A PROTEÇÃO JURÍDICA CONTRA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL REALIZADO NAS RUAS E O LIMITE DE IDADE MÍNIMA NO BRASIL



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Transcrição:

UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC CURSO DE DIREITO SUÉLLEN RODRIGUES SILVEIRA A PROTEÇÃO JURÍDICA CONTRA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL REALIZADO NAS RUAS E O LIMITE DE IDADE MÍNIMA NO BRASIL CRICIÚMA, MAIO DE 2009

SUÉLLEN RODRIGUES SILVEIRA A PROTEÇÃO JURÍDICA CONTRA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL REALIZADO NAS RUAS E O LIMITE DE IDADE MÍNIMA NO BRASIL Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para obtenção do grau de bacharel no curso de direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC. Orientador: Prof. Dr. André Viana Custódio CRICIÚMA, MAIO DE 2009

SUÉLLEN RODRIGUES SILVEIRA A PROTEÇÃO JURÍDICA CONTRA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL REALIZADO NAS RUAS E O LIMITE DE IDADE MÍNIMA NO BRASIL; Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do Grau de bacharel, no Curso de direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com Linha de Pesquisa em Direito da criança e do adolescente. Criciúma, 22 de junho de 2009. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. André Viana Custódio Doutor - UNESC - Orientador Prof. MSc. Ismael Francisco de Souza - Mestre - UNESC Profª. Esp. Rosangela Del Moro - Especialista - UNESC

Dedico este trabalho a todas as crianças e adolescentes, pois foi pensando nelas que tudo começou, como dizer não a exploração.

AGRADECIMENTOS Este é um momento de externar a gratidão por todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a conclusão dessa importante etapa na vida acadêmica. Inúmeras foram às pessoas, conhecidas ou não, que com palavras, atos e até mesmo ações diretas contribuíram para minha formação. Primeiramente e acima de tudo a Deus, que iluminou o meu caminho durante toda esta caminhada. Sou imensamente grata à minha família, em especial aos meus pais, Zélia Rodrigues Silveira e Hélio Francisco Silveira, que sempre me apoiaram durante todos esses longos anos de dedicação ao ensino superior, através de muita dedicação e carinho. Agradeço não só por estes cinco anos de graduação, mas pelos vinte e três anos de companheirismo, amor e respeito, sendo que estas são as pessoas mais importantes da minha vida, pois foram eles que me ensinaram tudo que sei e o que sou, para todo o sempre os melhores pais do mundo. Agradeço as minhas irmãs, Luhana Rodrigues Silveira e Amábile Rodrigues Silveira, que me aturaram durante este período tão exaustivo, sempre ajudando nos momentos difíceis me apoiando e incentivando na caminhada, que me deram o colo quando mais precisei, para sempre as melhores irmãs que alguém pode querer. Ao meu namorado, Mário Luiz Dias, agradeço pelo amor e paciência dedicados a conclusão desse importante trabalho. Agradeço também pelo carinho, apoio e incentivos prestados, cuja companhia foi muito importante na superação dos percalços surgidos ao longo desta etapa. Não poderia deixar de agradecer ao meu querido e especial orientador, André Viana Custódio, que me estendeu a mão e o braço para caminhar comigo nesta luta, sempre com uma palavra amiga para acalentar os meus desesperos, fico muito agradecida pela orientação prestada e pela confiança depositada, pois sua dedicação e inteligência foram sem sombra de dúvida importantíssima. Também agradecer a revisão extraordinária feita pela Professora Fernanda da Silva Lima que contribui muito para a conclusão final deste trabalho. Para não correr o risco da injustiça, agradeço de antemão a todos que de

alguma forma passaram pela minha vida e contribuíram para a construção de quem sou hoje. Agradeço todos os meus amigos, pelo apoio e solidariedade nas horas mais difíceis e pela atenção dedicada. Aos Professores do Curso de Direito da UNESC, agradeço por compartilhamento do conhecimento jurídico. Sempre serão lembrados. A 9º fase do curso de Direito (2009/1), agradeço pelas amizades e companheirismo. Enfim, agradeço a todos que contribuíram para a conclusão do Curso de Direito na UNESC, hoje carregado de muito sentimento e orgulho.

O homem semeia um pensamento e colhe uma ação, semeia um ato e colhe um hábito, semeia um hábito e colhe um caráter, semeia um caráter e colhe um destino. Swami Sivananda

RESUMO Este trabalho aborda a proteção jurídica contra a exploração do trabalho infantil realizado nas ruas e os limites de idade mínima no Brasil. A pesquisa é subdividida em três capítulos. No primeiro capítulo é relatado o histórico do trabalho infantil no Brasil desde o período colonial até a década de 1980. No segundo capítulo é analisado os dados sobre trabalho infantil realizado nas ruas no Brasil e quais suas causas e conseqüências. O terceiro capítulo versa sobre a proteção das crianças e dos adolescentes trabalhadores na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no Estatuto da Criança e Adolescente, na Consolidação das leis do Trabalho e nas normativas internacionais. O objetivo geral é compreender a proteção jurídica contra a exploração do trabalho infantil realizado nas ruas, com base na legislação. Na pesquisa foi utilizado o método dedutivo, através de uma pesquisa bibliográfica consistente de livros e artigos científicos, utilizando citações de diversos autores. A pesquisa demonstra a importância da reflexão acerca da exploração trabalho infantil realizado nas ruas, principalmente no que se refere ao perigo que crianças e adolescentes correm. Aborda a proteção jurídica contra a exploração da mão-de-obra infantil utilizada nas ruas. É necessário que o ordenamento jurídico brasileiro constitua um sistema voltado à proteção integral da criança e do adolescente contra a exploração do trabalho precoce de modo a garantir a dignidade das crianças e dos adolescentes brasileiros. Palavras-chave: Adolescente; criança; exploração; rua; trabalho infantil.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO 09 1. HISTÓRICO DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL 11 1.1 Período Colonial 11 1.2 Século XIX 16 1.3 A República e o século XX 19 1.4 Período da década de 1980 26 2. DADOS ESTATÍSTICOS, CAUSAS E CONSEQÜÊNCIAS DO TRABALHO INFANTIL REALIZADO NAS RUAS 29 2.1 Dados estatísticos sobre trabalho infantil realizado nas ruas no Brasil 29 2.2 Causas do trabalho infantil realizado nas ruas 35 2.3 Conseqüências do trabalho infantil 41 3. A PROTEÇÃO JURÍDICA CONTRA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL 47 3.1 A Proteção Constitucional 47 3.2 A Proteção no Estatuto da Criança e do Adolescente 49 3.3 A Proteção na Consolidação das Leis do Trabalho 52 3.4 A Proteção internacional 55 CONCLUSÃO 61 REFERÊNCIAS 63

