IMAGENS INFANTIS NA PROPAGANDA: CONSTRUÇÃO E DISPUTA DE SENTIDOS NOS DISCURSOS DO BANCO ITAÚ

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Transcrição:

IMAGENS INFANTIS NA PROPAGANDA: CONSTRUÇÃO E DISPUTA DE SENTIDOS NOS DISCURSOS DO BANCO ITAÚ Introdução Pâmela Stocker 1 As organizações contemporâneas podem ser consideradas como atores sociais. Seus valores, princípios e objetivos são bem definidos e, ao mesmo tempo em que estão presentes na esfera pública, precisam do seu reconhecimento. Por isso, a busca de visibilidade e de diálogo com a sociedade passa a ser para elas uma necessidade social. Segundo Oliveira e Paula (2010) as últimas décadas do século XX e o início do século XXI são marcadas por mudanças significativas na sociedade e, consequentemente, no contexto organizacional: As organizações passam a ser estruturadoras do cenário não apenas econômico, como também social e político, assumindo vários papéis do Estado e substituindo instâncias institucionais tradicionais de grupos sociais, família e igreja, entre outros (p. 38). Por outro lado, se manifestam inúmeros discursos, nas diferentes esferas, que convivem e clamam pelo lugar de protagonista. As autoras apontam que, instaura-se assim um movimento de tensionamento entre a racionalidade do mercado, a fluidez e a presença de riscos da sociedade contemporânea (OLIVEIRA e PAULA, 2010). Neste cenário, as organizações, assim como a sociedade, deparam-se com complexas interconexões e fluxos de redes sociais, a fragmentação e o reconhecimento de contradições próprias dos processos e das interações na sociedade. Neste contexto, as relações tornam-se diluídas e difusas, confluindo para a definição de Bauman (2007) acerca de nosso tempo líquido moderno. Segundo o sociólogo polonês, (...) uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir (...). Vive-se em tempo de risco e de incertezas (BAUMAN, 2007, p.7). Este cenário de incertezas e riscos do qual fala Bauman, dá origem ao que o autor chama de vida líquida (BAUMAN, 2007). Na vida líquida a incerteza impera como uma poderosa força individualizante, onde a idéia de interesses comuns fica 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação (PPGCOM/UFRGS) e bolsista do CNPq. Bacharel em Jornalismo pela Universidade Feevale. E- mail: pamelastocker@gmail.com.

ainda mais nebulosa e por fim se torna incompreensível (BAUMAN, 2008, p. 36). Diante deste cenário, as organizações são compelidas a lidar com a complexidade e a considerar demandas sociais e políticas. Surgem assim, (...) movimentos e discursos por parte de muitas organizações no sentido de se apresentarem como atores que participam e buscam se comprometer com o desenvolvimento da sociedade, para garantir, em última instância, sua sustentação e credibilidade junto à sociedade (OLIVEIRA e PAULA, 2010, p. 39). Desta forma, as organizações tendem a enfatizar valores e compromissos como a ética, o desenvolvimento humano e a autonomia dos trabalhadores, o meio ambiente, os princípios da sustentabilidade, apresentando-se como atores que participam e buscam se comprometer com o desenvolvimento da sociedade. Ao se comunicarem e fazerem-se reconhecer pelos diferentes públicos, as organizações atualizam uma espécie de aura simbólica (BALDISSERA, 2009a, p. 137), que envolve estes públicos e se realiza como poder molecular. Para o autor, isso explica as disputas por visibilidade e reconhecimento travadas por pessoas, empresas e instituições em busca de uma imagem-conceito, compreendida como (...) um construto simbólico, complexo e sintetizante, de caráter judicativo/caracterizante e provisório, realizada pela alteridade (recepção) mediante permanentes tensões dialógicas, dialéticas e recursivas, intra e entre uma diversidade de elementos-força, tais como as informações e as percepções sobre a entidade (algo/alguém), o repertório individual/social, as competências, a cultura, o imaginário, o paradigma, a psique, a história e o contexto estruturado (BALDISSERA, 2004, p. 278). A visibilidade, o reconhecimento e a própria imagem-conceito devem traduzir-se, segundo o autor, entre outras coisas, em mais poder, vendas, apoios, votos, respeito credibilidade, reputação e/ou mais lucros e acúmulo de capital (BALDISSERA, 2009a, p. 137). Dependendo da natureza da empresa e de seus pressupostos básicos, cada organização tenderá a agir em busca de alguns desses objetivos, quando não de todos. Neste trabalho, o enfoque recai para um conjunto de propagandas de uma instituição bancária que se utiliza da imagem de crianças, com circulação na mídia impressa 2 nacional no ano de 2009. Através do apelo infantil, os anúncios em questão chamam a atenção para um produto/serviço personalizado e, ao mesmo tempo, apresentam o banco como capaz de ajudar/colaborar para que os problemas do leitor/consumidor sejam resolvidos. De acordo estes anúncios, o 2 Revistas informativas brasileiras: Veja, Época, Isto É e Carta Capital.

