Os usos das redes sociais na narrativa jornalística: um breve estudo no telejornalismo brasileiro



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Transcrição:

Os usos das redes sociais na narrativa jornalística: um breve estudo no telejornalismo brasileiro Renata Rezende 1 Resumo: Esse artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre os usos das redes sociais da Internet como fonte de informação para o jornalismo nas mídias consideradas tradicionais. Verificamos como os perfis dos usuários das redes sociais digitais são utilizados como fonte de pesquisa e informação, especificadamente em matérias sobre violência. Essa análise, em particular, trata-se de uma parcela de nossa pesquisa realizada nos principais telejornais abertos do país e a relação da produção de notícias a partir do uso de redes sociais digitais como o Orkut, o Facebook e o Twitter. Palavras-chave: Tecnologia; Redes Sociais; Fontes de Informação; Narrativa Jornalística; Telejornalismo; 1. Contexto tecnológico no panorama comunicacional As relações entre os homens, a sociedade e o seu próprio desenvolvimento cognitivo dependem incessantemente da metamorfose de dispositivos informacionais de todos os tipos. Escrita, leitura, visão, audição cada vez mais os sentidos são capturados pelas tecnologias. A incidência da técnica sobre todos os aspectos da vida obriga a reconhecê-la como um dos temas mais importantes de nosso tempo, na medida em que uma revolução tecnológica (CASTELLS, 1999), concentrada principal- 1 Professora do Curso de Comunicação Social da UFES. Doutora em Comunicação pela UFF. Mestre em Novas Tecnologias da Informação. Pesquisadora do grupo Sociedade Midiatizada e Práticas Comunicacionais Contemporâneas (UFES), onde desenvolve a pesquisa Narrar a si e narrar o outro : a morte, a constituição da memória e os usos narrativos das redes sociais nas mídias tradicionais.

mente na informação, transformou a base material da sociedade em um ritmo acelerado. Os sistemas de mídia, principalmente, encontram-se cada vez mais hibridizados por infinitas redes de relação, por espaços de fluxos. Para Castells (1999), tais espaços integram modalidades escritas, oral e audiovisual da comunicação humana em uma rede global. Os meios de comunicação transformam-se, então, segundo uma complexa combinação de necessidades a partir das inovações tecnológicas. A reorganização dos meios de comunicação de massa embalada pelo campo fértil da expansão da Internet coincide com uma profunda crítica ao funcionamento do campo jornalístico, segundo apontou Bourdieu (1997). Desde o seu surgimento, o jornalismo presenciou grandes mudanças que acabaria por influenciar o modo de fazê-lo, como a invenção e o desenvolvimento de novas tecnologias e novos canais de comunicação e momentos históricos diversos. Em cada caso, foi preciso encontrar uma forma de se adaptar a essas mudanças, tanto na técnica, quanto na própria narrativa. Em meio à crise evidente das formas tradicionais de jornalismo diante da circulação de informação através da Internet em tempo real e fluxo contínuo (SODRÉ, 2009. p.23), o jornalismo precisou se adaptar. Para Cardoso (2007, p.197), o contexto gerado pela inovação tecnológica da internet num momento de crítica particularmente acesa sobre a evolução do jornalismo e da organização do sistema de mídia condicionou o desenvolvimento de dois cenários, revolucionário e evolucionário (HEINONEN apud CARDOSO, 2007, p.197), relacionados ao efeito da internet na prática e a evolução mesma do jornalismo. A inclinação revolucionária, segundo o autor, é que a internet, bem como o que ela agrega enquanto comunicação digital, meio interativo, acessibilidade em escala global, etc, marca um momento de transformação no desenvolvimento histórico do jornalismo. No que diz respeito à parte evolucionária, a internet introduz mudanças no jornalismo enquanto organização socioeconômica, bem como prática profissional. Mas, para Cardoso, o jornalismo continuará a ser desenvolvido de um modo relativamente

