Moçambique no faroeste dos BRICS



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Transcrição:

PERSPETIVA FES MOÇAMBIQUE Moçambique no faroeste dos BRICS Investimentos arriscados dos países emergentes ou oportunidades para uma transformação económica? KATHARINA HOFMANN Fevereiro de 2015 Num mundo cada vez mais multipolar, as relações de poder deslocam-se continuamente. Entre os actores relevantes, encontram-se os heterogéneos BRICS, que se esforçam em aumentar sua influência geopolítica no hemisfério sul. Sua influência em África aumenta, enquanto a dos países ocidentais diminui. Em Moçambique, os BRICS actuam por interesses estratégicos económicos. A utilização dos recursos e os investimentos trazem benefícios às suas respectivas economias nacionais. Ao mesmo tempo, sua presença em África lhes assegura poder político, já que sempre são o parceiro mais forte nas respectivas relações com os países africanos. No campo de actuação internacional dos BRICS, Moçambique é um país entre muitos, enquanto que, para o desenvolvimento de Moçambique, a presença dos BRICS representa a mudança decisiva dos últimos anos. Por um lado, os investimentos dos BRICS em Moçambique agravam conflictos na área das indústrias extractivas e da concessão de terras a elas vinculadas, e também nas questões ligadas à protecção do meio ambiente e à segurança do trabalho. Por outro lado, impulsos positivos de longo prazo poderiam alavancar um processo de transformação de uma economia de subsistência para a industrialização, desde que esta transformação seja activamente incentivada pelo governo. Também nas áreas de boa governação, política social e combate à pobreza, os BRICS poderiam servir de exemplo a Moçambique para o estabelecimento de um modelo de desenvolvimento próprio.

Moçambique no contexto internacional A África do Sul, vizinha de Moçambique, o Brasil, estreitamente ligado ao país por laços culturais e linguísticos, a China como super-potência económica, a Índia e, em medida crescente, também a Rússia todos os BRICS estão economicamente activos em Moçambique, que, à procura de novos parceiros activos e da diversificação das suas relações externas, recebe-os de braços abertos. Aos BRICS associa-se a esperança não irrealista de transformação da estrutura económica do país, de uma economia de subsistência e dependente da ajuda ao desenvolvimento, para uma economia nacional dotada de uma indústria transformadora mais produtiva e, assim, para um país de rendimento médio. O Ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Oldemiro Baloi, define a política externa de Moçambique pela»diversificação«das relações externas com novos e antigos parceiros. O objectivo das relações económicas externas consiste na libertação da dependência de doadores ocidentais. A União Europeia continua a ser o parceiro comercial mais importante de Moçambique (36,6 por cento das exportações, 11,4 por cento das importações), seguida pela África do Sul (30,5 por cento das exportações, 26,4 por cento das importações), pela China (9,4 por cento das exportações, 12,7 por cento das importações), pela Índia (5,1 por cento das exportações, 14,1 por cento das importações) e pelos Estados Unidos (1,6 por cento das exportações, 3,2 por cento das importações) (EEAS 2014). Ainda há alguns anos, nenhum dos BRICS se encontrava entre os primeiros cinco lugares dos rankings. Observou-se, portanto, um claro deslocamento das relações de poder político em favor dos BRICS. No contexto africano, Moçambique é uma economia com ritmo de crescimento acelerado e um fornecedor global de matérias-primas, constituindo, deste modo, um parceiro importante dos países emergentes. No ano de 2014, o país registou novamente um crescimento económico de 7,5 por cento. Contudo, este crescimento parte, em termos absolutos, de um nível inicial muito baixo e continua a basear-se nos poucos megaprojetos implementados no país. Além disso, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o sector de transportes e comunicações está a transformar-se em mais um sector de