banco pretende estar presente no seu mundo, entender você e suas necessidades, conhecer você profundamente por meio de um serviço especial, cujo sentido certamente não se resume em apenas um bem de consumo, mas traz a marca de uma estratégia social que pretende atingir estes públicos. É pela comunicação que os significados que constituem a cultura organizacional são postos em circulação, disputados, construídos e transformados para, novamente, experimentarem certa estabilidade (...) (BALDISSERA, 2010, p. 61). Não se trata aqui de julgar as estratégias, mas ressaltar os objetivos organizacionais presentes nestes anúncios, de modo a refletir sobre as relações entre comunicação e significação e complexificar os olhares lançados sobre os processos de comunicação nas organizações. Complexificando o discurso organizacional A partir do paradigma da complexidade (Edgar Morin), Baldissera (2009a) propõe compreender a comunicação organizacional como processo de construção e disputa de sentidos no âmbito das relações organizacionais. Para o autor, as organizações são produto e produtoras da sociedade (...) são resultado da ação sociocultural e suas construtoras (BALDISSERA, 2009a, p. 136). Em um permanente processo de (des/re) organização, os sujeitos constroem o entorno que os transforma e constroem a sociedade que os constrói. Na direção de pensar a comunicação em sua complexidade, Baldissera (2009b, p. 116) propõe pensar a comunicação organizacional em três dimensões tensionadas e interdependentes: organização comunicada, organização comunicante e organização falada. A organização comunicada é a forma mais conhecida de comunicação e refere-se à fala autorizada da empresa, aquilo que pretende transmitir sobre si mesma. A organização comunicante, por sua vez, sugere que as organizações estão sempre se comunicando, ainda que não planejada ou intencionalmente. Já a organização falada pode ser compreendida como os processos de comunicação informal indiretos, que se realizam fora do âmbito das organizações mas que dizem respeito a elas. Considerando as especificidades deste estudo, o foco se centrará na organização comunicada, já que é nesta instância que são utilizados os processos formais de comunicação, como a publicidade, para dar voz à organização de forma planejada e estratégica.

É importante acrescentar que, na dimensão da organização comunicada 3 (BALDISSERA, 2009b, p. 116) identificamos aquilo que a organização quer dizer de si mesma, aquilo que a organização seleciona de sua identidade para, através de processos comunicacionais, dar-lhe visibilidade. Para Baldissera (2010), de certa forma, a organização comunicada é a comunicação idealizada, aquela que externaliza o que a própria organização acredita ser ideal para cada público. Embora nem todas as organizações pensem esse processo de forma planejada e estratégica, para o autor, isso não significa que estejam desprovidas de propósitos, de intenções. Ao utilizarem as imagens de crianças em suas peças publicitárias, as organizações bancárias estão cientes que, de certo modo, estão associando seus produtos e serviços e também a sua imagem a todos os signos e significações para os quais nos remete o sujeito infantil. Conforme destaca Baldissera (idem), a organização comunicada contempla aquilo que a organização identifica como potencialidade para trazer algum tipo de retorno (satisfação pessoal, prestígio, imagem-conceito, poder simbólico, clientes etc) e, portanto, entende que mereça ser tornado público (BALDISSERA, 2010, p. 205). A associação entre imagem infantil e produtos/serviços oferecidos por essa organização bancária certamente advém de um planejamento que levou em conta os objetivos e metas da organização e, consequentemente, faz circular sentidos que contribuem na constituição da identidade organizacional. Comunicação organizacional e análise de discurso (AD) Para Oliveira e Paula (2007) os processos comunicacionais se estabelecem a partir de fluxos informacionais e relacionais da organização com os atores sociais com os quais está envolvida. Para as autoras, a publicidade atua nos fluxos informacionais, de forma planejada e articulada com outros campos do conhecimento. Importa então, analisar a propaganda de forma a estudar um gênero discursivo que manifesta práticas linguísticas (carregadas de sentidos) presentes na vida cotidiana. Compreender o discurso da propaganda é enxergá-lo além da superfície textual, é buscar o sentido na sua não-transparência, nas entrelinhas, nas estratégias de sedução, por meio do jogo entre o verbal e o não verbal, no 3 Segundo o autor, propagandas institucionais, comunicados oficiais por parte das lideranças organizacionais e todo o tipo de comunicação formal realizada pela organização está contemplada nessa dimensão.