convencional (2007, p.197), e, enquanto mediadores, os jornalistas continuarão a ser fundamentais para assegurar um processo de credibilização das notícias (p.198). Desta forma, para Cardoso, em vez de substituição, as novas tecnologias possibilitaram complementar o acesso, por parte da audiência, aos produtos desenvolvidos pela prática jornalística. Ou seja, as notícias foram complementadas com as informações que, agora, podem ser acessadas diretamente em fontes primárias, em agências de informação, além do acesso aos acervos de opiniões em weblogs e blogs. O que nos interessa, particularmente, não é apenas a ampliação das possibilidades de leitura de notícias por parte da audiência, mas, principalmente, a produção noticiosa, que foi redefinida com o uso dos novos dispositivos tecnológicos. A internet alterou a forma de fornecimento das informações para os jornalistas, na medida em que comporta um conjunto de inúmeras possibilidades de fontes. A comunicação em rede permitiu uma infinidade de dados que podem ser acessados e compartilhados em qualquer tempo, de qualquer parte do mundo. Diante, desse cenário, em que a internet se tornou um grande acervo, onde é possível consultar, buscar dados, formular enquentes, entre outros, as redes sociais ocupam cada vez mais espaço como fonte de informações para jornalistas que buscam saber mais sobre os personagens a serem citados em matérias e reportagens, particularmente quando tais sujeitos estão relacionados à temática da violência. Pela característica de suas conexões, as redes sociais digitais conectam vários u- suários, possibilitando uma plataforma que agrega pessoas e/ou organizações que partilham valores e objetivos, segundo as intenções desejadas. Das transformações advindas da Internet, uma das mais significativas é a possibilidade de expressão e sociabilização através das ferramentas de comunicação mediada pelo computador (CMC). Para Recuero (2009), tais ferramentas proporcionaram aos usuários a possibilidade de se construírem, interagirem e se comunicarem com outros atores, deixando, na rede de computadores, rastros que permitem o reconhecimento dos padrões de suas conexões e a visualização de suas próprias redes. A rede é uma metáfora para observação de padrões de conexão de um grupo social, que se estabelece a partir de conexões estabelecidas por diversos atores (RECUERO, 2009).

A facilidade de acessar a rede e manuseá-la fez do público um produtor de conteúdo, que pode vir a ser, ou não, jornalístico. Fotos, textos, áudios e vídeos produzidos em um contexto particular, se tornam públicos quando colocados na rede, sendo uma possível fonte para as mídias tradicionais como a televisão, que aos poucos utiliza cada vez mais esses conteúdos advindos da Internet, mais especificamente das redes sociais. A produção de conteúdo nas redes sociais Nas redes sociais, os usuários, ao criarem um perfil, criam uma narrativa identitária, através da imagem que constroem de si mesmos, como uma autobiografia, um self digital, disponibilizando, inclusive, um perfil pessoal, profissional e outros interesses, além de fotos, vídeos, depoimentos e o que mais desejarem. Nessa espécie de diário virtual, o participante agrega amigos, familiares e outros conhecidos(ou desconhecidos), conforme sua vontade. Também participa de comunidades variadas, criadas por outros usuários, como comunidades de filmes, músicas, celebridades, etc. Todo esse conteúdo narrativo criado pelo usuário, ao ser disponibilizado na rede, torna-se aberto a variadas interpretações, na medida em que é acessado e capturado por outros usuários, entre eles, os jornalistas, que têm utilizado as redes sociais como fontes de informação na apuração e no desenvolvimento de matérias e reportagens, principalmente quando a temática é a violência cotidiana, muito explorada no jornalismo diário. Em nossa pesquisa 2, percebemos que os jornalistas têm utilizado as redes sociais, em grande parte, para descobrir mais informações sobre as vítimas de violência e/ou de suspeitos e acusados em diferentes crimes, como homicídios, assaltos, tráfico de drogas, além de acidentes de trânsito. Percebemos que muitas matérias, além de trazerem in- 2 Nossa pesquisa Narrar a si e narrar o outro : a morte, a constituição da memória e os usos narrativos das redes sociais nas mídias tradicionais é realizada com alunos de graduação do curso de Jornalismo do Departamento de Comunicação Social que pertencem ao Programa de Iniciação Científica da Universidade Federal do Espírito Santo. A análise aqui desenvolvida contou com a participação efetiva da aluna Mariana Anselmo Barbosa bolsista PIIC/UFES FAPES.

