Implantação de sistemas da qualidade em instituições hospitalares: implicações para a enfermagem



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Transcrição:

434 Relato de Experiência Implantação de sistemas da qualidade em instituições hospitalares: implicações para a enfermagem Implantation of quality system in hospitals:implications for the nursing Implantación de sistemas de calidad en los contextos hospitalares: implicaciónes para la enfermería Margarethe Maria Santiago Rêgo 1, Isaura Setente Porto 2 RESUMO Partindo de uma análise crítica reflexiva, o estudo aborda a implantação de sistemas de qualidade nos cenários de saúde e implicações para a prática de enfermagem hospitalar. Ressaltar a importância da participação política das enfermeiras nas diretrizes, estratégias e ações implementadas. Análise Crítica baseada principalmente no referencial teórico do Sistema da Qualidade e na própria experiência das autoras. A implantação de sistemas de qualidade deve emergir a partir das reais necessidades, expectativas e projetos de vida individuais comprometidos com a comunidade em si. A base para a otimização de qualquer programa, com vistas à qualidade dos serviços, emerge de uma política institucional demarcada por oportunidades de participação e progressão de todos, em iguais condições de direitos e deveres, mas, sobretudo, das qualidades humanas implícitas e explícitas das pessoas que agem, interagem e reagem no contexto institucional. Descritores: Hospitais; Qualidade; Enfermagem; Qualidade dos cuidados de saúde ABSTRACT This study used critical analysis to discuss the implementation of quality control systems in health care settings and their implications for hospital nursing practice. This analysis points out the importance of political participation of nurses in influencing the ways, strategies, and actions used to implement quality control systems. In addition, this analysis emphasizes that optimal implementation of any program aimed to improve quality of services emerge from an institutional political principles, which guarantee everybody equal opportunities, conditions, and rights of participation in the implementation and continuation of a program. Furthermore, implementation of quality control programs relies on implicit and explicit human qualities of the people who perform their duties by acting, interacting, and reacting to the institutional environment or context. Keywords: Hospitals; Quality; Nursing; Quality of health care RESUMEN Partiendo de un análisis crítico reflexivo, el estudio aborda la implantación de sistemas de calidad en escenarios de salud e implicaciones para la práctica de enfermería en hospitales. Resalta la importancia de la participación política de las enfermeras en las directrices, estrategias y acciones implementadas. Se trata de un análisis Crítico basado principalmente en el referencial teórico del Sistema de Calidad y en la experiencia de las autoras. La implantación de sistemas de calidad debe emerger a partir de las reales necesidades, expectativas y proyectos de vida individuales comprometidos con la comunidad en sí. La base para la optimización de cualquier programa, teniendo en vista la calidad de los servicios, emerge de una política institucional demarcada por oportunidades de participación y progreso de todos, en iguales condiciones de derechos y deberes, pero, sobre todo, de las cualidades humanas implícitas y explícitas de las personas que actúan, interactúan y reaccionan en el contexto institucional. Descriptores: Hospitales; Calidad; Enfermería;Calidad de la atención de salud 1 Doutora em Enfermagem; Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro - EEAN/ UFRJ -Rio de Janeiro(RJ), Brasil. 2 Doutora em Enfermagem; Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro - EEAN/ UFRJ - Rio de Janeiro(RJ), Brasil. Autor correspondente: Margarethe Maria Santiago Rêgo Av. Marechal Rondon, 300 - Ap. 1204-20950-004 - Maracanã - RJ - E-mail: santire@ajato.com.br Artigo recebido em 20/08/01 e aprovado em 24/03/02