diálogo com o Outro. É compreender que todo o discurso é atravessado por outros textos, outros discursos, outras formações discursivas (ORLANDI, 2007). Dessa forma, a Análise de Discurso (AD) pode ser utilizada para compreender a construção de linguagens específicas, como a organizacional, além da compreensão de fenômenos sociais complexos como o processo de formação da identidade (social e/ou organizacional). O discurso é entendido, neste trabalho, a partir de Maingueneau (1998, p.43), como o modo de apreensão da linguagem que envolve a atividade dos sujeitos inscritos em contextos determinados. Desta forma, o discurso está relacionado a (...) visões de mundo, a ideologias que, de certa forma, estabelecem como os indivíduos devem ou não agir em contextos específicos. Depende, assim, do contexto em que é produzido e das relações e contextos em que é consumido, apropriado ou compartilhado. (FILHO; CARVALHO; NASCIMENTO, 2010, p. 5). A análise de discurso tem por objetivo articular discurso, enunciador e local de enunciação. O discurso está ligado, mesmo que de maneira fragmentada, a um determinado espaço físico e temporal. Por isso, merece atenção o contexto histórico, cultural e socioeconômico no qual o discurso é produzido. Encaramos neste estudo os discursos como práticas socialmente embasadas, que apresentam, explícita ou implicitamente, as marcas da ideologia que os constitui, não sendo, portanto, neutros (SARAIVA; CARRIERI; PIMENTEL; SOUZA-RICARDO, 2009, p. 12). Sendo assim, o sujeito não tem autonomia pelo modo como o sentido se constitui no discurso. Todo o discurso traz efeitos de sentido produzidos em condições históricas determinadas, presentes no modo como se diz o que se diz. Para Gregolin (2001, p. 10), inserido na história e na memória, cada texto nasce de um permanente diálogo com outros textos; por isso, não havendo como encontrar a palavra fundadora, a origem, a fonte, os sujeitos só podem enxergar os sentidos em seu pleno voo. Desta forma, o discurso torna-se um elemento-chave para o entendimento da identidade organizacional projetada (organização comunicada), visto que oferece um determinado sistema de interpretação da realidade, que delineia certa identidade à organização. A AD configura-se assim como uma importante ferramenta para se extrair do discurso a formação ideológica que o permeia e a

