Interessado: Conselho Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará. Origem: Comissão de Direitos Culturais da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará. Assunto: Concessão de Medida Liminar em Mandado de Segurança 0146760-19.2013.8.06.0001, que tramita na 2ª Vara da Fazenda Pública de Fortaleza. A COMISSÃO DE DIREITOS CULTURAIS DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECÇÃO CEARÁ, em virtude da concessão de Medida Liminar em Mandado de Segurança em favor da Congregação das Filhas de Santa Teresa de Jesus, Norte Sul Incorporações e Construções LTDA e MONTEPLAN Engenharia LTDA, contra ato do senhor Secretário de Cultura de Fortaleza, que concedeu TOMBAMENTO PROVISÓRIO ao imóvel localizado na Rua Pe. Valdevino,714, Joaquim Távora, nesta cidade de Fortaleza-CE, no cruzamento com a rua João Cordeiro (popularmente conhecido como BANGALÔ AZUL), que possui matrícula 86008, do CRI da 2ª Zona de Fortaleza, através do processo administrativo de matéria de tombamento provisório nº 2201132852131/2013, que tramita perante à Secretaria de Cultura de Fortaleza, conforme Ofício CPHC/SECULTFOR nº 84/2013, de 22/01/2013, que tramita na 2ª Vara da Fazenda Pública de Fortaleza, sob o número 0146760-19.2013.8.06.0001, vem se manifestar nos seguintes termos: RELATÓRIO 1. Conforme contido em processos enumerados, verifica-se o afastamento da alegação de ilegalidade do ato da autoridade coatora, no tocante ao tombamento provisório do bem sob crivo, pertencente ao patrimônio cultural do município de Fortaleza, objeto de proteção estatal. O ato administrativo foi realizado como determina a lei, que confere ao Poder Executivo (e não ao Judiciário) o poder-dever de tutela do ordenamento urbano e do patrimônio cultural, pela ocorrência da supremacia e a indisponibilidade do interesse público e a implementação dos requisitos pertinentes ao 1
instituto do tombamento, especificados no artigo 216, caput e IV, da Constituição Federal. 2. Em 13 de março de 2013, o MM Juiz de Direito Francisco Chagas Barreto Alves, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Fortaleza, despachou determinando a notificação da autoridade impetrada para que preste informações, conforme art. 7º, I, da Lei 12.016/2009 (fl. 85 dos autos judiciais mencionados). 3. Na data de 27 de março de 2013 a parte autora peticionou alegando, equivocadamente, que o ato administrativo, deveras dotado de legalidade, impediu o exercício da atividade econômica. Esse é objeto principal da presente demanda: Não se pode sobrepor o mero direito individual de auferimento de lucros ao direito coletivo de proteção do patrimônio cultural, haja vista a supremacia e indisponibilidade do interesse público, ainda mais quando o bem em questão for dotado de valor histórico e objeto do instituto do tombamento. 4. As obras tiveram que ser paralisadas justamente porque estavam ferindo o direito coletivo de tutela da memória. O bem sob crivo possui características intrínsecas que proíbem qualquer modificação em sua estrutura original, haja vista o referencial contido em suas peculiaridades, conforme art. 216 da Constituição Federal, quando menciona quais bens jurídicos possuem determinada axiologia para que sejam considerados integrantes do patrimônio cultural brasileiro, e, automaticamente, detentores da tutela estatal, com a preservação de seu significado primário. 5. A Procuradoria do Município de Fortaleza se manifestou às fls. 96/122 dos autos judiciais. Elencou alguns vícios formais ao demonstrar, fundamentadamente, o descabimento de mandado de segurança para postulação baseada em fato a demandar dilação probatória, haja vista a necessidade de prova pré-constituída do direito alegado, requisito não apresentado. Portanto, não há comprovação hábil de fato constitutivo do direito do impetrante, detentor do ônus probatório conforme artigo 333, I, do Código de Processo Civil. Além dos vícios formais apontados pela Procuradoria do Município de Fortaleza, não há no processo qualquer comprovação da notificação da autoridade coatora para a manifestação, muito menos para a ciência da liminar. 6. Em contradição à realidade dos fatos, o MM concedeu a liminar pleiteada, sob o insignificante argumento que o Município de Fortaleza não demonstrou a legalidade 2