crescimento. As previsões para os próximos cinco anos também apontam para um crescimento de 7,5 a 8 por cento ao ano. Os investimentos directos estrangeiros duplicaram, sobretudo em consequência das descobertas de recursos naturais, tendo Moçambique ascendido a terceiro maior receptor de investimentos directos na África, depois da Nigéria e da África do Sul. As reservas de gás e carvão, que estão entre as maiores do mundo, poderiam tornar Moçambique o terceiro maior exportador de gás natural e primeiro exportador de carvão em África. Além da exploração off-shore de gás, foi iniciada a extracção de carvão, entre outros, na Província de Tete. Porém, alguns projectos estão estagnados, porque as infraestruturas se revelaram em pior estado do que esperado pelas grandes empresas. Sobretudo o transporte através da degradada rede ferroviária até ao porto da Beira leva demasiado tempo. Aumenta, portanto, o cepticismo quanto aos prognósticos relativos às descobertas de recursos, e algumas empresas multinacionais estão reavaliar as suas estimativas, inicialmente optimistas. No geral, as grandes empresas e o grupo dos doadores estimam que um verdadeiro equilíbrio no financiamento do orçamento do Estado, resultante dos rendimentos do gás na costa do Índico, ocorrerá apenas em 2020 uma situação perigosa, já que o plano de desenvolvimento do país na sua totalidade se fundamenta em rendimentos potenciais de recursos, mas não em receitas reais. O forte crescimento em Moçambique deve-se, em grande medida, à procura e à especulação dos países emergentes, e não a uma indústria economicamente sustentável ou productiva. Até hoje, não aconteceu uma transformação económica verdadeiramente estrutural. Seria desejável um crescimento mais inclusivo, que pudesse contribuir também para a redução da pobreza. Uma industrialização própria não se pode construir a partir de uma economia especulativa fundamentada em megaprojetos de recursos, mas apenas a partir de uma indústria transformadora e de uma agricultura moderna, capazes de criar empregos productivos e, assim, um poder de compra e uma procura interna maiores. Nesse âmbito, países emergentes na Ásia e na América Latina serviram de exemplo. Um obstáculo nesse processo é a falta de transparência e de comunicação das elites políticas moçambicanas e dos seus parceiros, dos BRICS, sobre as dinâmicas e os desafios económicos. Sobretudo no ano passado, a patente falta de participação foi motivo de protestos sociais contra os megaprojectos. 1

A situação geográfica estratégica da África Austral aumenta o interesse dos BRICS na região. O Oceano Índico constitui um ponto de acesso ao comércio global e, por conseguinte, ao poder geopolítico. A metade de todos os contentores despachados a nível global e 70 por cento do petróleo negociado internacionalmente são transportados pelo Oceano Índico. O transporte de bens e mercadorias pelo Índico registou um forte aumento nos últimos anos. Para os BRICS, a importância do Índico não está somente nas grandes reservas de gás off-shore na costa de Moçambique e da Tanzânia, mas também na segurança das vias marítimas que levam aos seus países. Para a China, a Índia, o Brasil e a vizinha África do Sul, o caminho dos recursos pelo Índico é calculável, mas não livre de riscos. Apesar da distância e da maior dificuldade de acesso marítimo para a Rússia, este país vê um potencial lucrativo nas concorrentes reservas de gás africano. A África atribui uma importância extraordinária ao Oceano Índico: Segundo informações da União Africana, 90 por cento das exportações e importações são efectuadas por via marítima. Nessas condições, serão ainda mais prejudiciais para os países em questão as consequências das mudanças climáticas, da destruição do meio ambiente e do comércio ilegal. Em África, Moçambique é tido como o país com a maior vulnerabilidade face às alterações climáticas. Recursos e terra para os BRICS Empresas provenientes dos BRICS investem intensamente em muitos sectores, embora com maior ênfase no sector extractivo destinado à