identidade organizacional que se relaciona a ela (SARAIVA; CARRIERI; PIMENTEL; SOUZA-RICARDO, 2009, p. 18). Mais do que uma simples interpretação dos textos, a AD contribui para demonstrar as relações entre linguagem e poder, bem como entre linguagem e ideologia no âmbito das organizações. Baseando-se na interpretação social dos discursos, que se preocupa com as relações de produção de sentido, nosso interesse recai não pelo que os textos formalizam, mas por aquilo que os discursos fazem e de que são constituídos. Discursos bancários na mídia impressa Com o intuito de realizar uma reflexão e uma primeira aproximação de natureza empírica entre a comunicação organizacional e a Análise de Discurso, proponho neste estudo pensar essa relação a partir da campanha publicitária 4 do banco Itaú, mais especificamente dos serviços do Itaú Private Bank no ano de 2009. A escolha deste recorte específico se dá pelo fato de que a campanha, composta por três anúncios publicitários, circulou nas quatro principais revistas informativas do país (Veja, Isto É, Época e Carta Capital) e por ter como foco, em todas as suas peças, imagens de crianças (FIGURAS 1, 2 E 3). Importa inicialmente contextualizar os serviços Itaú Private Bank já que, conforme Orlandi (2007, p. 21) o discurso é efeito de sentidos entre locutores. Antes de adentrarmos no discurso expresso pelos anúncios publicitários propriamente ditos, é preciso conhecer quem são os interlocutores destes sentidos. O perfil do banco Itaú, segundo o seu site institucional 5, aponta para a conduta ética, a transparência, boas práticas de governança corporativa, foco na prestação de serviços financeiros e busca de rentabilidade, resultados e performance com segurança como características da organização. No que se refere ao Itaú Private Bank, o serviço é apresentado como pioneiro ao introduzir no Brasil o conceito de Wealth Management: um modelo de atendimento diferenciado, que vai além de suas necessidades bancárias do dia a dia e das opções de investimento no Brasil e no exterior. A descrição ressalta o foco no cliente e a consideração em relação aos seus objetivos e necessidades em cada fase da sua vida, propondo um 4 A campanha, composta de três anúncios publicitários, está disponível no site do banco Itaú: http://www.itauprivatebank.com.br/privatebank/institucional/campanha/. Acesso em 10 de agosto de 2011. 5 http://itau.com.br/index.htm. Acesso em 10 de agosto de 2011.

portfólio único de produtos e serviços e soluções personalizadas. Talvez, mais do que a apresentação da descrição deste serviço e suas facilidades, seja significativo mencionar que para contar com a expertise e portfólio de produtos e serviços, conforme as palavras do site, e vivenciar uma gestão personalizada com uma estrutura de atendimento qualificada e totalmente dedicada é preciso possuir aplicações a partir de R$3 milhões de reais 6 e suprir as condições de elegibilidade estabelecidas pelo Banco Itaú. Dito isso, é oportuno relembrar o que diz Orlandi (2007, p. 30), ao explicar que os sentidos não estão só nas palavras, nos textos, mas na relação com a exterioridade, nas condições em que eles são produzidos e que não dependem só das intenções dos sujeitos. Dada a contextualização acima, subentende-se o público-alvo da campanha, ou seja, para quem estes discursos se dirigem, em que sentido são compartilhados e apropriados. É produtivo pensarmos ainda sobre o lugar de enunciação (as revistas informativas de grande circulação) onde estes anúncios circularam. Apenas a título de curiosidade, considerando apenas a revista Veja 7 (editora Abril), uma das revistas impressas onde o material circulou, podemos determinar que, para cada edição da revista em que o anúncio foi publicado foram investidos o que hoje seria o equivalente a mais de R$600 mil reais 8 por página de anúncio publicado. No que se refere ao perfil dos leitores da revista Veja, o site da editora Abril informa 9 que, em relação ao nível de instrução, o índice de leitores que possuem escolaridade superior/pós-graduação é 240% maior que a média da população brasileira e que, em relação a renda individual, o índice de leitores que possuem rendimentos acima de R$ 4.500,00 é 356% maior que a média da população. O perfil da publicação indica também que, dentre os leitores da revista, mais de um milhão têm crianças de até 14 anos no lar, sendo mais de 70% destes pertencentes às classes A e B 10. 6 A informação está presente no site do banco, no link Seja um cliente Private : http://www.itauprivatebank.com.br/sejacliente/. Acesso em 10 de agosto de 2011. 7 Vale lembrar que a circulação líquida da revista Veja é de 1.070.874 exemplares, segundo informações do site da editora Abril: http://www.publiabril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais. Acesso em 10 de agosto de 2011. 8 Segundo informações do site da editora Abril, a tabela de preços para a revista Veja indica o valor de mais de 300 mil reais para anúncio em uma página determinada. Como todas as peças da campanha são de página dupla, estimou-se esse total. http://www.publiabril.com.br/marcas/veja/revista/precos. Acesso em 10 de agosto de 2011. 9 Fonte: Estudos Marplan / EGM Consolidado 2009 - AS 10 + anos - 9 mercados. 10 Fonte: Marplan consolidado 2010. Informações retiradas do site http://www.publiabril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais. Acesso em 10 de

