Psicologia e a Economia Solidária: Autonomia Coletiva x Liderança Capitalista



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Transcrição:

Psicologia e a Economia Solidária: Autonomia Coletiva x Liderança Capitalista FERREIRA, Lorena Fiuza (Aluna do curso de psicologia da Faculdade Sant Ana)- lorena.fferreira@gmail.com SANTOS, Fernanda Pimentel (Aluna do curso de psicologia da Faculdade Sant Ana)- fpimentelsantos@gmail.com SORIANO, Sara Scheidt (Orientadora no curso de Psicologia da Faculdade Sant Ana) BRASIL, Manuela Salan (Orientadora, Doutora em Sociologia pela UFPR, Mestre em Ciências Sociais e Graduação em Economia pela UEPG) RESUMO O presente artigo visa proporcionar uma discussão e reflexão sobre atitudes e papéis de liderança em economia solidária, tendo em vista os trabalhos realizados pela Incubadora de Empreendimentos Solidários da Universidade Estadual de Ponta Grossa IESOL. Esta incubadora tem como metas promover em grupos de economia solidária a possibilidade de autogestão, a geração de trabalho e renda, a organização baseada no associativismo e cooperativismo, a sustentabilidade e autonomia nos empreendimentos. Dessa forma, a economia solidária é um tema que vem sendo discutido constantemente no meio acadêmico e social, por realizar uma forte crítica sobre o sistema econômico dominante e propor um estilo de economia que luta pelas desigualdades sociais, sendo enfatizada a importância de se criar caminhos de autonomia coletiva ou liderança solidária compartilhada para ser o oposto da visão tradicional de liderança herdada pelo sistema capitalista. Portanto, busca-se com esse trabalho trazer contribuições da psicologia relacionada a grupos e a visão de liderança compartilhada, refletir sobre o líder em grupos de economia solidária incubados pela IESOL, discutindo o desafio de praticar a economia solidária inserido na cultura capitalista. Palavras-Chave: economia solidária, liderança, autonomia coletiva.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS A economia solidária é um tema que vem sendo discutido constantemente no meio acadêmico e social, por realizar uma forte crítica sobre o sistema econômico domintante e propor um estilo de economia que luta pelas desigualdades sociais presente no capitalismo. O documento da I Conferência Nacional de Economia Solidária (2005) alega a necessidade de trabalhores solidários atuarem na superação das contradições próprias do capitalismo, encontrada como dificuldade. A Economia Solidária na cidade de Ponta Grossa tem como apoio a Incubadora de Empreendimentos Solidários (IESOL), que faz parte de um programa da UEPG que surgiu com o intuito de fomentar, articular, organizar e consolidar empreendimentos solidários, promovendo nos grupos de trabalhadores incubados os princípios da Economia Solidária. O autor Paul Singer (2002), comenta que a economia solidária compreende diferentes tipos de associações voluntárias com o fim de proporcionar a seus associados benefícios econômicos. E surgem como reações a carências, como a pobreza, que o sistema dominante se nega a resolver. De acordo com o Paul Singer a economia solidaria é: Uma economia formada por empresas onde os trabalhadores são capitalistas e os capitalistas são os trabalhadores. Não há separação entre a propriedade e o trabalho. Todos os que trabalham na empresa são donos da empresa por igual. Cada um tem a mesma parte do capital, e portanto os mesmos direitos de decisão. Pratica-se a autogestão, que é administração da empresa por todos que trabalham nela democraticamente. (Paul Singer, p.11. 