meio de estudo dirigido individual. O Curso de nivelamento de Matemática é um exemplo de aprendizagem mediada pela tecnologia, na qual a metodologia da Educação à Distância cria um ambiente de aprendizagem significativo e estimulante, que permite aos estudantes aprender de diversas maneiras. APRENDIZAGEM PELA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS (ARP) Na metodologia pela resolução de problemas, o aluno constrói o conhecimento enquanto busca as ferramentas necessárias para resolve-los. Ou seja, em vez de ser apresentado a um conteúdo da forma tradicional, o aprendiz é desafiado a resolver um problema que requer esse novo conhecimento na sua resolução. O ensino-aprendizagem pela resolução de problemas tem diversas vantagens: desenvolvimento de habilidades para resolver problemas, a partir de estratégias variadas; a exposição contínua a problemas aplicados da vida real leva os alunos a adquirir autonomia para tomar decisões apropriadas; a resolução de problemas permite o acesso, a retenção e a aplicação do conhecimento; a prática de resolução de problemas colabora para elevar a auto-estima dos aluno. A aprendizagem baseada na resolução de problemas pode diminuir as lacunas entre a teoria e a prática que, em muitas circunstâncias, são abordadas separadamente no currículo convencional. Além disso, a ARP promove o desenvolvimento de habilidades de aprendizagem autônoma. Bruner (1976) sugere que, quando os alunos trabalham na resolução de problemas significativos para eles, mostram interesse em questões referentes aos problemas que vão além do mero estudo para a aprovação num exame. A ARP pode e deve ser utilizada nos cursos à distância, com o objetivo de promover a contextualização e, conseqüentemente, a retenção da aprendizagem.
4 METODOLOGIA DOS DESAFIOS A Metodologia dos Desafios é baseada na solução de problemas, que aplica os princípios de learning to think e learning by doing. A Pedagogia dos Desafios estimula os estudantes a desenvolver uma postura investigativa: os desafios podem ser apresentados em diferentes formatos, tais como jogos, enigmas, simulações ou estudos de caso. Também valoriza as experiências e conhecimentos prévios dos alunos, em consonância com a Ciência Cognitiva. Em um ambiente de aprendizagem, há metas específicas a serem alcançadas o aluno tem uma missão a ser cumprida. Essas metas não são apenas um estímulo para a aprendizagem, mas também um fator primário para determinar a organização e a natureza do que está sendo aprendido. Segundo Piaget, há uma necessidade de acomodação quando a experiência não pode ser prontamente assimilada pelos esquemas pré-existentes (Piaget, 1977). O desenvolvimento de um estágio cognitivo para o seguinte é provocado pela necessidade de compreender o ambiente e assimilá-lo; a não assimilação provoca um desequilíbrio cognitivo que força as estruturas cognitivas a se reorganizarem e se acomodarem a fim de permitir a assimilação do objeto de conhecimento. Na Pedagogia dos Desafios, o desequilíbrio cognitivo é o principal fator para estimular a aprendizagem. Em contraste com a educação tradicional, que valoriza a replicação de conteúdo e o controle, a Metodologia dos Desafios aponta para o desenvolvimento de um ambiente construtivista de aprendizagem, para o qual é fundamental a adoção de alguns princípios de desenho instrucional (Cunningham, 1993): Criar um ambiente realista e relevante importância; O participante pode decidir a ordem de estudo do conteúdo a ser explorado, assim como o método de estudo e as estratégias para solução de problemas aprendizagem não-linear; O papel do professor é o de um mediador de aprendizagem assessorando os estudantes na organização dos objetivos e caminhos para a aprendizagem coach; Promover atividades interativas entre professores-alunos e alunos-alunos (Vygotsky, 1991) colaboração; Estimular a reflexão sobre as estratégias de aprendizagem adotadas metacognição. METODOLOGIA DO CURSO O Curso de Nivelamento em Matemática da Faculdade SENAI/CETIQT está sendo desenvolvido dentro de uma perspectiva de Sistema Inteligente. Pode-se definir Sistema Inteligente como aquele que é capaz de aprender durante o seu funcionamento, dentre outras características.
5 O referido curso está organizado segundo o seguinte esquema. (1) Pré-teste teste com correção automática, que efetua uma classificação inicial das áreas e graus de deficiência do aluno nos tópicos do curso; tem como resultado as orientações para estudo e as informações sobre a situação inicial do aluno (1). (2) Orientações para estudo resultantes do pré-teste, as orientações de estudo contêm informações resumidas para o aluno sobre o resultado do teste, indicações de conteúdo (3) e exercícios para seu estudo (4 e 5); as orientações são individualizadas e têm por objetivo direcionar o aluno em seu estudo, permitindo a priorização dos tópicos em que apresenta maior deficiência. (3) Conteúdo Interativo apresentação do conteúdo explicativo relativo aos tópicos selecionados, de forma lúdica e interativa; a cada tópico está associado um conjunto de exercícios resolvidos (4) e outro de exercícios para praticar (5). (4) Exercícios Resolvidos complementando o conteúdo relativo aos tópicos (3), serão disponibilizados exercícios com a resolução, para consulta do aluno. (5) Problemas para prática e fixação o aluno irá resolver problemas selecionados de acordo com as áreas e graus de deficiência identificados pelo pré-teste (1).
