A EXPANSÃO DO SETOR CELULÓSICO EM TRÊS LAGOAS/MS E AS NOVAS DINÂMICAS TERRITORIAIS

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Transcrição:

A EXPANSÃO DO SETOR CELULÓSICO EM TRÊS LAGOAS/MS E AS NOVAS DINÂMICAS TERRITORIAIS Gabriela Nogueira de Medeiros 1 Matheus Henrique de Souza Barros 2 Resumo O presente trabalho tem por objetivo analisar o comportamento do mercado de terras agrícolas em Três Lagoas- MS a partir de 2007, tendo como ponto de partida a variável preço por hectare e seus desdobramentos para a dinâmica fundiária. Optou-se por este recorte espacial e temporal em virtude de Três Lagoas ser considerada na atualidade a capital mundial da celulose, situação resultante da instalação de duas grandes empresas de plantio e processamento de eucalipto no município. Esta expansão por terras para plantio de eucalipto valorizou sobremaneira o preço da terra, em especial nas áreas próximas às fábricas - situação já registrada em alguns estudos. Logo, entendemos como premente investigar os condicionantes e desdobramentos da valorização das terras agrícolas em Três Lagoas-MS, partindo da análise de mapas de uso e ocupação nos últimos dez anos. Palavras-chave: Papel e celulose, Terras agrícolas, Valorização. Introdução O presente trabalho é resultado do projeto de iniciação científica intitulado Diagnóstico do processo de valorização das terras agrícolas em Três Lagoas-MS e as repercussões para a Reforma Agrária, orientado pela professora doutora Rosemeire Aparecida de Almeida e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tendo por objetivo investigar os condicionantes do processo de valorização das terras agrícolas em Três Lagoas. Tendo como ponto de partida a variável preço por hectare, busca-se estudar a dinâmica da valorização por meio do levantamento da variação do preço das terras agricultáveis para venda e arrendamento em Três Lagoas a partir de 2007, além de apreender as dinâmicas do mercado fundiário e seus desdobramentos. Nesse sentido, pretende-se, com mapas de uso e ocupação da terra, demonstrar como a mudança de atividade econômica influencia nessa valorização, uma vez que houve a territorialização do capital através da monocultura de eucalipto. 1 Aluna do Curso de Direito da UFMS, bolsista de Iniciação Científica CNPq PIBIC 2016/17; e-mail: gabinm13@gmail.com. 2 Graduado em Geografia pela UFMS, bolsista de Iniciação Científica CNPq PIBIC 2016/17; e-mail: matheus.geo2013@gmail.com.

Dessa forma, optou-se por este recorte espacial e temporal em virtude de Três Lagoas ser considerada na atualidade a capital mundial da celulose, situação resultante da instalação de duas grandes empresas de plantio e processamento de eucalipto, a saber: Fibria/Internacional Paper e Eldorado Brasil, ambas localizadas em Três Lagoas. O marco inicial deste processo é 2007, quando se oficializa a troca de ativos entre a Internacional Paper/IP e a Votorantim Papel e Celulose/VCP (atual Fibria). Este processo atinge seu ápice em 2009, quando a empresa coloca em operação a fábrica Horizonte 1 em Três Lagoas - que articula plantio de eucalipto, processamento da celulose e produção do papel por meio de parceria entre Fibria (resultado da fusão das empresas Votorantim Celulose e Papel e Aracruz Celulose) e International Paper/IP. Posteriormente, a estas se junta a Eldorado Brasil, cuja pedra inaugural foi lançada em junho de 2010. A referida fábrica entrou em operação em 2012 com capacidade para 1,5 milhão de tonelada/ano de celulose, tendo como principais acionistas o grupo JBS (Friboi) e a MCL Empreendimentos. Três Lagoas: a capital mundial da celulose Para compreender o caso em questão, qual seja a formação da capital mundial da celulose, é preciso dispor de conceitos como o de território, que se entende, nesse trabalho, como: [...] síntese contraditória, como totalidade concreta do modo de produção/distribuição/circulação/consumo e suas articulações e mediações supraestruturais (políticas, ideológicas, simbólicas etc.), em que o Estado desempenha a função de regulação. O território é, assim, efeito material da luta de classes travadas pela sociedade na produção de sua existência. Sociedade capitalista que está assentada em três classes sociais fundamentais: proletariado, burguesia e proprietários de terra. (OLIVEIRA, 2004, p.40). Logo, percebe-se o campo brasileiro como um território de conflitos que, atualmente, sofre um processo de mudanças, especialmente no estado do Mato Grosso do Sul e na microrregião de Três Lagoas: a velocidade da expansão do plantio de eucalipto. Neste sentido, dados do anuário da Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas ABRAF evidenciam o aumento do plantio de eucalipto no estado: em 2005 eram 113.432 ha, em 2007 atinge 207.687 ha e, 2011, a área total plantada com eucalipto atinge 475.528 ha (um