2002) Dessa forma, o autor define a economia solidária como um modo de produção que se caracteriza pela igualdade de direitos, onde os meios de produção são de posse coletiva dos que trabalham com eles, favorecendo e incentivando a autonomia e autogestão. Beatriz (2012), traz a visão de Paul Singer sobre a autogestão, como um principal diferencial do empreendimento solidário, pois em uma empresa capitalista visa-se a concentração do poder, a heterogestão, caracterizada pela distribuição desigual do poder, sendo bastante criticado pela economia solidária. Em praticamente todas as formas de relações sociais necessita-se de representantes (ou líderes). De acordo com Scholz (2009) os líderes são pessoas que defendem as causas a que pertencem, organizam os sujeitos envolvidos com o propósito de manter a dinâmica das esferas política e social em que estão imersos e nas quais se constituem. Porém essas práticas de lideranças são assumidas normalmente dentro do caráter da concentração do poder, buscando-se manter a hierarquia tradicional. Neste sentido a Economia Solidária inserida na cultura capitalista tem como resultado um sujeito que encontra mensagens contraditórias, pois os princípios da Economia Solidária, como autogestão e cooperação encontram dificuldades em uma cultura individualista e competitiva. A economia solidária tem uma visão diferenciada do papel da liderança da cultura

capitalista, onde busca-se democratizar a autonomia e os direitos. Os lideres neste caso assumem uma postura liderança compartilhada, pois todas as decisões são tomadas e discutidas coletivamente com o grupo. Seguindo esta visão da economia solidária autogestionária busca-se refletir sobre a questão de liderança dentro de grupos de economia solidária que fazem parte da Incubadora de Empreendimentos Solidários da UEPG (IESOL). Ressaltando as contribuições da psicologia que enfatiza a importância dos líderes que favorecerem a autonomia coletiva do grupo. 2. OBJETIVOS O presente trabalho tem por objetivo fazer uma relação entre a autonomia coletiva enfatizada na economia solidária e o papel de liderança da visão capitalista, a partir da realidade de empreendimentos de economia solidária encontrados na Incubadora de Empreendimentos Solidários (IESOL), na cidade de Ponta Grossa. Apresentando como objetivos específicos dialogar sobre a Economia Solidária e a prática do trabalho coletivo, a partir da perspectiva da autogestão diferenciando da heterogestão capitalista; refletir sobre o papel da liderança em grupos de empreendimentos solidários. Propondo contribuições da psicologia sobre grupos e o papel do líder no ambiente da Economia Solidária. 3. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO O capitalismo tem como característica a circulação de mercadorias, tendo como ponto de partida o capital, que resulta no dinheiro (MARX, 2011). O autor diferencia o capital de dinheiro pela sua forma de circulação dentro da sociedade, sustentando como principal objetivo do capitalismo a apropriação crescente da riqueza, ou seja, do dinheiro. Roiz (2009) comenta sobre a crítica feita por Marx à economia política do capitalismo, onde as desigualdades sociais são apresentadas como circunstâncias constantes da luta de classes e intensificadas pelo modo de produção capitalista. Assim, o próprio trabalho é considerado mercadoria, cujo valor é estabelecido pelo mercado. Marx (2011) explana que para converter dinheiro em capital, parte do funcionamento do capitalismo, é imprescindível o valor-de-uso, ou seja, a força do trabalhador, que dessa maneira transforma-se em mercadoria. Para Marx (2011) o homem dentro da perspectiva do capitalismo é visto como personificação da força do trabalho, um objeto natural ou uma coisa, embora seja uma coisa viva e consciente, e o próprio trabalho é a manifestação externa, objetiva dessa força (2011, p.238). Neste pensamento o homem é apenas considerado um fator de produção, perdendo a sua subjetividade, não sendo visto como um indivíduo vivo, criativo, com metas, sonhos e potencialidades. Assim, o homem é um meio que serve para um fim maior, que é ganhar dinheiro. Durante as décadas de 40 e 50 o Brasil passou por mudanças no seu modelo de produção, Freitas (1988) destaca que a mudança do sistema agropecuário para o agroindustrial produz consequências intensas, como a rápida necessidade de mão-de-obra qualificada, com jornadas de trabalhos desgastantes e baixos salários. Assim, a Economia Solidária surge em

