As percepções do pianista colaborador na profissão: um estudo sobre seus modos de ser e agir numa escola de música

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Transcrição:

As percepções do pianista colaborador na profissão: um estudo sobre seus modos de ser e agir numa escola de música COMUNICAÇÃO Guilherme Farias de Castro Montenegro Universidade de Brasília gfmontenegro@gmail.com Resumo: Esta comunicação apresenta pesquisa de mestrado em andamento que visa compreender como os pianistas colaboradores percebem seus modos de ser e agir na profissão no contexto de uma escola de música. Para atingir o objetivo, adotou-se entrevista semiestruturada como instrumento de coleta de dados. O conceito de cultura profissional (CARIA, 2008; 2006; DUBAR, 2005) compõe a fundamentação teórica da pesquisa. Dentre os resultados destacam-se a inserção profissional, os conhecimentos e as habilidades desenvolvidas ao longo do trabalho e as interações sociais na instituição como elementos constitutivos dos modos de ser e agir do pianista colaborador em sua profissão. Palavras-chave: Cultura profissional. Escola de música. Pianista colaborador. The collaborative pianist s perceptions in the profession: a study about his being and acting modes in a music school context Abstract: This paper presents a master s degree research in progress, whose purpose is to understand how the collaborative pianists perceive their being and acting modes in the profession in a school music context. To achieve the goal, the semi-structured interview technique was adopted. The conception of professional culture forms the theoretical basis of the research (CARIA 2008, 2006; DUBAR, 2005). Among the results, there is the professional insertion, the knowledge and abilities developed throughout the work and the social interactions within the institution as important elements of the being and acting collaborative pianist modes in his/her profession. Keywords: Professional culture. Music school. Collaborative pianist. 1. Introdução Ainda que o pianista possa realizar trabalhos artísticos como solista, o mercado de trabalho tem sinalizado práticas musicais em grupo que demandam a participação e colaboração desse profissional junto a outros músicos. As práticas musicais consistem no acompanhamento de cantores e instrumentistas em aulas de música, concursos, óperas, musicais, masterclasses, festivais e apresentações públicas e ocorrem nos mais variados contextos: igrejas, escolas de dança, coros de empresa, companhias de ópera e instituições de ensino (MUNIZ, 2010; MUNDIM, 2009; PORTO, 2004). Na literatura consultada, alguns autores discutem terminologias que identificam esse pianista. Por exemplo, correpetidor é quem atua com cantores e se especializa em repertório vocal (MUNDIM, 2009; PORTO, 2004). O sideman se dedica à música popular, acompanha e auxilia o músico nas interpretações e compõe arranjos e orquestrações próprias (GAROTTI JUNIOR, 2007). O pianista camerista toca em grupos de música de camara

duos até octetos - e, segundo Muniz (2010), a leitura à primeira vista não é tão exigida nessa função. Para outros, o termo acompanhador pode ser interpretado em sentido pejorativo e deveria, portanto, ser substituído pelo vocábulo colaborador, que destaca o aspecto da cooperação entre o pianista e os demais músicos, o trabalho em equipe e a responsabilidade (COSTA, 2011; MUNIZ, 2010; MUNDIM, 2009; KATZ, 2009). Em concordância aos argumentos em epígrafe, foi adotado o termo colaborador nesta pesquisa, por ser mais adequado, ao incluir os diferentes espaços e situações de atuação. Dentre esses espaços, destacam-se as escolas técnicas de música e as Universidades que contratam pianistas colaboradores aprovados em concursos públicos cuja seleção exige habilidades e conhecimentos musicais específicos. Esse é o caso do Centro de Educação Profissional - Escola de Música de Brasília, onde os pianistas colaboradores atuam em aulas de canto erudito, instrumento, turmas de canto coral, orquestras e nas áreas de música antiga e música popular, indicando uma diversidade de situações e espaços em que o sujeito vai desenvolvendo seus modos de ser e agir. Nessa instituição educacional, os profissionais se reúnem em núcleo pedagógico específico, em que a socialização profissional e as interações influenciam no desenvolvimento dos seus modos de ser e agir na profissão. As instituições de ensino representam um mercado de trabalho em que as práticas musicais e as ações educativas orientam a formação de músicos profissionais e favorecem a socialização profissional de pianistas colaboradores. Esse cenário estimulou as seguintes reflexões: como esses profissionais desenvolvem seus modos de ser e agir no trabalho? Como eles se percebem nos processos de formação musical da escola? Até que ponto o contexto escolar influencia seus modos de ser e agir? Quais as dimensões pedagógicas da atuação? Nesse sentido, a pesquisa em andamento tem como objetivo geral compreender como os pianistas colaboradores percebem seus modos de ser e agir na profissão no contexto do Centro de Educação Profissional Escola de Música de Brasília (CEP-EMB). O foco desta comunicação são as definições de cultura profissional e os resultados parciais da pesquisa em andamento. 2. A cultura profissional na literatura As pesquisas sobre cultura profissional têm apontado divergências teórico conceituais que, segundo Caria (2008), são provenientes de uma longa tradição na sociologia, na antropologia e nos estudos culturais. O autor destaca a necessidade de minimizar as ambiguidades e valorizar os pontos que contribuem para os estudos sobre os grupos

