o ESPACO TE6RICO E pratico DA LEITURA NOS L1VHOS DIUATI- COS o presente texto faz parte de um trabalho maior que vi.a examinar criticamente como 0 ensino da leitura refl! te, e com que consequencias, as correntes teoricas de Ie! tura deaenvolvidas pela lingu!stica. Pressupomos, portanto, urna certa familiaridade, por parte do leitor, com tai8 corrente Muito aumariamente poder!amos dizer que, entre os va rio. modelo. ou propostas de leitura desenvolvidos ou uti lizado. por linguistas, constatamos a presen~a de quatro linhas mais gerais. Segundo Gibson e Levin (1975), os dol. modelos de leitura mais ortodoxos sac os chamados Mod! los de Processamento de lnforma~ao e Modelos de Analise pela S!ntese. Nos primeiros, assume-se que qualquer tareta cognitiva pode ser analisada passe a passo, em interv! los de tempo regulares, partindo do input sensorial e ter minando com algum tipo de output. A leitura, portanto, tambem se processa deste modo: de reconhecimento da letra a palavra e da! a unidades linguisticas maiores. Nos segundos, a leitura se da atraves de um processo de form! 9ao de hipoteses que 0 leitor faz, baseado em seu conhec! mento previo, e que confirma ou nao no que encontra a seguir no texto. Como uma especie de meio termo entre estes dois mod! los, ja segundo nossa visao, temos as prop(,stas interati- 1 vas em leitura, assim chamadas por levarem em conta que 08 var10s nlveis de conhecimento de urn indivlduo 1ntera-
to, sendo que, nesta intera<;ao, sao colocadas em prdolica tanto estrategias de leitura bottom-up (dos niveis mais balxos para os mais altos), como top-down (dos mais altos para os mals balxos) Tambem numa posi<;ao intermediaria, encontram-s~ as propostas interacionlstas de lcitura, segundo as quais 0 processo se da a partir da rela<;ao autor-leitor, via te! to. Novamente, aqul, sao colocadas em pratlca estrateglas de leltura bottom-up (desta vez implicando: do tcxto para 0 leltor) e top-down (do leitor para 0 texto). Quanto ao aspecto do "ensino da leitura", escolhe-- mos, neste texto, 0 livro didatico como objeto de pesqul sa. Usaremos os livros didaticos de 11 grau adotados nas quatro malores escolas de Jundiai em 1987: E.E.P.S.G.Bls po Dom Gabrlel Paulino Bueno Couto, E.E.P.S.G. Conde do Parnaiba, E.E.P.S.G. Paulo Mendes Silva e E.E.P.S.G. Coronel Slquelra de Moraes. Nossa pesquisa incluiu toolbem os 11vros de 21 grau destas mesmas escolas, que nao serao, entretanto, mencionados pol'questoes de espa~o. Nossa analise critica 0 rato de que, apesar de haver, aparentemente, dlferentes correntes teoricas orientando 0 ensino, tais correntes tem todas os mesmos pressupostos. Segundo elas, 0 significado e estavel e permanente, 0 que, Inevitavelmente, leva-nos a considerar t~ bem 0 texto como algo estavel no qual 0 signlficado e descoberto, ou atraves do qual 0 significado e atlngldo no processo de leitura. A despeito da atua~ao malor ou menor do leitor, sugerida nas varias propostas, 0 texto sempre e apresentado como uma unidade formal com signifl cado proprio e estavel, ou como urnaunidade de comunica- <;&0tambem com significado estavel. Nao ha nenhum tipo
de explica~ao sobre como se daria 0 processo de significa~ao durante a leitura, nem mesmo no sentido de comprovar a validade dos pressupostos acima mencionados. Acreditamos, entretanto, que uma reflexao sobre 0 processo - de significacao dos textos seja fator essencial para 0 estabelecimento de qualquer teoria de leitura e, conse-- quentemente, essencial tambem para 0 ensino da leitura. Em nosso ponto de vista, uma teoria de leitura dev~ ria justamente preocupar-se em explicar como se da a Si& nificacao. Baseados na teoria textual do norte-americano Stanley Fish (1980), julgamos que 0 significado de um texto nao the ~ inerente e, sim, socialmente