PERFIL DE ADULTOS BONS E MAUS LEITORES COM OU SEM TRAÇOS DE DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO DE MOVIMENTOS OCULARES

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Transcrição:

PERFIL DE ADULTOS BONS E MAUS LEITORES COM OU SEM TRAÇOS DE DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO DE MOVIMENTOS OCULARES Paulo Guirro Laurence 1 Tatiana Matheus Pinto 2 Alexandre Tadeu Faé Rosa 3 Elizeu Coutinho de Macedo 4 RESUMO A competência em leitura é uma função importante para o ser humano e se relaciona com o crescimento da educação formal no último século. Durante a leitura de textos, os olhos se movem em um padrão típico e a análise desse padrão pode ajudar a compreender o processamento linguístico e semântico. Estudos com equipamentos que registram os movimentos oculares (i.e., eye tracking) tem possibilitado o estudo do processamento da leitura em bons leitores, bem como de pessoas com dislexia do desenvolvimento. O objetivo desse estudo foi descrever o perfil dos movimentos oculares de dois tipos de bons (com e sem traços de dislexia) e dois tipos de maus leitores (com e sem traço de dislexia) em uma prova de decisão semântica de ambiguidade. O critério para ser considerado bom leitor era que deveriam acertar acima de 85% das frases em um teste de decisão semântica. Já a identificação de traços de Dislexia foi feita por meio da Adult Dyslexia Chechlist (ADC). Os participantes liam frases que poderiam ser ambíguas (e.g.: O menino foi ao mar. Ele estava agitado) ou não ambíguas (e.g.: O menino foi ao mar. Ele estava feliz) e os movimentos oculares foram registrados com um equipamento de eye tracking SMI RED500. As medidas analisadas foram: Tempo médio de julgamento por estímulo em microssegundos, Média de Fixações por estímulo, Tempo médio de Fixação em microssegundos e Porcentagem de Sacadas Regressivas por estímulo em relação ao total de sacadas. Os resultados mostram que os dois grupos de maus leitores apresentam os maiores tempos para julgamento e maior número de fixações. Já os participantes dos dois grupos com traços de dislexia apresentam tempo maiores de fixação e menor porcentagem de sacadas regressivas. Os resultados sugerem a possibilidade de traçar perfil de bons e maus leitores a partir de provas de decisão semântica e análise dos movimentos oculares. A categoria dessa pesquisa é estudo experimental. Palavras-chaves: Dislexia; Eye tracking; Leitura. Introdução 1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie 2 Graduanda de Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie 3 Doutor em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie 4 Professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie

A leitura tem um papel fundamental na comunicação humana. Mais ainda, com o aumento na educação formal, a habilidade de ler se tornou essencial na aquisição de conhecimento. Ademais, a leitura tem implicações severas no desenvolvimento cognitivo humano (CUNNINGHAM; STANOVICH, 2001). Muitas vezes, por dificuldades na aprendizagem e na educação formal, existe uma busca por tratamento neuropsicológico, que ocorrem normalmente na infância. Essas dificuldades normalmente estão ligadas a transtornos da educação (MELLO et al., 2012). Alguns desses transtornos, conhecidos como Transtornos Específicos da Aprendizagem, são de origem neurobiológica e se manifestam durante o desenvolvimento do indivíduo (CRUZ- RODRIGUES et al, 2014). Um dos principais Transtornos Específicos da Aprendizagem é a Dislexia do Desenvolvimento, que abrange 80% de todos os indivíduos com Transtornos Específicos da Aprendizagem, e com prevalência de 5 à 17,5% nas crianças em processo de aprendizagem (LAGAE, 2008). A Dislexia do Desenvolvimento se caracteriza por um déficit na habilidade de leitura com origem neurobiológica. Ele faz com que o indivíduo tenha dificuldade em realizar uma leitura correta e/ou fluente. O déficit encontrado na leitura não é acompanhado de insuficiência em nenhuma outra habilidade cognitiva, o que o torna inesperado. Esse quadro ainda pode conter consequências secundarias, como problemas na compreensão por experiência reduzida de leitura, falta de desenvolvimento do vocabulário e em conhecimentos gerais (LYON, 2003). Embora a má leitura seja uma das consequências da dislexia, ela não pode ser confundida com maus leitores. Maus leitores têm dificuldade em encontrar o foco que fez com que eles não entendessem o texto e tem dificuldade em fazer leituras rápidas (JACOBSON; DODWELL, 1979; MACKEBEN et al., 2004). Os movimentos oculares vêm ajudando a entender melhor a leitura e a dislexia (para uma revisão ver: RAYNER, 1998 e CLIFTON et al., 2016). Medidas oculares como sacadas regressivas ajudam a entender como os leitores encontram o foco da confusão na leitura (JACOBSON; DODWELL, 1979) e as fixações ajudam a entender o processamento de informação durante a leitura (RAYNER, 1975; PRADO et al, 2006). Dessa forma, é fundamental a criação de perfis de movimentos oculares para melhor entendimento desse transtorno e de padrões de leitura. Porém, poucos estudos se desdobram para uma caracterização de perfis e muitas vezes estão apenas interessados nos

