Vicente Salles: perspectivas de um historiador da música no Brasil

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Transcrição:

Vicente Salles: perspectivas de um historiador da música no Brasil Karla Oliveto Universidade de Brasília e-mail: karlaoliveto@yahoo.com.br Beatriz Magalhães Castro Universidade de Brasília e-mail: beatriz@unb.br Sumário: O trabalho aborda aspectos da vida e da produção intelectual de Vicente Salles (Capiri, Pará: 1931). Aspectos formais e informais na formação de Salles, identificados nas entrevistas com o historiador, denotam características e particularidades de suas pesquisas sobre música brasileira, coerentes com a abrangência da sua produção, conhecida através da publicação de livros, artigos, edições, gravações, além de publicações em jornais e revistas. Apesar de não se considerar musicólogo, sua contribuição é considerada fundamental para a musicologia brasileira. Discute-se portanto se estas características e particularidades não antecipariam abordagens teóricas das ditas novas musicologias, e se tais processos não seriam inerentes ao estudo musicológico em países multirraciais e multiétnicos como é o caso brasileiro. Palavras-chave: Vicente Salles; biografia; metodologia; música; musicologia; história oral; novas musicologias. O presente trabalho pretende abordar aspectos da vida e da produção intelectual de Vicente Salles (Capiri, Pará: 1931 - ). O estudo, desenvolvido no âmbito de dissertação de mestrado em andamento, concentra-se em três aspectos e áreas de investigação inter-relacionados: 1. Aspectos biográficos: conceitos e métodos referentes à coleta e tratamento de dados sobre a formação pessoal e intelectual do historiador; 2. Aspectos sobre o conjunto da obra: áreas de atuação, tipos de produção e abrangência; 3. Aspectos metodológicos: conceitos e métodos referentes à(s) metodologia(s) de pesquisa empregadas. Esta divisão foi necessária devido, de uma parte, à abrangência de sua produção, e de outra, a dados obtidos através de entrevistas abertas 1 nas quais Salles afirma recorrentemente julgar não ser um musicólogo 2. 1. Biografia, relato biográfico, biografia musical: alguns conceitos Na abordagem dos aspectos biográficos foi necessária a conceituação e estabelecimento de enquadramentos metodológicos apropriados aos processos de construção de biografias para 1 As duas primeiras entrevistas foram realizadas em dezembro de 2001e em março de 2002, com 2 e 3 horas de duração, respectivamente. No ano de 2005 foram realizadas cinco entrevistas, sendo uma em junho e quatro em agosto, com uma média de duas horas de duração para cada (à exceção da de junho de 2005, cuja duração foram aproximados 40 minutos). Todas as entrevistas aconteceram na residência de Vicente Salles, em Brasília, DF. Estas totalizam cerca de 14 horas. 2 Na visão de Salles, exposta em entrevista, ser musicólogo exige atribuições que não possui, como ler fluentemente uma partitura, tocar um instrumento, ter formação como músico. - 983 -

delimitar a sistematização e tratamento dos dados obtidos em 14 horas de entrevistas realizadas na residência do autor, e no material bio-bibliográfico disponibilizado pelo mesmo. Na construção biográfica suscitam ainda questões adjacentes tais como: A qual área de estudo se liga o gênero biográfico? Que tipo de problemática enfrenta aquele que escreve uma biografia? Qual a metodologia mais adequada ao pesquisador? Os referenciais utilizados incluem Levi (2005), Bourdieu (2005), Amado & Morais (2005) e Alberti (2004), que abordam estudos gerais sobre o gênero biográfico. No entanto, detectou-se a necessidade de exploração de uma especificidade do gênero biográfico, qual seja, a biografia musical. Segundo Solomon 3, esta inclui indivíduos envolvidos na criação, produção, disseminação e recepção da música, assim como compositores, intérpretes, libretistas, editores, fabricantes de instrumentos, mecenas, amantes da música, eruditos e escritores 4. Nesse sentido, esclarece-se a inclusão de Salles como protagonista de uma possível biografia musical. A base teórica sobre essa variante do gênero biográfico recaiu nos estudos de Lenneberg (1988) e Salomon (op. cit.). A partir desses autores, estabelece-se que a função da biografia é tentar entender como o contexto social molda o indivíduo, considerando os episódios nos quais o indivíduo tenha participado, os aspectos psicológicos e mentais, bem como os produtos de sua criatividade 5. Bourdieu explora a relação entre biografia e contexto, criticando a visão simplista com a qual é concebida e aceita a história de vida, e observa: não podemos compreender uma trajetória (...) sem que tenhamos previamente construído os estados sucessivos do campo no qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado pelo menos em certo número de estados pertinentes ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis. (Bourdieu 2005: 190). Unida à interseção da história com a literatura, e à instabilidade da personalidade humana, há uma série de outros obstáculos em discussão com relação ao tema, dentre os quais se destacam a visão do biógrafo (aquele observador que pode manipular inconscientemente os fatos, já que escrever uma história de vida implica reconstruir e reinterpretar os mesmos) e o problema metodológico. Desta forma, torna-se fundamental o conhecimento dos costumes, o modo de pensar, a cultura e os diversos aspectos da vida em questão. Estes dados podem ser obtidos através de fontes auxiliares, como cartas, diários, portfolios e outros documentos. (Lenneberg, 1988: 4-5). Diante dessas explanações, surgem questões como: será possível escrever sobre alguém se mantendo fiel à realidade do sujeito biografado? Será possível construir uma narrativa verossímil sobre a vida de uma pessoa levando em conta aspectos subjetivos do indivíduo? O gênero continua se desenvolvendo e se fortalecendo como área, a partir da qual vêm sendo propostos variados formatos para uma escrita biográfica. Esses formatos apontam para diferentes focos, tais como a descrição de um comportamento representativo de um grupo social, a ilustração de um contexto social e histórico, a retratação de uma época, o estudo de padrões culturais e o estudo das margens da sociedade, entre outros. Portanto, a importância desse tipo de trabalho não é meramente relatar uma história de vida, mas principalmente inseri-la num contexto, realizando um trabalho investigativo e de reconstrução, de maneira a contribuir com algum setor do conhecimento humano. 3 Solomon, Maynard. Biography. Grove Music Online. Disponível em: <http.www.grovemusic.com> Acesso: 10 fevereiro 2006. 4 Solomon, Maynard, Op Cit. 5 In Solomon, Op. Cit. - 984 -