profissionais. Quando Dubar (2005) define as profissões como atividades especializadas e desenvolvidas por meio de uma formação prolongada, ele reforça a ideia de um monopólio de saberes que um grupo profissional detém sobre sua atividade, delimitando uma cultura profissional. Para o autor, a socialização do indivíduo no trabalho constitui principalmente a iniciação e o mergulho nessa cultura profissional, em que são reveladas as regras de relacionamento, os códigos e os padrões de atuação que instituirão, ao longo do tempo, o código de ética da profissão (DUBAR, 2005:182). A cultura é capaz de desencadear processos de (re)definições identitárias, influenciando os modos como o sujeito percebe a si e a realidade à sua volta. Nesse sentido, a noção de cultura tem delineado grupos profissionais específicos, como os sociólogos (COSTA, 1988), os psicólogos (DIMENSTEIN, 2000), os professores (CARIA 2008; 2006; LIMA, 2000) e especificamente no campo da educação musical, os professores de violão (VIEIRA, 2009). Costa (1988:107) propõe o estudo e a análise da cultura profissional dos sociólogos em Portugal e a define como um conjunto de representações que um grupo tem sobre seu próprio domínio de atividade. Essas representações são formadas por um conjunto simbólico e complexo de valores e normas instituídos pelos indivíduos no grupo e evidenciam repercussões importantes no modo em que o sujeito pensa e pratica a profissão. O autor aponta que há fatores externos ao indivíduo que o influenciam e fazem parte da cultura profissional, como os processos históricos, estruturais e contextuais. A cultura profissional do psicólogo é estudada por Dimenstein (2000), que fala sobre a presença do ideário individualista refletido em sua atuação. De acordo com as necessidades que emergem do campo, a autora afirma que as ideias, as concepções teóricas, as práticas e os hábitos individuais e do grupo vão se constituindo e se apoiando nessa cultura profissional, que é definida como: o conjunto de idéias, visão de mundo e estilo de vida profissional adotado por um grupo profissional especifico, que vem determinar a adesão e preferência por certos modelos de atuação, por certos referenciais teóricos, assim como, por certos padrões, códigos e regras de relacionamento entre os pares e com a comunidade leiga; além de definir suas formas de organização e representação na sociedade (DIMENSTEIN, 2000:101) Essa definição apresenta elementos internos que definem e diferenciam um grupo profissional de outro, e elementos político-ideológicos (externos) que visam à autonomia e à legitimação do grupo em relação à sociedade. No campo específico das pesquisas educacionais, de acordo com Lima (2000), as referências ao termo cultura são vagas. Além disso, as concepções sobre cultura mostram uma dimensão idealista ou psicológica do termo em que se valorizam as crenças, as opiniões e

