Rituximabe na síndrome de Felty refratária



Documentos relacionados
Síndrome de Felty: Relato de Caso e Revisão da Terapêutica

Trabalho de farmaco economia em Drogas Biológicas

Solicitante Dra Vanessa Verdolim Hudson Andrade - 1ª Câmara Cível TJMG Refere-se ao Agravo de Instrumento nº

Exercício Físico & Doenças Reumatológicas

Novos conceitos no manejo da artrite reumatoide: amplo controle

HUMIRA (ADALIMUMABE) PARA ARTRITE REUMATOIDE

TEMA: RITUXIMABE PARA A LEUCEMIA LINFOCÍTICA

PRINCIPAIS COMPLICAÇÕES DE DROGAS IMUNOBIOLÓGICAS EM UTILIZAÇÃO NO BRASIL

TEMA: RITUXIMABE PARA A LEUCEMIA LINFOCÍTICA. Data: 05/03/2014 NOTA TÉCNICA /2014. Medicamento x Material Procedimento Cobertura

Caracterização dos doentes toxicodependentes observados pela equipa de Psiquiatria de Ligação - análise comparativa dos anos de 1997 e 2004

Corticóides na Reumatologia

O pulmão na Artrite Reumatoide

TROMBOCITOPENIA NA GRAVIDEZ

Alterações citogenéticas na leucemia linfocítica crônica

17/03/2011. Marcos K. Fleury Laboratório de Hemoglobinas Faculdade de Farmácia - UFRJ mkfleury@ufrj.br

ESCLERODERMIA LOCALIZADA LOCALIZED SCLERODERMA

Medicina Evidências. Federação Rio

ESTRATÉGIAS DE TRATAMENTO COM DROGAS MODIFICADORAS DO CURSO DA DOENÇA (DMCD) E BIOLÓGICOS NA ARTRITE REUMATÓIDE RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA

TEMA: RITUXIMABE PARA LINFOMA NÃO HODGKIN DE PEQUENAS CÉLULAS

AVALIAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO ENTRE A AR E A DM TIPO II. Agenda: 1. INTRODUÇÃO 2. OBJECTIVOS 3. METODOLOGIA 4. PLANIFICAÇÃO DO PROJECTO

Polimialgia reumática e arterite temporal Resumo de diretriz NHG M92 (fevereirio 2010)

Partes: CÉLIO FERREIRA DA CUNHA MUNICÍPIO DE COROMANDEL-MG

Mielofibrose e Artrite reumatóide Relato de caso.

PASSOS PARA A PRÁTICA DE MBE. ELABORAÇÃO DE UMA PERGUNTA CLÍNICA André Sasse sasse@cevon.com.br PASSOS PARA A PRÁTICA DE MBE ELABORAÇÃO DA PERGUNTA

IDENTIFICAÇÃO. Amethopterin; 4-Amino-4-deoxy-10-methylpteroyl-L-glutamic Acid; -Methopterin;t; Méthotrexate; Methotrexatum; MTX.

PARECER DO GATS nº 20/08

Corrimento vaginal Resumo de diretriz NHG M38 (primeira revisão, agosto 2005)

ARTIGO ORIGINAL. Resumo. Abstract. 1 Introdução. 21 Arq. Catarin. Med jan-mar; 42(1): 21-26

preenchido. Presc. Máxima mensal 372 comprimidos 60 comprimidos,

SÍNDROME DE HIPER-IgM

TALIDOMIDA DOENÇA DE BEHÇET

ANEXO AO DOCUMENTO PARECER DO GRUPO TÉCNICO DE AUDITORIA EM SAÚDE 15/06 TEMA:USO DO RITUXIMABE EM DOENÇAS AUTO-IMUNES ATUALIZAÇÃO 07/2008

04/06/2012. Sem conflito de interesses. Utilização de imunossupressores e agentes biológicos nas pneumopatias intersticiais associadas às colagenoses.

