Sistematização de Experiências PRESERVANDO A NATUREZA, RECICLANDO VIDAS, REDUZINDO A VIOLÊNCIA



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Transcrição:

Sistematização de Experiências PRESERVANDO A NATUREZA, RECICLANDO VIDAS, REDUZINDO A VIOLÊNCIA

O nome Reciclázaro forma-se da conjunção do verbo reciclar com o substantivo Lázaro. Reciclar vidro, plástico, papelão, mas fundamentalmente, reciclar o ser humano. Assim como Jesus diz para Lázaro levanta-te e anda! ressuscitando milagrosamente após três dias da sua morte, a Reciclázaro diz para as pessoas: Lázaros, Lázaras, levanta-te e anda, recicle-se, devolvendo-lhes a autonomia, a dignidade e a alegria de viver. Sumário a p r e s e n t a ç ã o, José Carlos Spinola 4 c o m o t u d o c o m e ç o u 6 Realização Associação Reciclázaro Praça Cornélia,101 Água Branca São Paulo SP Fone: (11) 3871-5972 www.reciclazaro.org.br Fundador José Carlos Spinola Presidente Maria Angela Mantovani Bastos Supervisor geral Aparecido Martins Sistematização e redação Karina Fortete Produção Et Cetera Editora Rua Caraíbas, 176 Casa 8 Vila Pompeia 05020-000 São Paulo SP Fones: (11) 3368-5095 (11) 3368-4545 www.etceteraeditora.com.br Revisão Ana Luiza Oliveira Fotos Yuri Catelli p r o m o v e n d o a v i d a, capítulo 1 10 Casa de Simeão 12 República para Idosos Tatuapé 15 Casa Marta e Maria: uma questão de direitos 17 Casa Guadalupe: tratar o corpo, cuidar do espírito 20 g e r a ç ã o d e t r a b a l h o e r e n d a, capítulo 2 22 De comunidade produtiva a cooperativa 24 Tijolo ecológico: é tudo de bom! 27 Gasômetro: de morador de rua a artesão 33 Casa São Lázaro: centro de acolhida com inserção produtiva 34 inter venção comunitária, capítulo 3 38 De dentro para fora: abrindo as portas 40 De fora para dentro: Comunidade do Belém 43 e d u c a ç ã o a m b i e n t a l, capítulo 4 46 Coleta Seletiva Solidária: fique por dentro 48 Centro de Formação Profissional, Educação Ambiental e Geração de Renda 50 Programa de Compensação Ambiental 52 Arte, cultura e meio ambiente 54 c o n t a n d o histórias, r e c i c l a n d o v i d a s... 55 Do Rio para São Paulo, das ruas para a cozinha: a história do Seu Sérgio 56 O oficineiro que bate as asas: a história do Seu Flávio 56 Sempre que eu traçar uma meta, eu vou chegar lá : a historia da Gi 57 glossár io 59

a p r e s e n ta ç ã o Jos é Ca r l o s Sp i n o l a Fundador da Associação Reciclázaro Eles estavam do lado esquerdo da praça. Quando eu ia para o lado esquerdo, eles iam para o centro, quando eu ia para o centro, eles iam para o direito ou para o esquerdo, eles fugiam. Até que um dia não se moveram e me deixaram chegar. Eu ficava escutando a história deles, quando eles choravam, eu chorava, se eles riam, eu ria, se eles brincavam, eu também brincava. Foi assim como começamos uma tarde de 1997 na Lapa, e é assim como continuamos manhã, tarde e noite, em vários bairros da cidade de São Paulo. Hoje somos mais e estamos em mais lugares, fazemos novas coisas, chegamos a mais pessoas, crescemos, inovamos, nos vinculamos, erramos, aprendemos, mas uma coisa mantivemos: a simpatia pela vida e a empatia pelo ser humano. Com o intuito de ver a nossa ação, sendo replicada em muitos presentes e futuros, criamos esse livro, que mostra como pouco a pouco e dia a dia, a Reciclázaro encontra respostas concretas aos desafios da vida e às provocações do destino. Desejamos também que a leitura destas histórias os inspire a participar da construção deste mundo novo, um mundo baseado na justiça social, no amor, na solidariedade, na fraternidade, porque não adianta ficar reclamando, é necessário transformar a realidade. É necessário enxergar com os olhos de quem quer lembrar e não de quem quer esquecer porque esquecidos... eles já têm sido. Queridos colegas, funcionários, voluntários, parceiros, enfim, queridos amigos, dedicamos esse trabalho a todos vocês, por fazerem parte de nossa reciclagem; dedicamos também essas páginas a todos os moradores de rua que já participaram de algum de nossos programas e saíram vitoriosos, mais fundamentalmente, dedicamos esse livro, a todos aqueles que ainda hoje passam as noites jogados na rua cobertos com papelão, porque são os que nos dão a força para acordar a cada dia, com uma nova ideia e com uma nova esperança.

quando tudo começou... A Associação Reciclázaro nasce em 1997 para dar uma resposta concreta a uma realidade concreta: a de promover o resgate da cidadania das muitas pessoas marcadas pela violência e o abandono, que ficavam dia e noite, na Praça Cornélia, do bairro da Lapa. A sementinha foi plantada por José Carlos, um padre, um sonhador que, enquanto celebrava a missa enxergava, com a entrega de quem se reconhece entre os irmãos, o povo que ficava do lado de fora, oscilando entre a apatia e a desesperança. Sem ter muitas certezas sobre o que fazer, aproximou-se deles, ouvindo suas histórias e dividindo risadas. Ganhar a confiança deles foi quase tão difícil como legitimar suas ideias para a comunidade. Porém, primeiro um, logo dois e depois três, que em seguida viraram multidão; foram sensibilizados por um evangelho que reconhecia na palavra de Deus, o ser humano em toda a sua complexidade; assumem o grande desafio. O primeiro passo foi alugar um espaço onde puderam tomar banho, trocar de roupas, fazer as refeições, ser escutados por uma equipe multidisciplinar, orientados para recuperar a sua cidadania e encaminhados para as diferentes redes de saúde e socioassistenciais. Tornou-se um espaço de acolhida e de relações que juntava no mesmo lugar, moradores de rua e comunidade local. Porém, eles eram pessoas capazes, pessoas com habilidades, que estavam sendo invisíveis aos olhos do mercado carecendo de uma ocupação. Foi assim que, correndo os riscos inerentes a concretizar uma nova ideia, pensou-se em formas de gerar emprego e renda que além do sustento econômico, lhes dera a possibilidade de atingir novas conquistas nas outras esferas da vida. Com esse intuito e esse desejo, foi feita uma grande assembleia entre todos os que passavam pela casa. O resultado: todos os que ali estavam tinham em algum momento das suas vidas, se envolvido com o material reciclável; todos eles já tinham pegado latinha, papelão, e vendido para donos de ferro velho. A partir dessas experiências divididas, monta-se o programa de coleta e triagem de materiais recicláveis, o qual dez anos mais tarde, vira uma cooperativa autossustentável que inspira novos projetos da própria associação e de organizações parceiras. Um atrás do outro, foram aparecendo novos desafios, novos públicos, novas conquistas e novos parceiros. Apoiados pela comunidade, empresas privadas, poder público e organismos internacionais, e uma equipe humana dinâmica e corajosa de colaboradores, funcionários e voluntários, o raio de atuação amplia-se vastamente atendendo desde o ano de 1997 muitas dessas pessoas que com sol ou com chuva, ocupam as ruas da cidade e procuram um lugar no meio da indiferença e da apatia dos que ainda não despertaram.