formações retiradas das redes sociais digitais, utilizam imagens, como fotografias e vídeos dessas plataformas. A utilização cada vez mais explícita 3 das redes sociais como fonte de informações na produção jornalística vem transformando o modo de fazer jornalismo. Para Pena (2005), a fonte de qualquer tipo de informação é subjetiva e a visão sobre determinado assunto depende de diversos fatores, inclusive de interesses pessoais. Cardoso (2007) afirma que, com a internet, o papel do jornalista é redefinido com o uso de novas questões éticas por causa da pressão comercial e, assim, faz sentido falar de um novo jornalismo. Tal questionamento ético surge das características básicas que a internet coloca à disposição de quem pretende produzir conteúdos nesse meio, isto é, hipertextualidade, interatividade, multimídia, interligação em rede e usabilidade (CARDOSO, 2007, p.200). O acesso dos jornalistas a arquivos pesquisáveis, banco de dados e outras fontes, como as redes sociais, trouxe inúmeras possibilidades à produção de notícias, principalmente por se tratar de fontes gratuitas. Por outro lado, a utilização de dispositivos como as redes sociais, muitas vezes trazem informações que não podem ser comprovadas, já que muitos usuários criam os chamados fakes, perfis falsos que são utilizados com diversos propósitos, desde a possibilidade de o usuário poder navegar sem ser reconhecido naquele ambiente, até com finalidades mais específicas, ou ainda criminosas, como forjar informações. Além do mais, o usuário pode inserir uma característica em seu perfil que não corresponde à realidade, cabendo a quem busca a informação acreditar ou não no que encontra. No contexto jornalístico, isso deve ser ainda mais acentuado, na medida em que a narrativa está ancorada, entre outros aspectos, no conceito de credibilidade. No universo do jornalismo, permeado por fontes oficiais, testemunhais e oculares, a Internet é capaz de gerar uma imensidão de links sobre quaisquer assuntos. No entanto, acredita Pena (2005), arrisca mais a credibilidade jornalística, na medida em que possibilita uma diversidade de fontes ocultas ou indeterminadas que podem tornar 3 Explícita, aqui, se refere quando a rede social é citada na reportagem, ou aparece, visivelmente, como fonte de informação na notícia, não deixando dúvidas quanto a seu uso. No entanto, sabemos que a utilização das redes sociais na apuração da notícia é ainda maior, porque muitas vezes as mesmas não são citadas no produto final.

uma matéria pouco confiável. No ciberespaço, a relação com as fontes complica-se muito, pois elas também podem ser produtoras diretas de conteúdo, sendo, portanto, informantes com potencial incalculavelmente multiplicado (PENA, 2005, p. 62). A internet é utilizada na apuração da notícia, muitas vezes, sem que o leitor perceba. Na divulgação de dados, pesquisas, números, detalhes que o jornalista recorre a esse espaço multimídia, geralmente sem citar que o fez. Na preparação para uma entrevista, por exemplo, o repórter estuda a vida do entrevistado e o assunto a ser tratado na internet e formula suas perguntas a partir dessa pesquisa. Além desse tipo de utilização, o que se tem percebido, atualmente, é o uso mais explícito das ferramentas do ciberespaço para a construção da narrativa jornalística. Essa midiatização passou a implicar uma qualificação particular da vida, um novo modo de presença do sujeito no mundo, em que o próprio indivíduo tende a se converter em realidade midiática, tornando-se imagem e medium e investindo em uma imersão virtual na esfera significativa das regras do jogo da visibilidade pública vigentes na contemporaneidade. No telejornalismo, particularmente, isso começa a ser notado a partir da participaçao dos telespectadores que, com os usos de cameras digitais e aparelhos celulares produzem conteúdo e enviam às redaçoes para que os mesmos possam ser veiculados. Segundo Castells (1999), essa é uma característica desse novo sistema de comunicação, baseado na integração em rede digitalizada de múltiplos modos, ou seja, a capacidade de incluir e abranger diferentes as expressões culturais. Em razão de sua diversidade, o sistema é capaz de abarcar múltiplas formas de expressão, bem como a variedade de interesses, valores, imaginações e conflitos, ainda que a adaptação à sua lógica inclua linguagem, codificação e decodificação próprios. Para Castells (1999), a inclusão da maior parte das expressões culturais no sistema de comunicação integrado, como a Internet (baseado na produção, distribuição e intercâmbio de sinais eletrônicos digitais) tem consequências importantes para os processos sociais. Primeiramente porque enfraquece consideravelmente o poder simbólico dos emissores tradicionais e depois porque transforma o espaço e o tempo, dimensões fundamentais da vida. Religião, moralidade, autoridade, ideologia políti-