Implantação de sistemas da qualidade em instituições hospitalares INTRODUÇÃO Foi em 1996 que ouvimos pela primeira vez falar sobre o movimento chamado Gestão da Qualidade, isto é, modo de gerenciamento de uma instituição centrado na qualidade. Os princípios básicos desta metodologia são: a gestão participativa, a satisfação do cliente e o desenvolvimento de estratégias para benefícios de todos os membros da organização e para a sociedade. Visando o aprofundamento dos conhecimentos nesse paradigma, de forma a contextualizá-lo dentro das perspectivas de buscar melhorias contínuas da prática de enfermagem, iniciamos um processo de estudos sobre qualidade em saúde, tanto por interesses pessoais quanto pelos problemas relacionados à questão do gerenciamento da organização profissional de enfermagem, evidenciados a partir das experiências cotidianas vivenciadas no ambiente hospitalar. A partir de intensivos estudos, tivemos a oportunidade de aprofundar conceitos e categorias a respeito de dimensões qualitativas, discutir as implicações da participação da enfermagem na implantação de sistemas de qualidade em instituições hospitalares e, sobretudo, ressaltar a importância da participação política das enfermeiras na formulação das diretrizes, estratégias e ações implementadas nos cenários de saúde. Implicações paradigmáticas da qualidade. Inicialmente, convém ressaltar que qualidade é essencial. Mas conceituar qualidade na linguagem corrente tem, muitas vezes, implicações paradigmáticas, que vão desde um saber científico até o senso comum, produzido a partir da percepção de cada um. De acordo com Abbagnano (1), o termo qualidade dificilmente pode ser reduzida a conceito unitário. Sabemos, por exemplo, que, segundo a ABNT (2), a qualidade é definida como a totalidade de características de uma entidade que lhe confere a capacidade de satisfazer as necessidades explícitas e implícitas. Nessa linha de pensamento, o termo entidade designa atividade, processo, organização ou pessoa. Estudo (3) refere que houve uma redefinição do conceito de qualidade, com vistas à sua adequação ao neoliberalismo e às suas propostas para reorganizar todas as esferas da vida social e política no Brasil, em especial a educação e a saúde, devido à sua importância política estratégica. Inserido neste contexto está o modelo de Qualidade Total. Para os autores do estudo referido, este enfoque faz parte de uma visão empresarial, associada ao neoliberalismo, que privilegia o mercado sem a devida valorização da dimensão social do trabalho. 435 Entretanto, quando a abordagem é sobre qualidade nas instituições, Moller (4) destaca a importância de colocar as pessoas em primeiro lugar. Ressalta, ainda, a relevância da qualidade pessoal dos profissionais que prestam serviços aos clientes nas organizações. Para o autor, a qualidade pessoal é constituída tanto da qualidade técnica como da qualidade humana. A qualidade técnica significa satisfazer exigências e expectativas concretas: Por ex., tempo, qualidade, segurança e garantia (4). A qualidade humana significa satisfazer expectativas e desejos emocionais: Por ex., atitudes, comprometimento, comportamento, atenção, credibilidade, consistência e lealdade (4). O autor afirma ainda que os conceitos técnica e humana são complementares. Obtendo posições sobre o mesmo termo, Mezomo (6) refere que a qualidade é compreendida como um conjunto de propriedades de um serviço (produto) que o tornam adequado à missão de uma organização (empresa) concebida como resposta às necessidades e legítimas expectativas de seus clientes. Sob esse ponto de vista, ele entende que a qualidade na área de saúde implica também a explicitação e incorporação dos direitos fundamentais da pessoa humana que devem ser garantidos e preservados em sua integridade (6). Podemos destacar também o conceito enunciado pela BVS (5), quando descreve que qualidade implica que os usuários de serviços recebam pontualmente, eficientemente e seguramente (qualidade técnica) ajuda em condições materiais e éticas adequadas (qualidade percebida). Frente ao exposto, é possível constatar, no contexto contemporâneo da saúde, uma certa unicidade quanto ao conceito do termo qualidade, sobretudo quando o seu significado mais específico caracteriza a oportunidade e possibilidade de hábitos disposicionais construtivos e produtivos, voltados para processos de melhorias contínuas das condições objetivas e subjetivas dos serviços, visando o atendimento das necessidades, desejos e expectativas das pessoas. Existe atualmente um movimento no sentido de concentrar esforços para garantir a qualidade dos produtos e serviços, mas com destaque na valorização do aspecto humano da qualidade. Essa forma de pensar acrescenta