os valores do professor, sem contabilizar as interações sociais manifestadas no trabalho. Para Lima (2000), essa postura teórica pode ignorar as práticas do professor e perder o sentido antropológico original da cultura, centrado nas interações entre os indivíduos. Relativamente aos estudos em educação cujo objeto é o professor, Caria (2006;2008) destaca três princípios que orientam o conceito de cultura: (1) construção social e histórica capaz de mobilizar identidades coletivas ; (2) prática social imbricada nas produções simbólicas dos atores sociais e (3) reflexividade que se manifesta nas interações por meio de saberes práticos. O primeiro princípio estabelece que as relações sociais com o outro produzem identidades que trazem delimitações entre aquilo que é interior ou exterior ao grupo, de modo semelhante a Dubar (2005). No segundo caso, as interações sociais promovem construções de mundos simbólicos partilhados mutuamente no grupo, formando uma consciência prática. Por último, a cultura é uma reflexividade porque é expressa pelos saberes práticos desenvolvidos em contexto de trabalho e influenciados pelas interações e pelos discursos. Na Educação Musical, Vieira (2009) estuda a cultura profissional de professores de violão. Para o autor, o conceito engloba [...] o conjunto de valores, atitudes, interesses, destrezas e conhecimentos que são desenvolvidos no trabalho e que definem e diferenciam esses professores de outros grupos profissionais (VEIRA, 2009: 30). A definição, portanto, prioriza a forma identitária citada por Dubar (2005) e Caria (2008). A cultura dos professores de violão, segundo Vieira (2009:162) está em constante transformação, recebe influências da socialização profissional e é capaz de delimitar os seus modos de ser e agir na profissão. 3. A metodologia Para compreender como os pianistas colaboradores percebem seus modos de ser e agir na profissão, foi utilizada a entrevista semiestruturada como técnica de coleta de dados. Segundo alguns autores, essa técnica permite destacar o aspecto subjetivo e a visão de mundo do indivíduo - o que dificilmente seria revelado pela observação (SZYMANSKI et al., 2011; ROSA; ARNOLDI, 2008; DUARTE, 2004). Para verificar a adequação do roteiro de entrevista elaborado, foi realizado um estudo piloto com uma pianista colaboradora e foram adotados os seguintes critérios para a escolha do sujeito: (1) atuação ou experiência com a colaboração musical; (2) concordância em participar da entrevista e (3) não atuação na escola investigada em razão do não

comprometimento às futuras entrevistas. A entrevista durou cinqüenta e dois minutos, foi gravada em áudio, transcrita literalmente e analisada. 4. Os resultados: os modos de ser e agir do pianista colaborador Na análise dos dados, as percepções sobre os modos de ser e agir da pianista apontaram as seguintes categorias: (a) inserção profissional; (b) competências, habilidades e conhecimentos profissionais; (c) espaços e situações de atuação; (d) interações sociais; (e) princípios, estratégias e procedimentos da atuação e (f) dimensões pedagógicas da atuação. Livres 1 associa sua inserção profissional a dois momentos: aprovação por concurso público e reconhecimento pelos pares. Ambos são marcados por expectativas de tocar muita música, estudar piano e crescer na profissão. O reconhecimento de si no trabalho se legitima gradativamente nas experiências do trabalho. A prova em concurso público delimita um conjunto de competências, habilidades e conhecimentos que também são exigidos e desenvolvidos ao longo da profissão. Livres destaca os conhecimentos sobre línguas e estilos musicais, as habilidades em leitura de grades e o domínio do instrumento que, na sua visão, são mais exigidos aos pianistas colaboradores que aos colegas que atuam em outras áreas na instituição. Para a entrevistada, a ideia de fazer música em conjunto exige qualidades pessoais como a flexibilidade, a abertura e a sensibilidade para perceber o outro e por conseguinte, não é todo pianista que consegue ser pianista correpetidor ou camerista (EP 2, p. 13). Na sua fala, emergem duas funções do pianista colaborador, que se destacam da atuação do pianista solo. Outra característica da profissão é a diversidade de espaços e situações em que o pianista colaborador é solicitado a atuar. No caso do CEP - EMB, são orquestras, coros, e aulas com cantores e instrumentistas de sopros e cordas, que contribuem para o seu crescimento profissional e de seus alunos. Essa diversidade de situações reflete diferenças no desenvolvimento musical das pessoas envolvidas na colaboração. Livres comenta que a correpetição e a música de câmara possuem repertórios distintos, que definem diferentes modos de ser e agir: [...]e cada uma dessas situações, você tem que saber o que fazer, e como tocar (EP, p. 14). Esse comentário indica que o pianista colaborador pode ter um perfil profissional mais diversificado ou mais específico conforme a amplitude de espaços e situações em que atua. As interações sociais são condições essenciais para a formação continuada do pianista colaborador. Por meio de conversas com os pares e de observações sobre o professor