crescimento de 24,3% no período), conforme observado no quadro 01. A maioria dos plantios estão sob controle da Fibria por meio da unidade sediada em Três Lagoas. Quadro 1: Plantios (ha) de Eucalipto nos estados do Brasil (2005-2011) UF 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 MG 1.119.259 1.181.429 1.218.212 1.278.210 1.300.000 1.400.000 1.401.787 SP 798.522 915.841 911.908 1.001.080 1.029.670 1.044.813 1.031.677 PR 114.996 121.908 123.070 142.430 157.920 161.422 188.153 BA 527.386 540.172 550.127 587.610 628.440 631.464 607.440 SC 61.166 70.341 74.008 77.440 100.140 102.399 104.686 RS 179.690 184.245 222.245 277.320 271.980 273.042 280.198 MS 113.432 119.319 207.687 265.250 290.890 378.195 475.528 ES 204.035 207.800 208.819 210.410 204.570 203.885 197.512 PA 106.033 115.806 126.286 136.290 139.720 148.656 151.378 MA 60.745 93.285 106.802 111.120 137.360 151.403 165.717 GO 47.542 49.637 51.279 56.880 57.940 58.519 59.624 AP 60.087 58.473 58.874 63.310 62.880 49.369 50.099 MT 42.417 46.146 57.151 58.580 61.530 61.950 58.843 TO 2.124 13.901 21.655 31.920 44.310 47.542 65.502 PI - - - - - 37.025 26.493 Outros 25.285 27.491 31.588 27.580 28.380 4.650 9.314 Total 3.462.719 3.745.794 3.969.711 4.325.430 4.515.730 4.515.730 4.754.334 Fonte: Anuário ABRAF (2011). Org. LABET/UFMS. Entretanto, apesar do destaque nesse trabalho à expansão do setor celulósico a partir de 2007, esse processo teve suas origens ainda na década de 1970, quando políticas públicas se voltaram para o incentivo às grandes propriedades produtoras de eucalipto com o objetivo de abastecer as indústrias siderúrgicas instaladas no sudeste do país. Com isso, o munícipio de Três Lagoas e outros da região, consolidaram a opção pelo monocultivo de eucalipto combinado com a pecuária extensiva (KUDLAVICZ, 2010). Isto posto, denuncia-se a territorialização da monocultura do eucalipto na região, responsável por intensas transformações territoriais como, por exemplo, o principal objeto de

estudo desse trabalho: a supervalorização do preço da terra, em especial nas áreas próximas às fábricas, situação já registrada em alguns estudos, como de Castilho (2012): Já em Mato Grosso do Sul, o mercado mais aquecido fica no eixo entre Três Lagoas e Campo Grande, com a implantação de vários projetos de papel e celulose, os quais puxaram os preços para terras de florestas de eucalipto. No longo prazo o cenário é favorável à elevação dos preços das terras brasileiras. (CASTILHO, 2012, p. 39) Essa valorização das terras sul-matogrossenses se dá sobre uma estrutura fundiária das mais concentradas do Brasil, segundo dados do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), já que 10,1% dos estabelecimentos acima de 1000ha detém 76,9% da área agrícola do estado. Essa concentração da terra é a principal responsável pela intensa disputa pelo território, na região em estudo, entre os agricultores familiares e o agronegócio. Sendo assim, é premente investigar a relação entre a expansão do agronegócio da celulose e o aumento dos preços das terras agrícolas na região. A expansão do setor celulósico e a valorização das terras agrícolas Para espacialização da dinâmica territorial, foram elaborados mapas multitemporais de uso e ocupação da terra do município de Três Lagoas evidenciando o crescimento do plantio de eucalipto entre os anos de 2007 e 2016. Para isso foram utilizadas imagens dos satélites Landsat 5 e 8, disponibilizadas gratuitamente no catálogo de imagens do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e os softwares SPRING e ARCgis. Os mapas de uso e ocupação do município de Três Lagoas são compostos de cinco classes temáticas, sendo elas: pastagem, vegetação florestal, corpo d água continental, área urbanizada e silvicultura, sendo que esta última representa em sua maioria o plantio de eucalipto destinado à produção de celulose e papel. Quanto à uma classe específica que representaria a agricultura familiar camponesa, esta não pode ser analisada na escala na qual o mapa foi elaborado, visto que é quase inexistente na região. Desta forma, pode-se analisar a priori, a partir dos mapas a seguir (figura 1 e figura 2), a expressiva mudança da dinâmica territorial no recorte temporal em questão. Em 2007, observa-se que a classe predominante era a pastagem, devido à atividade econômica principal, qual seja a pecuária extensiva.