436 novas dimensões à idéia de qualidade, principalmente no sentido de oportunizar melhorias das relações humanas, maior envolvimento e comprometimento das pessoas e dos padrões éticos e estéticos de atendimento que visam à satisfação e ao acompanhamento das necessidades dos clientes. Frente ao que foi exposto, cabe adotar uma postura crítico-reflexiva sobre a implantação de Sistemas da Qualidade nos cenários de saúde e as implicações que envolvem a questão da qualidade para a enfermagem, tanto no prisma pessoal e profissional como institucional. Assim, para iniciar, concordamos com Demo (7), quando afirma que, por ser um atributo humano, qualidade essencial é a competência de tornar cada vez mais humana a história do ser humano. Nesta linha de pensamento, sinalizamos para a interface entre a enfermagem e a qualidade humana, pois o ser humano é a unidade de referência universal da Enfermagem. Nesse sentido, ressaltamos a preocupação com a questão da qualidade na Enfermagem. Ainda é possível identificar, nos cenários de prática assistencial, alguns profissionais da área de saúde que, no campo da convivência humana, desenvolvem processos assistenciais sem o compromisso ético, técnico e político com a garantia da qualidade. Por reconhecermos a qualidade técnica e humana dos profissionais como dimensões imprescindíveis para possibilitar melhorias contínuas do processo de trabalho de enfermagem, é que pensamos na importância de questionar a participação da enfermeira no contexto de implantação e implementação de sistemas e programas da qualidade nos cenários de saúde. Atitude crítica frente à experiência cotidiana em enfermagem hospitalar A oportunidade para pensar a participação das enfermeiras nos processos institucionais surgiu a partir da experiência de consultoria em Programas de Qualidade na Enfermagem. A partir da nossa vivência cotidiana da prática de enfermagem hospitalar, foi possível acompanhar processos de implantação de Sistema da Qualidade, isto é, estrutura organizacional, procedimentos, processos e recursos necessários para garantir a qualidade dos serviços prestados. Procuramos direcionar as ações para as tarefas do consultor de qualidade que, de acordo com aquelas relacionadas pelo Instituto Brasileiro de Qualidade Nuclear (8), são: ajudar os membros da equipe a descobrir por si próprios quais são as respostas, e não ditar respostas para o resto da equipe. Uma das tarefas mais importantes é observar os progressos da equipe, avaliando como ela funciona e usar essas observações para ajudá-la a melhorar o processo. A outra tarefa importante é instruir os membros sobre as ferramentas científicas a ajudar e dirigir os esforços da equipe quando é necessária uma especialização técnica. Os consultores da qualidade trabalham principalmente antes e depois das reuniões da equipe. É nessa ocasião que discutem os progressos e tentam encontrar meios de melhorar os processos pelos quais a equipe trabalha. Assim, as atividades de consultoria eram direcionadas, principalmente, a ajudar os membros da equipe (auxiliares de enfermagem, técnicos de enfermagem e enfermeiros) a trabalhar em equipe, orientar e coordenar as apresentações de casos clínicos, criar equipes de trabalho, trabalhar com as equipes na organização e planejamento de projetos, orientar pesquisas científicas das enfermeiras, organizar eventos de enfermagem, criar e implementar novos métodos, treinar os profissionais nos registros de enfermagem, e outros temas e técnicas relevantes para melhorias contínuas da qualidade da assistência. À medida que transcorria o tempo de atendimento aos requisitos e critérios da qualidade e todas as atividades