Para que possamos compreender os discursos na perspectiva da AD, devemos relacionar os diferentes processos de significação que acontecem em um texto. Unindo as informações a respeito do serviço Private Bank Itaú e o perfil da revista Veja e de seus leitores, é possível compreender as condições em que se deu a enunciação e a recepção destes discursos. Orlandi (2007) reitera que os textos individualizam como unidade um conjunto de relações significativas, já que são unidades complexas. Na compreensão da autora, todo texto é heterogêneo: quanto à natureza dos diferentes materiais simbólicos (imagem, som, grafia etc); quanto à natureza das linguagens (oral, escrita, científica, literária, narrativa, descrição etc); quanto às posições do sujeito (ORLANDI, 2007, p. 70). Neste cenário, o discurso surge como uma ação social inseparável das organizações que o produzem. O discurso é uma prática discursiva que se manifesta pelo enunciado, que é o acontecimento discursivo e o produto do ato de enunciação. O enunciado, por sua vez, só pode ser compreendido no contexto (PEREIRA; BRITO, 2009). Dito isso, podemos partir para a descrição e análise do material empírico, ou seja, o texto verbal e não-verbal presente nos anúncios publicitários citados anteriormente. Imagens infantis no discurso bancário A campanha publicitária dos serviços Itaú Private Bank foi veiculada na mídia impressa brasileira no ano de 2009. Em um primeiro olhar, chama a atenção a presença de crianças nos três anúncios publicitários da campanha; depois, a escolha do preto e branco predominante em suas fotografias. No primeiro anúncio (FIGURA 1) vemos em destaque um homem e uma criança (pai e filho) sobre uma árvore em uma cena que transmite a ideia de relaxamento e interação entre os dois personagens. A criança está no colo do seu pai, que parece estar apontando para um dos galhos da árvore e explicando alguma coisa ao menino. Ao fundo, vemos um amplo gramado e uma grande casa, num cenário depaz e tranquilidade. No segundo anúncio (FIGURA 2), novamente o cenário é um amplo gramado, mas desta vez um homem e uma criança (pai e filha) interagem em um campo de golfe. A menina está segurando o taco e seu pai parece auxiliá-la, como se estivesse lhe passando instruções. Ambos estão olhando para o horizonte, como se projetassem a trajetória que a bolinha fará para atingir o alvo. agosto de 2011.

Finalmente, no terceiro e último anúncio (FIGURA 3), é a vez de uma família (pai, mãe, filho e cachorro) interagir em um amplo cenário, a beira de uma praia. Mãe e filho estão dentro de uma lancha. O homem e o cachorro parecem brincar se refrescando na água rasa enquanto são observados pela mulher e pela criança. Ao fundo, vemos uma pequena ilha, em um cenário paradisíaco. Apesar das cenas descritas remeterem a momentos de lazer, relaxamento e diversão, as chamadas dos anúncios (sua parte textual) conduzem a um discurso totalmente centrado no mundo dos negócios, que atenta para a exclusividade do serviço private bank: Pense globalmente, atue localmente e faça negócios pessoalmente. Um relacionamento próximo requer objetivos em comum. Por isso, tão importante quanto ser global é ter um private banker que está presente no seu mundo. Entender você faz toda a diferença na hora de entender as suas necessidades. (Figura 1) Um dos maiores bancos do mundo. E esse é o menor dos motivos para você ser nosso cliente. Como um dos maiores bancos do mundo pode ser feito só para você? A resposta é a proximidade da nossa relação. É entender o mercado globalmente e você profundamente. Assim, você conta com a solidez de toda a nossa estrutura e com a alta performance do aconselhamento individual do seu private banker. (Figura 2) Competência para antecipar as necessidades do mercado e proximidade para antecipar as suas. Um relacionamento é tão bom quanto a qualidade das pessoas envolvidas. Conhecendo o seu valor, reunimos os melhores especialistas do mercado para cuidar do seu patrimônio. Isso é respeito por você e pelas próximas gerações da sua família. (Figura 3) Por meio do discurso presente nos textos publicitários, podemos inferir mais claramente que estes anúncios estão se dirigindo claramente para um homem de negócios global ( tão importante quanto ser global... / entender o mercado globalmente... / reunimos os melhores especialistas do mercado... ). Além disso, fica cara a postura da organização ao assumir o compromisso com a exclusividade de atendimento personalizado ( seu mundo / entender você / entender (...) você profundamente / respeito por você ) e a proximidade no atendimento ( um relacionamento próximo... / proximidade da nossa relação... / Um relacionamento é tão bom quanto a qualidade das pessoas envolvidas ) do serviço oferecido. Cabe ressaltar ainda que, apesar de todas as fotografias privilegiarem crianças, apenas o texto referente a Figura 3 cita a relação familiar em meio a um