exportação. Dessa nova cooperação resultam, porém, a venda ou concessões de uso de vastas extensões de terra e um número insuficiente de novos postos de trabalho nos megaprojetos. Na medida em que os doadores ocidentais recuam em face das receitas esperadas decorrentes dos recursos naturais e da crescente avidez das elites, os BRICS estão interessados nos recursos para alimentar com energia suas respectivas indústrias. Os recursos naturais são exportados, e a produção agrária também é destinada à exportação. Isto significa uma maior dependência de importações, levando ao aumento significativo de preços e de insegurança alimentar nas regiões afectadas pelos megaprojectos agrícolas. Os BRICS apostam nos mesmos mecanismos que norteavam a economia na época colonial: exportação de matérias primas a fim de fortalecer seus próprios mercados. Não se vêem comprometidos com os mesmos padrões supostamente adoptados pelas empresas ocidentais. Assim, têm exigências menores quanto à qualidade e oferecem salários e padrões de trabalho mais baixos. A título de exemplo, a mineradora australiana Rio Tinto vendeu recentemente suas participações na extracção de carvão na província de Tete, argumentando que já não trariam o retorno desejado em face dos investimentos elevados em infraestruturas e dos problemas ligados aos reassentamentos. Carvão para a Índia As participações foram vendidas à empresa indiana International Coal Ventures Private Limited (ICVL), porque o carvão seria comercializado no mercado indiano apesar de sua má qualidade e porque se poderia economizar nos salários para garantir os retornos necessários com o investimento. A ICVL pertence ao Estado, agrega uma série de empresas indianas e deve explorar novos mercados. Concentra-se no carvão e outros minerais e nos biocombustíveis. Algumas dessas empresas investirão ao mesmo tempo em projectos de infraestrutura. A rede ferroviária está sendo renovada pela empresa brasileira Vale, que também actua no sector de carvão e que regularmente se vê obrigada a corrigir para baixo as suas expectativas de rendimento, devido a falhas infraestruturais. A Índia está presente em diversos projectos de infraestruturas e aproveita também as relações comerciais históricas de longa data com a África Austral através do Oceano Índico. Agrocombustíveis para o Brasil Apesar de até hoje não ter constado do grupo dos parceiros comerciais mais importantes de Moçambique, o Brasil está se empenhando de maneira crescente no sector da indústria agrária. Os laços linguísticos e culturais constituem uma vantagem que os outros países não têm. Porém, esta aliança já recebeu as primeiras críticas, porque o Brasil parece exportar também os erros cometidos internamente. O»ProSAVANA«, por exemplo, é um megaprojecto sintomático pela forma pela qual o governo moçambicano executa sua política econó mica: vantagens obscuras para as elites governantes, mas nenhum progresso na direcção de uma indústria transformadora agro-alimentar em Moçambique ou de uma agricultura 2

que reduza a dependência alimentar. O projecto trilateral do Brasil, do Japão e de Moçambique cultiva soja e milho para a exportação, enquanto que uma grande parte da população no corredor de Nacala vive em pobreza absoluta e sofre com a falta de alimentos. Ao total, o»prosavana«engloba 14 milhões de hectares no norte de Moçambique uma extensão quase do tamanho do Estado de Israel. Desde o início do projecto, a segurança alimentar da população, contudo, diminuiu. Organizações ambientais da sociedade civil relatam sobre as consequências negativas do uso de fertilizantes e de pesticidas e da monocultura para o uso sustentável das terras. Grupos da sociedade civil dirigiram uma carta aberta aos três chefes de governo Dilma Rousseff, Armando Guebuza und Shinzo Abe, alegando que o projecto, no qual o Brasil e o Japão já investiram US$ 14 milhões e US$ 23 milhões, respectivamente, agravaria a pobreza, impedindo a população local de se alimentar com seus próprios meios e causando, assim, mais conflictos sociais. O»ProSAVANA«é um exemplo de megaprojecto que causa polémica no que diz respeito a políticas económicas sustentáveis e a direitos sociais de cidadania e de trabalho. Arroz e influência para a China Uma plantação chinesa de arroz em Xai-Xai também viveu protestos depois de que 40.000 a 80.000 agricultores (os números variam) foram forçados a ceder suas terras à empresa chinesa Wanbao Agriculture, que, por sua vez, incumbiu quatro subsidiárias chinesas de cultivar essas terras. 