Monitorização do Paciente em uso de Imunobiológicos. Copyright AMBULATÓRIO DE PSORÍASE MARCELO ARNONE AMBULATÓRIO DE PSORÍASE

Passos para a prática de MBE Elaboração de uma pergunta clínica Passos para a prática de MBE

Atraso na introdução da terapia anti-retroviral em pacientes infectados pelo HIV. Brasil,

Susana Braga; Tatiana Cardoso; Teresa Duarte Alunas de Medicina Dentária Faculdade de Ciências da Saúde UFP

Artrite Resumo de diretriz NHG M90 (agosto 2009)

BENDAMUSTINA PARA LEUCEMIA LINFOCÍTICA CRÔNICA. Data: 31/01/2013. Medicamento. Nota Técnica 07/ Material

Perguntas e respostas sobre imunodeficiências primárias

Data: 17/05/2013. NTRR 74/ 2013 a. Medicamento x Material Procedimento Cobertura

XVI Congresso Português de Reumatologia Vilamoura, 2 a 5 de Maio 2012

Rejeição de Transplantes Doenças Auto-Imunes

EXEMPLAR DE ASSINANTE DA IMPRENSA NACIONAL

Somatropina no adulto. Fernando Baptista Serviço de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo. Hospital de Santa Maria. Lisboa

Briefing. Boletim Epidemiológico 2010

Febre Reumática Sociedade Brasileira de Reumatologia

Atualização do Congresso Americano de Oncologia Fabio Kater

PRINCIPAIS DOENÇAS REUMÁTICAS AUTOIMUNES NO BRASIL: UMA REVISÃO

Artrite Idiopática Juvenil

XVII Congresso Português de Reumatologia, Albufeira, 8 Maio 2014

MabThera. rituximab. O que é o MabThera? Para que é utilizado o MabThera? Resumo do EPAR destinado ao público

A Introdução dos Biológicos no Tratamento da Psoríase: experiência da Enfermagem em um Centro de Infusões

O fígado na Reumatologia II Workshop Internacional de Atualização em Hepatologia Curitiba

Definição. Febre Reumática. Introdução. Introdução. Epidemiologia 24/08/2011

Os grupos de risco que constam da Norma nº 009/2015 de 01/06/2015, são agora atualizados (Quadro I), ficando a Norma n.º 009/2015 revogada.

TEMA: Octreotida LAR no tratamento de tumor neuroendócrino

AVALIAÇÃO DA EPIDEMIA DE AIDS NO RIO GRANDE DO SUL dezembro de 2007

Otite média aguda em crianças Resumo de diretriz NHG M09 (segunda revisão, fevereiro 2013)

Terapia medicamentosa

CICLOSPORINA PARA DERMATITE ATÓPICA REFRATÁRIA

Patologia Geral AIDS

IX Curso Nacional de Doenças Pulmonares Intersticiais. Tuberculose. Sumário. Patogenia da TB


Aspectos Clínicos da Hemobartolenose Felina

Forum de Debates INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA EM. Rui Toledo Barros Nefrologia - HCFMUSP rbarros@usp.br

Fátima Godinho, Maria José Santos, Ana Cordeiro, José Canas da Silva DOENÇA DE STILL TRATADA COM ANAKINRA

Protocolo. Transplante de células-tronco hematopoiéticas nas hemoglobinopatias

Papiloma Vírus Humano - HPV

CORRELAÇÃO ENTRE VELOCIDADE DE HEMOSSEDIMENTAÇÃO E PROTEÍNA C REATIVA EM UM GRUPO DE IDOSOS.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO COMISSÃO DE EXAMES DE RESIDÊNCIA MÉDICA. Nome do Candidato Caderno de Prova 18, PROVA DISSERTATIVA

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE RESUMOS PARA A VI JORNADA CIENTÍFICA DO HOSPITAL DE DOENÇAS TROPICAIS HDT/HAA

Cópia dos exames: VHS, PCR, hemograma, plaquetas, ALT, AST e creatinina. Cópia do exame de imagem das áreas afetadas pela doença.

Palácio dos Bandeirantes Av. Morumbi, Morumbi - CEP Fone: Nº 223 DOE de 28/11/07. Saúde GABINETE DO SECRETÁRIO

Atualização do tratamento das vasculites ANCA associadas

EULAR 2014, Paris, 12th June 2014

Artigos Originais Original Articles

EFEITOS ADVERSOS A MEDICAMENTOS

ANEXO PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS ARTRITE REUMATOIDE

Púrpura Trombocitopênica Auto-imune

Í N D I C E G E R A L. v i i A B R E V I A T U R A S E S I G L A S. v i i i L I S T A D E T A B E L A S E F I G U R A S ix

OUTUBRO. um mes PARA RELEMBRAR A IMPORTANCIA DA. prevencao. COMPARTILHE ESSA IDEIA.