9 INTRODUÇÃO Este trabalho versa sobre a proteção jurídica contra a exploração do trabalho infantil realizado nas ruas e os limites de idade mínima admitidos para o trabalho no Brasil. Com o reconhecimento dos direitos da criança e adolescente possibilitouse a incorporação da teoria da proteção integral disposta na Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989) das Nações Unidas na nova Constituição Brasileira. Tal teoria caminha para a proteção dos direitos da criança e do adolescente, tendo em vista a sua nova condição enquanto sujeitos de direitos e visa proteger crianças e adolescentes contra a exploração do trabalho infantil, para garantir proteção integral e dignidade a estes pequenos cidadãos. O objetivo geral do trabalho é compreender a proteção jurídica contra a exploração do trabalho infantil realizado nas ruas, com base na legislação. Como objetivos específicos foram definidos: pesquisar sobre o contexto do trabalho infantil realizado nas ruas no Brasil, entre suas causas e conseqüências; estudar a teoria da proteção integral e a proteção jurídica aos direitos da criança e do adolescente, enquanto direito fundamental; analisar os limites de idade mínima para o trabalho na legislação brasileira e internacional. A pesquisa utilizou o método dedutivo, através de uma pesquisa bibliográfica consistente de livros e artigos científicos, utilizando citações de diversos autores pesquisados. O primeiro capítulo aborda o histórico do trabalho infantil no Brasil desde o período colonial até a década de 1980. No Brasil, os primeiros registros históricos da criança trabalhadora é a época das grandes navegações portuguesas quando crianças eram utilizadas como pagens e grumetes em condições aviltantes. No processo histórico brasileiro, a doutrina da situação irregular estimulava o uso da mão-de-obra infantil como instrumento de controle e reprodução das classes populares, atualmente, tal conduta já não encontra mais fundamentos teóricos para sua realização. Durante quase todo o século XIX foi marcado pela escravidão, o interesse pela criança escravizada estava no seu valor econômico, quanto mais sabia fazer como, lavar, passar, além de outras tarefas, maior era o seu preço. No

10 final do século XIX houve uma mudança na imagem das crianças, caminhando para uma república. Em 1979, o Brasil aprovou um novo Código de Menores, e a partir da década de 1980 surgiram os primeiros movimentos sociais em defesa da criança e adolescente. A Constituição Federal de 1988 tem uma história de luta pelos direitos da criança, que se ocupou da questão da infância e adolescência como sujeitos de direitos. No segundo capítulo analisa os dados sobre trabalho infantil realizado nas ruas do Brasil e quais suas causas e conseqüências. A dificuldade de encontrar dados sobre o trabalho infantil realizado nas ruas é grande, não foi encontrado nenhum índice do IBGE e PNAD sobre este tema. Por causa de insuficiência de dados sobre o trabalho realizado nas ruas do Brasil, faz-se uma análise de dados gerais do Brasil, na qual demonstra que 5,1 milhões de crianças e adolescentes estão trabalhando no Brasil. Várias são as causas do trabalho infantil nas ruas, mas basicamente são dois fatores predominantes, o fator econômico e o fator cultural. A exploração infantil nas ruas ocorre quando crianças e adolescentes são exploradas para trabalharem em troca de dinheiro, para ajudarem na renda familiar. Onde provocam conseqüências graves com reflexo no desenvolvimento físico e psicológico, baixo nível de escolarização, evasão escolar, reprodução do ciclo intergeracional de pobreza e exclusão de oportunidades de participação e integração social, além da anulação de ser criança, na perda de uma infância que não volta mais. O terceiro capítulo versa sobre a proteção das crianças e dos adolescentes trabalhadores na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no Estatuto da Criança e Adolescente, nas Convenções Internacionais e na Consolidação das leis do Trabalho. A doutrina da proteção integral situa a criança dentro de um quadro de garantia integral, evidencia que cada país deverá dirigir suas políticas e diretrizes tendo por objetivo priorizar os interesses das novas gerações, pois a infância passa a ser entendida não mais como um objeto de medidas tuteladoras, e sim reconhecer a criança sob a perspectiva de sujeito de direitos.

11 1. HISTÓRICO DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL 1.1 Período Colonial No Brasil, para estudar este tema tão peculiar é necessário primeiramente observar onde tudo começou. As navegações portuguesas, desde o período colonial já que explorava a mão-de-obra infantil. Foi a partir deste marco que se deram os primeiros registros da infância no Brasil. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 15). É, provavelmente, esse sentimento de desvalorização da vida infantil que incentivava a Coroa a recrutar mão-de-obra entre as famílias pobres das áreas urbanas. (RAMOS, 2000, p. 22). O trabalho infantil não é um fenômeno recente no Brasil. Ele vem ocorrendo desde o início da colonização do país, quando as crianças eram exploradas e maltratadas. A Carta de Pero Vaz de Caminha registrou pela primeira vez a infância no Brasil. O lugar ocupado pela criança na história nem sempre foi o mesmo, mascarado pelos estigmas impostos por uma sociedade em mudança. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 15). A criança brasileira foi órfã, abandonada, delinqüente, escrava, menor, trabalhadora; mas também pura, ingênua, bela e até promessa de futuro. Precocemente a criança foi inserida no trabalho, dando autonomia com responsabilidade, fatores que determinaram a inserção da criança precocemente no mundo adulto. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007 p. 16). Com as navegações portuguesas, as crianças chegavam aqui na condição de pagens e grumetes que desempenhavam tarefas importantes. As crianças subiam a bordo somente na condição de grumetes ou pagens, como órfãs do Rei enviadas ao Brasil para se casarem com os súditos da Coroa, ou como passageiros embarcados em campanhia dos pais ou de algum parente. Em qualquer condição, eram os miúdos quem mais sofriam com o difícil dia-a-dia em alto mar. (RAMOS, 2000. p. 19). Os grumetes ou pagens viviam em péssimas condições, não possuíam qualquer direito e como diz o texto acima, vinham nas embarcações só para serem exploradas, sofriam escondidos, pois não podiam se expressar, ou melhor não tinham este direito. Na verdade a falta de mão de obra de adultos, ocupados em servir nos navios e nas possessões ultramarinas, fazia com que os recrutados se achassem entre órfãos desabrigados e famílias de pedintes. (RAMOS, 2000. p. 22).

