Doutrina Aspectos Polêmicos da Guarda Compartilhada WALDYR GRISARD FILHO Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, Membro do Instituto dos Advogados do Paraná e do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Professor da Faculdade de Direito de Curitiba UniCuritiba, Membro da CEJA/PR, Vice-Presidente do IBDFam/PR, Advogado em Curitiba. As questões mais difíceis de todo o Direito de Família são, sem dúvida, as questões relativas à guarda de filhos de pais que não convivem. Até recentemente, de forma percentualmente elevada e sistemática, diria quase mecânica, os filhos de pais separados submetiam-se à guarda exclusiva de um dos pais em especial à mãe ou alternadamente conviviam um espaço de tempo, mais ou menos igual, com um e outro dos pais. No primeiro modelo, o pai que não tivesse os filhos em sua companhia e guarda exercia o chamado direito de visitas, hoje convivência, um exercício lateral da autoridade parental. No outro, ao final de cada período, os papéis se invertiam. Em qualquer deles, porém, competia ao pai pagar os alimentos. Esse sistema sofreu críticas, enquanto baseado na culpa de um dos cônjuges pelo rompimento do vínculo matrimonial. O culpado era privado do exercício da guarda, tornando-se incapaz do exercício da paternidade. Hoje, porém, o contexto social evoluiu e provocou mudanças comportamentais de vulto. O divórcio, hoje, é uma etapa comum do ciclo vital do casal, aceito por todos com naturalidade. A culpa deixou de ser o elemento sancionador das desuniões e as separações não mais são requisitos à dissolução do vínculo matrimonial. A par e acima disso, a igualdade entre os cônjuges criou uma simetria de papéis, tornando impossível negar sua redistribuição. As mudanças de comportamento exigiram o estabelecimento de novos padrões de guarda, que assegurassem a igualdade dos pais no exercício da parentalidade e aos filhos o direito de serem criados e
educados por ambos os pais em convivência familiar, ou seja, desenvolvida no interesse superior destes. Assim, ao lado dos modelos tradicionais de guarda, surgiu o da guarda compartilhada, que cumpre esses objetivos. Primeiramente, por inferência da doutrina e da jurisprudência e, recentemente, há pouco mais de dois anos, por determinação legal: a Lei nº 11.698/2008, na consagração dos princípios constitucionais da igualdade dos cônjuges ou companheiros em direitos e deveres no exercício conjunto da autoridade parental, da paternidade responsável, do planejamento familiar, da convivência familiar e comunitária, sobretudo do melhor interesse da criança e do adolescente. Novidade que já foi distante da cultura nacional, mais vivenciada no presente, cobra dos operadores do Direito cuidadosa atenção. A proposta deste trabalho resulta na necessidade de discutir novos paradigmas legais sobre o exercício da autoridade parental, os acertos e as dificuldades na aplicação de novas leis, notadamente a da guarda compartilhada.
RDF Nº 63 Dez-Jan/2011 PARTE GERAL DOUTRINA 93 Nesse passo, é de interesse examinar algumas questões relativas à sua efetividade. Deriva da ementa da nova lei instituir e disciplinar a guarda compartilhada, como razão de sua sanção a expressa provisão do reconhecimento do direito fundamental do menor de idade à convivência familiar e à manutenção do duplo vínculo da filiação, reafirmando aos pais a importância que o Estado atribui a esses direitos. Em atenção a esses princípios, ditou o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, antes mesmo da nova lei, que sendo um direito primordial da criança conviver pacificamente tanto com o pai quanto com a mãe, ainda quando sobrevém a separação do casal, tem-se a guarda compartilhada como um instrumento para garantir esta convivência familiar. É fundamental para um bom desenvolvimento social e psicológico que a criança possa conviver sem restrições com seus genitores, devendo a decisão a respeito da guarda de menores ficar atenta ao que melhor atenderá ao bem-estar dos filhos dos casais que estão a se separar. (TJSC, AC 2004.015747-9, 1ª CDCív., Rel. Des. Carlos Prudêncio, DJ 27.03.2008) Esse aspecto da lei remete ao tema mais polêmico do novel modelo de guarda, que passa a ser opção preferencial na sua determinação, tanto no consenso como no litígio entre os pais. Dispõe a respeito o 2º do art. 1.584 do Código Civil, com a redação dada pela Lei nº 11.698/2008: Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada. Assim, frustrada a conciliação entre os pais, renunciando a prerrogativa de acordarem sobre a guarda dos filhos, cabe ao juiz defini-la, aplicando a guarda compartilhada como lhe impõe a lei. O debate principal fica por conta de que a fixação da guarda compartilhada somente será possível quando houver diálogo, harmonia e civilidade entre os pais, ou seja, somente por acordo entre
os pais. Essa é uma tendência dos Tribunais: A adoção do sistema de guarda compartilhada só é recomendável se existir entre os genitores uma relação marcada pela harmonia, onde não existam disputas nem conflitos (TJRJ, Processo nº 200700118864). Nesse mesmo sentido, manifestou-se o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (AC 70005760673, 7ª C.Cív., DOERS de 26.03.2003): 1. Não é a conveniência dos pais que deve orientar a definição da guarda, mas o interesse do filho. 2. A chamada guarda compartilhada não consiste em transformar o filho em objeto, que fica à disposição de cada genitor por um semestre, mas uma forma harmônica ajustada pelos genitores que permita ao filho desfrutar tanto da companhia paterna como da materna, num regime de visitação bastante amplo e flexível, mas sem que o filho perca seus referenciais de moradia. Para que a guarda compartilhada seja possível e proveitosa para o filho, é imprescindível que exista entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, onde não existam disputas nem conflitos. 3. Quando o litígio é uma constante, a guarda compartilhada é descabida.