de instrumento em sala de aula, por exemplo, foi possível a Livres trocar experiências, refletir sobre a própria atuação e tomar decisões sobre o que e como fazer o seu trabalho. Os modos de ser e agir de Livres são orientados por princípios, estratégias e procedimentos. Um princípio destacado por Livres é o reconhecimento das diferenças de sonoridade entre os instrumentos musicais e o estabelecimento do equilíbrio e ajuste do seu som com o do outro músico nos aspectos da intensidade, afinação, andamento e ritmo. A retomada do músico pelo seu solo deve ser destacada de modo claro pelo pianista colaborador e com razoável antecedência. Esse procedimento, chamado por Livres de deixa, pode ser indicado pelo modo de tocar o piano ou por algum gesto corporal que o pianista deve fazer. Por fim, algumas estratégias são adotadas por Livres, de modo a otimizar a sua atuação: ouvir gravações com diferentes intérpretes daquele repertório e assistir a DVDs; ler e pesquisar informações sobre o compositor e sua obra; fazer anotações na partitura e utilizar gravador e metrônomo durante os ensaios. As dimensões pedagógicas na atuação de Livres se evidenciam pela sua preocupação com o desenvolvimento musical dos alunos. Segundo a entrevistada, o trabalho do pianista colaborador vai muito além de você decodificar sinal, grafia (EP, p.11). Por isso, é importante orientar o aluno sobre o compositor, o estilo musical da obra, a sonoridade e como construir a interpretação musical. Se o trabalho for com o cantor, é necessário ajudá-lo na construção do perfil psicológico do personagem da ópera e discutir como poderá ser feita determinada cena. A dimensão pedagógica, para Livres, oportuniza aprendizagem pessoal e produz um sentido de realização profissional: Porque eu vou ensinando pra eles o que eles me respondem. [...] Acho que cada um [aluno] tem um universo com o qual trabalhei, [e] aquilo me acrescentou demais. Por isso que eu gosto de estar junto [com os alunos]. (EP, p. 9) 5. Conclusões As categorias do estudo piloto sugerem algumas características dos modos de ser e agir do pianista colaborador na cultura profissional do grupo. Esses modos de ser e agir são construídos e desenvolvidos pelo sujeito ao longo da profissão, bem como são influenciados pelas interações sociais circunscritas em um contexto escolar. Os resultados apontam a adequação e pertinência do roteiro de entrevista para atingir os objetivos estabelecidos e sinalizam o pianista colaborador como mais um ator social que contribui para a formação de músicos profissionais em contextos de escolas especializadas de música.