missão e visão Missão: reintegrar na sociedade pessoas em situação de risco social e dependentes químicos, por meio de ações socioambientais, de modo a restabelecerem sua participação ativa como cidadãos, conhecerem e defenderem os direitos básicos desta cidadania, nas áreas de promoção humana, saúde, educação e trabalho, com acesso à sustentabilidade através de atividades de geração de renda. Visão: construir alternativas para a reinserção da população em situação de vulnerabilidade social e preservação do meio ambiente. De olho na inclusão Se fizermos o exercício de colocar a expressão inclusão social no buscador mais utilizado da internet, obteremos mais de 2.040.000 resultados. Se colocarmos a frase no mesmo buscador, desta vez em espanhol, o resultado será de 1.060.000 e se o fizermos em inglês, obteremos 2.610.000 sites relacionados. Há muitas pessoas escrevendo, pesquisando, discutindo sobre o assunto, no entanto, os índices de desigualdade não decaem e a brecha entre os que mais têm e os que nada possuem cresce de forma ininterrupta. Está na hora de trocar conceitos por ações e a miséria por melhores condições porque quando o assunto é incluir, o caminho não é outro senão o de reconhecer a diferença para integrá-la e dividir a experiência para multiplicá-la. A Reciclázaro inclui quando reconhece no idoso aquele velho experiente e faz com que entenda que ser pobre e ter Sonho que se sonha junto Os programas que a Reciclázaro cria não são de permanência, são de passagem. Não de uma noite ou de duas, mas, de passagem para outro estágio, o da autonomia. Nesse sentido, todos os programas que são implementados contêm um forte componente de reinserção social que farão com que a pessoa adquira as condições necessárias para voltar a participar da vida em sociedade, já não sob a proteção da instituição, porém preparada para assumir tal desafio. Durante a permanência das pessoas nos programas, elabora-se coletivamente, o projeto de vida de cada uma e a partir desse planejamento, trabalha-se em conjunto para que efetivamente possam concretizá-lo. Algumas das opções que contribuem fazendo a ponte entre os programas e a vida fora deles, são: a integração no sistema educativo, a inclusão no mercado de trabalho formal, a criação de alternativas de geração de emprego mais de sessenta anos não é o fim, e sim o recomeço. Quando vê na moça, às vezes menina, às vezes mulher, a coragem de quem, mesmo marcada pela violência e o abandono continua em frente, e faz com que acredite que novas histórias podem ser narradas. Inclui quando descobre no morador de rua um ser humano resiliente e faz com que apesar da adversidade, conquiste novos espaços; quando enxerga no jovem a rebeldia de quem não se conforma e faz com que ele mesmo desenhe caminhos mais verdadeiros. Quando aceita da criança o sorriso que acende a esperança, e faz com que mesmo na dificuldade, não abandonem a sua verdade. A Reciclázaro inclui sobre tudo, quando entra no universo do ser humano que tem na sua frente, e o respeita como ele é; não como um objeto de intervenção e sim como um parceiro na ação. e renda adaptáveis á sua realidade, a orientação para o acesso à previdência social, o cuidado de sua saúde física, psíquica e emocional, e o apoio na retomada dos vínculos familiares e comunitários. Os destinos são vários, porém alguns se repetem em mais de uma história. A conquista de uma renda mensal e com isso o aluguel de uma moradia individual ou dividida com companheiros, colegas, ou filhos, acontece com frequência. A restituição dos vínculos com as famílias assim como a volta para a terra de origem, aquela que deixaram há muitos anos são também opções escolhidas habitualmente. Outras vezes, principalmente no caso dos idosos, eles continuam necessitando da proteção que lhes oferece um centro de acolhida e mudam-se para centros de longa permanência, mantendo muitas vezes algum tipo de vinculo com seus colegas e com a casa que deixaram. Os eixos do trabalho A Reciclázaro baseia seu trabalho em quatro eixos fundamentais: Promoção Social Visa a promoção do cidadão participativo, responsável, que ao mesmo tempo em que é acolhido, é desafiado a identificar e experimentar suas aptidões pessoais e sociais, apoiado por processos educativos que contribuem para o seu desenvolvimento. Geração de Renda Foca na formação do ser humano produtivo, para que, sendo capaz de utilizar suas habilidades e valendo-se dos seus recursos pessoais, atinja a mudança efetiva que o tire da situação de exclusão e o integre efetivamente à vida social do espaço que ocupa. Intervenção Comunitária Tendo como referência o modelo de tratamento com base comunitária, desenvolvido e utilizado por uma rede de organizações latinoamericanas, os projetos desenvolvidos pela organização combinam as ações de organização e articulação em rede, assistência básica, educação, terapia e trabalho, abordando o ser humano integral, em suas diversas esferas. Educação Ambiental Atua buscando criar uma relação harmoniosa entre as pessoas e a natureza, orientando na utilização adequada dos recursos e no respeito dos seus limites. Quando ambos se reconhecem, a reciclagem da latinha e do homem vem junta. Etapas do processo de inserção social 8 s i s t e m a t i z a ç ã o de ex p e r i ê n c i a s q u a n d o tu d o c o m e ç o u 9

1. promovendo a vida Comprometidos com a questão social e buscando chegar a mais pessoas que se encontram desprotegidas, a Reciclázaro protagoniza uma série de projetos que buscam garantir a proteção e a promoção social das pessoas que estejam em situação de vulnerabilidade. A percepção subjetiva que os moradores de rua têm de suas próprias necessidades e a multidimensionalidade de sua situação, demanda soluções também complexas e multidimensionais. Isto desafia à Associação a criar projetos audaciosos que respondam às situações emergentes da sociedade e assim contribuir para o bem estar da população se ocupando não só da proteção, senão também da promoção das suas capacidades, a objetivação dos riscos e a abertura de oportunidades. Só assim as pessoas poderão ser sustentáveis em suas projeções. Com esse compromisso, e em parceria com a Prefeitura de São Paulo, através da SMADS cria-se a Casa de Simeão que cuida e prepara para a vida em sociedade cento e oitenta idosos, que encontram, além de proteção, muitas oportunidades para se reencontrar com suas subjetividades e viver a sua velhice com qualidade de vida. Como resultado desse processo de empoderamento que começa na Casa de Simeão, forma-se a República do Idoso Tatuapé que, com o apoio da Cáritas Alemã, abriga dez idosos que conquistaram sua autonomia e desfrutam de fazer parte de uma família menor. Também em parceria com a Prefeitura de São Paulo, através da SMADS, surge a Casa de Marta e Maria, que acolhe quarenta mulheres e trinta crianças, marcadas pela violência e a vida na rua, gerando novas oportunidades que deixam outras marcas, as da coragem e a valentia, de força e superação. Assim, na mesma luta por aliviar os sinais que a exclusão e a miséria deixam, promove-se a vida cuidando de mulheres portadores do vírus do HIV, e fazendo com que elas retomem os sentidos, os vitais e os do coração, ambos necessários para não abandonar a luta.