determinado. o que determina a leitura que se faz de urna texto nao sao os significados fixos que 0 texto carrega, mas as a- tividades interpretativas do grupo social que 0 le. Nao aceitamos que haja quaisquer significados na linguagem que nao sejam determinados atraves destas mesmas ativid~ des interpretativas. Procuraremos, entao, demonstrar que mudancas efetivas no ensino, neste caso enfocado atraves de livros didaticos, dependem de uma mudanca nos pressupostos das varias correntes teoricas que orientam este - ensino. Os livros de 18 grau estudados foram : 1) Atividades de Comunicacao em - Herminio B. Sargentim Lingua Portuguesa - IBEP 2) Linguagem - Leitura e Produ- - Heitor Megale Cao de Textos FTD Marilena Matsuoka 3) Estudos de Linguagem - Lydia Bechara Editora Mo.derna Jeanete Beauchamp Katia B. Machado 4) Curso Moderno de Lingua Por- - Douglas Tufano
Nos livros de IV grau nao ha, em geral, preocupa~ao em definir 1inguagem, lingua, texto e leitura e so podemob deduzir como taia conceitos sao vistos a part1r da maneira como os capitulos ou unldades se apresentem. Nos livros analisados, observamos duas posturas nao mu1to r1- gorosamente d1stintas: Pr1me1ra postura - representada pelas cole~oes de H. B. Sargentim e H. Megale - Nesta l1nha observamos que 0 livro do professor nao a- presenta muitas 1nd1ca~oes sobre como se deve fazer a pr1meira leitura do texto (se 0 professor, se 0 aluno,se em silencio, etc) e apresenta, simplesmente, as respos-- taa as perguntas do capitulo; - Segue-se ao texto um exercicio com dic10narl0 ou substitui~ao de palavras por sinonimos, que parece ser a co~ di~ao para que se passe ao estudo do texto, de la a gramatica e, por ultlmo, a reda~ao. Segunda postura - representada pelas cole~oes de L. Bechara e D. Tufano - No livro do professor ha 1nstru~oes sobre como d1r1gir a leltura e as demals atlvldades. Por exemplo: procurar contextuallzar a leltura,.1ncentlvando os alunos a con-- versarem sobre 0 asaunto do texto, ou lncentlvando-os a observarem as 11ustra~oes. Tais indlca~oes, ou sao fel-- taa em todas as unldades, ou encontram-se agrupadas no! nicio do livro numa lntrodu~ao dirlglda ao professor; - Apos a leitura do texto, nao ha exerciclos de gramatlca ou de procura de palavras no dicionario e, slm, exer-
cicloa aobre 0 texto com queatoe. para uma compreen.io -.ala "llteral" do texto, aeauldas de uma dlvl.io do texto em parte. e ldentlflcaqio das ldel prlnclpal. que, normalmente, levario a um outro exerciclo, como uma dlscuasio aobre 0 asbunto do texto ou a Buaeatio de uma reclaqio; - Costuma-se auaerlr que a leltura dos textob suplement~ res.e taqa slmplesmente pelo prazer de ler ( os textos suplementare. sio sempre tematlcamente llaado. ao texto prlnclpal). Nota-se entre as dua. llnh uma dlferen9a de con-- cepqao quanto ao como se da a leltura. Na prlmelra, 0.lgnlflcado mals componenclal, como se vi pela ordem - dob exerciclos que nos leva a conclulr que, sem conhecer o.1anltlcado d palavr "dlticels", nio cheaaremos ao sentldo do texto como um todo. Na seaunda postura, como.e vi pela proprla dlspo.1qio dos exerciclos (prlmelro a compreensao do texto, precedlda por dlscu oes, e depols, o trabalho com dlclonarlo), 0 texto tem slanlflcado como um todo e deve ser lldo como tal, contando alnda com 0 conheclmento de mundo do. leltore. para completar seu 8entldo. Entretanto, n du llnhas 0 texto e vl.to, em ultima an1111.e, como UIl produto &cabado, uma vea que nio hi slnal, 11IO no. llvros da.eaunda llnha, de que deduqoe. que 0 1.ltor pos.a tazer sobre as IlustraQoes - que acompanham 0 texto, ou as dlscussoes que ocorram ala de aula sobreo a unto do texto modltlquem, ainda que llaelramente, a leltura orientada pelo livro dldatlco. Com efeito, vemo. que, mesmo no. llvro. mai. aberto.