vários países como um movimento amplo e profundo, que tem como origem a luta dos trabalhadores marginalizados desse novo modelo econômico (BRASIL, 2007). Na década de 1960, segundo Freitas (1996), o Brasil passou por fortes confrontos entre o Estado, as forças capitalistas e as necessidades básicas da população, a qual sofria com o desemprego e reivindicava direito à saúde e à educação. A autora ressalta que este período foi marcado pelos cinturões de pobreza e miséria que iam crescendo ao redor dos polos industriais e centros de riqueza. Assim, o capitalismo ganha ênfase no Brasil, apoiado pela ditadura militar com a propaganda de efetivar a democracia no país. De acordo com Freitas (1998) a repressão política, cultural e o aumento da pauperização caracterizaram este período ditatorial. O governo ditador, a fim de garantir a hegemonia nas decisões tomadas, afasta a população dos assuntos políticos, acarretando uma despolitização em massa de grandes setores da sociedade que simplesmente diziam amém aos arbítrios políticos (ORTH, 2013, p62). Segundo Serafim (2012), a década de 1980 foi marcada por altas taxas inflacionárias e baixas taxas de crescimento econômico, levando ao aumento do desemprego em massa e à precarização do mercado de trabalho. Em decorrência da crise da década de 1980 e 1990 o Brasil enfrenta altos índices de desemprego. Neste período os movimentos sociais no país eclodem e várias iniciativas comunitárias surgem com finalidade de melhorar o trabalho, a renda e a saúde vão ganhando destaque. Segundo Veronese (2004), neste período os princípios da economia solidária e a produção autogestionária no Brasil constituem os movimentos sociais do país, uma vez que o desemprego e a competição no mercado de trabalho estavam crescendo significativamente. Durão (2003) caracteriza essas décadas pelo alto grau de desigualdade de renda, resultando em uma exacerbada desigualdade social. Dessa forma, reevendicações por melhoria nas condições de trabalho, direito a saúde e educação foram ganhando destaques dando abertura aos movimentos sociais, sindicais e outros. Os trabalhadores passaram a buscar outros meios de renda, os empregos informais, ganhando ênfase a Economia Solidária, que traz como base o ser humano e o trabalho coletivo, sobrepondo o individualismo e a competitividade, fomentando o trabalho horizontal. Dentro deste contexto a psicologia também demarcou a sua participação, pois na década de 1980 e 1990 é desenvolvido Psicologia Social Comunitária, caracterizada pela construção de uma psicologia social crítica, histórica e comprometida com a realidade concreta da população brasileira. Dessa forma, de acordo com Freitas (1996), os psicólogos passam a atuar juntos em diversos setores da população enfatizando práticas emancipatórias, autogestão e empoderamento dos sujeitos. A economia solidária e a psicologia comunitária passam a desenvolver suas teorias baseadas nas desigualdades sociais, objetivando colaborar para a reivindicação de melhorias e autonomia da população brasileira. De acordo com Paul Singer (2002) o capitalismo produz desigualdade crescente, realizando uma competição constante entre ganhadores e perdedores, onde o papel do líder é essencial para a concentração e domínio do poder. O autor afirma que o desemprego é um dos principais fatores para a exclusão social e econômica, necessitando dar oportunidades e espaços de trabalhos que se organizem coletivamente.