do ato administrativo, apesar de ser fato suficientemente demonstrado. Mesmo que fosse devidamente fundamentada, ainda assim liminar proferida em Mandado de Segurança não tem o status de alvará autorizativo, por ser instrumento bastante precário, conforme lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009. É que se tem a relatar. Às considerações. FUNDAMENTAÇÃO 7. Apesar de ainda se tratar de tombamento provisório, este tem os mesmos efeitos jurídicos do tombamento definitivo, conforme entendimento da 4ª Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 1ª região, em julgamento do processo 0000103-76.1999.4.01.0000. 8. Assim, visualiza-se a USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO, estipulada pelo artigo 30, VII, da Constituição Federal e pelo artigo 7º, I, II, X, 149, III, 150, I e III, 151, IV e 194, XVIII, todos da Lei Municipal 9.347, de 11 de março de 2008, não-observância à SUPREMACIA e à INDISPONIBILIDADE do INTERESSE PÚBLICO, e à OBRIGATORIEDADE DO DESEMPENHO DA ATIVIDADE PÚBLICA, e, principalmente, desobediência à LEGALIDADE, bem como o desprezo à flagrante IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, pelo presente referencial à identidade, ação e memória da sociedade fortalezense e cearense, conforme artigo 216, 1º, da Constituição Federal, que confere ao PODER EXECUTIVO, e não ao Judiciário, o poder-dever de promoção e proteção do patrimônio cultural e do ordenamento urbano. Tudo em virtude da impossibilidade de o Poder Judiciário substituir a Administração Pública, em suas atribuições indelegáveis, como no presente caso. 9. Apesar de sua insubsistência e precariedade, a LIMINAR provocou o pior dos males: a DEMOLIÇÃO do bem tombado. A natureza de uma liminar é evitar o dano irreparável, esta o causou. Daí a decisão ser absurda. 10. O bem cultural, por 50 (cinquenta) anos, abrigou o COLÉGIO NOSSA SENHORA ASSUNÇÃO, local de inúmeros momentos importantes da vida de milhares de pessoas. Ainda mais: sua arquitetura guardava traços originais da época. Portanto, 3
presentes todos, simplesmente todos, os requisitos necessários à implementação do instituto de tutela do patrimônio cultural mencionado, conferindo legalidade e legitimidade ao ato administrativo de tombamento. 11. Os artigos 150, III, e 240, ambos da Lei Municipal 9.347, de 11 de março de 2008, em concordância com o artigo 216, 1º, da Constituição Federal, demonstra o poder-dever auferido ao Poder Executivo para a tutela do Patrimônio Cultural; devendo o Poder Judiciário, assim como a população, colaborar com a Administração Pública na promoção e proteção do patrimônio cultural do município. 12. Pelas constantes ocorrências de crimes contra o patrimônio cultural no Município de Fortaleza nos resta uma cidade instalada em cinzas de memórias maltratadas, de significados destruídos, de vida dilaceradas pela diminuição do referencial axiológico coletivo. 13. Conforme Celso Antônio Bandeira de Melo, ao tratar do princípio da obrigatoridade do desempenho da atividade pública, a prossecução das finalidades assinaladas pela lei, no tocante à tutela do ordenamento urbano e do patrimônio cultural, se encontra na esfera do DEVER DA ADMINISTRAÇÃO, e não do Poder Judiciário, em face da lei. A lei, explicitamente determina dessa forma. O interesse público não está à disposição da vontade do administrador, sujeito à vontade deste; pelo contrário, apresenta-se para ele sob a forma de um comando. O ato administrativo, digase legal, do tombamento, encontra-se nitidamente na esfera do cumprimento do princípio da legalidade. Ao executar este comando, o administrador está, simplesmente, cumprindo o que a lei determina como suas atribuições, haja vista os princípios já demonstrados anteriormente, observados pelo Administrador Público e flagrantemente infringidos pelo magistrado. 14. A conduta da parte autora está tipificada pelo artigo 62, I, da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, que, no capítulo referente aos crimes contra o ordenamento urbano e patrimônio cultural, estabelece o crime de destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. 4
CONCLUSÃO 15. Desta forma, a Comissão de Direitos Culturais da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará opina pelo encaminhamento dos autos à Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, para a apuração da conduta funcional do magistrado, e à Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Ceará, em razão do crime de DANO AO PATRIMÔNIO CULTURAL, conforme artigos 216, 4º, da Constituição Federal, que escreve acerca da punição, na forma da lei, de qualquer dano e ameaça ao patrimônio cultural, e 62, I, da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que tipifica a conduta sob crivo; dando conhecimento à imprensa, ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ao Prefeito Municipal de Fortaleza, à Procuradoria do Município de Fortaleza, à Secretaria de Cultura de Fortaleza e ao Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico-Cultural de Fortaleza, para as providências inerentes a cada órgão. Raimundo Nonato Costa Filho Parecerista Advogado OAB-CE 27.227 Vice-Presidente da Comissão de Direitos Culturais Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará 5