12 Como citado acima, havendo ausência de mão-de-obra de homens adultos, logo retiravam crianças que estavam em situação de abandono ou aquelas oriundas de famílias empobrecidas. Os grumetes realizavam as tarefas realizadas por adultos, mas recebiam a metade da remuneração de um marujo da mais baixa hierarquia da marinha portuguesa. Também eram atribuídas aos grumetes as tarefas mais perigosas e penosas, pois entendiam que perder um miúdo seria melhor que estar desamparado da força adulta nas travessias ao Atlântico. O recrutamento dos pequenos grumetes variava entre o rapto de crianças judias e a condição de pobreza vivenciada em Portugal. Eram seus próprios pais que alistavam as crianças para servirem nas embarcações como forma de garantir a sobrevivência dos pequenos e aliviar as dificuldades enfrentadas pelas famílias. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007 p. 17). Na verdade até preferiam as crianças como subordinadas, pois pagavam metade do salário que pagariam a um adulto, além do que não se importavam com a saúde e vida desses pequenos, uma vez que era melhor perder um miúdo, nesse caso uma criança do que a força adulta. Nesse sentido, RAMOS destaca que [...] a expectativa de vida das crianças era brevíssima, em torno dos quatorze anos, isto num contexto em que, dentre os que nasciam com vida, cerca de cinqüenta por cento morriam antes mesmo de completar os sete anos de idade.isto fazia com que, principalmente entre os estamentos mais baixos, as crianças fossem consideradas como pouco mais que animais, cuja força de trabalho deveria ser aproveitada ao máximo enquanto durassem suas curtas vidas. (2000 p. 20). A expectativa de vida das crianças não poderia ser outra, suas tarefas eram as mais perigosas e penosas, que nem para adulto era bom, imagina para um miúdo que está em fase de crescimento e desenvolvimento fazer este trabalho, uma rotina que diminuía muito a vida da criança. Os altos índices de mortalidade infantil eram também relacionados as atividades extremamente perigosas que as crianças desempenhavam, sem nenhuma forma de proteção. A criança era tratada como nada, ninguém, pois nesta época não se importavam com a sua convivência muito menos com a morte da mesma, sem qualquer tipo de comoção entre os adultos, a morte era considerada um fato natural. Mesmo sabendo dos malefícios aos pequenos, os marinheiros continuavam maltratando, apenas desejavam explorar o trabalho da criança e do adolescente, sugar tudo que podiam. Os portugueses adoravam o trabalho das crianças, pois elas eram extremamente úteis, eram explorados e os mesmos não falavam ou

13 reclamavam de nada, eram ágeis, faziam as coisas com muita facilidade, aprendiam rápido e ainda tinham baixo custo para mantê-los. (CUSTÓDIO, 2006, p. 21). Nas embarcações, [...] no século XVIII, o número de grumetes nos navios lusitanos chegou a ser o mesmo número de marinheiros e, algumas vezes, até superior devido à falta de profissionais adultos. (RAMOS, 2000, p. 23). O recrutamento era dirigido especialmente aos meninos, porque as mulheres eram proibidas nas embarcações. Os meninos eram violentados sexualmente e tinham que aceitar os abusos sofridos. (PRIORE, 2000, p. 19). Grumetes e pagens eram obrigados a aceitar abusos sexuais de marujos rudes e violentos. Crianças mesmo acompanhadas dos pais, eram violadas por pedófilos e as órfãs tinham que ser guardadas e vigiadas cuidadosamente a fim de manter-se virgens, pelo menos, até que chegassem à colônia. (DEL PRIORE, 2000 p. 19). Os meninos grumetes eram maltratados, trabalhavam muitas horas seguidas, a alimentação pobre, deficiente de vitaminas necessárias para poder agüentar as longas jornadas. Com todos os descasos com as crianças e déficit em todos os sentidos acabavam doentes e correndo risco de morte. Os miúdos sabiam que ao adentrar nos navios abandonariam suas histórias e qualquer chance de exercer o benefício de ser criança. Deixavam toda sua identidade para trás, seus costumes e o mais importante deixavam de viver e ficavam a mercê dos exploradores dos seus serviços. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, P.19) Além da condição de grumetes, as crianças desempenhavam também outro papel nas embarcações portuguesas, o de pagens. Os pagens eram embarcados para prestar serviços aos nobres e oficiais durante as travessias, seus serviços tinham características mais leves e podia até possibilitar a ascensão aos cargos da Marinha. Cabia ao pagem satisfazer as vontades da nobreza; serviam as mesas, arrumavam os camarotes e organizavam as camas, preocupando-se especialmente com as condições de conforto dos oficiais nas viagens, o que podia possibilitar uma condição privilegiada em relação aos demais marujos caso ganhassem a simpatia de seus superiores. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 20). A vida dos pagens nas embarcações eram um pouco melhores que a dos grumetes, tendo chances de subir de cargo se conseguissem conquistar seus superiores. A travessia do atlântico era complicada, sendo que poucos sobreviviam, por ser de árdua dificuldade, tendo como causa a falta de cuidado, maus tratos e