iam sendo desenvolvidas, ficava evidente a importância da participação afetiva e efetiva das enfermeiras nos processos organizacionais da área de saúde. Em nossa experiência cotidiana, distinguimos espontaneamente a necessidade de uma política institucional que proporcionasse um reconhecimento dos profissionais, sobretudo incentivando e apoiando a participação da enfermagem nos processos políticos organizacionais dos principais princípios da gestão pela qualidade, quais sejam: satisfação dos clientes (internos e externos), desenvolvimento humano, gestão participativa, delegação de poder, constância de propósitos, aperfeiçoamento contínuo, gerência de processos, disseminação de informações, garantia da qualidade e busca da perfeição. Estes princípios, segundo o IBQN (8), não são conceitos rígidos ou teóricos, mas sim, parâmetros para uma efetiva mudança de atitudes e valores que estabelecem a cultura da organização. Surgiu também, nessa consultoria, a oportunidade de observar a participação das enfermeiras e como elas interagiam entre si, com os demais profissionais de saúde e com a alta administração da instituição hospitalar. A prática da gestão participativa, apontada como um princípio básico na implementação da filosofia da qualidade, era contemplada de forma muito incipiente. As relações eram predominantemente hierárquicas e as decisões referentes aos processos de enfermagem nem sempre eram compartilhadas. Também foi identificado que predominavam relações de poder na instituição hospitalar, em detrimento da consolidação de um processo participativo igualitário entre todos os profissionais da equipe de saúde. De fato, a política de qualidade era ambígua, do ponto de vista do atendimento ao princípio da Gestão Participativa.

Implantação de sistemas da qualidade em instituições hospitalares Não obstante, o destaque maior de observação nessa experiência foi quanto à participação política insuficiente das enfermeiras no planejamento estratégico da instituição e, sobretudo, a iniciativa para se organizarem, participarem e reivindicarem participação ativa nas decisões relacionadas aos processos organizacionais de enfermagem. Do mesmo modo, identificamos diferentes comportamentos dos dirigentes daquela instituição hospitalar. Nela existiam duas enfermeiras envolvidas mais diretamente com a alta administração da instituição, e que manifestavam atitudes diferenciadas na condução da implementação dos processos da qualidade. Antes, queremos registrar que não realizamos nenhum julgamento de valor sobre essas enfermeiras, até porque ambas tinham desempenhos que atendiam plenamente o princípio da finalidade da profissão, que é cuidar. Nossa análise é direcionada para a forma de conduzir e pensar o princípio de gestão de pessoas e a questão dos aspectos humanos da qualidade nos processos da instituição. Uma delas valorizava principalmente os processos de gerenciamento na dimensão custo/benefício, alta tecnologia, eficiência e produtividade. Dentro dessa visão, a instituição hospitalar passa a ter apenas como meta principal o resultado material, a partir do aumento da produtividade dos funcionários, especialmente os da enfermagem, que têm a sua carga de trabalho aumentada consideravelmente, sem nenhum benefício, inclusive o financeiro. Além do mais, essa carga de trabalho exaustiva da enfermagem, decorrente da exigência do aumento da produtividade, fragiliza esses profissionais, na medida em que eles não têm as oportunidades de construir e conquistar o desenvolvimento humano que permita a sua renovação, transformação e libertação de toda essa opressão. Vale considerar, neste aspecto, que a educação, no sentido mais amplo, oferece a oportunidade de emancipação, da formação da competência humana na história, a cidadania (7) A outra enfermeira agia de forma diferenciada, buscando, principalmente, humanizar a complexidade tecnológica presente naquela instituição hospitalar. Ela se empenhava primeiramente em atender, valorizar e priorizar a satisfação das pessoas, tanto dos profissionais de enfermagem como dos clientes hospitalizados e seus familiares. Contudo, não ficava desatenta ao sistema