Scholz (2009) define a economia solidária como uma resposta ao capitalismo, ao desemprego e à exclusão social, sendo uma alternativa de inclusão do marginalizado no mercado de trabalho. Singer (2002) propõe que a solidariedade na economia só torna-se possível se for organizada igualitariamente, tendo como princípio a associação entre iguais em vez do contrato entre desiguais. Dessa forma, a autora Veronese enfatiza a importância da autogestão em grupos: A autogestão é outro critério importante no campo da economia solidária; ela diferencia-se da heterogestão onde um patrão, chefe, supervisor, ou consultor nos modelos de gestão contemporâneos, decide, orienta e define os rumos dos processos e das relações da e na produção. Na autogestão, cada um deverá ser gestor, discutindo em grupo quais são as ações prioritárias, como férias, ganhos financeiros etc. O sujeito é interpelado a ser seu próprio gestor, geralmente tendo toda uma história de subordinação nas experiências anteriores de trabalho, heterogestionárias e autoritárias. (VERONESE, 2004, p. 109). O documento da I Conferência Nacional de Economia Solidária (2005) mostra o comprometimento desta economia com a lógica de responsabilidade coletiva e igualdade de direito a todos os sócios do empreendimento, mantendo a horizontalização das decisões, contra a ideia da dimensão hierarquizada das empresas capitalistas, onde o líder tem total controle. Tendo em vista que o objetivo desses empreendimentos é composto por valores que visam o coletivo, a psicóloga Veronese destaca a dificuldade encontrada para construir uma liderança solidária compartilhada: Eles parecem percorrer um caminho cujo o movimento poderia ser compreendido como uma espiral: aprendem, erram, voltam, avançam. Comemoram conquistas e sofrem retrocessos (Veronese, p.10, 2011) Assim, a autora enfatiza a dificuldade de diferenciação entre a heterogestão, onde o poder de decisões centra-se em uma pessoa com um cargo normalmente elevado, a autogestão que se caracteriza pela tomada de decisões democrática, tendo a participação de todos. Seguindo o mesmo pensamento Scholz (2009) defende a ideia de que para a gestão de um grupo ser bem exercida nas organizações, precisa valorizar aspectos sociológicos, psicológicos, econômicos e administrativos, além da particularidade de cada indivíduo, na qual busca-se substituir o autoritarismo individual pela democracia do grupo. A igualdade de direitos e a horizontalidade das decisões contrapõem a ideia de liderança e hierarquia das empresas capitalistas. Veronese (2008) ressalta que a formação da identidade do grupo, gera conflitos, pois esbarra na identidade de cada um, podendo ter como consequência a individualidade e competitividade internalizando a ética do capital e perdendo seu caráter e valores solidários. Veronese e Scholz (2013) trazem a dificuldade da prática desses princípios nos empreendimentos econômicos solidários, encontrando como justificativa a dificuldade de cada sujeito ser seu próprio gestor e discutir em grupo suas ações. Esse processo de acordo com as autoras gera expectativas no grupo de valores de boa convivência humana entre si e com o meio ambiente, sustentabilidade social e ambiental, norteados pela autogestão, mas essas expectativas são vivenciadas como um desafio porque esses trabalhadores possuem uma história de subordinação nas experiências anteriores. No campo da psicologia várias teorias foram desenvolvidas buscando explicar a liderança presentes nos grupos. O psicólogo Kurt Lewin (1978) abordou a importância de

desenvolver líderes democráticos para que estimulem a cooperação e promovam mudanças nos grupos. Para o autor a liderança democrática torna os liderados menos dependentes do líder, mantendo uma relação autônoma e dialética. Outro psicólogo que trabalhou a liderança em grupos foi Pichon-Rivière (1988) teorizando que em um grupo pode existir pessoas que assumem o papel de líderes da mudança, são aqueles que tende a puxar o grupo para frente e mobilizar a participação dos demais integrantes. Mas também existem os líderes da resistência, os quais manifestam comportamentos que tendem a dificultar os avanços do grupo. Pichon (1988) ressalta que os papéis nos grupos devem ser rotativos, não tendo uma única pessoa exercendo o papel de líder absoluto e permanente, rotatividade também defendida pela economia solidária. Dentro de várias construções teóricas relacionadas a grupos a figura do líder é evidente, sendo um desafio tanto para psicologia social comunitária como para economia solidária compreender as relações sociais, incentivando a autonomia e o trabalho coletivo dentro da cultura capitalista. 