14 falta de comida. Nesse sentido, RAMOS explica a dolorosa cultura e começo da violência e exploração do trabalho infantil no Brasil. [...] apesar de os grumetes não passarem, quando muito, de adolescentes, realizavam a bordo todas as tarefas que normalmente seriam desempenhadas por um homem. Sofriam, ainda, inúmeros maus tratos [...] Encarregar os pequenos grumetes dos trabalhos mais pesados e perigosos era uma hábito corriqueiro, e exemplos não faltam nos documentos da época. (2000, p. 23). Com a instalação da Companhia de Jesus em 1549, os jesuítas implantaram um sistema rigoroso de educação, com interesse na expansão da igreja e do domínio português. CHAMBOULEYRON esclarece que, [...] o ensino das crianças, como se vê, fora uma das primeiras e principais preocupações dos padres da Companhia de Jesus desde o início da sua missão na América portuguesa. É bem verdade que a infância estava sendo descoberta nesse momento do Velho mundo. (2000, p. 55). A criança é usada para a construção de nova sociedade, descobre a criança indígena com a pureza necessária para inscrever os novos direitos almejados para consolidação de conquistas portuguesas. O ensino dos jesuítas proporcionou várias mudanças na cultura indígena e representa mais um avanço no domínio português. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 21). A educação jesuítica foi de grande importância para construção da primeira imagem da criança no Brasil, a respeito: Ensejava o nascimento de novas formas de afetividade e a própria afirmação do sentimento da infância, na qual igreja e Estado tiveram um papel fundamental. (CHAMBOULEYRON, 2000, p. 58). No século XVI, no período colonial, surgem as primeiras ações de caráter assistencial no Brasil a Roda dos Expostos. A Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, criada em 1582, de iniciativa católica, estabelece-se com a missão de atender a todos não fazendo diferenças de idade, sexo, credo e condição. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 24). As Rodas dos Expostos vinham solucionar o problema do abandono, da exposição e do rejeito de crianças, que antes eram abandonadas nas ruas, nas portas das casas de famílias e até nas igrejas. As condições cruéis a que estas crianças estavam submetidas eram objetos de preocupação pública, que recorria à caridade institucional como forma de salvação das crianças da morte. Sob forte influência européia, no Brasil foram criadas instituições de caridade, entre elas a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e outras que se disseminaram ao

15 longo dos séculos pelas principais cidades e vilas. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 25). Em relação à Roda dos Expostos, MARCÍLIO afirma que [...] essa instituição cumpriu importante papel. Quase por século e meio a roda de expostos foi praticamente a única instituição de assistência à criança abandonada em todo o Brasil. (1999, p. 51). A vida econômica da cidade ao longo do século XVI baseava-se primordialmente nos engenhos de açúcar, que inicialmente contaram com a mão-deobra escrava indígena e, mais tarde, com os negros africanos. Por outro lado, a falta de políticas de higiene pública e saneamento propiciaram freqüentes epidemias de cólera, febre amarela e varíola, entre outras doenças que atingiam sua população. As péssimas condições em que eram submetidos nas Rodas provaram muito tempo depois a sua extinção. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 26). Sobre o abandono: Mas o fenômeno de abandonar os filhos é tão antigo como a história da colonização brasileira. Só que antes da roda os meninos abandonados supostamente deveriam ser assistidos pelas câmaras municipais. Raramente as municipalidades assumiram a responsabilidade por seus pequenos abandonados. A maioria dos bebês que iam sendo largados por todo lado acabavam por receber a compaixão de famílias que os encontravam. Estas criavam os expostos por espírito de caridade, mas também, em muitos casos, calculando utilizá-los, quando maiores, como mão de obra familiar suplementar, fiel, reconhecida e gratuita; desta forma, melhor do que escrava. (MARCÍLIO, 1999, p. 52) Esta história dos meninos e meninas que trabalhavam na rua começou muito cedo, uma vez que as pessoas pegavam crianças abandonadas, cuidavam e dentre alguns anos explorava-as, utilizando a mão de obra dessas crianças que teriam que trabalhar nas ruas ou em qualquer outro lugar. A perspectiva da proteção integral, adotada no final do século XX, contrapõe-se a uma perspectiva de disciplina e dominação das crianças, perpetuada historicamente. A inserção precoce de crianças no trabalho era estabelecida sem maiores questionamentos sobre os prejuízos ao seu desenvolvimento. A freqüente mortalidade delas era naturalizada numa sociedade que pouco valorizou a vida. O interesse pela criança escravizada estava centrado no seu valor econômico, determinado por papéis sociais representativos do trabalho infantil. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 33)

16 Na realidade, a quase totalidade destes pequenos expostos nem chegavam à idade adulta. A mortalidade dos expostos, assistidos pelas rodas, pelas câmaras ou criados em família substitutivas, sempre foi a mais elevada de todos os segmentos sociais do Brasil, de todos os tempos. (FREITAS, 1999, p. 53). O processo histórico permite visualizar como crianças e adolescentes foram, ao longo do tempo, envolvidos em relações de agressões e maus tratos por diversas instituições sociais. Não havia uma preocupação com a proteção da criança contra a exploração no trabalho. 1.2 Século XIX Durante quase todo o século XIX foi marcado pela escravidão, onde há dualidade de sociedade, divididos em brancos e negros, o interesse pela criança escravizada estava no seu valor econômico, quanto mais sabia fazer como, lavar, passar, além de outras tarefas, maior era o seu preço. O descaso com a vida humana era visível, geralmente os trabalhos pesados, sujos e penosos eram feitos por escravos, além de inexistir para criança escrava qualquer tipo de instrução. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 32-33). Durante a escravidão no século XIX, ainda surgiram nova instituições de atenção à infância, assim descrevem CUSTÓDIO e VERONESE: Em 1855, no Maranhão, foi criada a Casa dos Educandos Artífices; em 1861, no Rio de Janeiro, o Instituto dos Menores Artesãos; em 1882, em Niterói, funda-se o Asilo para a Infância Desvalida. Também a partir de 1860 foram criadas Colônias Agrícolas orphanologicas, as quais seguiram os modelos da França (Colônia de Mettray) ou da Inglaterra (Colônia Red Hill), em São Luís do Maranhão (1888); na Bahia, Fortaleza e Recife. (2007, p. 34). Mais tarde, com o surgimento da Companhia de Aprendizes Marinheiros ou Aprendizes do Arsenal da guerra. [...] encontrava-se uma farta fonte de mão-de-obra barata e, muitas vezes, gratuita que se dedicava aos mais variados todos os tipos de serviço, tais como a limpeza das embarcações até os desejos de conforto dos oficiais, da mesma forma que no período colonial. A guerra foi o caminho traçado aos meninos empobrecidos no século XIX. Garotos eram recolhidos das ruas, ou praticamente retirados de suas famílias para serem submetidos ao perigo das batalhas, como, por exemplo, a guerra contra o Paraguai. A aprendizagem consolida-se como instituto voltado à inserção precoce de crianças empobrecidas no trabalho, submetendo os pequenos marinheiros as mais variadas condições de perigo, insalubridade e penosidade,