Casa de Simeão Acolhida: proteção e promoção Entende-se a acolhida como um conjunto de ações diárias que fazem com que o idoso melhore suas condições de vida, em um processo permanente que não se limita ao dia de chegada do novo integrante. Para isto, a casa de Simeão desenvolve um duplo processo interativo: o da proteção e a promoção. O primeiro inclui um programa de cuidado da saúde física, mental e emocional integrado com a escuta qualificada que os técnicos oferecem; assim como a inclusão em programas de proteção social e o fortalecimento de novas relações junto com a retomada de antigos vínculos sociais e familiares. Em prol da promoção da autonomia plena e do exercício da cidadania, incluise os idosos na cogestão da casa, assumindo um papel importante na organização e manutenção do espaço, assim como também se estimula a sua participação em espaços de discussão, rodas de conversa e eventos comunitários, nos quais interagem com outras pessoas e em outros ambientes, se mostrando como seres capazes e protagonistas de suas próprias histórias, favorecendo os processos de reinserção social. Eles são curiosos, têm muito a contar. Com cabelo branco e rugas que evidenciam os anos, jogam dominó e contam suas histórias, fazem a barba e saem para dar um rolê. Dão uma olhada no jornal e os mais corajosos revisam sua caixa postal. Reclamam de tudo e de todos quase por costume, porém sentem-se felizes quando alguém pergunta, olho no olho, como vai o senhor? Com a sabedoria que lhes deu a vida e a cautela que lhes advertiu a rua, os idosos da casa de Simeão envelhecem com autonomia, administram seus conflitos e ganham qualidade de vida. A Casa de Simeão, que é a casa também de cento e oitenta homens com mais de sessenta anos, alguns dos quais tem necessidades especiais, é um dos primeiros projetos desenvolvidos na maior metrópole do país, para a atenção da pessoa idosa proveniente de situações de vulnerabilidade social. A iniciativa é uma conquista da parceria entre organizações sociais e poder público que correm atrás dos muitos anos de esquecimento, no qual os idosos ficaram por nunca haverem tido uma política de atenção. No ano de 2003 dá-se um salto qualitativo em relação a esta população e cria-se no Brasil o Estatuto do Idoso e posteriormente a Política Nacional do Idoso, ante o emergente cenário que teve origem nas muitas mudanças do padrão demográfico, vale dizer, o aumento da expectativa de vida, a queda das taxas de fecundidade e mortalidade infantil e os avanços no tratamento das doenças que resultam no progressivo envelhecimento da população. Embora a aplicação total do Estatuto esteja longe de alcançar os níveis desejados, a participação cidadã e os resultados atingidos pelas organizações sociais que cuidam dessa população específica, entre as quais se destaca a atuação da Casa de Simeão, têm sido fundamentais para promover a efetiva aplicação da legislação vigente. A metodologia de trabalho utilizada na Casa de Simeão baseia-se no reconhecimento do idoso em seu ser integral, possuidor de sabedoria e experiências, que em um processo de educação permanente e realinhamento de suas visões e expectativas, constrói novos caminhos, mais abrangentes, mais dignos. Trabalha-se no combate ao isolamento, sobre a base da escuta e a negociação, alimentando o desejo do idoso de continuar a desenvolver o seu potencial humano e intelectual. Est a t u t o do Id o s o a r t. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. 12 orientações que contribuem para um ótimo desenvolvimento da pessoa idosa: Ofereça espaços de lazer, com jogos, leitura e palavras cruzadas que mantenham o cérebro do idoso sempre ativo. Promova passeios ao ar livre, o sol é ótimo para melhorar os ânimos! Motive-os a realizar atividades físicas, é bom para o corpo e é bom para o espírito. Proporcione alimentação balanceada, melhora a saúde e a vitalidade. Realize rodas de conversa e motive as diferentes formas de expressão. Escute-os. Divida as atividades da casa com os idosos, melhora as relações e fomenta as responsabilidades. Crie as regras em conjunto, serão mais facilmente cumpridas e dará melhores resultados. Ofereça uma estrutura física segura e livre de riscos. Crie uma rede de apoio que permita diversas intervenções e contribua com a melhora da qualidade de vida da pessoa idosa. Incentive as atividades dentro e fora do espaço de convivência. Motive-os a aprender coisas novas e a ensinar aos outros. Trate-o como você gosta de ser tratado. Olhe-o como você gosta de ser olhado. Fazendo Juntos! Um diferencial da Casa de Simeão é a cogestão do espaço realizada com a participação ativa dos idosos. Eles são divididos em grupos para realizar a limpeza dos espaços comuns e o auxílio na cozinha. Dita estratégia promove o trabalho em equipe e a socialização, o cuidado do espaço de convívio, a valorização do próximo e o exercício de novas habilidades além de auxiliá-los quando for a hora de deixar a casa para conquistar a moradia autônoma. 12 s i s t e m a t i z a ç ã o de ex p e r i ê n c i a s p r o m o v e n d o a vi d a 13

Sa ú d e República para Idosos Tatuapé Orientações práticas na área de higiene. Palestras sobre saúde com profissionais da área médica. Te r a p i a Florais de Bach. Reiki. Participação em grupos anônimos. Ações Socioeducativas Produção de jornal-mural: reuniões bimestrais que preparam a publicação de um jornal-mural no qual se trabalham os temas mais importantes sugeridos pelos idoso. Sócio-drama: atividade de teatro que reúne conviventes e funcionários para encenar temas que reflitam o cotidiano da casa. Oficina musical: iniciativa pioneira que deu origem à banda Roda de Samba, formada por idosos da casa, que se apresentam em eventos internos e externos. Oficina de colagem, desenho e pintura: aulas dirigidas a idosos com limitação motora e que, por meio da arte, exercitam a coordenação de movimentos e de cognição. Elevação da Escolaridade: programa especial que segue o método Paulo Freire de empoderamento a partir da visão de mundo do próprio educando. Inclusão digital: oficinas que favorecem a inserção no mundo da informática e o uso da internet. Ins e r ç ã o Geração de renda: programa de estímulo para o retorno ao estágio produtivo, através da participação em oficinas e confecção de materiais. La z e r Tardes de jogos: realização de campeonatos de dominó e baralho. Tarde de cinema: apresentação de filmes com o propósito educativo e/ou entretenimento. Atividades culturais externas: programa regular de visitas a museus, parques, teatros, cinemas, shows, bailes e eventos, mantido em regime de parcerias com o poder público e as empresas. Das muitas lições que a Reciclázaro aprendeu, uma está sempre presente no cotidiano da organização: os serviços gerenciados são o espaço no qual tudo se inicia e não onde tudo se conclui. Promover uma alternativa de moradia autônoma com segurança para que pessoas idosas, sem laços familiares estabelecidos e que recebem renda mínima, possam sair definitivamente da rua, parecia ser só mais uma utopia vista no horizonte. No entanto, a certeza de estar fazendo a coisa certa e a coragem de abraçar novos desafios fez com que a Reciclázaro em parceria com Cáritas Alemã e a própria população envolvida, criasse, em 2007, a primeira República para pessoas com mais de sessenta anos em situação de rua, na cidade de São Paulo. A República para Idosos Tatuapé é um projeto diretamente vinculado com a Casa de Simeão, pois os dez moradores que a integram residiram naquele abrigo apresentando vontade de morar em um espaço menor porém não sozinhos, um espaço que lhes ofereça maior segurança, porém com ampla liberdade. A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar. Eduardo Galeano Partindo do pressuposto de que a preservação da autonomia e da independência são condições fundamentais para levar uma vida bem sucedida, a casa é gerenciada por eles mesmos, que são responsáveis pela manutenção do espaço, o pagamento das despesas e o cuidado de suas próprias vidas. Contam com um regimento interno que os auxilia na administração da rotina e com apoio de uma equipe técnica que acompanha os processos, podendo promover espaços de diálogo e reflexão sobre temas diversos, além de participar das assembleias mensais que são combinadas. Essa experiência proporciona aos moradores uma maior integração social e participação efetiva deles na comunidade, instituindo novas relações, formando uma densa rede subjetiva de apoio e se localizando frente aos novos pontos de referência, além de fazer com que identifiquem suas competências e coloquem a prova antigas resistências enquanto se enxergam mais tolerantes, solidários e ativos frente ao convívio coletivo. Pa r t i c i p a ç ã o Informação e discussão sobre o Estatuto do Idoso. Reunião nos apartamentos fortalecendo os vínculos. Assembleias dentro da casa. Participação em passeatas para a reivindicação de direitos. Experiências Positivas que Influenciam Políticas Públicas A República como modelo inovador de moradia e inclusão social para as pessoas idosas, convoca os diferentes setores que compartem os mesmos objetivos para discutir a elaboração de propostas similares. Assim, com uma visão ampliada e o desejo de multiplicar experiências positivas, a Reciclázaro divide sua experiência e busca influenciar a criação de novas políticas públicas para idosos. p r o m o v e n d o a vi d a 15

