Empreendedorismo na Escola de Música da UFMG 1 Introdução A Música e as artes quando praticada como atividade profissional, não é diferente de qualquer outra área de conhecimento. A formação de um músico profissional depende de muita dedicação, quase tempo integral ao estudo exclusivo de música. Por outro lado, como em toda área é necessário também, uma formação mínima para a gestão de carreira, conhecimento do mercado, e, principalmente, de desenvolver habilidades relacionadas ao empreendedorismo. Vivemos um período histórico de escassez de empregos e de empregos de baixa remuneração devido a diversos fatores, entre outros, a grande oferta de mão de obra. Portanto, terá mais chance no mercado aquele que é empreendedor, aquele que tem maior atitude proativa em relação ao seu trabalho. O perfil dos alunos do curso de música torna a tarefa de introduzir o conteúdo empreendedorismo bastante desafiadora pelas razões que iremos apresentar. Nossa visão de empreendedorismo é bem abrangente: vai desde montar o seu próprio negócio, até questões relacionadas às atitudes pessoais no trabalho dentro de qualquer organização, seja um professor de uma universidade, um padre ou pastor de uma igreja ou um gerente de uma montadora de automóveis. O músico como um prestador de serviços O Músico, seja ele compositor ou intérprete, é principalmente um prestador de serviços, paga ISSQN e precisa ter registro de autônomo. Existem postos de trabalho disponíveis em orquestras, escolas, grupos musicais, e em todo tipo de organização em que há a necessidade de contratação de um músico, como o coral de uma empresa ou de uma igreja. Somente os postos mais altos dentro das organizações remuneram de forma suficiente para que o indivíduo não precise fazer outra coisa fora do emprego regular, como si diz na linguagem comum: prestar serviço por fora. Portanto podemos afirmar que na maioria absoluta dos casos, independente de ter ou não emprego, é preciso empreender. Aquele que tem habilidades de prestador de serviços tem mais opções no mercado de trabalho. Pode ter um emprego e, ao mesmo tempo, prestar serviços. O músico pode ser um desses indivíduos. 1 Texto apresentado no evento: Semana Global do Empreendedorismo 2010 Semana do Empreendedorismo UFMG - Mesa: Professores Empreendedores e os desafios da UFMG 1
A disciplina Empreendedorismo na Área de Música Observando essas questões relacionadas à minha profissão e a de meus alunos, e, observando também os estudos que estão sendo realizados sobre o empreendedorismo, decidi criar na Escola de Música da UFMG uma disciplina em que esse assunto fosse abordado. Nosso objetivo é o de criar a cultura empreendedora entre os alunos do curso de música e, ao mesmo tempo, oferecer a eles algumas ferramentas para enfrentar o mercado de trabalho. Dentro da categoria de disciplinas optativas temos as disciplinas de conteúdo variável. Criei a disciplina optativa Empreendedorismo na Área de Música: ênfase na elaboração de projetos para programas de apoio à cultura. Foram três ofertas até o momento, em 2006, 2007 e 2010. Tenho experimentado com conteúdos diversos. Comecei com um enfoque nas teorias do empreendedorismo, na leitura de textos sobre esse tema, no estudo do livro O Segredo de Luiza de Fernando Dolabela. Outra referência para a versão inicial da disciplina foi o livro Oficina do Empreendedor, do mesmo autor, do qual foram extraídas algumas atividades. Sempre tivemos palestras de indivíduos considerados empreendedores na área de música, apresentando para os alunos sua carreira individual, atividade sempre seguida de debate. Além desses conteúdos tivemos também: atividades para estimular idéias de projetos na área de música; visita à incubadora Inova; palestra sobre Empresa Júnior; ferramentas para a identificação de oportunidades no mercado; palestra sobre oportunidades de estudo, entre outros conteúdos. Porém o conteúdo que mais estudamos, e que tem sido a ênfase maior da disciplina é a elaboração de projetos para as leis de incentivo à cultura. As leis de incentivo à cultura são recentes no Brasil, a primeira é de 1986, e modificaram substancialmente o mercado cultural atual, no bom sentido, aumentando as oportunidades para todos, seja a pessoa física ou jurídica, isto é, como indivíduo ou como empresa. As leis de incentivo aumentaram também as oportunidades para diversos setores que tinham menor chance no mercado como as novas linguagens artísticas e a música erudita em geral. É muito comum nas disciplinas de empreendedorismo o enfoque na elaboração de um plano de negócio e na criação de empresa. Normalmente é exigido dos alunos, individualmente ou em grupo, a elaboração de uma proposta de empreendimento na sua área de atuação, isto é, um plano de negócio e uma empresa para realizá-lo. Na disciplina que criei, Empreendedorismo na Área de Música, os projetos culturais para 2