Nesse sentido, nesse mesmo ano, a silvicultura representava apenas 4,49% da área total do município de Três Lagoas (1020207,64 ha), o que equivale a 45.807,323 ha. Figura 1: Mapa de uso e ocupação do Município de Três Lagoas/MS no ano de 2007

Figura 2: Mapa de uso e ocupação do Município de Três Lagoas/MS no ano de 2016 Já em 2016, a silvicultura, representada pelo plantio de eucalipto, equivale a 26,05% (265795,34 ha) da área total do município, apresentando um aumento de 21,56% se comparado ao ano de 2007. Tendo isso em vista, a crescente demanda de áreas para plantio de eucalipto resultou em uma supervalorização das terras agrícolas em Três Lagoas. Assim, a fim de complementar os dados obtidos, também foram realizadas entrevistas com servidores da AGRAER (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural), com agricultores e com agentes da corretagem de terras rurais em Três Lagoas. Quando questionados acerca dos fatores que contribuíram para a valorização das terras agrícolas, todos os entrevistados relacionaram a alta dos preços à instalação e ampliação do setor celulósico na região, conforme relatos a seguir. Com certeza seria o desenvolvimento do setor florestal. Isso com certeza. Tanto a implantação de uma das maiores fábricas de celulose que seria a Eldorado, como a que já existia, a Fibria, e o aporte dela novo que seria a Horizonte 1. (J., representante da AGRAER. Ago. 2017)

Basicamente, a vinda das indústrias do setor florestal, de florestas plantadas, é o principal, pra não dizer o único, fator de valorização de terras na nossa região. (M., representante do Sindicato Rural de Três Lagoas. Ago. 2017) Sem sombra de dúvidas, a industrialização em Três Lagoas no seguimento de celulose papel, sabendo que grande parte da nossa zona rural e das cidades circunvizinhas hoje se destina ao cultivo de madeiras eucalipto. (T., corretor de imóveis. Fev. 2017) No que concerne ao período de maior valorização, os entrevistados citaram o momento de instalação da Fibria (Horizonte I), em meados de 2007 e da Eldorado Brasil, em 2012. Posteriormente, novo aquecimento com a expansão da unidade Três Lagoas via projeto Horizonte 2, anunciado em 2015. Logo com a construção da Eldorado, né, teve um pico de crescimento grande em termos de valorização das terras, com o funcionamento dela também, e agora com a ampliação da Horizonte 2 que seria a nova etapa da Fibria. Então são quatro seguimentos: com a Fibria, (...) quando se começou a conversar sobre a implantação da Eldorado, com o seu funcionamento, e agora com a construção da Horizonte 2. (J., representante da AGRAER. Ago. 2017) Em 2005, quando eles bateram o martelo e decidiram construir a fábrica em Três Lagoas, se ampliou os plantios. Eles não detinham terras suficientes para o quanto eles precisavam. Então, já começou a se ofertar o arrendamento, faziam a oferta para o proprietário de terra e iriam pagar rendas anuais, em alguns casos trimestrais ou semestrais, mas o fato é que eram contratos de quinze anos de fornecimento de florestas. (...) Isso começou em 2005. Então, a gente pode considerar que a maioria dos contratos nunca venceram. Vão começar a vencer em 2020. (...) Devido a essa procura, a essa demanda muito grande por parte das indústrias, há naturalmente a lei da oferta e da procura, que é o que rege todos os mercados (...). Você tinha uma maior procura por área pela indústria (...). Isso provocou a valorização da terra porque eles começaram a pagar rendas acima do que dava a rentabilidade da pecuária. (M., representante do Sindicato Rural de Três Lagoas. Ago. 2017) Acredito que logo no início das construções das fábricas de celulose e papel, talvez de meados de 2007. (T., corretor de imóveis. Fev. 2017) Desse modo, de acordo com dados do Instituto FNP, em Três Lagoas e Aparecida do Taboado, no ano de 2002, os preços de terra variavam de R$950,00 a R$1.200,00 na região, enquanto em 2005 passou a ser de R$2.859,00 a R$3.713,00 - conforme demonstrado no quadro 2. Quadro 2: Evolução dos preços de terras na região Leste do Mato Grosso do Sul Municípios 2002 mar-abr 2004 mar-abr 2005 jan-fev