17 mascarada pelo discurso moralizador do trabalho. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 38). Conforme o texto acima, esses meninos eram retirados de suas famílias ou recolhidos das ruas para lutar nas guerras. Havia um estímulo às famílias, recompensava financeiramente que parecia aos pais um bom negócio. A aprendizagem consolida-se como instituto voltado à inserção precoce de crianças empobrecidas no trabalho, submetendo os pequenos marinheiros às mais variadas condições de perigo, tudo mascarado pelo discurso moralizador do trabalho. Além da prática do trabalho militarizante, o final do século XIX vai conviver com o início da precária industrialização brasileira, que articulada com a abolição da escravatura conduziu um contingente significativo de crianças às fábricas. A [...] industrialização no Brasil, ainda no século XIX, articulada com a suposta abolição da escravatura irá conduzir contingente significativo de crianças as fábricas, agora sob o discurso que o trabalho da criança ajuda a família. Era comum o emprego de mão-de-obra infantil, sob a justificativa que somente o trabalho moldaria o caráter da criança. As crianças eram exploradas nas fábricas, ao mesmo tempo instalava-se um sistema educacional no Brasil, voltado especialmente às elites em ascensão. As condições de trabalho nas quais foram submetidas essas crianças nessa época eram realmente desumanas, pois além de uma jornada estafante de trabalho muito além das capacidades físicas de um adulto, as crianças eram submetidas, já desde cedo, à convivência com locais insalubres e perigosos, que muitas vezes abreviavam a própria vida. Essas duras condições serviram como alerta para a necessidade de disciplinamento jurídico do trabalho infantil. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007 p. 39). O texto acima explica o novo sistema de produção fabril que tirou a criança de casa e colocou-a num local de trabalho onde a pontualidade e a obediência eram as principais virtudes que ditavam a sua vida. É ainda dedicada especial atenção à criança inserida no contexto sócio-habitacional, examinando as habitações insalubres das classes mais desfavorecidas, bem como alguns dos seus hábitos, costumes e cuidados para com as crianças. A implementação do sistema fabril e as dificuldades inerentes à mão-deobra proporcionaram a inserção precoce de crianças no trabalho. Os donos das novas fábricas, rapidamente perceberam que os braços infantis eram ágeis e poderiam ser facilmente treinados para o desempenho de tarefas. O trabalho fabril teve conseqüências nefastas, não só na saúde como também na moral das crianças operárias. São ainda abordadas questões referentes à implementação de medidas

18 para o melhoramento das condições laborais destas crianças. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 39) Com o êxodo rural, a população urbana cresceu de forma exacerbada, aumentando o número de miseráveis nas ruas. As habitações não apresentavam condições adequadas de saúde e saneamento, e as epidemias eram constantes. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 93). Havia uma predileção, por parte dos donos de fábricas, por mulheres e crianças contratadas, devido aos baixos salários e por serem de fácil controle, sendo muito comum os acidentes de trabalho. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 39). A natureza de tal ofício causava deformidades físicas, doenças horríveis e acidentes fatais, os quais abreviavam a vida dos pequenos. O trabalho infantil evidentemente será reforçado pela ideologia do trabalho moralizador, necessário à subsistência e que, supostamente manteria as crianças afastadas dos vícios e da criminalidade presente em uma sociedade em mudança. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 41). A preocupação com a exposição e o abandono de crianças nas ruas não era apenas evidente nos discursos políticos e jornalísticos do período. O Código Penal tratou de criminalizar a conduta ao prever no art. 292 que, expor ou abandonar infante menor de 7 anos, nas ruas, praças, jardins públicos, adros, cemitérios, vestíbulos de edifícios ou particulares, enfim, em qualquer lugar, onde por falta de auxílio e cuidados de que necessite a vitima, corra perigo sua vida ou tenha lograr a morte, abandonar criança é crime, pois prejudica a mesma. (BRASIL, 1890). O Decreto-lei nº. 1313, de 17 de janeiro de 1891, é considerado o primeiro mecanismo de proteção a crianças e adolescentes no Brasil. Destinava-se a assegurar a proteção do trabalhador juvenil na indústria, proibindo o trabalho de menores de doze anos com máquinas em movimento e na faxina. A eficácia social do Decreto-lei nº 1313 não foi atingida e as crianças e adolescentes continuaram explorados nas fábricas da cidade do Rio de Janeiro. (BRASIL, 1891). Ora, se existiu a necessidade de uma legislação específica regulando o trabalho infanto-juvenil, esta, evidentemente, resultou da mobilização social e política constituída a partir da verificação quanto à violação da integridade das crianças e adolescentes no decorrer da história. A preservação da saúde e higiene decorre especialmente da preocupação de médicos e educadores influenciados pelos ideais higienistas europeus. Após o início do primeiro processo de industrialização no Brasil, a exploração do trabalho infantil começou a provocar o interesse e a preocupação das autoridades