94 RDF Nº 63 Dez-Jan/2011 PARTE GERAL DOUTRINA Entretanto, a guarda compartilhada passa a ser a opção preferencial da lei, para ser aplicada justamente nos casos de dissenso entre os pais: É cediço que o escopo do instituto da guarda compartilhada traz em seu âmago assegurar o interesse do menor, mesmo que em descompasso ao querer volitivo de seus genitores (TJES, AC 045069000078, 3ª C.Cív, Rel. Des. Alinaldo Faria de Souza, DJ 05.12.2006). Ao referir-se a lei aos modos de determinação da guarda unilateral ou compartilhada, por consenso ou por decreto, o Magistrado restou autorizado a fazê-lo, atentando unicamente às necessidades específicas do filho, ou seja, ao que melhor atende a seus interesses, não constituindo o consenso requisito essencial a tanto. De outra sorte, não será a guarda unilateral que fará desaparecer o litígio, ao contrário, é ele instrumento incrementador do exercício da potestade de um dos pais, quando um desqualifica o outro na frente dos filhos. Não é o litígio que impede a guarda compartilhada, mas o empenho em litigar, que corrói impiedosamente a possibilidade de diálogo e que deve ser impedido, pois, diante dele, nenhuma modalidade de guarda será adequada ou conveniente. É bastante frequente, nas Varas de Família, verificar-se a ampliação do litígio e a formulação de falsas acusações, a implantação de falsas memórias na mente do menor, para impedir que a guarda seja compartilhada. Deve-se lembrar que o conflito é dos adultos e entre os adultos, no âmbito da conjugalidade, não no da parentalidade. Se os filhos ficam com um só dos pais, passam a integrar o conflito e a ser usados como instrumento de vingança ou como incentivador à barganha por mais e maiores vantagens materiais. O 2º do art. 1.584 do Código Civil, na sua atual redação, dá o conteúdo necessário para retirar os filhos das disputas entre os pais e dos problemas da separação deles. Afasta qualquer medo à atribuição da guarda compartilhada a função pedagógica exercida pelo juiz, informando em audiência ao pai e à mãe acerca do significado de guarda compartilhada, sua
importância, a igualdade de direitos e deveres atribuídos a cada um dos pais e as sanções a que se submetem pelo descumprimento das cláusulas estabelecidas. Nesse sentido, enunciava o Conselho Federal de Justiça (335) caber ao juiz estimular os pais à prática da guarda compartilhada. Além disso, para estabelecer essas atribuições, o juiz deve valer-se de orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar. Quem, ainda, tem medo da guarda compartilhada?
RDF Nº 63 Dez-Jan/2011 PARTE GERAL DOUTRINA 95 Aplicada a guarda compartilhada à falta de interesse dos pais em determiná-la por consenso, a um deles ou à terceira pessoa que com o menor tenha algum vínculo de parentesco, afinidade ou afetividade, obrigará os pais a conciliar e a harmonizar suas atitudes e interesses, conciliando os melhores interesses da criança. Evita exaltar a excelência de um e decretar o fracasso do outro, não determinando ganhadores nem perdedores. Resta um só vitorioso, o menor, a quem é assegurado um direito fundamental seu, o convívio familiar. Direito fundamental indisponível aos pais e ao juiz: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito [...] à convivência familiar e comunitária [...] (CF/1988, art. 227). Questão frequente nas decisões dos Tribunais diz respeito à residência do menor depois da separação. Embora a lei tenha silenciado a respeito, a guarda compartilhada assegura aos filhos de pais separados uma residência habitual, que funciona como ponto de referência, a ser eleita pelos pais ou proposta pelo juiz depois de avaliar a singularidade do caso presente. Nesse passo, é bom lembrar que a guarda compartilhada não pressupõe uma equitativa distribuição de tempo de convivência com cada um dos pais, mas a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. É que o estabelecimento de uma residência principal facilitará a manutenção de uma rotina de vida quotidiana favorável ao desenvolvimento da criança. Sedimenta esse entendimento a decisão do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Conflito de Competência nº 40719/PE (2003/0201570-9, DJ 06.06.2005), do qual foi Relator o Ministro Aldir Passarinho Júnior, que assim se expressou: A guarda, ainda que compartilhada, não induz à existência de mais de um domicílio acaso os pais residam em localidades diferentes. Outra polêmica, já dirimida pela jurisprudência, diz respeito à modificação da pensão alimentícia com o advento da guarda
compartilhada. A rigor, na guarda compartilhada, inexiste fixação de valor alimentício, dividindo os pais os encargos de criação e educação dos filhos comuns na proporção de seus haveres e recursos. O que ocorre, ou pode ocorrer, é uma flexibilização das responsabilidades por esses encargos, pois, independentemente do modelo de guarda aplicado ao caso concreto, sempre existirá o dever de sustento dos filhos menores em nome do exercício do poder familiar. Assim, o débito alimentar persiste, e foi rejeitada a justificativa apresentada pelo paciente. A guarda compartilhada, exercida pelo paciente em relação à alimentanda, não significa exoneração da pensão (TJRS, HC 70017188939, 8ª C.Cív., J. 23.11.2006). O fim último da lei, lograr estabelecer eficazes vínculos familiares em prol do pleno desenvolvimento dos filhos de pais separados, será alcançado pelo respeito incondicional devido pelos pais, pela sociedade e pelo Estado ao direito fundamental da criança à convivência familiar, não só com o pai ou com a mãe.