Imunossupressores e Agentes Biológicos

Instrumento Administrativo Política Institucional Nº Política de Vacinação

ANÁLISE DO PROGNÓSTICO DE PACIENTES INFECTADOS COM HIV DE LONDRINA E REGIÃO DE ACORDO COM PERFIL NUTRICIONAL

TEMAS LIVRES DO XXXI CONGRESSO BRASILEIRO DE ALERGIA APRESENTAÇÃO: ORAL DATA.: 06/11/2004 SALA BRUM NEGREIROS

PROTOCOLO MÉDICO. Assunto: Infecção do Trato Urinário. Especialidade: Infectologia. Autor: Cláudio C Cotrim Neto-Médico Residente e Equipe Gipea

PROVA ESPECÍFICA Cargo 48. Na reação de hipersensibilidade imediata do tipo I, qual dos seguintes mediadores é neoformado nos tecidos?

ASPECTOS CLÍNICOS E TERAPÊUTICOS DA ARTRITE REUMATÓIDE CLINICAL AND THERAPEUTIC ASPECTS OF RHEUMATOID ARTHRITIS

Linfomas. Claudia witzel

Leucemia Linfática Crônica

RASTREIO EM SITUAÇÕES ESPECIAIS

Mandado de segurança contra ato do Secretário Municipal de Saúde RITUXIMABE PARA LINFOMA NÃO-HODGKIN FOLICULAR TRANSFORMADO EM DIFUSO

20/12/2012 NOTA TÉCNICA

SÍNDROMES MIELODISPLÁSICAS. Hye, 2014

O que é O que é. colesterol?

CAMPANHA PELA INCLUSÃO DA ANÁLISE MOLECULAR DO GENE RET EM PACIENTES COM CARCINOMA MEDULAR E SEUS FAMILIARES PELO SUS.

Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde. O Secretário de Atenção à Saúde, no uso das atribuições,

Transcrição:

Relato de Caso Case Report Rituximabe na síndrome de Felty refratária Thiago Sotero Fragoso (1), Andréa Tavares Dantas (1), Maria Roberta Melo Gomes Pereira (2), Cláudia Diniz Lopes Marques (3), Fernando de Souza Cavalcanti (4), Ângela Pinto Duarte (5) RESUMO Os autores relatam o caso de uma paciente de 29 anos com diagnóstico de artrite reumatoide soropositiva que com seis meses de evolução desenvolveu granulocitopenia severa e esplenomegalia, embora mantivesse em remissão o quadro articular. Não apresentou resposta à corticoterapia oral e em forma de pulsos, além do metotrexato e leflunomida, tendo apresentado reação adversa ao uso do infliximabe e falta de resposta ao adalimumabe. Diante das infecções de repetição, apesar dos vários esquemas de antibióticos e uso crônico do G-CSF, dos altos títulos de fator reumatoide, dos níveis elevados da VHS e da PCR, utilizou-se o rituximabe no esquema clássico de tratamento da artrite reumatoide. Houve resposta clínica completa com aumento crescente do número de neutrófilos e normalização dos mesmos além da queda dos títulos de fator reumatoide, da VHS e da PCR. Atualmente, a paciente encontra-se em remissão clínica e laboratorial, em uso de prednisona 5 mg/dia e metotrexato 10 mg/semana. Palavras-chave: artrite reumatoide, síndrome de Felty, tratamento, rituximabe. INTRODUÇÃO A síndrome de Felty (SF) é uma forma rara e severa de artrite reumatoide soropositiva, geralmente associada à neutropenia e, em alguns casos, esplenomegalia. 1 Por muitos anos, a esplenectomia foi a principal terapia, entretanto essa modalidade tem sido substituída por agentes imunossupressores e biológicos e sua indicação atual tem sido restrita para os casos refratários ao tratamento clínico. 2 A utilização do rituximabe, um anticorpo monoclonal anti-cd20, para o tratamento da síndrome de Felty foi descrita na literatura, até o momento, em seis casos; em dois deles não houve resposta. 3-7 Os autores relatam o caso de uma paciente com SF refratária caracterizada por neutropenia importante e infecções de repetição, na qual foi utilizado o rituximabe para tratamento, com sucesso. RELATO DE CASO Paciente do sexo feminino, 29 anos, portadora de artrite reumatoide (AR) pelos critérios do American College of Rheumatology (ACR) 8 com dois anos de evolução. Iniciou o quadro com artrite simétrica de punhos, metacarpofalangeanas, interfalangeanas proximais das mãos, ombros e dor nas articulações têmporomandibulares, acompanhada de rigidez matinal maior que uma hora e fator reumatoide de 791U (normal < 20 U). Após seis meses de tratamento com corticosteroides (10 mg/dia) e metotrexato (20 mg/semana), apresentava resposta clínica satisfatória (DAS28 < 2,6) e não existiam alterações articulares destrutivas. Nessa ocasião, apresentou agranulocitose de evolução rápida e grave, com níveis de neutrófilos chegando a 96/mm 3, esplenomegalia (14 cm abaixo do rebordo costal) e sem recidiva do quadro articular. Naquele momento, o título de fator reumatoide era de 3.590U, VHS de 98 mm/1 a h e PCR de 135 mg/dl. Mantinha negativas as sorologias para HCV, HIV, HBV, dengue, toxoplasmose, CMV, parvovírus B19, além do teste de Mantoux. O mielograma demonstrou hipercelularidade de todas as linhagens e a biópsia de medula óssea não revelou qualquer padrão de mielodisplasia, linfoproliferação ou síndrome do linfócito grande granular. Foi então definido o diagnóstico de Síndrome de Felty. Iniciou-se tratamento com fator estimulador de colônia de granulócitos (G-CSF), mantido metotrexato e elevada a dose de prednisona oral para 40 mg/dia, utilizados por três meses, sem resposta clínica. Optou-se pela lefluno- Recebido em 02/10/2008. Aprovado, após revisão, em 02/01/09. Declaramos a inexistência de conflitos de interesse. Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) 1. Residente do Serviço de Reumatologia do HC-UFPE 2. Ex-residente do Serviço de Reumatologia do HC-UFPE 3. Reumatologista, Doutora em Saúde Pública e Tutora da Escola Pernambucana de Medicina FBV/IMIP 4. Professor Adjunto de Reumatologia da UFPE 5. Professora titular e chefe do Serviço de Reumatologia do HC-UFPE Endereço para correspondência: Ângela Pinto Duarte. Serviço de Reumatologia, Hospital das Clínicas. Av. Professor Morais Rego, s/n, sala 133, Cidade Universitária, Recife-PE, CEP: 50670-420 Fone: (81) 9254-5699. E-mail: aduarte@terra.com.br 188 Rev Bras Reumatol 2009;49(2):188-95