Lições aprendidas O modelo não é rígido e deve se adaptar às realidades do grupo. É importante que prévio à mudança de casa, o grupo se conheça, realize atividades em conjunto e divida alguns espaços de convivência. Os regimentos foram feitos para serem modificados e é preciso ter isso presente. Um sistemático processo de seleção das pessoas que irão morar na casa não garante a convivência harmoniosa, é preciso estar preparados para lidar com os conflitos que se originem. A liberdade de ir e vir, de fazer e de não fazer é um bem muito prezado para os idosos, é indispensável garantir tais condições. A convivência lhes proporciona um sentimento de segurança que não obtêm em casas de acolhida com maior número de pessoas e isto é muito valorizado por eles. O acompanhamento da equipe técnica deve estar em sintonia com o processo do grupo, deixando-o correr naturalmente. O pagamento compartilhado das despesas faz com que as pessoas se apropriem do espaço. É um modelo de intervenção de baixo custo que atinge resultados muito positivos. Ca s a Ma r t a e Ma r i a : Uma Questão de Direitos Va m o s Co n s t r u i r Ju n t o s? Ju n t o s É Me l h o r! Os resultados positivos da República de Idosos Tatuapé, nos motivam a pensar em novas iniciativas como a criação da EcoVila, um projeto que pretende oferecer moradia definitiva para sessenta idosos que se encontram na rede socioassistencial da cidade. A proposta é reproduzir um modelo compartilhado de gestão, onde os idosos dividem as tarefas, os custos e o gerenciamento da moradia, tornando o projeto de baixo custo e autossustentável. A Casa Marta e Maria através de processos educativos e socializantes promove a autonomia e as encoraja para enfrentar novos desafios oferecendo, em paralelo, uma densa estrutura de apoio. O intenso trabalho motivacional, de autoconhecimento e resgate da autoestima que se realiza em conjunto, tem contribuído para que as mulheres da Marta e Maria participem ativamente da proposta pedagógica, a qual adaptam, criticam, modificam, ampliam, e sobre todo, enriquecem. Morávamos no Simeão e a equipe fez a proposta para que viéssemos morar na República, nos disseram que aqui seria uma casa onde iríamos nos conhecer e nos tratar como se fossemos uma família e com toda a liberdade, embora tenha um regulamento. A vida aqui se torna mais gostosa. Entre nós existe respeito, um procura ajudar o outro. Wi l s o n Desigualdade, discriminação, inequidade, falta de oportunidades, ausência nos âmbitos de decisão, presenca minoritária nos espaços de poder, são só alguns dos fatores que cruzam a vida das mulheres ainda hoje e ocupam as discussões dos diversos setores que trabalham em prol dos direitos humanos. O Brasil, país de grande riqueza multicultural, que impressiona o mundo com seu constante crescimento econômico, ainda mantêm uma grande dívida em relação à igualdade de gênero, ocupando em 2006 a 50ª posição entre os 149 países do índice de equidade de gênero segundo o Observatório da Cidadania. A primeira e mais importante violência que uma sociedade pode padecer é a indiferença perante os direitos do seu povo e mudar essa situação depende em grande parte, da atuação da sociedade civil organizada que, com sua capacidade e sensibilidade, demonstra com ações permanentes e eficazes, o poder transformador que possui. Nesse contexto, funda-se em 2003 a casa Marta e Maria que garante em primeiro lugar, um espaço seguro e a possibilidade de criar novos desfechos para velhas histórias Setenta rostos. Setenta olhares. Setenta individualidades. Setenta histórias de vida que às vezes divididas, às vezes sob sete chaves, reclamam atenção e inspiram dedicação. Quarenta são as mulheres e trinta as crianças, que vindos de diferentes pontos do país, moram na casa de Marta e Maria. A maioria é encaminhada pelo CRAS Mooca, outras pela ampla rede de parceiros. Muitas delas têm filhos, outras sonham em tê-los. Algumas dão gargalhadas e gostam de chamar a atenção, outras choram. Têm as que usam álcool e outras drogas e as que não. As que completaram o ensino médio e as que apenas sabem ler. Poucas já trabalharam, muitas nunca foram empregadas. Algumas tiveram a rua como seu lar, outras saíram de casa em busca de um. Todas são mulheres corajosas e habilidosas, inventando um novo destino. 16 s i s t e m a t i z a ç ã o de ex p e r i ê n c i a s p r o m o v e n d o a vi d a 17

O dia a dia na casa Marta e Maria Eu e o meu filho Entre cumplicidades e caretas, ela vai se deixando conquistar. Um dia o pega no colo, outro o amamenta antes mesmo dele reclamar, uma manhã o observa atentamente enquanto ele dorme, e assim, aos poucos, a relação entre mãe e filho se reconstrói, revigora e permanece. E entre cumplicidades e caretas, as histórias se repetem. Eu me salvei, eu estava perdida, de repente encontrei um lugar que me acolhia e principalmente que recebia meu filho. Temos tudo e gosto de ficar aqui. Fortalecendo vínculos Ann a mora há oito meses na casa Sonhos por escrito Já dizia o filósofo espanhol Gregorio Marañon viver não é só existir, senão existir e criar, saber gozar e sofrer, e não dormir sem sonhar. Na casa de Marta e Maria todo mundo é convidado a sonhar e colocar por escrito como concretizará esses sonhos, construindo em conjunto com a Assistente Social e a Psicóloga o seu projeto de vida. A criação do projeto de vida é um momento chave no qual cada uma reflete sobre a situação anterior, enxerga o presente e desenha o seu futuro, estabelecendo metas de curto e médio prazo, que exigem o reconhecimento de suas próprias capacidades e a valorização do seu ser produtivo. Dita dinâmica é importante também porque oferece ferramentas concretas que orientam os técnicos e educadores nas intervenções específicas que desenvolvem no decorrer do processo. O grande desafio da casa é o de reconstruir laços e promover relações, indispensáveis para criar espaços de confiança e proteção. As atividades desenvolvidas funcionam como mediadoras de conflitos e promotoras dos vínculos, promovendo o reconhecimento do seu ser mulher e a reconciliação com a sua história ao mesmo tempo em que propiciam a interação com a equipe de referência, entre pares e com o ambiente que ocupam. Resultados Retomada de vínculos com redes positivas. Redução de danos do uso de álcool e outras drogas. Conquista da cidadania plena. Inclusão no sistema escolar. Inserção no mercado laboral. Fortalecimento da autoestima. Conquista da moradia autônoma. Melhora da relação mãe-filho. Modificação de comportamentos. Aquisição de novas habilidades e competências para a vida. 18 s i s t e m a t i z a ç ã o de ex p e r i ê n c i a s p r o m o v e n d o a vi d a 19