19 públicas, que percebiam as péssimas condições de trabalho das crianças nas fábricas, temiam que dentro de pouco tempo, o próprio sistema capitalista que se instalava poderia ser comprometido. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007 p. 42). Formulando uma legislação protetora, atenta para garantir a integridade, para reduzir de modo eficiente a exploração e más condições de trabalho. A preservação da saúde e higiene, influenciado pelas doutrinas higienistas e positivistas em vigor, decorre de preocupações de médicos e professores. A preocupação com a limpeza das ruas era tema freqüente e uma série de medidas penalizadoras foi adotada. O trabalho infantil começou a provocar interesses e preocupações das autoridades públicas, pois não era nenhuma novidade a lastimável situação das crianças. 1.3 A república e o século XX A partir do final do século XIX houve uma mudança na imagem das crianças, caminhando para uma república na qual a criança será o novo futuro. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 32-33). A ascensão do liberalismo na Europa em busca do progresso, da ordem e a fé na ciência provocará mudanças significativas na visão política e imagem das crianças pavimentando o caminho para a instalação de uma república na qual a infância será vista como o futuro do país. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 31). A República e as primeiras décadas do século XX trazem os princípios republicanos e o fim da escravidão exige uma nova identidade nacional. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 44). Em 1894 o Decreto Estadual nº. 233 estabelece em 12 anos o limite para o início em atividades laborais nas fábricas e oficinas; no entanto, as autoridades competentes poderiam fazer certas exceções, em atividades acessíveis para crianças de 10 a 12 anos de idade. (CUSTÓDIO, VERONESE, 2007, p. 45). Em maio de 1898, no dia do trabalhador houve mobilizações em face da defesa dos direitos dos trabalhadores, adultos e crianças, que reivindicavam: proibição de trabalho abaixo de 14 anos; trabalho noturno e cuidados especiais pra com as crianças até 16 anos. (MOURA, 1999, p. 279).

20 De acordo com os ideais republicanos as crianças passaram a ser vistas com outros olhos, pois representavam o futuro do país, e é nesse período que o país adotou uma política higienista que tinha como finalidade a formação de trabalhadores sadios. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 45). Neste contexto, o trabalho seria a alternativa disponibilizada pelo Estado aos filhos das camadas populares. Alheio às denúncias realizadas pelo movimento sindical e anarquista sobre a exploração de crianças nas indústrias, esta institucionalização nada mais foi do que o contrário do que os trabalhadores reivindicavam, almejando proteção e direitos, uma vez que o instituto disciplinar impunha a regeneração por meio de trabalho. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 47) Mas a República traz uma nova justificativa para a institucionalização o combate à ociosidade e a criminalidade como duas faces da mesma realidade, controlados especialmente pelas instâncias do poder judiciário, uma vez que a internação de jovens nos institutos disciplinares tinha por fundamento uma sentença judicial, a qual determinava, inclusive, o tempo de permanência na instituição. A base positivista destas casas determinava que o trabalho, o combate ao ócio seriam as fórmulas da regeneração. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 48). Os internos eram submetidos à rigorosa disciplina tendo de acordar cedo todos os dias, às cinco e meia da manhã, tomar banho frio, não importando se era verão ou inverno, suas jornadas eram das 6 da manhã as 5 e meia da tarde. No verão acordavam mais cedo, meia hora antes do que de costume. Contudo, não havia previsão para o lazer, não tinham o direito de brincar e certamente seriam punidos se alguém percebesse qualquer tipo de jogos e brincadeiras. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 48). No Brasil, desde 1830, com o Código Criminal do Império, os menores de quatorze anos não eram julgados como criminosos pelos atos que praticavam (art. 10, 1º). Se fosse provado que os que infringiam as normas penais com idade inferior a quatorze anos apresentavam discernimento sobre os crimes praticados, estes eram recolhidos às Casas de Correção, pelo tempo que o juiz entendesse, contanto que tal recolhimento não excedesse os dezessete anos de idade (art. 13). Na realidade, o que temos neste contexto trata-se de uma imputação, só que diferenciada, assim, já podemos visualizar aí os germes originários do menorismo. O primeiro Código Penal da República de 1890, foi ainda mais severo, pois ao tratar da responsabilidade criminal, dispôs no art. 27 que os menores de nove anos completos não seriam criminosos, como também, os maiores de nove e menores de quatorze anos, que tivessem agido sem discernimento. Se os de idade entre nove e quatorze anos tivessem praticado atos compreendidos como delituosos com discernimento, seriam recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que o juiz julgasse conveniente, desde que não excedesse os dezessete anos de

21 idade (art. 30). Este mesmo Código considerava a menoridade como circunstância atenuante, nas hipóteses de ter o agente idade inferior a vinte e um anos (art. 42, 11). (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 49). A criminalização apresentava duas finalidades, envolvendo a retirada dos chamados indesejáveis das ruas ou da livre circulação pela cidade e a valorização do trabalho como digno, uma boa proposta para o futuro. Todos deveriam ajudar para a construção do futuro da nação. A preocupação com a valorização do trabalho e a higienização das ruas corrobora para a criminalização da chamada vadiagem, necessária ao controle social da população empobrecida, no final do século XIX e início do século XX. O delito de vadiagem foi infração característica direcionada basicamente para a população empobrecida que se encontrava na rua. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 49) Segundo o art. 399, a vadiagem implica em deixar de exercitar profissão, ofício, ou qualquer mister em que ganhe a vida, não possuindo meios de subsistência e domicílio certo em que habite; prover a subsistência por meio de ocupação proibida por lei, ou manifestamente ofensiva da moral e dos bons costumes. Ainda de acordo com o art. 401, a pena poderia ser extinta caso haja prova da aquisição superveniente de renda, ou suspensa, mediante a apresentação de fiador que se responsabilizasse pelo condenado; (BRASIL, 2008). Nesse cenário pôde-se perceber que a população infanto-juvenil compunha a maioria dos trabalhadores nas fábricas enquanto que os adultos, em grande parte estavam desempregados. A opção pela mão de obra infantil esteve atrelada ao baixo custo que essa exploração possibilitava e no aumento dos lucros para os industriais e donos de fábricas. Em 1917 começou uma maior preocupação em relação a infância contra a exploração do trabalho infantil através de movimentos particulares que agitavam, fazendo usos de manifestações públicas e reivindicando o descumprimento dos dispositivos legais, também exigiam melhores salários e condições de trabalho. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 53). Com o trabalho nas fábricas as crianças acabavam se machucando nas máquinas existentes, pois não havia e/ou eram precários os mecanismos e equipamentos de segurança para a proteção de crianças e adolescentes. O cotidiano de crianças e de adolescentes nas fábricas e oficinas do período remete sempre para situações-limite cuja versão mais alarmante traduz-se nos acidentes de trabalho, mas que infelizmente neles não se