Rituximabe na síndrome de Felty refratária Rituximab in the refractory Felty s Syndrome mida, em substituição ao metotrexato, na dose de 20 mg/dia e pulsoterapia com metilprednisolona, também sem resposta clínica após três meses. Devido à persistência da neutropenia, foi utilizado infliximabe, no esquema clássico para artrite reumatoide, tendo sido suspenso na segunda infusão devido à reação alérgica cutânea grave. Em seguida, foi prescrito adalimumabe por três meses, também sem resposta clínica. Desde o início da neutropenia, apresentou episódios de infecções recorrentes, em especial de vias aéreas superiores, sempre acompanhadas de febre e intenso comprometimento do estado geral, necessitando de internações hospitalares. Com o insucesso do tratamento instituído e a persistência das recidivas infecciosas, apesar dos vários esquemas antibióticos, do uso persistente do G-CSF (filgrastina) e profilaxia com azitromicina, optou-se pela utilização do rituximabe no esquema padronizado para AR. Não foram observados eventos adversos pré ou pós-infusionais. Três meses após o uso do rituximabe, a paciente apresentou resposta clínica completa, com diminuição dos eventos febris em mais de 75% e da taxa de infecção em mais de 50% (Tabela 1), além do crescente aumento do número de neutrófilos com posterior normalização (Figura 1) e queda do título de fator reumatoide, da VHS e da PCR (Tabela 2). Atualmente, nove meses após as infusões, mantém resposta clínica e laboratorial sustentada, em uso de prednisona 5 mg/ dia e metotrexato 10 mg/semana. DISCUSSÃO A SF é caracterizada por artrite crônica, esplenomegalia e leucopenia, acometendo menos de 1% dos pacientes com AR. A faixa etária predominante é da quinta a sétima décadas, em geral com mais de 10 anos de evolução da doença, sendo dois terços do sexo feminino e 95% HLA-DR4 e rara em negros. Associada, em geral, à doença grave, fator reumatoide positivo em altos títulos, além de manifestações extra-articulares exuberantes como nódulos subcutâneos, úlceras de membros inferiores, vasculites, hepatomegalia, pleuro-pericardite, mononeurite múltipla, episclerite, trombocitopenia, linfadenopatia e febre. 10-14 A doença articular é usualmente grave no que se refere às erosões e deformidades. Aproximadamente um terço dos pacientes tem sinovite inativa, embora quase sempre apresentem níveis elevados da VHS. Raramente a granulocitopenia e a esplenomegalia aparecem antes ou simultaneamente à artrite. 10,13,14 A causa da granulocitopenia na SF é multifatorial, sendo decorrente do desequilíbrio entre a produção de granulócitos e a remoção dos mesmos no pool circulatório, além do sequestro esplênico, geralmente não causando sintomas a menos que infecções bacterianas ocorram. Tais infecções usualmente são recorrentes e acometem o trato respiratório e a pele, sendo mais comuns quando o número de granulócitos está abaixo de 1.000/ mm 3, fator determinante do prognóstico. 14,15 O metotrexato é uma droga efetiva na maioria dos pacientes com SF, com melhora geralmente nos primeiros dois meses de tratamento. No entanto, não existem estudos clínicos randomizados controlados, sendo esses resultados baseados em relatos com pequenos números de casos. A dose média utilizada nesses relatos foi de 13 mg/semana, via oral. 16,17 Existem relatos com experiência limitada da utilização de outras drogas, tais como sulfassalazina, azatioprina, ciclosporina, ciclofosfamida e leflunomida. 18-21 Tabela 1 Critérios de Resposta da Granulocitopenia 9 Resposta Completa Aumento dos granulócitos para 2.000/mm 3 ou dois dos seguintes: Redução da taxa de infecção de pelo menos 50% Diminuição da incidência de úlceras cutâneas de pelo menos 50% Redução da incidência dos episódios febris de pelo menos 75% Resposta Parcial Aumento dos granulócitos entre 1.000 e 2.000/mm 3 ou dois dos seguintes: Redução da taxa de infecção de pelo menos 25% Diminuição da incidência de úlceras cutâneas de pelo menos 25% Redução da incidência dos episódios febris de pelo menos 25% Número de células 8000 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0 Ago/2006 Neutrófilos Leucócitos Set/2006 Fev/2007 Mar/2007 Figura 1. Distribuição dos valores de leucócitos e neutrófilos antes e depois do uso do rituximabe. Tabela 2 Variação dos valores do FR, VHS e PCR, antes e após a infusão do rituximabe Pré-rituximabe Abr/2007 Jun/2007 Rituximabe Pós-rituximabe S6 S10 S16 S28 FR 3590 NR NR NR 791 VHS 95 28 38 23 26 PCR 105 3,3 5,9 4,5 2,4 NR = não realizado; FR = fator reumatoide; VHS = velocidade de hemossedimentação; PCR = proteína C reativa; S = semanas Set/2007 Dez/2007 Jan/2008 Fev/2008 Mar/2008 Abr/2008 Mai/2008 Jun/2008 Ago/2008 Rev Bras Reumatol 2009;49(2):188-95 189