2. Produção intelectual e ideologia: aproximações entre vida, práticas e métodos Na abordagem dos aspectos pertinentes ao conjunto da obra, foi necessária a conceituação e estabelecimento de enquadramentos metodológicos apropriados por verificarmos que a produção intelectual de Vicente Salles se estende a domínios historiográficos, antropológicos, literários e musicais, incluindo história, humor e caricatura, literatura (contos, novela, artigos, poemas), teatro e histórias infantis, 6 folclore, música, estudos sobre o negro no Pará, entre outros. Dada esta amplitude, este estudo foi delimitado à sua produção na área da música englobando o que é hoje denominado como as áreas da musicologia e da etnomusicologia. No entanto, julgou-se relevante o ajuste desta produção dentro dos paradigmas das novas musicologias 7, suscitando ainda um estudo aprofundado das metodologias por ele empregadas. O envolvimento de Salles com a pesquisa e a divulgação da música nacional o torna uma figura assimilada à musicologia, uma vez que tem oferecido contribuições relevantes a essa área, demonstrado desde já pelo fato de ocupar a cadeira no. 2 da Academia Brasileira de Música 8. No entanto, contraditoriamente ao exposto, ele refuta s sua classificação profissional como musicólogo. Não obstante buscamos entender as razões pelas quais o historiador fez ou faz da música um de seus campos de pesquisa, e qual é ou quais são os paradigmas utilizados na sua metodologia. Através dos dados obtidos, foram identificados dois tipos de formas de aprendizado na formação de Salles: aquela formal e aquela informal. Bacharel em Ciências Sociais pela Faculdade Nacional de Filosofia (Rio de Janeiro, 1966), segundo Salles, essa experiência acadêmica o ajudou primordialmente a metodizar a sua pesquisa em música. No entanto, os aspectos autodidatas são revelados quando contrapostos a uma espécie de instinto ou curiosidade científica, que segundo ele,...caminha junto com o conhecimento científico e acadêmico, ampliando-os. É verificado ainda que o ambiente social e doméstico teve forte influência no seu aprendizado informal como pesquisador e nas temáticas de sua obra. Vicente Salles é sobrinho de compositor, e neto de cantador de cordel. Através de sua mãe conheceu a modinha, e a música em sua infância esteve também presente na prática do canto coral (na igreja e na escola), prosseguindo num contato com a clarineta e o violino, e na participação numa banda de música. No entanto, Salles diz aproveitar todos os temas relativos ao ser humano. Ao abordar a música como um fenômeno sócio-cultural contextualizado, pode a partir do estudo de um objeto musical facilmente incluir outros aspectos da cultura, como o teatro, o folclore, a história e a política. O mesmo processo, segundo Salles, pode ser ainda invertido, partindo de uma dada manifestação cultural ir ao encontro de um objeto musical. Sua pesquisa torna-se portanto abrangente, nunca abandonando os temas que cercam o objeto principal, que podem tornar-se vertentes e/ou focos de novas pesquisas. Na aquisição propriamente dos dados do seu processo de pesquisa, sua metodologia inclui a confecção de índices temáticos, anotações, fichamentos e mapeamentos. No entanto, destaca-se desde já que o seu trabalho na área de música não diz respeito à análise de partituras nem a nada que se relacione ao texto musical no senso estrito. Quando necessita em algum trabalho fazer uma transcrição de uma gravação, conta com a ajuda de um músico profissional, normalmente a sua esposa, a violinista Marena Salles. Segundo Academia Brasileira de Música, A música e o tempo no Grão-Pará 9 seria a grande contribuição que o pesquisador, antropólogo e folclorista deu à musicologia brasileira 10. No 6 Extraído da Bibliografia Geral de Vicente Salles, documento compilado pelo autor. Brasília, 2002. 7 A partir do verbete Musicology. In: The New Grove Dictionary of Music and Musicians, além dos autores Pinto e Kerman. 8 Cadeira nº 02: Patrono, Luis Álvares Pinto; Fundador, Fructuoso Viana; 1º Sucessor: Waldemar Henrique. 9 Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1980. - 985 -