4. RESULTADOS A Incubadora de Empreendimentos Solidários da UEPG desenvolve seu trabalho desde o ano de 2005. De acordo com as experiências os grupos incubados, é possível observar conflitos em alguns grupos por existir integrantes que realizam um forte papel de liderança, exprimindo uma postura individual e dominadora nas decisões sobre o empreendimento. Como resultado desta postura os restantes dos participantes assumem passivamente um papel submisso às iniciativas de líderes, não havendo a inclusão do grupo nas decisões e discussões dos problemas, acarretando inclusive um cansaço do próprio líder que acaba acumulando inúmeras funções. Dessa forma, fica evidente que alguns grupos apresentam dificuldade em caminhar de acordo com os princípios da economia solidária, por manter uma hierarquia, onde uma única pessoa centraliza as decisões. A dificuldade nos grupos em tentar vivenciar a economia solidária dentro da cultura capitalista é evidente, pois existe uma necessidade de reeducação de seus costumes e valores. Sendo assim, percebe-se que um dos motivos de se manter o papel do líder dominante nos grupos de economia solidária decorre do sistema capitalista o qual estão inseridos. Alguns integrantes dos grupos de economia solidária costumam a encarar as críticas como sinônimo de ofensas. Dessa forma, este pensamento faz com que muitos assuntos não sejam resolvidos ou compartilhados. Frases como: Eu não quero magoa-lo (a) não é raro em empreendimentos solidários, sobretudo em grupos que haja um grande laço afetivo entre os associados. A falta de comunicação é prejudicial em qualquer coletivo, mas dentro da economia solidária que se baseia na autogestão como processo de tomada de decisão, isso tem impactos maiores. Veronese e Martins (2011), ressaltam que a gestão coletiva é um principio fundamental nesses empreendimentos, dependendo diretamente da participação ativa e igualitária dos membros, executando assim uma forma de poder compartilhado envolvendo todos. Porém apresentam como desafio da prática dos princípios da economia solidária nos empreendimentos a dificuldade de cada sujeito ser seu próprio gestor e discutir em grupo suas

ações, pois esses trabalhadores possuem histórias de subordinação nas experiências anteriores com empreendimentos capitalistas. A questão de relacionamento e de liderança é, portanto, mais um dos desafios enfrentados durante o processo de incubação. Tal fato reafirma a necessidade do trabalho interdisciplinar, uma vez que as demandas são multidimensionais. A atuação da psicologia é essencial para esses momentos que os grupos vivenciam como dificuldade, portanto a Incubadora conta com as estagiárias de psicologia da Faculdade Sant Ana, para trabalhar os conflitos dos grupos no viés da psicologia. As intervensões da psicologia social envolvem o desenvolvimento da autonomia, da solidariedade, buscando resignificar a identidade profissional do trabalhador, fortalecendo o vinculo grupal. Sendo essencial o resgate da psicologia comunitária para compreender a dinâmica do grupo (CAMPOS, 1996). O autor ainda define como papel do psicólogo social comunitário, trabalhar com estes grupos de economia solidária para que eles assumam progressivamente o papel de sujeitos de sua própria história, conscientes dos determinantes sócio-políticos de sua situação e ativos na busca de soluções para os problemas enfrentados. Assim, a atuação da psicologia aparece com o intuito de trabalhar a passividade que os participantes do grupo demonstraram ter diante do papel de liderança e gerar uma reflexão sobre os princípios de um verdadeiro empreendimento solidário, para que possam aprender a debater as problemáticas e decisões democraticamente, tornando-se grupos autogestionários que buscam conquistar sua autonomia na contramão da cultura hegemônica. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os Empreendimentos de Economia Solidária são organizados coletivamente, por meio de associações, grupos de produção e cooperativas, com o objetivo de geração de trabalho e renda de forma coletiva, regidos pela autogestão. Singer (2002) define a economia solidária como um modo de produção que se caracteriza pela igualdade de direitos, onde os meios de produção são de posse coletiva dos que trabalham com eles, favorecendo e incentivando a autonomia e autogestão. Percebendo-se a complexidade deste tema e o desafio que se impõe como prática concreta, a questão da liderança não deve assumir um papel secundário na incubação. Veronese (2006), comenta que as formas de trabalhar estariam diretamente ligadas à criação da própria vida em sociedade, deixando de ser apenas um ambiente de produção e distribuição, destacando a importância deste ambiente para a saúde mental de cada indivíduo, pois a subjetividade não é apenas algo individual, mas sim uma instância coletiva, social e histórica. E essa subjetividade pode ser definida como traz a mesma autora, uma complexa construção simbólica de sentidos sobre si mesmo e o mundo. Neste sentido a Economia Solidária inserida na cultura capitalista tem como resultado um sujeito que encontra mensagens contraditórias, pois os princípios da Economia Solidária, como autogestão e cooperação encontram dificuldades em uma cultura individualista e competitiva, que destaca a heterogestão. Assim, entende-se que a liderança pode existir dentro

de um empreendimento solidário, contudo é extremamente necessário que mantenha um caráter de horizontalidade, igualdade e que a liderança seja distribuída. Veronese (2011) enfatiza que o trabalho coletivo tem como fator relevante a liderança, utilizando no seu desenvolvimento confiança, união, comunicação, estratégias de condução das ações e tomadas de decisões de forma democrática. Foi possível notar a dificuldade de se trabalhar com a Economia Solidária dentro da cultura capitalista, pois vivemos em um ambiente onde prevalece a competição e domínio do poder. Dessa forma esse trabalho reforça a importância da atuação da psicologia para auxiliar na reflexão, discussão, autonomia e empoderamento de grupos que vivenciam e praticam a economia solidária. 6. REFERÊNCIAS - BEATRIZ, Marilene Zazula. Economia Solidária: Os caminhos da autonomia coletiva. Curitiba: Juruá,2012. - COUTINHO, Maria Chalfin; BEIRAS, Adriano; PICININ, Dhiancarlos; LCKMANN, Gabriel Luiz. Novos Caminhos, Cooperações e Solidariedade: A Psicologia em Empreendimentos Solidários. Psicologia & Sociedade; 17 (1): 17-28; jan/abr.2005. - FREITAS, M. F. Q. Psicologia na comunidade, psicologia da comunidade e psicologia (social) comunitária: Práticas da psicologia em comunidades nas décadas de 60 a 90, no Brasil. In: CAMPOS, R. H. F. (Org.). Psicologia social comunitária: Da solidariedade à autonomia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. p. 54-80. - FREITAS, Maria de Fátima Quintal de. Inserção na comunidade e análise de necessidades: reflexões sobre a prática do psicólogo. Psicologia: Reflexão Crítica, Porto Alegre, v.11, n.1, 1998. Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0102-79721998000100011&sc ript=sci_arttext>. Acesso em: 10 mar. 2011. - LEWIN, Kurt. Problemas de dinâmica de grupos. São Paulo: Cultrix, 1978. - MARX, Karl. O capital. São Paulo: Civilização Brasileira, 2011. -PICHON-RIVIÈRE, Enrique. O Processo Grupal. 3ª edição. São Paulo, Martins Fontes, 1988. - ORTH, Glaucia Mayara Niedermeyer. As Representações sociais de direitos humanos do preso para os agentes penitenciários da penitenciária estadual de Ponta Grossa-PR. 2013. 2012f. (Mestrado em Ciências Sociais). Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2013. - ORTH, Glaucia Mayara Niedermeyer. Entre múmias e Zumbis: A sobrevivência simbólica da ditadura no Brasil. - ROIZ, Diogo da Silva. Origem do Capitalismo. Revista Mundos do Trabalho, vol.1, n. 1, 2009. - SCHOLZ, Robinson Henrique. Uma andorinha sozinha não faz verão: relações de solidariedade promotoras da liderança solidária compartilhada. Universidade do Vale Do Rio Dos Sinos Unisinos Área de Ciências Humanas Programa De Pós-Graduação Em Ciências Sociais. São Leopoldo: 2009. - SERAFIM GOMES, M.T. As mudanças no mercado de trabalho e o desemprego em Presidente Prudente/SP - Brasil. Scripta Nova, Revista Electrónica de Geografía y Ciencias

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