as leis de incentivo à cultura representam os empreendimentos, não necessariamente apresentados por uma empresa. As leis permitem projetos apresentados por pessoa física. Um projeto cultural é, até certo ponto, um plano de negócio, um negócio que não exige obrigatoriamente uma empresa. Se por um lado não precisar da empresa é uma vantagem, principalmente para quem quer entrar no mercado e iniciar as suas atividades profissionais, é um problema no sentido que permite a informalidade e os problemas inerentes a essa situação. Um exemplo disso é que os prestadores de serviço autônomos de hoje têm sido obrigados a criar empresa individual para poder emitir nota-fiscal, sem a qual não conseguem prestar serviços para diversas organizações. Resultados A disciplina Empreendedorismo na Área de Música tem sido bem aceita pelos alunos e bastante procurada. Na última oferta foram quarenta vagas com fila de espera por prováveis desistências. Os alunos se interessam muito pelo tema projetos culturais. Vem nos projetos uma maneira de mostrar o seu trabalho, gravar um CD ou DVD, realizar uma série de concertos ou shows, realizar festivais, projetos educacionais e sócio-culturais, entre outros. As leis de incentivo à cultura têm duas modalidades: os Fundos Culturais, que são recursos alocados através de edital publicado pelos governos federal, municipal e estadual, e o Incentivo Fiscal. Na modalidade Incentivo Fiscal, os governos federal, municipal e estadual estabelecem um limite de renúncia fiscal para que os artistas e produtores, em parcerias com empresas privadas que recebem isenção fiscal, realizem projetos culturais. O trabalho final da disciplina é apresentar, individualmente ou em grupo, um projeto cultural para uma das leis de incentivo à cultura, em uma das modalidades, para a instância Federal, Estadual de Minas Gerais e Municipal de Belo Horizonte. Essas leis são detalhadamente apresentadas aos alunos, assim como questões de elaboração, formatação de projetos culturais, gestão e prestação de contas. A disciplina tem apresentado bons resultados no que diz respeito aos projetos culturais. Após a elaboração do projeto na disciplina, alguns são realmente realizados, são apresentados para os editais públicos e de empresas privadas, isto é, são levados para o mercado. Tenho acompanhado e recebido relatos de alunos que conseguiram aprovar e principalmente executar seus projetos. 3
Em parte a disciplina tem alcançado seus objetivos no que diz respeito à elaboração de projetos culturais. Por outro lado, começamos a ter problemas quando os alunos vêm que é preciso mais que o apóio das leis e do estado, que entre outras coisas é preciso criar empresa, ser empresário, produtor, realizar captação de recursos em empresas privadas, tornar-se administrador, carregador, entre outras funções. Parte desses problemas do aluno do curso de música tem haver com o perfil dos alunos da área de humanas e principalmente da área de artes. Um exemplo disso é a dificuldade que temos tido em propor na disciplina que os alunos criem uma Empresa Júnior na Escola de Música, que poderia ser uma Produtora Cultural Júnior. O perfil do aluno de música e as dificuldades com o empreendedorismo Os alunos de música têm muita resistência em dedicar um tempo de seu estudo para as questões de carreira e empreendedorismo. Para eles todo o tempo deve ser dedicado a sua formação artística. Existe também certo preconceito entre os artistas quando se fala em vender o seu trabalho. Convencer os músicos que eles são prestadores de serviço e, como tal, precisam vender o seu trabalho não é tarefa fácil. Existe uma confusão que envolve questões relacionadas à tarefa de vender um serviço e a realização artística. Falar em vender o seu trabalho é como falar que você está vendendo a si mesmo, perdendo a sua dignidade artística. Muitos se sentem humilhados em realizar a tarefa de vender. Preferem dar essa função a um agente, um produtor cultural, ou um captador. Contratar um agente ou um produtor cultural é muito difícil para quem está começando. O indivíduo iniciando carreira tem de desempenhar várias tarefas, precisa ser o que normalmente chamamos de um Faz Tudo. A maioria só acorda para essas questões