disléxicos maus leitores, mas não no disléxico bom leitor. Com isso, o objetivo desse estudo foi descrever o perfil dos movimentos oculares de dois tipos de bons (com e sem traços de dislexia) e dois tipos de maus leitores (com e sem traço de dislexia) em uma prova de decisão semântica de ambiguidade. Metodologia Participantes Quatro universitários foram escolhidos com os perfis desejados a partir de avaliações que ocorreram no Laboratório de Neurociência Social e Cognitiva da Universidade Presbiteriana Mackenzie para um estudo maior. Esses participantes eram todos destros, visão normal ou corrigida com lente e não possuíam distúrbios psiquiátricos, neurológicos e evasão escolar. A participação de todos os sujeitos foi voluntária e eles receberam horas complementares em troca. Os perfis selecionados foram: dois tipos de bons leitores (com e sem traços de dislexia) e dois tipos de maus leitores (com e sem traço de dislexia). O critério para bom leitor era por acerto maior que 85% na tarefa de decisão semântica. Já o critério para traços de dislexia do desenvolvimento foi pontuação acima de 7 na Adult Dyslexia Chechlist (ADC) revisado por Vinegrad (1994). Material Adult Dyslexia Checklist (ADC) O Adult Dyslexia Checklist (Vinegrad, 1994) é um questionário com vinte itens, em que todos são relacionados a sintomas de diferentes áreas da dislexia. Os itens apresentam frases em que a resposta deve ser dada em formato de sim ou não (e.g.: Acha difícil se lembrar do sentido/significado do que você leu?). Para cada item marcado de forma afirmativa é adicionado um ponto ao resultado do teste. Embora o instrumento possa indicar a possibilidade de dislexia, é necessário ressaltar que ele não é um instrumento diagnóstico. Em outras palavras, somente os dados coletados nesse teste não são o suficiente para se afirmar que a pessoa tem dislexia. Todavia, os resultados desse teste têm um valor indicativo de dislexia alto. Em casos de pontuação alto é interessante sugerir que o indivíduo vá para uma avaliação com uma equipe multidisciplinar completa (Vinegrad, 1994). Tarefa de Decisão Semântica A Tarefa de Decisão Semântica é estruturada com o objetivo de avaliar a capacidade de julgamento do participante para ambiguidade em sentenças escritas. Ela é