Fragoso et al. Os corticosteroides podem elevar o número de granulócitos na SF por dois mecanismos: ação imunossupressora e alteração da cinética granulocítica. 22-24 A prednisona, na dose de pelo menos 30 mg/dia, geralmente normaliza o número de granulócitos, embora seu efeito não seja sustentado quando a dose é reduzida para menos que 10 mg/dia, a menos que outras drogas sejam adicionadas. 25 Pulsoterapia com metilprednisolona tem sido utilizada para agranulocitose, sendo as infecções o principal obstáculo para sua utilização. 26 O uso do etanercepte e do infliximabe no tratamento da SF não mostrou nenhum benefício em três casos relatados na literatura. 4,27,28 Gamaglobulina endovenosa também parece não ser eficaz para tratamento da neutropenia que ocorre na SF. 29 Fatores estimuladores de crescimento são utilizados com frequência na SF, sendo efetivos em reverter a granulocitopenia e reduzir as complicações infecciosas na maioria dos pacientes. Entretanto, falhas têm sido reportadas e o custo é outro fator limitante, particularmente com o uso prolongado. Além disso, podem ocorrer como eventos adversos sinovite e vasculite leucocitoclástica. 30 Por muitos anos, a esplenectomia foi a principal terapia, mas essa modalidade tem sido substituída por agentes imunossupressores e biológicos, sendo sua indicação atual restrita para os casos refratários ao tratamento clínico. 2 O rituximabe, um anticorpo monoclonal quimérico, anti-receptor CD-20 de linfócitos B, tem sido utilizado no tratamento da SF. O mecanismo da neutropenia é multifatorial, e naquele subtipo de pacientes onde existe a formação de autoanticorpos, o rituximabe pode ser benéfico. No entanto, vários fatores podem concorrer para a falta de eficácia deste na SF: 31,32 inabilidade do rituximabe de se ligar a células plasmáticas, que são CD-20 negativas; outros mecanismos célula B dependentes (imunoglobulinas, apresentação de antígenos, cooperação com célula T); e subpopulações de linfócitos T que têm atividade antigranulocítica e que podem existir independentemente das células B. Esses mecanismos podem justificar os resultados controversos encontrados nos relatos existentes na literatura do uso do rituximabe na SF refratária (Tabela 3). Embora a SF ocorra mais frequentemente na AR ativa e severa, existe um percentual de pacientes que não apresenta atividade articular inflamatória, 14 como ocorreu com a nossa paciente, mantendo DAS28 sempre menor que 2,6 desde o início da neutropenia, embora apresentasse níveis elevados de marcadores inflamatórios (PCR e VHS) e de FR. Interessante ainda é o fato de a nossa paciente apresentar uma faixa etária (29 anos) bastante inferior àquela na qual é mais frequente o aparecimento da SF 14 (entre 50 e 70 anos). A média de idade dos pacientes relatados anteriormente foi de 51,2 anos (35 a 67 anos). 3-7 Assim como nos relatos da literatura, 3-7 a nossa paciente utilizou vários medicamentos, como prednisona, metilprednisolona, metotrexato, leflunomida, G-CSF e anti-tnf, sem resposta da neutropenia. O rituximabe é uma terapia já bem estabelecida em pacientes com AR soropositiva e que mostrou ser promissora em alguns casos relatados de SF. A escolha pela sua utilização baseou-se no fato de a paciente apresentar elevados títulos de fator reumatoide, mielograma demonstrando hipercelularidade e refratariedade às drogas previamente utilizadas. Apesar da patogenia multifatorial da SF, o rituximabe pode ser uma opção terapêutica eficaz e segura, podendo ser utilizada antes da esplenectomia, diminuindo a morbi-mortalidade desses pacientes. Tabela 3 Características clínico-laboratorias dos pacientes com SF tratados com rituximabe Referência Casos Dose Características clínicas e tratamento prévio Resposta e seguimento Sordet et al. 3 02 Weinreb et al. 4 01 Lekharaju; Chattopadhyay 5 01 Chandra; Margulis; Schiff 6 01 Salama et al. 7 01 Fragoso et al., 2008 01 375 mg/m 2, 4 semanas 650 mg/semana, 4 semanas 660 mg, dose única 67 anos; 53 anos; Masc (ambos); AR ativa, FR positivo; MTX, SSZ, CE 51 anos; Fem; AR soropositiva; MTX, CE, HCQ, INF e G-CSF 41 anos; Fem; AR ativa soropositiva e neutropenia; CE, MTX, SSZ, G-CSF 60 anos; Masc; AR soropositiva, nodular; CE, Ouro, HCQ, DPA e LEF 35 anos; Fem; Displasia de todas as linhagens celulares na biópsia; SF refratária e hemólise; CIC, LEF, ADA 29 anos; Fem; Neutropenia, FR +; CE oral e pulsoterapia, MTX, LEF, INF, ADA, G-CSF Após seis meses, controle da atividade clínica e laboratorial, porém sem resposta para SF nos dois casos. Queda do FR e normalização do número de neutrófilos nove meses após a infusão. Aumento do número de neutrófilos após quatro semanas com resposta mantida após 14 meses. Queda e resposta sustentada dos neutrófilos; marcada remissão dos sintomas. Melhora do quadro articular e da hemólise, sem resposta para a trombocitopenia e leucopenia. Melhora do número de neutrófilos após três meses; resposta sustentada após nove meses. Masc = masculino; Fem = feminino; FR = fator reumatoide; MTX = metotrexato; SSZ = sulfassalazina; CE = corticosteroide; HCQ = hidroxicloroquina; DPA = D-Penicilamina; INF = infliximabe; LEF = leflunomida; CIC = ciclofosfamida; ADA = adalimumabe; G-CSF = fator estimulador de granulócitos. 190 Rev Bras Reumatol 2009;49(2):188-95