Água Clara/Inocência R$700,00 a R$950,00 R$1.856,00 a 2.772,00 R$1.856,00 a 2.772,00 Três Lagoas/Aparecida do Taboado R$950,00 a R$1.200,00 R$2.859,00 a R$3.713,00 R$2.859,00 a R$3.713,00 Fonte: Instituto FNP, fevereiro de 2005. Análise do Mercado de Terras. Relatório Bimestral n.º 003 - janeiro/fevereiro de 2005. Org.: Kudlavicz; Almeida, 2014. Quanto à exemplificação dessa valorização, vale destacar as informações cedidas pelos representantes da AGRAER e do Sindicato Rural durante as entrevistas: Se você pegar há dez anos atrás, o valor do alqueire de terra nas regiões próximas às indústrias, que seria a região do Moeda, Arapuá, e ali próximo a Selvíria, estava em torno ali de 12, 15 mil reais o alqueire. Hoje, se fala em 50, 60 mil reais o alqueire, entendeu. Quanto mais próximo da indústria, maior é o valor da terra. Então, o exemplo maior é o valor mesmo, a valorização da terra nua, da terra bruta hoje, né, que cresceu hoje, assim, absurdamente 300%, pode-se dizer. (J., representante da AGRAER. Ago. 2017) Vamos passar um dado real, né. Em 2005, a então prefeita Simone Tebet criou uma lei que foi aprovada na Câmara de Vereadores, se eu não me engano, que estabeleceu um reajuste pro Valor de Terra Nua. (...) O VTN é calculado pra imposto (...). O ITR é calculado em cima de Valor de Terra Nua, o que quer dizer que seria uma terra sem nenhuma benfeitoria (...). Calcula-se esse valor, daí colocase o valor de benfeitoria que varia de propriedade pra propriedade, e chega-se no valor estimado. Pra pagamento de terra, é em cima de Valor de Terra Nua. Esse valor de terra nua, existe um valor de referência da Prefeitura. Então, tinha um valor de referência em 2005 e a prefeitura estabeleceu que ela ia corrigir isso através de um índice inflacionário. Chegou em 2015, dez anos depois, esse valor estava desatualizado. Ou seja, primeira conclusão que se tira é que a terra se valorizou acima da inflação, porque se ele vinha corrigindo desde 2005 em cima da inflação e chegou em 2015 ele tava abaixo do valor real, então houve uma valorização acima da inflação. (...) Então, estamos falando que corrigindo a inflação nós estávamos com um valor aproximadamente de terras pra pastagem plantada de 1.600 a 1.800 [por hectare], valor que praticamente dobrou em 2015 e hoje está em 4.300. (M., representante do Sindicato Rural de Três Lagoas. Ago. 2017) Importante ressaltar que o VTN é um valor que reflete o preço de mercado da terra, mas não representa o valor de mercado. Neste último está incluso tudo o que agrega valor ao imóvel (renda da terra). Ou seja, as benfeitorias ou, até mesmo, condições naturais (como fertilidade), o que é desconsiderado pelo VTN. No quadro 3, pode-se observar os valores da terra nua referentes ao município de Três Lagoas nos anos de 2015 e 2017. Quadro 3: Valores da Terra Nua (VTN) em Três Lagoas Ano Lavoura Lavoura Aptidão Lavoura Aptidão Pastagem Silvicultura ou Pastagem Preservação da Fauna ou