discurso mercadológico (Isso é respeito por você e pelas próximas gerações da sua família). Optamos neste artigo por uma reflexão mais centrada nas imagens, no não verbal enquanto característica fundante do discurso publicitário e enquanto processo discursivo. Buscamos o entendimento de como a imagem funciona e produz sentido considerando que, no caso dos anúncios publicitários, o verbal e o não verbal estão constitutivamente imbricados. O discurso não verbal O anúncio publicitário se oferece ao leitor para um gesto de leitura/ interpretação provocado. Antes mesmo de ter acesso ao discurso textual, a primeira interpretação em relação ao anúncio se dá a partir da imagem: Ao interpretar a imagem pelo olhar e não através da palavra apreende-se a sua matéria significante em diferentes contextos. O resultado dessa interpretação é a produção de outras imagens (outros textos), produzidas pelo espectador a partir do caráter de incompletude inerente, eu diria, à linguagem verbal e não verbal. O caráter de incompletude da imagem aponta, dentre outras coisas, a sua recursividade. Quando se recorta pelo olhar um dos elementos constitutivos de uma imagem produz-se outra imagem, outro texto, sucessivamente e de forma plenamente infinita. (SOUZA apud NECKEL, s/d, p. 2) Segundo Souza (1997), a imagem possui status de linguagem, sendo, portanto, possível lê-la. A imagem também informa, comunica e se constitui em texto, em discurso. A autora sublinha que falar dos modos de significação implica falar também do trabalho de interpretação da imagem, procurando entender tanto como ela se constitui em discurso, quanto como ela vem sendo utilizada para sustentar discursos produzidos com textos verbais. Na direção apontada por Souza (idem), procuramos entender como uma imagem torna-se visível através do trabalho de interpretação e ao efeito de sentido que se institui entre a imagem e o olhar. Para ela, enquanto a leitura da palavra pede uma direcionalidade (da esquerda para a direita), a da imagem é multidirecionada, dependendo do olhar de cada "leitor". Assim, o trabalho de interpretação da imagem, como na interpretação do verbal, vai pressupor também a relação com a cultura, o social, o histórico, com a formação social dos sujeitos. Porém, mais do que isso, importa destacar para a Análise de Discursos aquilo que está implícito nas imagens. A partir da noção formulada por Ducrot