da qualidade e suas nuances, tais como: administração do uso do tempo, auditorias da qualidade, avaliação dos resultados dos indicadores de desempenho, controle estatístico dos processos, excelência no atendimento ao cliente, utilização das ferramentas gerenciais da qualidade, dentre outros. Vale ressaltar, ainda, a forma como essa enfermeira conduzia a política de qualidade do hospital, a sua capacidade para gerenciar os processos de enfermagem, para reduzir custos hospitalares através da 437 sensibilização e conscientização da equipe de enfermagem, para ouvir a sua equipe individual ou coletivamente, para utilizar métodos para solução de problemas e para transformar as oportunidades e conflitos em propostas de melhorias para a enfermagem e o paciente. Esses eram pontos fortes em seu desempenho. Certamente, podemos afirmar que todas as enfermeiras daquela instituição estavam preocupadas com a qualidade dos serviços prestados. Entretanto, a forma como cada um conduzia os processos interativos e institucionais era diferente, por conta das singularidades que são próprias de cada pessoa. E é pensando justamente em qualificar essa qualidade, que consideramos possível a adoção pela enfermagem dos princípios da qualidade nos seus cenários de prática, a partir de uma concepção mais humanizada, respeitando, principalmente, as universalidades e as singularidades que se apresentam. O importante é romper com essa vinculação da educação e saúde em função do mercado e dos interesses privados e empresariais, em detrimento do bem estar comum. Desse modo, a implantação de sistemas de qualidade deve emergir a partir de uma referência teórica-prática e desenvolvimento das qualidades técnicas e humanas, de fato, para relacionálos às reais necessidades, expectativas e projetos de vida individuais comprometidos com a comunidade em si. Acreditamos que só assim essa qualidade será considerada prazerosa, libertadora e benéfica para as pessoas e para as instituições. Neste sentido, cabe destacar a participação política dos profissionais de enfermagem como um aspecto essencial para o processo de humanização na implementação de Sistemas da Qualidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, a base para a otimização de qualquer programa da Qualidade emerge, primordialmente, de uma política institucional demarcada por oportunidades de participação e progressão de todos, em iguais condições de direitos e deveres. A valorização do ser humano tende a possibilitar a construção de uma realidade geradora de progresso pessoal, profissional e institucional e, por conseguinte, uma convivência mais saudável entre as pessoas no ambiente de trabalho. Neste sentido, vale enfatizar a importância da participação política das enfermeiras na formulação das diretrizes, estratégias e ações implementadas nos cenários de saúde. Finalizando, consideramos que, para o processo de construção de implantação e implementação de sistemas de qualidade nos cenários de saúde, é imprescindível o desenvolvimento das qualidades técnicas e humanas implícitas e explícitas das pessoas que agem, interagem e reagem no contexto institucional.

438 REFERÊNCIAS 1. Abbagnano N. Dicionário de filosofia. 2a ed. São Paulo: Martins Fontes; 2003. 2. Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Coletânea de Normas de sistemas da qualidade. Rio de Janeiro: ABNT; 1995. 3. Gentill PAA, Silva TT. Neoliberalismo, qualidade total e educação: visões críticas. 3a ed. Petrópolis: Vozes; 1995. 4. Moller C. O lado humano da qualidade: maximizando qualidade de produtos e serviços através do desenvolvimento das pessoas. 9a ed. São Paulo: Pioneira; 1995. 5. Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Descritores em Ciências da Saúde. [texto na Internet]. São Paulo: BIREME; 2005. [citado 2005 Jul 10]. Disponível em: http://www.decs.bvs.br 6. Mezomo JC. Gestão da qualidade na saúde: princípios básicos. São Paulo: Manole; 2001. 7. Demo P. Pesquisa qualitativa: busca de equilíbrio entre forma e conteúdo. Rev Lat Am Enferm. 1998;6(2):89-104. 8. Instituto Brasileiro da Qualidade Nuclear. Sistemas de gestão da qualidade. Rio de Janeiro: IBQN; 1995.