composta de cem sentenças, em que cinquenta são frases ambíguas e cinquenta são frases diretas (i.e., frases não ambíguas). As sentenças foram contrabalanceadas com o objetivo das sentenças terem o mesmo tamanho e número de palavras (Figura 1). A fonte usada foi Calibri, tamanho 22 em fundo branco. A apresentação foi feita com um intervalo de 2 segundos entre a decisão do participante e o início da próxima sentença. Nesse intervalo era exposto um ponto de fixação no centro da tela. A ordem das sentenças foi randomizada. Figura 1 Sequência de estímulos da Tarefa de Decisão Semântica. A instrução dada aos participantes era para julgar se a frase era ambígua ou não e então pressionar a letra Q do teclado caso fosse ou a letra P caso não fosse. Em frente a essas letras havia uma marca indicando o que essas teclas significavam. Eye tracking SMI RED500 O equipamento de medidas oculares usado foi o RED500 da SensoMotoric Instruments (2014). Esse equipamento é acoplado a um monitor de 22 e permite medir os movimentos oculares e saber para onde o participante está olhando na tela de computador. Algumas das medidas possíveis de se obter com aparato são: Número de Fixações, Tempo total de Fixação, Número de Sacadas, Tempo total no trial (i.e. estímulo apresentados, as frases no caso desse experimento), análises qualitativas de padrões oculares, entre vários outros. O

dispositivo vem acompanhado com um software para desenvolvimento de experimentos, SMI Experiment Center, e um outro para análise dos movimentos oculares, SMI BeGaze. Ele também é compatível com softwares de outras marcas, como E-Prime, que foi o software utilizado para realização desse experimento. A coleta de dados foi feita à 500Hz. Os critérios para identificação de fixações e sacadas foram definidos pelo padrão do SMI BeGaze versão 3.7.104. Medidas coletadas Foram estudadas quatro variáveis nesse estudo, sendo três delas medidas oculares. Por esse ser um estudo exploratório, foram usadas poucas medidas, mas as mais habituais em estudos relacionados à estudos de movimentos oculares. As medidas são: Tempo médio de julgamento por estímulo (TJ) em microssegundos, que é o tempo médio que a pessoa passou na frase desde a apresentação dela até a decisão; Média de Fixações por estímulo (Fix), definido como o número médio de fixações que o indivíduo teve na tarefa; Tempo médio de Fixação (Tfix) em microssegundos, estabelecida pela soma de todos os tempos de fixação e dividido pelo Número de Fixações; Porcentagem de Sacadas Regressivas por estímulo em relação ao total de Sacadas (SacR), que é determinada por todas as sacadas que vão do lado direito para o esquerdo no eixo das abcissas com distância maior que quatro letras (aproximadamente 48 pixels) em relação ao total de sacadas que o participante teve no estudo. A distância de quatro letras foi definida para não contabilizar microssacadas regressivas junto as sacadas, uma vez que o interesse era na compreensão semântica. Procedimento Os sujeitos vieram ao laboratório de coletas e então foi explicado a eles os termos de consentimento para que eles pudessem optar por participar ou não da pesquisa. Em seguida realizaram o ADC e foram levados a sala com o equipamento de medidas oculares. Eles sentaram há aproximadamente 70 cm do monitor, e foram ajustados adequadamente de acordo com as características pessoais de cada um. Após o posicionamento eles passaram pela etapa de calibração do equipamento e em seguida foi apresentada as instruções do experimento. Quando os participantes se sentissem preparados, eles começavam a tarefa. Quando o participante tivesse feito sua decisão, deveria apertar a tecla adequada do teclado, que estava em sua frente na mesa do monitor. Entre cada um dos estímulos era apresentado um ponto de fixação no centro da tela por dois segundos (ver Figura 1). Os perfis para essa pesquisa foram selecionados depois do fim das coletas de acordo com os critérios de exclusão e inclusão.