(1972) são previstos modos de expressão implícita, que permitem se deixar entender sem ficar clara a responsabilidade de se ter dito, ou ainda, se expressar de tal forma que a responsabilidade do dizer possa ser recusada. Assim, o não-dito (implícito) significa por referência ao que foi dito. Talvez seja correto afirmar que o implícito presente nas imagens dos anúncios aqui analisados deixa claro quem são os leitores para os quais o serviço Private Bank se destina. Afinal, quantos são os brasileiros que praticam golfe e quantos costumam passear de lancha com a sua família? O que está sendo dito, através das imagens é que existe um perfil desejável de cliente para este serviço, por meio de cenas que excluem grande da população brasileira do roll de clientes em potencial. Assim, fica demarcada a distância entre o leitor comum e o leitor que realmente poderia ser um cliente Private Bank Itaú, se quisesse. Ainda que os anúncios não restrinjam verbalmente e explicitamente o seu público-alvo, as fotografias escolhidas para a campanha sugerem quem está autorizado a desfrutar das vantagens que o serviço oferece. Alguém que, como explicita o site do banco Itaú, deve ter disponível uma quantia a partir de três milhões de reais para investir em aplicações. Percebemos que os elementos implícitos dos anúncios funcionam como índices, antecipando o desenrolar do enredo antes mesmo da leitura do texto verbal. É importante também resgatar o conceito de polifonia (DUCROT, 1980), que pressupõe que todo texto traz em sua constituição uma pluralidade de vozes que podem ser atribuídas a diferentes locutores ou a diferentes enunciadores. Essas vozes imprimem ao texto o caráter de heterogeneidade, que a Análise do Discurso tem como meta pontuar. Dentro dessa perspectiva, é que se define o dito e o nãodito (a voz implícita). Buscando analisar a imagem com mais pertinência, Souza (1995) formulou o conceito de policromia. Para a autora, as imagens também têm na sua constituição marcas de heterogeneidade - como o implícito, o silêncio, a ironia. Apesar disso, ela enfatiza que estas marcas não podem ser pensadas da mesma forma que as vozes porque analisar o não-verbal pelas categorias de análise do verbal implicaria na redução de um ao outro (SOUZA, 1997, s/p). Neste sentido, o conceito de policromia contribui para análise do discurso do não-verbal: O jogo de formas, cores, imagens, luz, sombra, etc nos remete, à semelhança das vozes no texto, a diferentes perspectivas instauradas pelo eu na e pela imagem, o que favorece não só a percepção dos movimentos no plano do sinestésico, bem como a apreensão de diferentes sentidos no

plano discursivo-ideológico, quando se tem a possibilidade de se interpretar uma imagem através de outra (SOUZA, 1997, s/p). A policromia revela também um conjunto de heterogeneidades que possuem uma co-relação entre si, emprestando à imagem sua identidade. Esta co-relação se realiza através da cor, do detalhe, do ângulo da câmera, de um elemento da paisagem, luz e sombra, entre outros, que trabalham a textualidade da imagem e instauram a produção de outros textos, todos não-verbais. Para Souza (1997, s/p), A interpretação do texto não-verbal se efetiva, então, por esse efeito de sentidos que se institui entre o olhar, a imagem e a possibilidade do recorte. Por isso, o discurso que se instaura pelas imagens é independente da sua relação com qualquer palavra. Retomando então a policromia dos anúncios do Banco Itaú, poderíamos inferir que a escolha do preto e branco tenha sido feita, inicialmente, com o intuito de chamar a atenção em meio às páginas coloridas das revistas onde os anúncios circularam por uma questão puramente estética: em meio a tantas cores, é o preto e branco que acaba causando mais impacto. Podemos ainda associar as fotografias monocromáticas com a noção de fotojornalismo, o que confere veracidade ou dramaticidade às cenas capturadas. É possível também relacionar a escolha com a ideia de um registro fotográfico memorável de cenas, lugares e pessoas importantes. A escolha de lugares amplos e ao ar livre como cenário dos três anúncios também denota uma sensação de liberdade, de amplitude de escolhas frente a imensidão do mundo. O fato de as três fotografias retratarem momentos de lazer, relaxamento e descontração também permite associar o serviço oferecido pelo banco com coisas positivas, como se o fato de ser cliente do Itaú Private Bank fosse um facilitador ou determinante para que tais cenas possam ocorrer/continuar ocorrendo. A escolha por imagens de crianças, por sua vez, não se dá por acaso. Elas chamam a nossa atenção e nos sensibilizam, seja para mercadorias, consumo, estilos de vida ou valores. Cabe relembrar aqui Oliveira e Paula (2010, p. 46) que destacam que a comunicação é um processo constituinte e instituinte dos processos estratégicos organizacionais. As autoras destacam, na perspectiva da estratégia como prática, a concepção de estratégia como atividade que se realiza na interação entre pessoas.