bem mais tarde quando já está no mercado lutando para obter o seu espaço. Somente nesse momento essas questões se tornam realmente importantes para eles. Voltando a questão da Empresa Júnior, vemos nessas uma maneira de desenvolver a cultura empreendedora e ao mesmo tempo uma forma bem objetiva de começar a entender e entrar no mercado de trabalho de cada área específica. Nas três vezes em que a disciplina foi ofertada, tivemos visita de alunos de outros cursos da UFMG para relatar as suas experiências com a empresa júnior. Tivemos inclusive um grupo de estudantes de Teatro e Música do Instituto Filosofia, Artes e Cultura da UFOP, que apresentaram aos nossos estudantes a empresa criada por eles, 4
a MultiCultural Produções Artísticas, primeira Empresa Júnior do Brasil na área cultural. Ao final de cada uma dessas palestras, sempre procurei realizar um debate com alunos sobre a criação de uma empresa júnior na Escola de Música. A proposta foi feita também a alunos fora da disciplina, vinculados ao DA, mas também sem sucesso. Essa idéia nunca foi bem aceita, gerando controvérsias e críticas, inclusive de que esse não deve ser um conteúdo do curso de música. Apenas dois ou três alunos se interessaram pelo assunto, um número insuficiente para essa iniciativa se efetivar. Considerando o baixo número de alunos interessados nesse tema, não tivemos a oportunidade, ainda, de apoiar os alunos na criação uma empresa júnior na Escola de Música. Não tenho notícia de empresa júnior nas outras escolas da área de artes da UFMG. O REUNI mais do que dobrou o número de alunos do curso de música. Talvez nos próximos anos aumente o interesse por esse tema e seja possível criar uma empresa júnior na área. O perfil do aluno do curso de música, e acredito que em toda a área de artes, é o de um indivíduo que escolheu a área pela paixão sem se importar muito com a profissionalização, isto é, de como vai ganhar dinheiro para o seu sustento. São geralmente muito dedicados á formação artística. Por outro lado, quando se fala que tem de empreender, transformar seu trabalho em prestação de serviço remunerada ou um produto para venda, que tem de vender esse serviço ou produto, que tem de ser um auto-produtor, seu próprio agente, elaborador de projetos, etc, começam os problemas. Fernando Dolabela relata em seu livro O Segredo de Luiza, o caso de Duda (uma personagem), que é sobrinha do Professor Pedro (outro personagem). Esse trecho do livro mostra bem as dificuldades do artista em vender a sua arte. A personagem Duda é uma artista plástica que realiza trabalhos em cerâmica e cria uma empresa para vender o seu trabalho, com a orientação do personagem Professor Pedro. Ao relatar esse caso, Dolabela apresenta dois importantes conceitos para o empreendedorismo: primeiro o de que a idéia tem de se adequar ao perfil do empreendedor ; segundo o empreendedor é alguém que aceita o dinheiro como medida de avaliação. Duda, a personagem de Dolabela, apesar de grande sucesso no empreendimento que realizou, entra em conflito consigo mesma quando tem de vender o produto de seu trabalho de artista plástica, assim como exercer funções de um empresário: dar ordens, 5
ouvir cliente pechinchar preço do seu produto, da sua arte, etc. Duda prefere desistir de ser empreendedora para não ter que lidar com essas questões. O perfil de grande parte dos alunos do curso de música e de artes é esse também. Querem trabalhar, precisam trabalhar, mas não querem ter de vender a sua arte. Não gostam de ver seu trabalho como um negócio. Modificar esse perfil e criar uma cultural realmente empreendedora, criar um perfil empreeendedor nos alunos não é tarefa fácil. Os artistas não gostam de falar que seu trabalho é um negócio. Dizem eu tenho um projeto e não eu tenho um negócio. Mas o projeto cultural é um negócio, queiram ou não vê-lo dessa maneira. A área de humanas e principalmente a área de artes é mais resistente ao movimento empreendedorista. Deixo aqui essa questão: sabemos o que é empreendedorismo, sabemos o que é um indivíduo empreendedor, mas como estimular e criar um perfil realmente empreendedor nos alunos da área de música e artes é nosso grande desafio. Referências CESNIK, Fábio de Sá. Guia do incentivo à cultura. Barueri,SP: Editora Manole, 2007. (2ªEdição) DOLABELA, Fernando. O segredo de Luísa. São Paulo: Editora de Cultura Ltda, 1999. DOLABELA, Fernando. Oficina do Empreendedo. São Paulo: Cultura Editores, 1999. MORETTO, LUIZ FERNANDO NETO. Empresa Júnior - Espaço de Aprendizagem. Florianópolis: UFSC, 2004 6