Fragoso et al. Subpopulations of T lymphocytes that have anti-granulocytic activity can exist independently of the B cells. These mechanisms can justify the controversial results found in the existing reports in the literature of the use of rituximab in refractory FS (Table 3). Although FS occurs more frequently in active and severe RA, a percentage of patients do not present inflammatory articular activity, 14 as occurred with our patient, maintaining DAS28 always lower than 2.6, since the beginning of the neutropenia, even though she presented elevated levels of inflammatory markers (CRP and ESR) and of RF. Interestingly, our patient age was (29 years old) very inferior to the one in which the appearance of FS is more frequent 14 (between 50 and 70 years old). The average age of patients earlier reported was of 51.2 years (35 to 67 years). 3-7 As well as in the literature reports, 3-7 our patient used various drugs, such as prednisone, metilprednisolone, methotrexate, leflunomide, G-CSF and anti-tnf, without response to neutropenia. Rituximab is an already well-established therapy for patients with seropositive RA which showed to be promising in some reported cases of FS. The choice of using it was based on the fact that the patient presented elevated titers of rheumatoid factor, myelogram demonstrating hypercellurarity and refractoriness to the drugs previously used. Despite the multifactorial pathogeny of FS, rituximab can be an effective and safe therapeutical option, and it can be used before splenectomy, decreasing the morbidity and mortality of these patients. REFERÊNCIAS References 1. Capsoni F, Sarzi-Puttini P, Zanella A. Primary and secondary autoimmune neutropenia. Arthritis Res Ther 2005;7(5):208-14. 2. Pinals RS. Indications for splenectomy in Felty s syndrome. In: UpToDate, Basow, DS (Ed), UpToDate, Waltham, MA, 2007. 3. Sordet C, Gottenberg JE, Hellmich B, Kieffer P, Mariette X, Sibilia J. Lack of efficacy of rituximab in Felty s syndrome. Ann Rheum Dis 2005;64(2):332-3. 4. Weinreb N, Rabinowitz A, Dellaripa PF. Beneficial response to rituximab in refractory Felty syndrome. J Clin Rheumatol 2006;12(1):48. 5. Lekharaju V, Chattopadhyay C. Efficacy of rituximab in Felty s syndrome. Ann Rheum Dis 2008;67(9):1352. 6. Chandra PA, Margulis Y, Schiff C. Rituximab is useful in the treatment of Felty s syndrome. Am J Ther 2008;15(4):321-2. 7. Salama A, Schneider U, Dorner T. Beneficial response to rituximab in a patient with haemolisis and refractory Felty Syndrome. Ann Rheum Dis 2008;67(6):894-5. 8. Arnett FC, Edworthy SM, Bloch DA, McShane DJ, Fries JF, Cooper NS et al. The American Rheumatism Association 1987 revised 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. criteria for classification of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum 1988;31:315-24. Pinals RS. Drug therapy in Felty s syndrome. In: UpToDate, Basow, DS (Ed), UpToDate, Waltham, MA, 2007. Hochberg MC, Silman AJ, Smolen JS, Weinblatt ME, Weisman MH: Rheumatology, 4 th ed, Philadelphia, Editora Elsevier, 2007. Klippel JH, Stone JH, Crofford LJ, White PH: Primer on the Rheumatic Diseases, 13 th ed, New York, Editora Springer, 2008. Inboden J, Hellmann D, Stone J: Current Rheumatology Diagnosis & Treatment, 2 nd ed, Editora McGraw-Hill, 2007. Pinals RS. Clinical manifestations and diagnosis of Felty s syndrome. In: UpToDate, Basow, DS (Ed), UpToDate, Waltham, MA, 2007. Campion G, Maddison