6 (6) Desafios situações-problema que o aluno deverá solucionar com o apoio do conteúdo interativo (3) e dos exercícios resolvidos (4). Após o pré-teste, o aluno recebe como feedback um prognóstico ressaltando os tópicos onde obteve bons resultados e indicando os que precisa estudar e em que nível. É apresentado ao aluno um roteiro de estudo para cada tópico a ser estudado. O aluno pode navegar pelos componentes do ambiente de aprendizagem não-linearmente, ou seja, estando em qualquer um dos itens, poderá acessar imediatamente qualquer um dos demais. A avaliação de cada tópico é feita em função da resolução dos desafios apresentados. ESTRUTURA DO CURSO Neste curso, não só abordaremos conteúdos específicos da Matemática, mas também serão desenvolvidas as competências relacionadas. Os tópicos de Matemática abordados foram selecionados de acordo com as lacunas de aprendizagem identificadas tanto em testes, como em experiências prévias dos professores em cursos de nivelamento presenciais. Para um primeiro módulo do Curso de Nivelamento em Matemática foram selecionados os seguintes tópicos: Números inteiros e decimais; Proporcionalidade; Frações; Porcentagem; Sistema de medidas. Além destes tópicos, são indicados para a elaboração de futuros módulos do curso os tópicos de Álgebra Básica e Funções. Em cada tópico, as habilidades que os alunos devem alcançar foram relacionadas e classificadas em função da complexidade. Esta estratégia foi adotada visando garantir o atendimento de todas as habilidades em todos os tipos de atividade pré-teste, conteúdo interativo, exercícios resolvidos, exercícios de fixação e desafios. O aluno usa o material didático e links complementares como fonte de informação. O material didático não foi desenvolvido para ensinar, mas para dar suporte ao desempenho e dúvidas dos alunos. É utilizado de acordo com a necessidade a consulta ao material didático não é exigida, embora seja estimulada. Com o objetivo de criar uma estrutura não-linear e interconectada, foi aplicado o modelo rizomático (Guattari, 1990) para mapear e representar o conhecimento de modo não-hierárquico. O rizoma resultante foi então implementado em um modelo de hypertexto, com conteúdos e links.
7 Usando o hypertexto, o aluno pode acessar os conteúdos e demais componentes da estrutura do curso, por tópico, nível ou associação de idéias. MEDIAÇÃO Os Exercícios Resolvidos constantes no curso são estruturados de forma a fornecer ao aluno a mediação entre os enunciados dos problemas e as estratégias de raciocínio matemático para a sua solução. Os Exercícios Resolvidos têm como principal função preparar o aluno para a resolução dos Desafios. Por exemplo: Uma escola com 500 alunos funciona em 3 turnos. Sabendo que 40% dos alunos estudam no turno da manhã e 35% estudam no turno da tarde, determine a porcentagem de alunos que estudam no 3º turno. Resolução: Qual a porcentagem corresponde ao total de alunos? 100% Qual porcentagem corresponde aos alunos que estudam no turno da manhã e da tarde? 75% Então, para calcularmos a porcentagem de alunos que estudam no turno da noite, fazemos: 100% - (40% + 35%) =!00% - 75% = 25% O processo de ensino-aprendizagem, dentro de um enfoque sócio-cultural (Vygotsky, 1991) é um evento social compartilhado que pode surgir, despertar e colocar em movimento uma variedade de processos internos de desenvolvimento que são possíveis apenas na esfera da interação social. A mediação é a chave principal para promover uma aprendizagem significativa e reflexiva. Ela conduz o estudante à Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), definida como o conjunto de conhecimentos que o aluno tem a habilidade de aprender, mas não compreende ainda (Vygotsky, op.cit.). De acordo com a teoria de ZDP, a capacidade de aprender de uma pessoa não tem limite superior e o que uma pessoa aprende e consegue fazer hoje com a ajuda de outros poderá ser feito individualmente amanhã. A ZDP tem sido vista também como a área na qual os alunos são desafiados a aprender, mas a aprendizagem não é tão difícil, nem tão fácil. CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho apresentamos o Método dos Desafios como um modelo instrucional que é extremamente condizente com os princípios do construtivismo. No ambiente de desafios os alunos são ativamente engajados no trabalho em tarefas e atividades adequadas. O foco é no aprendiz como
8 construtor do seu próprio conhecimento, num contexto similar àquele em que deve aplicar esse conhecimento. Os alunos são encorajados a pensar tanto crítica, quanto criativamente e a monitorar suas próprias compreensões, lançando mão da metacognição. O uso do método dos desafios num ambiente virtual de aprendizagem pode ser um caminho alternativo para promover uma aprendizagem mais significativa. No caso particular dos cursos de nivelamento em Matemática, é possível atingir o objetivo de preencher as lacunas de aprendizagem por meio de um curso à distância, em que o aluno estuda individualmente aquilo de que necessita, no seu ritmo, de modo a conseguir acompanhar as disciplinas do seu curso superior, alcançando, assim, a individualização do próprio ensino. Referências BRUNER, J. Uma nova teoria da aprendizagem. Rio de Janeiro: Bloch, 1976. CUNNINGHAM, D.J. at al. The textbook of the Future. In C. Mcknight, A. Dillon & J. Richardson (eds.) Hypertext: a Psychological Perspective. New York: Ellis Horwood, 1993. GUATTARI, F. As três ecologias. Campinas: Papirus, 1990. NASSER, L. Educação Matemática no Ensino Superior: uma área de pesquisa em ascensão. Atas do II Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática (em CD). SBEM, 2003. NASSER, L. Aprimorando o desempenho de alunos de Cálculo no traçado de gráficos. Atas do III Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática. Disponível em www.desenho.ufpr.br/iiisipem/gt4, SBEM, 2006. PALIS, G. de L. R. Educação Matemática: entrelaçando pesquisa e ensino, compreensão e mudança. Educação on-line, N.1. Disponível em: www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/cgi-bin/db2www/prg_1357.d2w/input, PUC-Rio, 2005. PIAGET, J. Psicologia da Inteligência. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.