22 esgotam, incorporando a violência em vários níveis. (MOURA, 2000, p. 260). Acabam estes pequenos cidadãos sendo vítimas de exploração, com jornadas altíssimas, enquanto o empresário lucrava cada vez mais. CUSTÓDIO e VERONESE destacam que Também neste ano de 1919 foi instituído o Departamento da Criança no Brasil, que financiado pelo Estado, apurava um grande número de abusos do crescimento desordenado urbano-industrial que em jornadas superiores a 15 horas, explorava sobretudo mulheres e crianças. (2007, p. 57). Sobre a Organização Internacional do Trabalho (OIT) pode-se observar: A constituição pelo Tratado de Versalhes a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com a finalidade de ser um organismo responsável pelo controle e emissão de normas internacionais determinando as garantias mínimas ao trabalhador. Entre seus principais objetivos estava a melhoria das condições de trabalho e a garantia dos trabalhadores menos protegidos e, principalmente, das crianças. Já no seu ano de constituição a OIT emitiu as Convenções de no. 5, fixando a idade mínima para o trabalho nas indústrias em 14 anos, e de nº. 6, que proibiu o trabalho noturno nas indústrias para os menores de dezoito anos; mas o Brasil só depositaria os instrumentos de ratificação em 26 de abril de 1934, através do Decreto no 423, que foi publicado mais de um ano depois, em 12 de novembro de 1935. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 57). Tendo grande importância a OIT e suas convenções alertam para o fato de que o trabalho antes do tempo compromete o desenvolvimento da criança e do adolescente, tendo eles complicações futuras, como psicológicas, físicas dentre outras. Na década de 1920 o Brasil passou por transformações em termos de uma nova percepção do problema. 1 Um movimento encabeçado por médicos e higienistas; 2 Setores da intelectualidade nacional lideravam um movimento a favor da causa educacional ; 3 Surgimento das colônias e patronatos agrícolas, o que permitia uma limpeza das ruas, pois as crianças eram recolhidas e nestes locais seriam preparadas para as atividades rurais. A educação popular se assentava no seguinte tripé: campanha educacional, saúde, moral e trabalho. Assim, o trabalho se apresenta como método capaz de determinar hábitos saudáveis. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 57). Assim, o trabalho da criança seria incorporado no Código de Menores de 1927 e reforçado com a edição da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, durante o século XX, em nome da preservação da ordem social, da educação estatal obrigatória, da necessidade de integrar crianças e jovens pobres pelo

23 trabalho, o Estado também passou a zelar pela defesa da família monogâmica e estruturada. (PASSETI, 1999. p. 349). Para CUSTÓDIO e VERONESE, O Decreto no 17.934-A de 12 de outubro de 1927 estabeleceu o primeiro Código de Menores da República, elaborado por uma comissão de juristas liderados pelo então Juiz de Menores do Rio de Janeiro José Cândido de Mello Mattos. O novo Código símbolo da cultura menorista produzida desde o início do século regulou o trabalho de menores no capítulo IX, estabelecendo a idade mínima para o trabalho em doze anos, a proibição do trabalho nas minas e de trabalho noturno aos menores de dezoito anos e na praça pública aos menores de quatorze anos, dentre outras limitações. (2007, p. 61). O Código de Menores surgiu para alterar concepções obsoletas como as de culpabilidade, penalidade, responsabilidade, pátrio poder, passando realmente a assumir a assistência da criança e adolescentes, sob a perspectiva educacional. Agora adotou uma postura anterior de reprimir e punir e passou-se a priorizar o regenerar e educar. Chegou-se à conclusão de que questões relativas à infância e adolescência devem ser abordadas fora da perspectiva criminal. Para as crianças e adolescentes que trabalham na rua, ou pedem esmolas, a elas não serve aplicar o código penal e sim regenerar e educar, através das práticas de institucionalização e retirar essas crianças da rua. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 62). Como diz o art. 1º do código: o menor, de um ou outro sexo, abandonado, ou delinqüente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste Código. Então como fala o artigo à criança deve ser submetida a medidas assistenciais, tendo todo acesso ao que lhe é de direito. (BRASIL, 1927). Agora também no art. 34 responsabilizava as atitudes dos pais, sendo penalizados com suspensão do pátrio poder, expressa: deixar o filho em estado de habitual vadiagem, mendicidade, libertinagem, ou tiver excitado, favorecido, produzido o estado em que se achar o filho, ou de qualquer modo tiver concorrido para a perversão deste ou para o tornar alcoólico. (BRASIL, 1927). Conforme redação do art. 31 observa-se que: Nos casos em que provada negligencia, a incapacidade, o abuso de poder, os máos exemplos, a crueldade, a exploração, á perversidade, ou o crime do pai, mãe ou tutor podem comprometer a saúde, segurança ou moralidade do filho ou pupilo, a autoridade competente decretará a suspensão ou a perda do pátrio poder ou a destituição da tutela, como no caso couber.