PJ, Goulding N, James I, Ahern MJ, Watt I et al. The Felty s syndrome: a case-matched study of clinical manifestations and outcome, serologic features, and immunogenetic associations. Medicine 1990;69:69-80. Burks EJ, Loughran TP Jr. Pathogenesis of neutropenia in large granular lymphocyte leukemia and Felty syndrome. Blood Rev 2006;20(5):245-66. Wassenberg S, Rau R, Herborn G. Methotrexate treatment of Felty s syndrome. Arthritis Rheum 1992;35:S150. Tan N, Grisanti MW, Grisanti JM. Oral methotrexate in the treatment of Felty s syndrome. J Rheumatol 1993; 20:599-601. Wiesner KB, Shapiro RF, Bryan BL, Fuller C, Utsinger PD. Immunosuppressive therapy in Felty s syndrome. N Engl J Med 1977;296(20):1172. Canvin JM, Dalal BI, Baragar F, Johnston JB. Cyclosporin for the treatment of granulocytopenia in Felty s syndrome. Am J Hematol 1991;36(3):219-20. Talip F, Walker N, Khan W, Zimmermann B. Treatment of Felty s syndrome with leflunomide. J Rheumatol 2001; 28(4):868-870. Brodsky RA, Petri M, Smith BD, Seifter EJ, Spivak JL, Styler M et al. Immunoablative high-dose cyclophosphamide without stemcell rescue for refractory, severe autoimmune disease. Ann Int Med 1998;129(12):1031-5. Bisho, CR, Athens JW, Boggs DR, Warner HR, Cartwright GE, Wintrobe MM. Leukokinetic studies. 13. A non-steady-state kinetic evaluation of the mechanism of cortisone-induced granulocytosis. J Clin Invest 1968;47(2):249-60. Shoenfeld Y, Gurewich Y, Gallant LA, Pinkhas J. Prednisoneinduced leukocytosis. Influence of dosage, method and duration of administration on the degree of leukocytosis. Am J Med 1981;71(5):773-8. Smith MD, Ahern MJ, Brooks PM, RobertsThomson PJ. The clinical and immunological effects of pulse methylprednisolone therapy in rheumatoid arthritis. III Effects on immune and inflammatory indices in synovial fluid. J Rheumatol 1988;15(2):238-41. Kaprove RE. Felty s syndrome: Case report and rationale for disease suppressant immunosuppressive therapy. J Rheumatol 1981;8(5):791-6. Job-Deslandre C, Menkes CJ. Treatment of Felty s syndrome accompanied by agranulocytosis using high-dose corticoids. 3 cases. Presse Med 1987;16(12):569-70. Ravindran J, Shenker N, Bhalla AK, Lachmann H, Hawkins P. Case report: Response in proteinuria due to AA amyloidosis but not Felty s syndrome in a patient with rheumatoid arthritis treated with TNFalpha blockade. Rheumatology 2004;43(5):669-72. 194 Rev Bras Reumatol 2009;49(2):188-95

Rituximabe na síndrome de Felty refratária Rituximab in the refractory Felty s Syndrome 28. 29. 30. Ghavami A, Genevay S, Fulpius T, Gabay C. Etanercept in treatment of Felty s syndrome. Ann Rheum Dis 2005;64(7):1090-1. Breedveld FC, Brand A, van Aken WG. High dose intravenous gamma globulin for Felty s syndrome. J Rheumatol 1985;12(4):700-2. Hellmich, B, Schnabel, A, Gross, WL. Treatment of severe neutropenia due to Felty s syndrome or systemic lupus erythematosus with granulocyte colony-stimulating factor. Semin Arthritis Rheum 1999;29(2):82-99. 31. 32. Silverman GJ, Weisman S. Rituximab therapy and autoimmune disorders: prospects for anti-b cell therapy. Arthritis Rheum 2003;48(6):1484-92. Coakley G, Iqbal M, Brooks D, Panayi GS, Lanchbury JS. CD8+ CD57+ T cells from healthy elderly subjects suppress neutrophil development in vitro: implications for the neutropenia of Felty s and large granular lymphocyte syndrome. Arthritis Rheum 2000;43(4):834-43. Rev Bras Reumatol 2009;49(2):188-95 195