Considera-se assim que, no âmbito das organizações, uma estratégia de comunicação diz respeito a necessidades e oportunidades por elas identificadas no sentido de orientar suas interações com a sociedade, bem como apresentar publicamente posicionamentos sobre questões relacionadas à sua atuação. (OLIVEIRA; PAULA, 2010, p.46) A escolha por retratar cenas de interação entre adultos e crianças em todas as peças da campanha remete a uma ideia de preocupação com o futuro e solidez de relações. O banco se propõe, no anúncio 3, a cuidar do seu patrimônio em respeito as próximas gerações da sua família, associando verbalmente o serviço oferecido com a concepção de um futuro mais estável e seguro. Nos outros anúncios, apesar do texto não remeter explicitamente a isso, temos as imagens que de certa forma apelam para a responsabilidade de garantir um futuro de tranquilidade e segurança para os pequenos. Num tempo de incertezas e laços cada vez mais frágeis as crianças são o pouco de estabilidade que resta. Pode-se não saber muito a respeito do futuro em um mundo líquido-moderno (BAUMAN, 2007) em constante mudança, mas a solidez da relação pai e filho e a dose de responsabilidade que ela traz consigo é uma das poucas certezas que se pode ter. Aponto em minha monografia 11 que talvez sejam as imagens infantis o último reduto de comunidade, o último apelo que nos sensibiliza além de nosso individualismo programado, de nossas incertezas e inseguranças. É este apelo infantil que é utilizado pelas organizações como força em interação com os sujeitos (neste caso, comunidade/consumidores/leitores). Considerações finais Retomando o conceito de Baldissera (2004) e pensando a comunicação como processo de construção e disputa de sentidos, fica claro que, no caso de nosso estudo, o conjunto de propagandas do banco Itaú está comunicando e fazendo circular certos sentidos sobre a instituição bancária e do serviço que oferece. Se tanto a sociedade quanto a organização pode ser entendidas como rede, tendo a comunicação como sua possibilidade de existência e processo 11 STOCKER, Pâmela. A criança na mídia impressa brasileira:imagens infantis nas revistas Veja, Isto É, Época e Carta Capital. Monografia de conclusão de curso (jornalismo). Universidade Feevale, 2010.

dinamizador, cabe lembrar que circulam na sociedade significados comumente atribuídos a infância que estão sendo retomados e ressignificados pelo banco Itaú. Essa significação, ao ser comunicada, tem seus sentidos reconstruídos e disputados. Nesse processo, de acordo com Baldissera (2010, p. 69), os sujeitos não apenas acionam as teias de significação (cultura) de que são portadores e as quais estão presos, mas também os seus imaginários, suas subjetividades, sua forma de perceber e atribuir sentido ao mundo. Nesta direção, recordo que, culturalmente, na sociedade ocidental, os infantes estão ligados a ideia de pureza, ingenuidade e bondade, seres humanos ainda incapazes/ incompletos, que necessitam de proteção e cuidado. Produzimos constantemente verdades e investimos poderes na constituição da identidadecriança. Ao associar imagens de crianças aos seus produtos e serviços, a organização reforça a construção cultural de significados a respeito da infância ao mesmo tempo em que os ressignifica. Ou seja, o banco utilizou esta imagem culturalmente consolidada de infância em prol dos seus objetivos ao mesmo tempo em que, utilizando-a, reforçou essa imagem. Por isso dizemos que a organização interpela a cultura e é por ela interpelada. Por meio da Análise de Discursos da campanha publicitária e do site institucional, percebemos que intuito do banco Itaú é, primeiramente, apresentar o serviço Private Bank como algo exclusivo e personalizado, claramente destinado a homens globais de negócios ligados ao mercado financeiro. Porém, a associação do produto com a infância humaniza e consolida a imagem da instituição bancária como preocupada com o futuro e a vida pessoal dos seus clientes, e não apenas com o cunho mercadológico dessa relação. Essa estratégia social mostra-se especialmente eficaz na contemporaneidade, já que vivemos em um mundo líquido-moderno (BAUMAN, 2007), como já ressaltamos no início deste texto. Numa sociedade cada vez mais competitiva e individualista, a organização consolida-se não apenas de prestadora de serviços, mas como portadora de uma aura simbólica de valores e compromisso com o bem-estar e desenvolvimento humano dos seus clientes. Referências BALDISSERA, Rudimar. A teoria da complexidade e novas perspectivas para os estudos de comunicação organizacional. In KUNSCH, Margarida M. K. (org.). Comunicação organizacional: histórico, fundamentos e processos. Vol.1. São Paulo: Saraiva, 2009a.

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FIGURA 1 FIGURA 2 FIGURA 3