O olhar de quem cuida Um grupo humano que acompanha, que cuida, comprometido e sensível, dedicado e bem humorado compõe a equipe da Casa Guadalupe que, em parceria com o Hospital Emilio Ribas, mantêm uma completa equipe multidisciplinar. Médicos, fisioterapeuta, nutricionista, psiquiatra, psicóloga, enfermeira padrão, técnicas em enfermagem e voluntários trabalham coletivamente, com um olhar diferenciado e abrangente, enfrentando os novos desafios que cada história apresenta. Modelo de Tratamento O modelo de tratamento objetiva trabalhar os diversos aspectos das mulheres que permanecem na casa, tratando o corpo e cuidando do espírito, combinando o tratamento médico com atividades de reinserção junto ao meio social. Casa Guadalupe: Tr a t a r o Co r p o, Cu i d a r do Espírito A cada hora se diagnosticam 300 novos casos de infecção por HIV no mundo, e do total das pessoas que vivem com o vírus, 50% são mulheres. Mulheres de todas as idades e condições sociais; mulheres que são mães, filhas, amigas, tias, irmãs, avós, colegas de trabalho. Mulheres que tem um dia pela frente e uma doença da qual cuidar, mulheres que sofrem preconceito e lidam com as dificuldades diariamente. Muitas dessas mulheres moram nas ruas e são abandonadas pelas suas famílias, excluídas de seus lugares de trabalho, rejeitadas pela sociedade, olhadas sem ser vistas. Esses fatos não fazem mais que agravar a situação de vulnerabilidade na qual elas se encontram, e muitas vezes, permitir que a doença avance sem dar trégua. Inspirada nessas histórias cria-se a Casa Guadalupe, que fundada no ano de 1998, no bairro da Lapa, torna-se um espaço de acolhida e tratamento com capacidade para doze mulheres de baixa renda portadoras do vírus do HIV, que se encontram em um estágio avançado da doença no qual precisam de cuidados especiais com a sua saúde. A Casa Guadalupe é modelo de referência no atendimento a mulheres na cidade de São Paulo pela qualidade do serviço, o qual visa o tratamento do ser humano integral, em suas dimensões física, emocional, mental e espiritual, que se influenciam reciprocamente. Especialista nesse tipo de tratamento, mantém seu padrão de excelência, diferenciando-se especialmente pela melhora da qualidade de vida que as mulheres atingem no transcurso do tratamento, muitas das quais restabelecem seus vínculos familiares e se preparam para uma vida mais autônoma e saudável. Conta-se com um espaço fisicamente adaptado e tecnicamente preparado que contribui para que elas restabeleçam sua saúde enquanto resgatam sua autoestima e conquistam sua autonomia. Do mesmo modo que a inspiradora desse espaço, a Nossa Senhora de Guadalupe fez crescer flores em uma colina semidesértica em pleno inverno, a Casa Guadalupe faz crescer a esperança em uma sociedade semi-indiferente em pleno século XXI. E assim, entre a luta permanente pela sobrevivência e as condições alheias às quais cada uma deve se enfrentar surge a força interior de quem deseja se reencontrar. Tratar o corpo: o acompanhamento médico regular, a ingestão da medicação indicada e o consumo de alimentação balanceada e supervisionada caso a caso, evidenciam os primeiros avanços do tratamento. Paralelamente, as sessões de fisioterapia orientadas a trabalhar sobre os possíveis distúrbios decorrentes da doença lhes proporcionam maior mobilidade e harmonia corporal. Cuidar do espírito: na promoção do seu ser pleno a casa conta com um grupo de voluntários e parceiros que oferecem atividades socioeducativas assim como, oficinas artísticas e terapêuticas. Algumas são realizadas dentro do espaço comum e outras em instituições parceiras promovendo a interação com outras pessoas e a integração social em outros ambientes. A Casa Guadalupe investe na qualidade de vida, no ser produtivo, capaz de interagir com a comunidade e restabelecer vínculos familiares, superando o preconceito. Eli a n a, coordenadora da Casa Guadalupe 20 s i s t e m a t i z a ç ã o de ex p e r i ê n c i a s p r o m o v e n d o a vi d a 21

2. geração de trabalho e renda A experiência desenvolvida pela Reciclázaro tem demonstrado como é possível fazer projetos de geração de renda em contextos heterogêneos e com as mais diversas populações. Pode ser feita a partir dos recursos que já não são úteis para alguns, porém viram receita para outros, como é o caso da Cooperativa Recicla Butantã que gera renda e melhores condições de vida para um grande número de cooperados. Ou aproveitando as novas tecnologias de baixo custo que alguns sabem e se oferecem a ensinar, como é a fabricação dos tijolos ecológicos que parceiros passaram para a Reciclázaro e ela animou-se a experimentar, capacitando e gerando renda para a população que está na rua. Pode ser feita em parceria com a Prefeitura de São Paulo, as empresas e a comunidade como acontece na Casa São Lázaro, sendo hoje um Centro de Acolhida com Inserção Produtiva ou embaixo de um viaduto e buscando a sustentabilidade exclusivamente através de sua produção, como é o caso do Gasômetro São as possibilidades de transformar as condições concretas de vida as que proveem a coragem para inovar, para arriscar, e para tentar de novo quando não dá certo, porque az vezes não dá mesmo, más é possível. Não é tão fácil combinar as regras que regem o mercado com o contexto local e pessoal que cada um traz nem tão difícil fazer com que os bons resultados sejam maiores em quantidade e qualidade. Quando uma família gera renda, não é só dinheiro que ela consegue. É acesso à educação, saúde, tecnologias, créditos, lazer, cultura, vestimenta, utilidades e futilidades, que fazem as pessoas se sentirem parte do contexto. Além disto, a participação em um programa de geração de renda, torna-se um fator de proteção frente às situações de risco, muito importante para o desenvolvimento das pessoas. A partir das experiências que seguem, a Reciclázaro mostra como é possível desafiar as estruturas, contribuir com o meio ambiente e ainda aumentar a renda familiar.