entanto, e como exemplo do seu modelo de trabalho, Salles afirma: É aparentemente uma história da música, mas não é. Ali entra sociologia, etnografia e uma série de informações que auxiliam as outras disciplinas, porque há outro sentido que a universidade nos dá da visão das coisas. 11 3. Considerações finais Estas questões nos remetem a uma nova conceituação sobre a construção de histórias da música e dos objetos de estudo da musicologia. Se inicialmente, a musicologia poderia estar definida a partir dos métodos (a disciplina) ou do objeto de estudo (o fenômeno musical), uma visão que centre o objeto de estudo no homem (o agente produtor), propicia uma interdisciplinaridade entre a música e outras áreas do conhecimento, dentre elas a sociologia e a antropologia 12. De acordo com essa terceira visão, poderíamos afirmar que mesmo não se considerando um musicólogo, Vicente Salles trabalha dialogando com a área, fortalecendo perfis já inovadores com a sua contribuição intelectual. Estes dados e a discussão proposta podem contribuir para uma melhor compreensão de processos de estudo em música especialmente no caso brasileiro, onde a multiplicidade das práticas musicais tende a exigir novos paradigmas conceituais para o seu estudo. Não estariam portanto estas práticas musicológicas inerentes nos processos musicais da cultura brasileira? Este multiplicidade não exigiria desde a sua raiz novos conceitos e supostamente novos perfis de trabalho musicológico? Já não teríamos exemplos destas supostas novas abordagens prefiguradas no trabalho intuitivo/científico de Vicente Salles? Seria este um perfil adequado para uma abordagem da música de países possuidores de diversidades multirraciais como é o caso Brasileiro? Pretendemos contribuir, a partir da obra do historiador na musicologia brasileira, e de uma ótica interna, para uma reflexão dos processos talvez mais adequados para o tratamento dos objetos de estudo em música em países como o Brasil. 10 http://www.abmusica.org.br. Acesso: 30 maio 2006. 11 Entrevista realizada em 2001, na residência de Salles, em Brasília. 12 The New Grove Dictionary of Music and Musicians, op. cit, pp 836. - 986 -

Referências Bibliográficas Academia Brasileira de Música. Disponível em: http://www.abmusica.org.br/ Acesso: 30 maio 2006. Alberti, Verena. Manual de história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2004, segunda edição revista e atualizada Amado, Janaína e Ferreira, Marieta Moraes (coord.). Usos & Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 7 ed, 2005. Bourdieu, Pierre. A ilusão biográfica. In: Usos & Abusos da História Oral. Amado, Janaína e Ferreira, Marieta de Moraes (coord.) 7. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. Dicionário Básico da Língua Portuguesa, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Nova Fronteira, 1988. Dicionário de Música Zahar. Zahar Editores e Luiz Paulo Horta, Rio de Janeiro, 1985. Kerman, Joseph. Musicologia. São Paulo: Martins Fontes, 1987. Levi, Giovanni. Usos da biografia. In: Usos & Abusos da História Oral. Amado, Janaína e Ferreira, Marieta de Moraes (coord.) 7. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. Lenneberg, Hans. Witnesses and Scholars: Studies in Musical Biography. Gordon and Breach Science Publishers, 1988. The New Grove Dictionary of Music and Musicians. Ed. Stanley Sadie. London: Macmillan, 1981. Pinto, Tiago de Oliveira. Considerações sobre a musicologia comparada alemã experiências e implicações no Brasil. In: Boletim da Sociedade Brasileira de Musicologia, ano 1, n.1, pp 69-106. São Paulo: Novalunar, 1983. Salles, Vicente. Bibliografia Geral. Documento compilado pelo autor. Brasília, 2002. Solomon, Maynard. Biography. Grove Music Online. Disponível em: <http.www.grovemusic.com> Acesso em 10 fevereiro 2006. - 987 -