O desvelamento da dimensão pedagógica na atuação da pianista colaboradora reforça a consciência sobre o seu papel na formação de músicos profissionais. Seus modos de ser e agir refletem complexidades nos processos de ensino e aprendizagem musicais que os impulsionam numa atitude responsável e reflexiva diante de alunos que desejam se profissionalizar no campo da música. Assim como a dimensão pedagógica, as demais categorias citadas delimitam seus modos de ser e agir na profissão, e são (constantemente) transformados em contexto de trabalho. Nesse sentido, é imprescindível perceber a reflexividade interativa na cultura profissional: Porque [a cultura] se destina, preferencialmente, à análise do trabalho e do conhecimento nos grupos profissionais que têm a função de desenvolver a reflexividade institucional da modernidade e que, ao mesmo tempo, são práticos, porque têm de recontextualizar o conhecimento abstracto em saberes experienciais e em práticas em situação, para serem capazes de intervir socialmente com legitimidade, eficácia estratégica e especificidade contextual (CARIA, 2008:758) Portanto, a reflexividade sugere a ideia de autonomia do profissional, que é capaz de aplicar os conhecimentos abstratos no trabalho, refletir sobre a própria ação, intervir socialmente e se posicionar em contexto de trabalho. Considerar a reflexividade no estudo da cultura profissional viabiliza compreender o pianista colaborador e seus modos de ser e agir, numa dinâmica constante das transformações no trabalho. Referências: CARIA, Telmo H. O uso do conceito de cultura na investigação sobre profissões. Revista Análise Social, v. 43, n. 4, p. 749-773, 2008.. Reflexões teórico-metodológicas sobre a análise e a descrição das cultura profissionais. Actas dos Encontros em Sociologia, Universidade do Minho, v. 3, p. 91-102, 2006 COSTA, Antonio Firmino da. Cultura profissional dos sociólogos. In: CONGRESSO PORTUGUÊS DE SOCIOLOGIA, 1, 1988, Lisboa. Anais... Lisboa: Universidade de Lisboa, 1988. COSTA, José Francisco da. Leitura à primeira vista na formação do pianista colaborador a partir de uma abordagem qualitativa. 2011. 295 f. Tese (Doutorado em Música) Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011. DIMENSTEIN, Magda. A cultura profissional do psicólogo e o ideário individualista: implicações para a prática no campo da assistência pública à saúde. Estudos de Psicologia, v. 5, n.1, p. 95-121, 2000.

DUARTE, Rosália. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Revista Educar, Curitiba, n. 24, p. 213-225, 2004. DUBAR, Claude. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Tradução: Andréa Stahel M. Silva. São Paulo: Martins Fontes editora, 2005. GAROTTI JUNIOR, Jether Benevides. Cesar Camargo Mariano, Cristovão Bastos e Gilson Peranzzetta: uma análise musical das técnicas de acompanhamento pianístico na música popular brasileira no final do século XX. 2007. 206 f. Dissertação (Mestrado em Artes/Música) Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007. KATZ, Martin. The complete collaborator: the pianist as partner. New York: Oxford University Press, 2009. LIMA, Jorge Ávila de. Questões centrais no estudo das culturas profissionais dos professores: uma síntese critica da bibliografia. Revista Educação, Sociedade e Culturas, Cidade, n.13, p. 59-103, 2000. MUNDIM, Adriana Abid. O pianista colaborador: a formação e atuação performática no acompanhamento de flauta transversal. 2009. 135 f. Dissertação (Mestrado em Performance Musical) Escola de Música, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009. MUNIZ, Franklin Roosevelt. O pianista camerista, correpetidor e colaborador: as habilidades nos diversos campos de atuação. 2010. 49 f. Dissertação (Mestrado em Performance Musical e Interfaces) Escola de Música e Artes Cênicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2010. PORTO, Maria Caroline de Souza. O pianista correpetidor no Brasil: empirismo x treinamento formal na aquisição das especificidades técnicas e intelectuais necessárias à sua atuação. 2004. 101 f. Dissertação (Mestrado em Música) Escola de Música e Artes Cênicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2004. ROSA, Maria Virginia de Figueiredo Pereira do Couto; ARNOLDI, Marlene Aparecida Gonzalez. A entrevista na pesquisa qualitativa: mecanismos para validação dos resultados. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2008. SZYMANSKI, Heloísa (org); ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; PRANDINI, Regina Célia Almeida Rego. A entrevista na Pesquisa em Educação: a prática reflexiva. 4. ed. Brasília: Líber Livro, 2011. VIEIRA, Alexandre. Professores de violão e seus modos de ser e agir na profissão: um estudo sobre culturas profissionais no campo da música. Porto Alegre, 2009. 179 f. Dissertação (Mestrado em Educação Musical) Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Notas 1 Foi utilizado um nome fictício para preservar o anonimato da entrevistada. A publicação dos resultados da entrevista nesta comunicação foi feita somente após o seu consentimento e autorização. 2 EP significa Entrevista Piloto.