24 De acordo com o art. 405, 2º, é proibido o trabalho na rua, pois não poderá resultar de prejuízo na formação moral da criança. Não poderá expor a mesma em situações constrangedoras, tendo que tratá-la como pessoa em desenvolvimento. (BRASIL, 1943). Na República marcava os primeiros trinta anos que a criança pobre que era abandonada, tendo o Estado à função de assisti-la. Por isso o trabalho era compreendido como uma forma de livrar as crianças da delinqüência. (CUSTÓDIO, VERONESE, 2007, p. 64). O Brasil adotou uma nova Constituição que previa a proteção contra a exploração do trabalho da criança e do adolescente, conforme a redação do art. 121 que determinava a proibição de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a menores de 16 e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres ; (Brasil, 1934) Também foi ratificada em 1934 as convenções nº 5 e 6 da OIT, sobre idade mínima para o trabalho nas indústrias em 14 anos e a proibição do trabalho noturno aos menores de 18 anos. Em 1937, a Constituição do Estado Novo não trouxe alterações quanto ao limite de idade mínima para o trabalho, dando a mesma redação da Constituição anterior, mas o art. 137, alínea k, mantém a garantia social anterior. Na educação, a Constituição de 1937 tem inspiração no fascismo italiano, conforme o disposto no art. 129: Art. 129 - A infância e a juventude, a que faltarem recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da nação, dos estados e dos municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais. (BRASIL, 1937). Após tudo isso, com o Código de Menores observaram que não diminuiu a delinqüência, então foram criadas instituições que dessem conta de atender a população infanto-juvenil marginalizada e assim diminuir a criminalidade. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 67). Por isso, no ano de 1938 foi criado o Serviço Social dos Menores e em seguida em 1940 foi criado o Departamento Nacional da Criança que era vinculado ao Ministério da Educação para orientar as atividades sobre a proteção da infância, tendo suas garantias e assistência. Um ano mais tarde foi criado no Rio de Janeiro através do Decreto 3.379 o Serviço de Atendimento ao Menor (SAM) que queria atender a população infanto-

25 juvenil considerada delinqüente e desvalida mediante a prática de internação. (BRASIL, 1941). Então em 31 de março de 1964 houve o golpe do Estado, mas uma vez tudo seria interrompido, com o medo do perigo socialista que nesta época rondava a sociedade, estabelecendo o autoritarismo no Brasil. A partir do golpe militar de 1964, o Brasil adotou a Política Nacional do Bem-Estar do Menor, prevendo em suas diretrizes, a inserção dos menores no trabalho como alternativa de assistência social, transferindo as responsabilidades do Estado e ocultando a efetiva exploração de crianças e adolescentes no trabalho decorrente da limitada fiscalização e efetividade das legislações que estabeleciam os limites de idade mínima para o trabalho. (CUSTÓDIO; SOUZA, 2007, v.1, p. 43-62). Com o fim da Segunda Guerra Mundial e da ditadura Vargas, a inspiração de um regime democrático estimulado pelos aliados ocidentais abre caminho para uma nova Constituição brasileira em 1946. Em seu artigo 166, a nova constituição reconhece que educação é direito de todos e será dada no lar e na escola, devendo inspirar os princípios e ideais de solidariedade humana. Contudo, cumpre registrar que foi elevado, nesse momento, o limite de idade para o trabalho noturno de dezesseis para dezoito anos. Nesse sentido, o art. 157, X, determinou a: proibição de trabalho a menores de quatorze anos, em indústrias insalubres, a mulheres e a menores de dezoito anos, e de trabalho noturno a menores de dezoito anos, respeitadas em qualquer caso, as condições estabelecidas em lei e as exceções admitidas pelo juiz competente. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 67). Em 1967, com a rigidez do regime militar, houve um retrocesso no que referia a idade mínima para o trabalho baixando o limite de idade permitida para o trabalho dos 14 para os 12 anos de idade. A nova Constituição desconsiderou os princípios adotados pela OIT. A emenda Constitucional nº. 1 de 1969 não teve nenhum avanço, pois preservou o art. 165, x, fixando: proibição do trabalho, em indústrias insalubres, a mulheres e menores de dezoito anos, de trabalho noturno a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de doze anos. (BRASIL, 1969). Em 1973 a Conferência Internacional do Trabalho (CIT) editou a convenção nº. 138 para substituir as convenções editadas sobre a idade mínima para admissão em emprego. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 71). Em 1979, o Brasil aprovou um novo Código de Menores, atualizando a já fracassada Política Nacional do Bem-Estar do Menor com base nos princípios e diretrizes da doutrina da situação irregular. Para VERONESE,

26 [...] com o surgimento do Código de Menores de 1979, surge uma nova categoria: menor em situação irregular, isto é, o menor de 18 anos abandonado materialmente, vítima de maus-tratos, em perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta ou autor de infração penal. (1999, p. 208). No mesmo contexto encontramos também no art. 2º, III, b, não se pode ter a exploração da atividade, sendo que o menino de rua entra neste contexto, pois é levado as ruas a qual é exposto a todos os tipos de perigo, sendo também abalado na sua mora. (BRASIL, 1979). 1.4 Período da década de 1980 A partir da década de 1980 surgiram os primeiros movimentos sociais em defesa da criança e adolescente a partir das denúncias das situações degradantes vivenciadas pela maioria das crianças e adolescentes brasileiros. Os movimentos sociais ao mesmo tempo em que perseguiam por direitos à população infanto-juvenil também se uniram na luta pela democratização do país. O Movimento Criança- Constituinte, por exemplo, possibilitou a incorporação da doutrina da proteção integral na nova Constituição brasileira em 1988. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 74). A década de 1980 contou com uma infinidade de mobilizações sociais, debates, reflexões, construção de propostas etc. Ações como a discussão de alternativas de atendimento aos meninos e meninas de rua, a própria organização do Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, a atuação de organizações consolidadas como a Ordem dos Advogados do Brasil, o Movimento Criança Constituinte, as Pastorais da Igreja Católica e um sem número de organizações comunitárias, organizações sindicais e assistenciais que contribuíram decisivamente para a construção do Direito da Criança e do Adolescente. (CUSTÓDIO, 2006, p. 80). A Constituição Federal de 1988 tem uma história de luta pelos direitos da criança seja internacionalmente de declarações, tratados, convenções, seja na órbita interna, por meio de um processo legislativo, que se ocupou da questão da infância e adolescência como sujeitos de direitos. (CUSTÓDIO; VERONESE, 2007, p. 75). A Lei n o 8.069, de 13 de julho de 1990, estabeleceu em seu art. 2 o, os conceitos de criança como a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes como aquela entre doze e dezoito anos de idade. Dispôs como um conjunto de normas na condição especial de pessoas em desenvolvimento.