Aptidão boa regular restrita Plantada Natural Flora 2015 - - - R$ 6.461,53 R$ 4.743,14-2017 - - - R$ 4.381,74 R$ 3.061,28 R$ 1.494,23 Fonte: CONFAZ-M/MS e Prefeitura Municipal de Três Lagoas. Nota-se, a partir do quadro 4 um decréscimo no VTN informado pelo Ofício nº 020/2017 se comparado ao de 2015. Diante disso, os entrevistados alegaram que a valorização de terras na região de Três Lagoas encontra-se estagnada, entre outros motivos, pelo fato primordial de ambas as empresas já terem atingido suas metas de plantio. Hoje, tá estável. Já passou aquela onda da especulação, já passou aquela grande febre (...) porque se tinha duas frentes: tinha uma frente de compra das indústrias e tinha uma frente de arrendamento. Todo mundo queria arrendar. Hoje, não. Hoje já tá mais tranquilo, a coisa tá estável. Ainda tá muito caro o valor das terras principalmente nas regiões próximas às indústrias, mas tá estável. Eu falo isso pelos projetos que a gente faz aqui e não mudou muito nos últimos dois, três anos. (J., representante da AGRAER. Ago. 2017) De dois anos pra cá, mais particularmente do ano passado, a Fibria atingiu a maior parte da área que ela precisa, e por outro lado, a Eldorado abortou o projeto de ampliação. Então, houve uma redução da procura por áreas. (...) No atual momento, isso tá um pouco parado. Como eles já estavam plantando para a Eldorado basicamente pra segunda linha, pra ampliação, eles já tem área a mais do que precisam para a fábrica que existe hoje. (...) Saiu de uma situação de falta de floresta para uma situação de excedente de floresta. Então, isso dá uma esfriada no mercado. (M., representante do Sindicato Rural de Três Lagoas. Ago. 2017) Entretanto, apesar da estabilidade dos preços das terras agrícolas, estas continuam exorbitantes em comparação a outras regiões do estado, o que acentua cada vez mais a concentração de terras, e consequentemente, resulta em um bloqueio à democratização da terra e à reprodução da agricultura familiar camponesa, já quase inexistente. Além disso, ressalta-se que o ambiente urbano também sofreu os efeitos da instalação do complexo celulose/papel, resultando em transtornos causados pela vinda de pessoas de várias regiões do país em busca de emprego. Isso ocasionou uma significativa especulação imobiliária, que acentuou o custo de vida no município. Considerações finais Portanto, é evidente a relação entre a expansão do plantio de eucalipto em Três Lagoas e as novas dinâmicas territoriais. Enquanto em 2007 apenas 4,49% da área total do município

era ocupada pela silvicultura, ou seja, pelo monocultivo do eucalipto, em 2016 esse número representa 26,05%, conforme pode ser observado nos mapas. Esse aumento de 21,56% é responsável não só pelo alto custo de vida na cidade, mas também traz consequências para os agricultores familiares camponeses, uma vez que representa um entrave à democratização da terra, já que houve supervalorização das terras agrícolas. Nesse sentido, apesar de agora estagnados, os preços das terras em Três Lagoas continuam exorbitantes. Isso justifica a importância desta pesquisa, que se revela pela possibilidade de desnudar a relação entre a expansão do setor celulósico na região e suas possíveis consequências, especialmente no comportamento do mercado de terras agrícolas em Três Lagoas-MS. Referências Bibliográficas ALMEIDA, Rosemeire A. (Org.) Questão agrária em Mato Grosso do Sul: uma visão multidisciplinar. Campo Grande: Editora da UFMS, 2008. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PRODUTORES DE FLORESTAS PLANTADAS ABRAF. Anuário estatístico da ABRAF 2011. Brasília: ABRAF, 2011. 145p. CASTILHO, Marcelo A. Determinantes do valor da terra no Mato Grosso do Sul. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) Instituto de Economia. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012. FNP. Análise do Mercado de Terras. Relatório Bimestral n.º 003 - janeiro/fevereiro de 2005. Disponível em: http://www.fnp.com.br/prodserv/relatorios/pdf/29.pdf>. Acesso em: 12 de Setembro de 2014. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censos Agropecuários. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. KUDLAVICZ, Mieceslau. Dinâmica Agrária e a Territorialização do Complexo Celulose/Papel na Microrregião de Três Lagoas. 2011. 177 f. Dissertação. Programa de Pós- Graduação - Mestrado em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Três Lagoas. 2011. OLIVEIRA, A. U. Geografia agrária: perspectivas no início do século XXI. In: OLIVEIRA, Ariovaldo U. de; MARQUES, Marta Inês Medeiros (Orgs.). O campo no século XXI: território de vida, de luta e de construção da justiça social. São Paulo: Casa Amarela/Paz e Terra, 2004. p. 27-64.