ca, valores tradicionais, quase que por exigência, passam a ser recodificados a partir do novo sistema, onde as sociedades ficam final e verdadeiramente desencantadas porque todos os milagres estão on line e podem ser combinados em mundos de imagens autoconstuídas (CASTELLS,1999, p. 397). Esse processo resulta em uma mediação tecnológica exacerbada, na medida em que os sujeitos são solicitados a viverem no interior de ambientes tecnocomunicacionais, onde a interatividade e a conectividade são permanentes e a mídia torna-se espaço autônomo e privilegiado por atuar diretamente na construção do real. Fatos e coisas passam a ser reapresentados a partir de um tempo vivo e a simulação torna-se uma representação apresentativa. No telejornalismo, em particular, isso se dá mais efetivamente pela característica própria do meio, ancorado na imagem. As redes sociais, nesse sentido, estendem as possibilidades dos usos das imagens, ao mesmo tempo em que promovem a visibilidade dos sujeitos configurados naquela plataforma. Com a finalidade de identificar os usos de algumas redes sociais no telejornalismo brasileiro, propusemos uma breve análise em alguns telejornais do país. Uma parte de nossos resultados, segue a seguir. As redes sociais como fontes de informação no telejornalismo Em nossa pesquisa 4, escolhemos as três emissoras abertas de maior destaque no país, de acordo com pesquisa do Ibope publicada no Almanaque Ibope 5 : Rede Globo, SBT e Rede Record. De cada uma delas, foi selecionado um jornal de âmbito nacional, sendo eles: Jornal Nacional, Jornal do SBT, Jornal da Record. 4 Pesquisa realizada com a participação efetiva da aluna Mariana Anselmo Barbosa, bolsista do Programa de Iniciação Científica da Universidade Federal do Espírito Santo PIIC/FAPES, que desenvolveu em nosso grupo de estudo, o subprojeto sobre usos das redes sociais, especificadamente no telejornalismo. 5 Disponível em http://www.almanaqueibope.com.br/asp/busca_tabela.asp. Acesso em: 20/07/2010.

Já as redes sociais escolhidas foram o Orkut 6, o Facebook 7 e o Twitter 8. A pesquisa objetivou analisar, além da recorrência das redes sociais nos telejornais, a editoria a qual estavam ligadas, o bloco do telejornal em que a reportagem foi apresentada, as redes sociais mais utilizadas e o contexto em que apareceram. Ao todo, foram quatro meses de acompanhamento dos telejornais, no segundo semestre do ano de 2010, divididos da seguinte maneira: o Jornal Nacional, da Rede Globo, foi analisado durante o mês de agosto, o Jornal da Record foi analisado no mês de setembro, o Jornal do SBT foi analisado no mês de outubro. Durante o mês de novembro todos os três telejornais foram analisados comparativamente. A pesquisa consistiu em assistir aos telejornais diariamente e verificar as matérias em que os sites de relacionamento, considerados redes sociais, apareceram como fonte de informação identificada na matéria, sendo citada na notícia, ou por meio da i- dentificação de sua marca. Verificamos também alguns pontos supracitados: o contexto, a editoria em que apareceu, em que rede social foi citada e em qual bloco do telejornal foi veiculada a notícia. Todas as informações foram catalogadas em tabelas e, após a produção dos quadros informativos dos telejornais, realizamos uma análise geral dos dados obtidos. Em quatro meses de análise, verificamos 156 matérias, sendo 52 edições de cada telejornal, Jornal Nacional, Jornal da Record e Jornal do SBT. Dentre todas as edições, encontramos 10 que se referiram a alguma das três redes sociais selecionadas (Orkut, Facebook ou Twitter) enquanto fonte de informação. Em cada uma dessas dez edições, os sites de relacionamento apareceram em uma única reportagem. 6 O Orkut é uma rede social que reúne perfis e comunidades virtuais. Criada em janeiro de 2004, os perfis são criados pelas pessoas ao se cadastrarem e indicam também quem são seus amigos. Disponível em: www.orkut.com. Acesso em: 14 de julho de 2011. 7 O Facebook também se trata de uma rede social e funciona através de perfis, grupos e comunidades. Em cada perfil é possível acrescentar módulos de aplicativos (jogos, ferramentas, etc). Disponível em: www.facebook.com. Acesso em 14 de julho de 2011. 8 O Twitter é um site em que são escritos pequenos textos de até 140 caracteres. É estruturado com seguidores e pessoas a seguir. Disponível em: www.twitter.com. Acesso em: 14 de julho de 2011.