Passo a passo para gerenciar uma cooperativa de reciclagem diferenciada 1 Formar um grupo humano com objetivos comuns. 2 Manter uma visão de progresso e superação. 3 Orientar o grupo em relação aos processos cooperativos e ao ser cooperado. 4 Contar com estrutura física e recursos tecnológicos para a produção. 5 Identificar as fontes que fornecerão os materiais recicláveis. 6 Capacitar as pessoas nas técnicas de triagem dos materiais recicláveis. 7 Identificar as fontes que comprarão o material reciclado e negociar as condições de parceria. 8 Construir um plano logístico que suporte a coleta e a venda dos materiais. 9 Escolher uma comissão que lidere os processos de forma coletiva. 10 Assessorar nos assuntos trabalhistas e legais, referentes ao sistema cooperativo. 11 Criar um regimento interno coletivamente. 12 Manter assessorias externas que contribuam para atualizar as técnicas agregando valor. 13 Definir funções e fazer o rodízio das tarefas, para que todos os integrantes participem de todas as etapas. 14 Prover informações sobre o cuidado da saúde no processo de trabalho. 15 Valorizar o trabalho dos membros. 16 Administrar de forma transparente os recursos. 17 Dividir a renda segundo a produção e de acordo com os critérios combinados em assembleia. 18 Fortalecer o grupo humano e promover a participação ativa. 19 Manter reuniões frequentemente e só tomar decisões exclusivamente nesses espaços. 20 Oferecer uma estrutura de apoio através de um grupo interdisciplinar que acompanhe o processo. 21 Criar uma rede de parceiros que possam apoiar o processo. 22 Promover o contato com a comunidade local na qual a cooperativa está inserida. Há mais de dez anos, ocupava-se uma grande área na região do Butantã, onde pessoas que se encontravam nas mais diversas situações de vulnerabilidade (usuários de drogas, moradores de rua, idosos, pessoas com transtornos mentais, etc.) eram convidadas a chegar chegando. Pensado para ser um lugar aberto, o Galpão que recebia o material recolhido pelo programa de coleta seletiva e tinha estrutura para classificá-lo e vendê-lo, se tornou uma possibilidade de gerar renda para uma grande quantidade de pessoas que recebia uma bolsa auxilio pelo seu trabalho. Renda que trouxe consigo a possibilidade de se alimentar, de conseguir um lugar para morar, de criar redes, de levar os filhos para a escola, de ganhar autonomia e de conquistar um espaço na sociedade e o respeito do seu próximo. Alguns erros e muitos acertos marcaram esse processo. Vários aprendizados fizeram com que no transcurso se cogitasse a possibilidade de criar uma nova estratégia: a de promover o empreendedorismo e desafiar ainda mais os membros da comunidade produtiva para que fossem além do que a sua condição estava lhes permitindo ver. Transcender as fronteiras do assistencialismo e contribuir com o desenvolvimento do ser produtivo de homens e mulheres que encontraram neste trabalho uma nova chande Comunidade Produtiva a Cooperativa ce, agregado ao seu desejo de melhorar suas condições de vida, deram origem à Cooperativa Recicla Butantã. Recicla Butantã é hoje uma cooperativa que não só recicla vidro, papel, plástico, recicla vidas e altera o ciclo da miséria e das necessidades insatisfeitas para gerar um novo, o ciclo da utilidade e da conquista. A cooperativa funciona oito horas por dia e os cooperados são pessoas da região, muitos dos quais já participaram da rede socioassistencial da Associação. Definem as funções e estabelecem um sistema rotativo através do qual todos os membros se capacitam nas diferentes etapas, dominando no decorrer do tempo todas as operações. São os próprios cooperados que realizam as negociações com a indústria para a venda do material reciclado e que procuram as melhores estratégias para alcançar resultados mais efetivos e com maior rendimento econômico. A Reciclázaro acompanha os processos grupais, disponibiliza a sua ampla rede de contatos, a estrutura física e o equipamento tecnológico necessário além de fornecer o material recolhido no programa da Coleta Seletiva e prover a logística necessária para que chegue ao local, porém se mantém na retaguarda, observando, apoiando, deixandoos ser, enquanto eles ganham em autonomia e reconhecimento, em caráter e em oportunidades. Eu trabalho há três anos e gosto, amo esse trabalho, aqui é excelente. Gosto da parte da esteira porque eu fico concentrada naquilo para fazer bem e todos os problemas que eu tenho, eu esqueço. Convidei outras pessoas para trabalhar aqui. Não é um serviço difícil, moro perto e recebo o meu salário. Elo i s a 24 s i s t e m a t i z a ç ã o de ex p e r i ê n c i a s g e r a ç ã o de tr a b a l h o e r e n d a 25

Ti j o l o Ec o l ó g i c o : É Tu d o de Bo m! Fluxo da Cooperativa Integrando os conceitos de geração de renda e proteção do meio ambiente, com a sempre latente preocupação para gerar novas oportunidades de inclusão no mercado de trabalho, seja este formal ou pelas alternativas autogeridas, surge o projeto de fabricação de tijolos ecológicos. Os tijolos ecológicos são construídos de solo-cimento que dispensa a queima do tijolo, pelo qual não gera agressão ao meio ambiente, evitando o desmatamento e os resíduos da queima que são lançados ao ar. Além disto, a fabricação requer a utilização de uma técnica simples, que pode ser desenvolvida por qualquer pessoa que queira aprendê-la sem exigir conhecimento ou experiência, encontrando nessa tecnologia uma excelente oportunidade para promover uma nova forma de gerar renda para a população atendida pela Associação. Os 5 Rs: 1 Reduzir: Evitar a produção de resíduos, com a revisão de seus hábitos de consumo. 2 Reutilizar: Reaproveitar o material em outra função. 3 Reciclar: Transformar materiais já usados, por meio de processo artesanal ou industrial, em novos produtos. 4 Recusar: Produtos que prejudicam o meio ambiente e a saúde. 5 Repensar: Hábitos de consumo e descarte. As primeiras pilhas de tijolos fabricadas neste processo foram compradas pela Associação Reciclázaro para a construção da segunda Central de Triagem Galpão Verde Sustentável, que formará uma nova cooperativa de reciclagem para ampliar a atuação e a possibilidade de trabalho e renda para um grupo de noventa pessoas que se encontram em situação de risco social. 26 s i s t e m a t i z a ç ã o de ex p e r i ê n c i a s g e r a ç ã o de tr a b a l h o e r e n d a 27

O solo, o cimento e as nossas mãos Convocam-se membros da rede de serviços socioassistenciais da Reciclázaro, da rede de parceiros e pessoas da comunidade que estejam interessadas em aprender a técnica de fabricação do tijolo, oferecendo-lhes participar de um processo de capacitação e a possibilidade de gerar sua própria renda a partir da produção. Após período de capacitação que compreende formação teórica e prática, a Reciclázaro oferece a estrutura física e equipamentos para a sua fabricação. Os tijolos prontos são vendidos para organizações, residências e empresas parceiras motivadas a adquiri-los pelo valor social e ambiental que estes agregam às suas construções e pela redução dos custos da obra. Fabricação de tijolos: Eu que fiz! Técnica inovadora. Ecologicamente correto. Baixo custo de produção. Baixo custo de construção das casas. Técnica de fácil compreensão. Gera vínculos. Desenvolve habilidades. Promove a participação. Oferece qualificação profissional. Gera renda. Mercado apto para ser explorado. Fique por dentro! Você Sabia? O custo final da construção de uma casa feita com tijolo ecológico pode ser reduzido em até 50% em relação a uma casa feita de alvenaria convencional. Isto porque consome menos materiais (areia, cimento, pedra), a fixação entre os tijolos pode ser feita usando somente uma cola, leva menos tempo de construção, permite que seja feito em regime de mutirão e exige apenas uma rápida capacitação técnica da mão de obra. Além das vantagens econômicas, o conforto térmico e acústico é muito superior ao das construções convencionais. O processo de capacitação vai além de oferecer qualificação profissional para um grupo de pessoas, ele desenvolve competências pessoais e gera novos comportamentos. Processos formativos requerem a adaptação metodológica e pedagógica de acordo com o tipo de população participante. A oportunidade de adquirir conhecimento técnico e a partir desse, obter um produto concreto promove o espírito empreendedor entre os participantes A simplicidade da técnica faz com que as pessoas consigam se apropriar dela, completem o ciclo de trabalho e obtenham um produto elaborado por eles mesmos, melhorando a autoestima e gerando maior autonomia. Participar de um grupo de trabalho atua como fator de proteção frente às situações de risco. A diversidade dos participantes contribui para a ampliação das redes subjetivas promovendo novos relacionamentos e vínculos. 28 s i s t e m a t i z a ç ã o de ex p e r i ê n c i a s g e r a ç ã o de tr a b a l h o e r e n d a 29