20.000 hectares foram concessionados pelo governo moçambicano à Wanbao, por um período de 50 anos. Muitas organizações da sociedade civil consideram o facto como usurpação de terra, enquanto que o governo promete progressos no sector agrícola e no combate activo à pobreza. A União Nacional de Camponeses de Moçambique remeteu uma carta aberta ao Presidente do país, na qual se denunciam a concessão irregular de terras à grupos multinacionais, corrupção e má gestão no governo da Província no que diz respeito aos pagamentos de compensações aos agricultores. A empresa é acusada de não cumprir os acordos na área da transferência de tecnologias e conhecimentos aos agricultores, de pagar menos que o salário mínimo (cerca de US$ 100 por mês, variando segundo o sector), de violar as leis de trabalho e de não pagar horas-extras. Trata-se também de duas culturas muito diferentes: enquanto os chineses não consideram os moçambicanos muito trabalhadores, os moçambicanos consideram os chineses autoritários (vide Chichava 2014). Também em outras partes do país ocorreram protestos devido a reassentamentos e a concessão de terras em grande escala, como, por exemplo, numa plantação de tabaco em Nampula. O padrão se repete: governos locais são parte do problema porque não actuam como intermediadores, mas sim com nepotismo. Tanto as empresas investidoras quanto a população local sentem-se abandonadas. Comunicação e transparência sobre regras e compromissos são ignoradas. É evidente que o país emergente pelo qual Moçambique se orienta mais é a China, pelo seu modelo de desenvolvimento autoritário, sem dispôr, porém, das mesmas condições-prévias para o sucesso, como, por exemplo, de uma abertura paulatina e estratégica dos mercados ou de um enorme contingente de pessoas dispostas a trabalhar. O comércio entre a China e a África cresceu 30 por cento nos últimos anos e perfaz actualmente US$ 200 mil milhões. Porém, Moçambique ainda tem menos importância como parceiro comercial do que outros países africanos ricos em petróleo (Sudão, Angola, Nigéria). Mesmo assim, Moçambique é um de muitos países africanos com o qual a China está a fortalecer as suas relações externas e económicas. Neste ano, a abertura de um Consulado moçambicano em Macau foi um passo importante nessa direcção. Em toda a África Austral, a China pode valer-se dos seus laços históricos com os respectivos movimentos de libertação. A retórica das relações Sul-Sul adequa-se ao discurso das elites africanas governantes na região que ainda não conseguiram substituir os méritos da libertação por uma legitimação baseada em crescimento ou sucesso económico à maneira chinesa. Comparados aos empréstimos concedidos pelo Banco Mundial, os créditos chineses ainda são menores e nominalmente mais caros, mas as condições são mais flexíveis e normalmente concedidas diretamente pelo banco estatal Export-Import Bank of China. Em troca desses créditos, o governo moçambicano oferece o acesso à recursos e à concessão de projectos de infraestruturas a empresas chinesas. Deste modo, os dois maiores projectos actuais de infraestruturas estão em mãos chinesas: uma estrada circular à volta de Maputo e uma ponte ligando a península de Catembe à cidade de Maputo. 3