No Jornal da Record, durante o mês de setembro, três edições do telejornal levaram ao ar uma reportagem contendo informações retiradas do Orkut e o uso da rede social ficou explícito na matéria. O Jornal do SBT levou ao ar reportagens que utilizaram informações do Orkut e do Facebook. O Jornal Nacional, da Rede Globo, não utilizou, de forma explícita, as redes sociais na produção de conteúdo no período analisado. No mês de novembro, quando todos os telejornais foram analisados, o Jornal da Record apresentou uma reportagem em interface com o Facebook e o Twitter este último ainda não havia aparecido na pesquisa, nos meses anteriores. A rede social Facebook em uso conjunto com a rede Twitter apareceram na mesma matéria com a função de sustentar a denúncia feita pela reportagem do Jornal da Record. Nesse mesmo mês (novembro) o mesmo telejornal utilizou o Orkut como fonte de informação, com a mesma conotação. Também em novembro o Jornal do SBT também veiculou uma matéria que usou o Orkut como fonte de informação. Todas as 10 reportagens que utilizaram as redes sociais como fonte de informação na produção da notícia estavam ligadas à editoria de Polícia, tanto em casos que envolviam violência, golpes realizados pela internet, ou ainda para a disseminação de pensamentos e ideais preconceituosos. Esse dado parece revelar um indício de que as redes sociais podem se tornar fonte de informação não apenas para os jornalistas, como também para a própria polícia. As redes sociais se tornam, nesse sentido, um banco de dados onde tudo o que está disponível pode se tornar uma prova que incrimine o próprio autor do perfil. É daí que notamos a recorrência do uso das redes sociais nas reportagens de cunho policial: muitos jornalistas utilizam essas redes para formar um perfil do criminoso, ou mesmo obter i- magens. O mesmo é realizado com perfis de vítimas. Com relação ao bloco dos telejornais, nas quais eram exibidas as reportagens, verificamos que na maior parte das vezes, as notícias apareciam no segundo ou terceiro bloco do telejornal (seis delas no segundo bloco e cinco no terceiro), intercaladas com reportagens sobre economia, política e serviço.

A rede social que mais apareceu nos telejornais foi o Orkut e isso se deve, acreditamos, pela popularidade do site no país. Liderando o ranking de países com mais perfis no site seguido pela Índia, o Brasil possuía até agosto de 2010, 52 milhões de usuários, contra cerca de 40 milhões no Twitter e 5,3 milhões no Facebook. Além do grande número de usuários, outro fator importante é o tempo de permanência da rede no país, que é maior do que o Twitter e o Facebook. O Orkut, criado no ano de 2004, chegou ao Brasil nesse mesmo ano. Isso o torna uma fonte mais antiga, agregando um maior número de usuários e de informações. Comunidades e perfis que existem desde então há cerca de seis anos, possuem um acervo de textos e imagens entre fotografias e vídeos que se tornam um grande acervo para o jornalismo. Usar as redes sociais como suporte para as reportagens jornalísticas é um fator novo na produção da notícia e ainda está em processo de adaptação e, de certa forma aceitação. Os números, apesar de ainda pouco representativos, demonstram que as redes sociais digitais estão sendo utilizadas como fontes de informação pelos jornalistas, inclusive de forma clara. A interface entre as chamadas mídias tradicionais e as novas tecnologias da comunicação ainda é recente, mas a tendência é que esse hibridismo se torne mais corriqueiro, configurando novos usos. As histórias dos sujeitos disponibilizadas em ambientes digitais são reconstruídas e reatualizadas em novas narrativas, evidenciando o processo de como as identidades ou suas múltiplas possibilidades são reinventadas em um circuito próprio de produção, articulado aos meios de comunicação e à apropriação de traços da cultura contemporânea. Referências BARBOSA, Mariana. REZENDE, Renata. Os usos narrativos das redes sociais no telejornalismo. Artigo. Anais do XVI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste realizado de 12 a 14 de maio de 2011. São Paulo: Intercom, 2011. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CARDOSO, Gustavo. A mídia na Sociedade em Rede. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2005. RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre, Sulina, 2009. SODRÉ, Muniz. A narração do fato: notas para uma teoria do acontecimento. Rio de Janeiro. Vozes, 2009.