Ga s ô m e t r o : d e Mo r a d o r de Ru a a Ar t e s ã o Excluídos do sistema formal de emprego, porém capazes e competentes, muitos homens e mulheres têm se capacitado no Gasômetro, redescobrindo habilidades, aprendendo novas, sendo valorizados pelo que têm e nunca julgados pelo que lhes falta. São artistas que convertem o lixo em arte com a mesma coragem com a que deixaram a vida de rua, para viver a vida de artesão. Encontram no bairro do Brás um espaço para aprender, criar vínculos e gerar sua própria renda. Além de, para muitos, ser um espaço terapêutico no qual dividem suas histórias, e redesenham seus caminhos. Vindos da rede socioassistencial da Reciclázaro e outros serviços da cidade, as pessoas participam das mais diversas oficinas já existentes no espaço ou apenas procuram um recinto para desenvolver o artesanato que já praticam. O Núcleo possui oficinas de marchetaria, costura, pintura em cerâmica, marcenaria, vidro moldado, silkscreen, esculturas de PET, decoração de ambientes com reutilização A venda e os clientes Os produtos são elaborados a partir das sucatas provenientes de doações de empresas, vizinhança e cooperativas de reciclagem. Utiliza-se uma metodologia mista na qual se combina a venda direta entre o artesão e o cliente com a venda intermediada pelo Gasômetro. Ambas as estratégias fazem com que o artesão receba seus lucros conforme o seu trabalho e o projeto permaneça sustentável. de sucatas, corte e vinco e terceirização de mão-de-obra para montagens de brinquedo e pregadores. O aprendizado das diversas técnicas, o espaço para se desenvolver e os trabalhos em equipe são aliados na construção da ponte entre os centros de acolhida e a vida autônoma que poderão alcançar. A capacitação é feita através da multiplicação entre todos, os que dominam uma técnica ensinam aos que ainda não a conhecem e assim por diante, partindo do principio de que todos possuem um conhecimento que merece ser dividido com os outros. Os requisitos do mercado apresentam novos desafios a cada dia, fazendo com que os produtos elaborados estejam sempre em processo de qualificação, pois não basta fazer, é necessário fazer bonito. Isto é muito positivo, porque embora às vezes exija mais esforço e traga algumas resistências, os motiva para o aprendizado de novas técnicas e possibilita novas conquistas. Esse é um lugar de passagem, as pessoas aprendem técnicas de bom gosto, comerciais, usando sucatas como matéria prima, podendo desenvolvê-las em qualquer lugar onde forem, gerar renda com resíduos fáceis de encontrar e baixo custo. Cla u d i a, artista e coordenadora do Gasômetro Colar de vidro reciclado (p o r c l á u d i a s o a r e s c a s s i a n o ) COMO FAZER Escolhendo o lado do vidro Pegue um quadradinho de vidro e pingue uma gota de água na superfície. Levante o vidro e observe como a água escorre, faça isso nos dois lados do vidro, o lado que formar um caminho sem falhas será usado para a pintura. Corte do pingente de vidro Escolha um pedaço de vidro de aproximadamente 10 x 15 cm. Lave o vidro com detergente e seque. Forre a mesa com jornal embaixo e a folha de sulfite por cima, coloque o vidro sobre a folha branca. Com a régua de aço e a caneta ponta porosa me-dir quadrados de 3 x 3 cm. Apoiar a régua nas linhas, passar o riscador de vidro com movimentos precisos uma só vez em cada risco. Posicione o alicate de abrir vidro na extremidade dos riscos e corte. Use o alicate debastador para cortar pequenos detalhes. Limpe com álcool para retirar as marcas da caneta. Preparação da tinta e pintura do vidro Divida os vidros em pares, pinte somente um vidro de cada par. Pegue o potinho plástico coloque duas colheres de tinta de vidro em pó. Coloque água aos poucos (gotas) até formar um líquido grosso e pastoso (mingau). Com o pincel redondo pegue um pouco desta tinta e coloque sobre o quadradinho de vidro sem deixar encostar as cerdas do pincel até cobrir todo o vidro com a tinta e deixe secar. Preparação do pingente para colocação no forno Forre a mesa com jornal e coloque a placa de cerâmica e polvilhe caulim em pó, utilize uma peneira para colocar o pó na placa. Posicione os vidros pintados sobre esta placa deixando um espaço entre eles, a parte pintada para cima. Coloque sobre cada vidro pintado o par, formando um sanduiche de vidro e coloque no forno de vidro a 800º durante 3 horas. Retire do forno após esfriar totalmente (cerca de 24 h). Montagem do colar Lave as peças com detergente e seque. Prepare uma pequena quantidade de araldite e cole um tubinho na parte detrás de cada pingente, espere secar (10 minutos). Corte três pedaços de fio encerado com 80 cm de comprimento. Passe os fios dentro do tubinho do pingente. Prenda um terminal de metal em cada ponta com três fios. Com o auxílio do alicate de bico coloque uma argolinha dentro de cada terminal. Na ponta da direita coloque o gancho. MATERIAIS Forno de vidro (temperatura mínima 900º) Aparas de vidro de 2 mm de espessura Riscador de vidro com ponta diamantada com compartimento a querosene Alicate de abrir vidro Alicate debastador (bico de pato) Tinta em pó efeito bolha para vidro Régua de aço com 30 cm Caneta ponta porosa preta Álcool Bisnaguinha plástica para colocar água Pincel redondo pequeno Colher de sopa e de café Peneira fina pequena Potinho de vidro Placa de cerâmica Caulim (argila em pó) Cola araldite 10 minutos Jornal velho (forrar mesa) Uma folha de sulfite Detergente neutro Pano de limpeza Fio encerado cor neutra (preto, cru, etc.) Tubo de metal com 3 mm de diâmetro e 1 cm de comprimento Terminal de metal médio para bijuterias Argolinhas tamanho médio Ganchos tamanho médio Alicate de bico para bijuterias Tesoura Mar i a Lu i z a, Su a s Pi n t u r a s e Su a História A Maria Luiza era uma pessoa com transtorno mental grave, chegou ao Gasômetro encaminhada pela casa de Marta e Maria, não queria ficar perto de ninguém, achava que todos a olhavam mal e sempre discutia. Trabalhou-se com ela enquanto ela tentava, sem sucesso, recuperar os filhos que estavam em um abrigo. Ela pintava muito, era a forma que encontrava de olhar para dentro de si, e foi melhorando. Aos poucos foi fazendo amizade com as pessoas, se identificando com outras mulheres, passou a ensinar o que sabia para fazer aquele trabalho. Depois de um tempo no núcleo alugou um quarto e levou os filhos para morar com ela. Alguns dias após a saída dela do Gasômetro, a coordenadora do Núcleo recebeu um telefonema de uma moça pedindo referencias para empregar a Maria Luiza. 9 dicas para trabalhar geração de renda com população em risco social 1 Não imponha, escute o que o artesão gostaria de fazer e juntos ajustem o produto ao que o comércio procura. 2 Quando estiver num ponto de venda, promova a relação do artesão com os compradores. 3 Possibilite encontros entre artesãos e clientes, sem intermediários. 4 Faça com que o artesão experimente todas as áreas. 5 Permita as eventuais frustrações quando algo não sai como planejado. 6 Promova as capacidades, elogie quando o trabalho está bem feito. 7 Construa regras coletivamente e exija o seu cumprimento. 8 Acredite no ser humano produtivo que está se descobrindo. 9 Lembre-se, sempre é possível dar uma segunda chance.