Apesar das críticas do Ocidente a amizade com a China, baseadas principalmente em recursos, aquele país contribuiu de maneira exemplar para a redução da pobreza. O modelo asiático de desenvolvimento é interessante para Moçambique, já que o modelo autoritário chinês corresponde às linhas directivas de»estabilidade«(na governaçao) e de»unidade nacional«, princípios basilares do partido Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). A teoria, defendida pelos chineses, sobre a necessidade de primeiro fomentar o desenvolvimento económico antes de fortalecer, num segundo passo, a democracia, também corresponde às ideias da elite moçambicana. Gás para a Rússia A empresa russa Gazprom também se interessa pelas reservas de gás do Oceano Índico. O grupo italiano ENI entrou em negociações com a empresa russa a fim de vender participações, e de dividir os custos elevados das instalações de liquefação e produção de GNL (gás natural liquefeito), fácil de se transportar, a partir do gás encontrado no Índico. Além do gás, também estão em questão outros recursos naturais, investimentos nos sectores de agricultura, pescas e energia e projectos de infraestruturas. A Rússia concedeu um perdão de US$ 20 milhões de dívida aos Estados africanos e prometeu duplicar a verba da Official Development Assistance (ODA). Depois de se ter retirada da África no fim da guerra fria, já no início do novo milénio a Rússia voltou a dinamizar suas relações com a África e a fortalecer o comércio económico. Assim como os outros países emergentes, a Rússia invoca os laços históricos que a une à Moçambique. O novo interesse da Rússia pela África foi alimentado pela necessidade de criar novos acessos a fontes de energia. As reservas de petróleo e gás ainda não exploradas em Moçambique representam novas oportunidades de exploração para a Rússia, que pretende continuar, junto com a Arábia Saudita, como maior exportador de petróleo e gás do mundo. Porém, comparada ao engajamento dos outros BRICS na África, a Rússia é o menor»player«deste grupo: segundo as estimativas mais recentes, o comércio entre a Rússia e a África chegou a 7 mil milhões de euros (a título de comparação, aquele entre a China e a África chegou a 200 mil milhões de euros). Os investimentos russos chegaram ao seu auge em 2008, com US$ 20 mil milhões. Além de petróleo e gás, a Rússia poderia se interessar também por recursos minerais. Moçambique dispõe de areias e pedras preciosas, de carvão e de uma série de outros recursos minerais. No sector extractivo, a Rússia poderia oferecer uma transferência de conhecimento necessária sobretudo no que se refere ao gás off-shore na costa de Moçambique. A vizinha África do Sul No âmbito da influência global dos BRICS, a África do Sul é o actor menor. Enquanto a China provavelmente será a maior economia do mundo em 2050, seguida pela Índia no 3, pelo Brasil no 7 e pela Rússia no 15 lugar, a África do Sul ocupa apenas o 30 lugar no ranking internacional, publicado pelo HSBC. Contudo, a África do Sul exerce uma função central, dando aos BRIC acesso ao continente, e servindo-lhe, se for o caso, de guardião. Quando acedeu ao grupo dos BRICS em 2011, a África do Sul também introduziu estratégias de desenvolvimento no debate interno, enriquecendo assim a agenda puramente económica de então. Também apoiou activamente temas como a manutenção e consolidação da paz, a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a edificação de instituições multilaterais. Os BRICS anunciaram que, caso um banco-brics fosse fundado, este também serviria, em grande medida, para investimentos em projectos de infraestruturas na África. Neste âmbito, a África do Sul terá um papel central como país mais desenvolvido do continente no sector financeiro. Para Moçambique, a África do Sul não é somente o segundo parceiro comercial mais importante, mas também um aliado histórico importante com o qual o país divide um passado de luta de libertação. Devido à proximidade geográfica, é o aliado mais importante em África. Ao contrário dos outros BRICS, a África do Sul não se concentra em megaprojectos em Moçambique. Está representada com empresas nos sectores mineiro e bancário, mas com actividade menor, se comparada à de outros países. A África do Sul já dispõe de muitas experiências no sector mineiro, entre outros, que Moçambique, devido ao aumento de investimentos e exploração de recursos, ainda terá de desenvolver e para as quais terá de se preparar devidamente. Esperar-se-ia que os sindicatos moçambicanos tivessem um papel tão forte quanto tiveram os sindicatos sul-africanos. A reivindicação do Congress of South African Trade Unions (COSATU), de 4