Resultados e análise Os perfis e seus dados podem ser encontrados na Tabela 1 e foram compostos da seguinte maneira: O Bom leitor sem traços de dislexia demonstrou o menor número médio de fixações, com 8 fixações por frase, e o menor tempo médio de fixação, com 116 microssegundos por fixação. Já o Bom leitor com traços de dislexia gastou 3,1 segundos para decidir se a frase era ambígua ou não, o menor tempo dentro desses perfis. O Mau leitor sem traços de dislexia teve, em média, 15 fixações por frase, sendo o maior número desses perfis e também teve a maior porcentagem de sacadas regressivas, com 20%. Por fim, o Mau leitor com traços de dislexia teve o maior tempo de julgamento (4,9 segundos) o maior tempo médio de fixações (308 ms) e a menor porcentagem de sacadas regressivas (14%). Tabela 1 Tempo de julgamento e medidas oculares para cada um dos perfis Perfis TJ (ms) Fix TFix (ms) SacR (%) Bom leitor sem traços de Dislexia 3618,14 7,99 115,94 16,80 Bom leitor com traços de dislexia 3099,09 10,81 222,57 15,21 Mau leitor sem traços de dislexia 4331,06 14,93 155,46 20,36 Mau leitor com traços de dislexia 4923,40 13,01 307,75 13,99 Os dois grupos de maus leitores apresentam maiores tempos para julgamento, ou seja, demoram mais tempo para tomar a decisão se a frase apresentada é ambígua ou não. Isso pode ser justificado pelo fato de bons leitores conseguirem informações de forma mais eficiente que maus leitores. Bons leitores processam mais informação por sacadas (MACKEBEN et al., 2004). Os grupos de bons leitores, como esperado, demonstram menor número de fixações, o que demonstra que eles processam mais letras por fixação do que os maus leitores (RAYNER, 1975; PRADO et al, 2006). Os grupos com traços de dislexia demonstram maiores tempos médios de fixação, o que é esperado já que maior complexidade na leitura está ligado com maiores tempos de fixação (JACOBSON; DODWELL, 1979; RAYNER, 1998; PRADO et al., 2006). Por outro lado, os grupos com traços de dislexia também demonstraram uma menor porcentagem de

sacadas regressivas, o que é inesperado, já que complexidade na leitura também está correlacionada com regressões sacádicas (JACOBSON; DODWELL, 1979). Conclusões Os resultados desse estudo apontam para possibilidades de traçar e explicar perfis de bons e maus leitores, tão como, de leitores disléxicos ou comuns a partir de provas de decisão semântica e da análise dos movimentos oculares. Mesmo com apenas quatro sujeitos foi possível verificar a existência de distintos padrões entre os quatro perfis. Com isso, o presente estudo sugere que, mesmo em provas de decisão semântica é possível categorizar bons e maus leitores e pessoas com ou sem traços de dislexia. Referências CLIFTON, C., FERREIRA, F., HENDERSON, J. M., INHOFF, A. W., LIVERSEDGE, S. P., REICHLE, E. D., & SCHOTTER, E. R. Eye movements in reading and information processing: Keith Rayner s 40 year legacy. Journal of Memory and Language, v. 86, p. 1-19, 2016. CRUZ-RODRIGUES, C.; MECCA, T. P.; OLIVEIRA, D. G.; UEKI, K.; BUENO, O. F. A.; MACEDO, E. C. Perfis cognitivos de crianças e adolescentes com dislexia na WISC-III. Arq. bras. psicol., Rio de Janeiro, v. 66, n. 2, p. 17-35, 2014. CUNNINGHAM, A. E.; STANOVICH, K. E. What reading does for your mind. Journal of Direct Instruction, v. 1, n. 2, p. 12, 2001. JACOBSON, J. Z.; DODWELL, P. C. Saccadic eye movements during reading. Brain and Language, v. 8, p. 303-314, 1979. LAGAE, L. Learning disabilities: definitions, epidemiology, diagnosis, and intervention strategies. Pediatric Clinics of North America, v. 55, n. 6, p. 1259-1268, 2008. LYON, G. R. Defining dyslexia, comorbidity, teachers, knowledge of language and reading. Annals of Dyslexia. v.53, p. 1-14, 2003. MACKEBEN, M.; TRAUZETTEL-KLOSINSKI, S.; REINHARD, J.; DÜRRWÄCHTER, U.; ADLER, M.; KLOSINSKI, G. Eye movement control during single-word reading in dyslexics. J Vis, v. 4, n. 5, p. 388-402, 2004. MELLO, C. B.; BRUNONI, L. R. R.; PILLA, A. L.; TADDEI, J. A. A. C.; BARBOSA, T.; SINNES, E. G.; RODRIGUES, C. C.; MIRANDA, M. C.; MUZSKAT, M.; BUENO, O. F. A.

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