A Casa São Lázaro começou com a iniciativa de criar oficinas de geração de emprego e renda para as pessoas que abrigava. Desde o início aproveitava-se de doações de materiais recicláveis e parcerias que permitiram obter alguns equipamentos. Os resultados foram muito visíveis e os impactos muito positivos, dando origem ao Centro de Acolhida com Inserção Produtiva, projeto que virou política pública apoiada pela SMADS em 2008. Ca s a Sã o Lá z a r o : Ce n t r o de Ac o l h i d a com Inserção Produtiva Quem diz que não tem lugar? Quem diz que não tem o que dar? Quando um espaço que promove o desenvolvimento do ser humano integral se encontra com a pessoa que está procurando o seu lugar, tem tudo para dar certo. Dar certo não é conseguir, dar certo é tentar. Tentar com a convicção e a confiança de que é possível. A Casa São Lázaro às vezes não tem vaga, mas tem lugar, e o povo que está na rua, às vezes não sabe, mas tem o que dar. Porque ficaram sabendo por colegas ou foram encaminhados pela rede de referencia da cidade, eles, homens adultos em situação de vulnerabilidade social, batem a porta em procura de abrigo; para passar a noite ou mais alguns dias. Com o auxílio da equipe multidisciplinar e a participação ativa do convivente, durante o processo de acolhida traçase o projeto de vida, onde ele estipulará o que se propõe atingir, como e em quanto tempo. Diversas situações aparecem nestes encontros, onde, a cada demanda explícita, subjazem outras implícitas, que, para serem identificadas e efetivamente trabalhadas, requerem escuta qualificada e atenção diferenciada, ambos os aspectos que caracterizam o atendimento desta Casa. O centro de acolhida oferece atenção às necessidades básicas e intervêm individual e grupalmente. Fornece atendimento social e psicológico, orientações para o cuidado da saúde, atividades de lazer e cultura, disponibiliza espaço para reuniões de autoajuda e contém um programa de inserção produtiva que atravessa todo o processo. A inserção produtiva é um processo amplo que contém não só o aperfeiçoamento de habilidades técnicas senão também a possibilidade de adquirir habilidades para a vida. Para contribuir no desenvolvimento do ser produtivo e do cidadão pleno, a Casa São Lázaro em parceria com a SMADS do município, promove as seguintes atividades: Elevação escolar Através de um processo colaborativo de ensino-aprendizagem, a proposta visa promover o trabalho em equipe, melhorar a capacidade cognitiva na interpretação de fatos e de conteúdos relacionados à vida cotidiana, reforçar a oralidade e desenvolver as diferentes formas de expressão assim como introduzir temas atuais que evoquem à formação do pensamento critico e a participação ativa como cidadão. Inclusão digital A inclusão digital oferece um universo a ser descoberto e ao mesmo tempo em que o polegar e o indicador conseguem se ajeitar sobre o teclado, eles conquistam o seu lugar no ritmo do mundo moderno. Alguns desistem, outros insistem. Pela internet, tudo parece possível, se informam e atualizam, leem e escrevem, jogam e pesquisam, fazem amizades e se relacionam. Entre avanços e dificuldades ganham confiança e recuperam a autoestima, sentem-se incluídos e descobrem-se capazes, além de dividir espaços com outras pessoas fomentando os vínculos e a cooperação entre os conviventes. Energia e equilíbrio Promovendo a saúde e o bem-estar, alguns conviventes participam da terapia de reiki oferecida por por uma voluntária no centro de convivência. Essas sessões promovem o autoconhecimento e ensinam técnicas de relaxamento e controle das emoções negativas, o que tem contribuído para minimizar as tensões e aumentar a energia positiva nas pessoas e no ambiente. Dinâmicas socioeducativas A equipe técnica que acolhe e acompanha os processos individuais, sistematiza as demandas e oferece oficinas sobre assuntos de atualidade, orientação para a procura de emprego e questões relacionadas à saúde, higiene, autoestima, qualidade de vida, entre outras. Oficinas de capacitação e geração de trabalho e renda A permanência das pessoas no espaço está diretamente relacionada com a adesão à proposta pedagógica que apresenta o centro, isto é, a inserção nas oficinas de geração de trabalho e renda, que admite dois tipos de participação: somente capacitação ou capacitação e produção, e nesse caso, recebem a renda derivada da comercialização dos produtos. 34 s i s t e m a t i z a ç ã o de ex p e r i ê n c i a s g e r a ç ã o de tr a b a l h o e r e n d a 35

Do bom e do melhor Loja social Acompanhando a moda e as tendências do mercado e identificando as competências diferenciadas que cada convivente possui, cria-se um variado leque de oficinas com capacidade para sessenta pessoas, fazendo com que conheçam diferentes técnicas, se identifiquem com algumas, aprimorem suas habilidades e se destaquem pela suas capacidades. Costura: Confecção de bolsas e almofadas com aplicação de retalhos de tecido. Tapeçaria: Produção de tapetes com aplicação de retalhos. Caixas artesanais: Confecção de caixas artesanais, base de papelão prensado. Tetra Pack: Reaproveitamento de caixa de leite, transformando em embalagem para presente, bolsas, carteiras, entre outras. Mosaico: Produção de peças artesanais, com aplicação de mosaico. Reciclagem de vidro: Elaboração de peças artesanais a partir da reciclagem do vidro. Jateamento de Vidro: Produção de peças jateadas em vidros planos ou em garrafas. Móveis de papelão: Reaproveitamento de papelão para confecção de móveis. Ponto de venda de itens pessoais, decorativos e de utilidade doméstica, fruto do Programa de Incentivo à Rede de Comércio Solidário da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, o qual oferece um espaço para que os artesãos das entidades sociais conveniadas exponham e comercializem seus produtos. Rua Líbero Badaró, 561, Centro De segunda a sexta, das 9 h às 17 h Visite-nos! 36 s i s t e m a t i z a ç ã o de ex p e r i ê n c i a s g e r a ç ã o de tr a b a l h o e r e n d a 37

3. intervenção comunitária Nascidos em uma comunidade, havendo descoberto o potencial transformador que as pessoas, os grupos e as instituições coletivas têm, a Reciclázaro trabalha o ser humano a partir de sua história e suas condições de vida que estão diretamente relacionadas ao espaço do qual proveem. Nesse sentido, fazer o vínculo da pessoa com a sua comunidade de referência é fundamental para a promoção do ser humano integral, que começa por uma nova relação com a sua subjetividade e se reconhece dentro de um espaço. Nesse cenário, adota-se o modelo de tratamento comunitário, criado a partir de diversos trabalhos de organizações da América Latina, no qual se inclui a prática da Reciclázaro, com o apoio da Cáritas Alemã e da Unesco, que vem a agregar novos conceitos e novos olhares enriquecendo o trabalho que a organização já fazia. A implementação de novas ferramentas construídas e sistematizadas a partir do trabalho de outros atores tem promovido novas discussões entre as equipes e com isto, novas formas de trabalho, ampliando o olhar e melhorando a cada dia a interação junto às pessoas com as quais se intervém.