novembro de 2014, de aumentar o salário mínimo anual para US$ 5.112 6.384, parece revolucionária, comparada ao dos demais BRICS: o salário mínimo anual na China é de US$ 2.472, na Rússia de US$ 2.161 e na Índia de US$ 700. Apenas o Brasil apresenta um salário mínimo de porte comparável, com US$ 4.827. Os BRICS como catalizador positivo da transformação económica? Tendo em vista que a exploração dos recursos é intensiva em capital, seu efeito distributivo para a economia é, em geral, limitado. Os investimentos criam poucos empregos, ocupados por trabalhadores estrangeiros e baseados numa cadeia curta de valor, da qual a população local praticamente não beneficia. Consequência perversa da procura crescente de empresas estrangeiras no mercado imobiliário são bolhas inflacionárias que se reflectem tambem num aumento dos preços de meios alimentares, como já ocorre na capital, Maputo. O governo ainda não apresentou políticas que criassem incentivos para investidores que pudessem inserir-se localmente nas cadeias de valor. Materiais de construção, agroindústria e alimentos seriam áreas nas quais as indústrias locais poderiam tirar benefícios da procura elevada vinculada à exploração de recursos. Até hoje, porém, não é possível suprir essa demanda in loco, devido à falta de qualificação e ao facto de que os processos de produção local continuam demasiado tradicionais e não conseguem alcançar os padrões oferecidos pelo país vizinho, África do Sul. Como os países em desenvolvimento dependem de investimentos directos, precisam atrair activamente os investidores apropriados. Os investidores internacionais sempre tentarão conseguir, num primeiro passo, o maior lucro, ao invés de se adaptar às circunstâncias locais de um modo melhor. Por isso, caberia ao governo de Moçambique não somente insistir no cumprimento dos direitos laborais, mas também orientar os investidores. Urge a criação activa de empregos em Moçambique, pois a maioria da população ainda trabalha no sector informal. Moçambique poderia aprender métodos de luta contra a pobreza dos países emergentes e adaptá-los às suas necessidades. A título de exemplo, a China desenvolveu as»special economic zones«, em que pequenos empresários podem produzir isentos de impostos, o que contribuiu consideravelmente à ascenção da actual China como potência industrial. Contudo, de modo a realizar uma transformação estrutural da economia de subsistência para uma economia industrial, Moçambique deverá concentrar-se em sectores intensivos em mão-de- -obra como, por exemplo, na agroindústria, onde jaz um grande potencial de benefícios devido à cadeia de valores ligada à exploração de recursos. Pequenas e médias empresas locais poderiam oferecer uma perspectiva aos jovens moçambicanos, como já o fizeram as empresas nos países emergentes, tirando milhões de pessoas da pobreza. Caso contrário, o potencial de existir uma população jovem pode facilmente se transformar em ameaça. Os BRICS podem servir de catalizadores positivos, caso Moçambique saiba usar esses incentivos de maneira certa. 5

Sobre a autora Katharina Hofmann é a Representante Residente do escritório da Fundação Friedrich Ebert (FES) em Maputo, Moçambique. Impresso por Friedrich-Ebert-Stiftung Secção África Hiroshimastr. 17 10785 Berlim Alemanha Responsável: Dr. Manfred Öhm, Diretor, Secção África Fone: +49-30-269-35-7494 Fax: +49-30-269-35-9217 http://www.fes.de/afrika Para pedir publicações: Daniela.Leinweber@fes.de O uso comercial dos meios publicados pela Friedrich-Ebert- Stiftung (FES) não é permitido sem a autorização por escrito da FES. As opiniões expressas nesta publicação não são necessariamente aquelas da Friedrich-Ebert-Stiftung. ISBN 978-3-95861-190-0 Esta publicação foi impressa em papel fabricado sob critérios de gestão florestal sustentável.