ao leltor, multas das perguntas feltas para a compreen-- sao do texto sao do Upo "justlflque sua resposta no te!. to". As perguntas em "que conta a experlencla do leltor, nao dlretamente relaclonadas as narratlvas, sao poucas, uma ou duas por unldade, e hr, mesmo para elas, sugestoes de resposta, no 11vro do professor. A nosso ver, 0 que leva a esta aproxlma~ao entre os 11vros da primelra e da segunda posturas e justamente a questao do significado literal dos textos, explicitada por D. Tufano no Curso Moderno de Lingua portuiuesa 2 Nas duas primeiras cole~oes analisadas, apenas 0 sentldo literal tinha esp~ ~o; nas duas ultimas, a leitura ganha importancia justamente pela admissao de que ha variabilidade nas leituras. Entretanto, pela manuten~ao do "sentido literal" dos te!. tos como 0 norteador das varias leituras, as duas ulti-- mas cole~oes podem ser conslderadas como um aperfei~oa-- mento das anteriores, mas, nao, como um rompimento com as mesmas. Nas cole~oes de Bechara e Tufano, a consider~ ~ao do significado literal dos textos pressupoe que possivel para um texto ter aignificado independentemente do signiflcado que seus leitores Ihe dao. Ja nas duas primeiras cole~oes descritas e dificil ate se falar em uma separa~ao entre 0 significado que 0 texto carrega e o significado que seus leitores Ihe acres~entam, quando um dos lados, 0 das contribui~oes que 0 leitor da ao te!. to, quase que inexiste. Ora, isto mostra muito claramente que as cole~oes de Sergentim e Megale tem in.pira~io teorlca semelhante ados "modelos de processamento de in forma~ao" que preveem uma leitura com estrategias unicamente "bottom-up". Ja nas cole~oes de Tufano e Bechara fica um
ls dlflcll Identlflcar a base teorica. Estas cole~oes conalderam oa leltorea como um fator determlnante da leltura que sera felta, mas, slmplesmente, nao menclonam o autor como sendo 0 Interlocutor deste leitor. Sera que, deapelto dlsto, poderlamos chama-las de Interaclonls-- ta.? Eat meamas cole~oes valorlzam 0 conhecimento prevl0 doa leltorea aobre 0 assunto do texto 0 que poderla Indlcar a conalder~ao de mals de um nlvel de conheclme~ to envolvldo na leltura, mas sera que Isto e suflclente para que aa chamemos de Interatlvas? Ate que ponto a cren~a no slan1f1cado literal nao demonstrarla um apego a teorlas de leltura bottom-up? Neste caso, estas cole- 9O-s tarlam teorlcamente no mesmo nlvel das de Sargentl. e liegale. Uma posslvel expllca~ao para esta Indeflnl~ao teor! ca e a de que 9S llvros dldatlcos poderlam nao ter qualquer tlpo de base teorlca sol Ida. Tentando delxar de ver a leltura como um procebso unlcamente bottom-up, para paasar a ve-la de pontob de vista Interativos ou Interaclonlstas, scabaram fazendo apenas em parte uma mudan~a que aa propoatas teorlcas pretendlam que ocorresse no t2 tal; lsto e, todo 0 trabalho com 0 texto deverla estar - de acordo com uma mesma orlenta~ao teorlca. Porem, os aapectos teorlcos pouco claros que os 11- vros dldaticos apresentam SaD justamente aqueles que, de.-nelra mals sutll, ja Be fazlam presentes naa propostas teorlcas. Propostas teorlcas Interatlvas nao preconlzam, necesaarlamente, a exlstencla do significado literal da 11nguagem e a manuten~ao do concelto do significado lit! ral pelos teorlcos que trabalham nesta proposta seria uaa especie de resqulcio de teorlas de leltura bottom-up.
Ji nas propostas interacionislrs os te6ricos parecem garantir aoautor um status muito maior do que 0 do ~, pois seria no autor que 0 significado literal "ancorarla'! Assim, vemos que os problemas que as pr6prias teorlas apresentam, agravam-se, quando colocados em pratlca, talvez pelo fate de tals teorlas s6 chegarem aos llvros dldatlcos, via propostas curriculares, emitidas pela Secretarla da Educa~ao do Estado. De qualquer maneira, a presen~a destes problemas nos llvros dldatlcos e multo - mais um reflexo do que uma utlllza~ao envlesada de propost as teorlcas lnteratlvas e interacionlstas. 1- Os termos "lnteratlvo" e "interacionista" sac utillz! dos, segundo acep~ao de Kleiman (1984). 2- Numa introdu~ao dirigida aos professores, Tufano explica que, a primeira atividade programada para 0 tr! balho com 0 texto, busca "medir 0 grau da compreensao llteral do texto e das partes que 0 compoem". FISH, S. Is there a text in this class? The authorlty of interpretive communities. Cambridge, Harvurd University Press, 1980. GIBSON, E.J. e LEVIN, H. "Models of the reading process in the mature reader". In: GIBSON, E.J. e U;VIN. H. (orgs). The psychology of reading. Cambridge Mass The NIT Press, 1975. Cap. 12 KLEIMAN. A.B. "Modelos teoricos: fundamentos para 0 exame da rela~ao teoria e pratlca na area de leitura". Trabalhosem l1nguistica apl1cada. Camplnas.UNlCAMP. n~ 3: ~-21, 1984.