RECUPERAÇÃO DE CHUMBO, COBRE E NÍQUEL DE EFLUENTES INDUSTRIAIS UTILIZANDO REATOR DE LEITO PARTICULADO D. R. Schultz, M. J. J. S. Ponte, H. A. Ponte Universidade Federal do Paraná, Departamento de Engenharia Química - Laboratório de Tecnologia Ambiental - LTA, Centro Politécnico, C.P. 19011, Curitiba/PR/BR, CEP 81531-990, mponte@demec.ufpr.br RESUMO: O uso de tecnologias limpas na resolução de problemas de poluição e, mais especificamente, na remoção de metais pesados de efluentes de processos metalúrgicos, leva pesquisadores a analisarem a utilização de reatores de leito particulado, pois é uma tecnologia que não gera resíduos. O objetivo do atual trabalho é avaliar, aplicando a metodologia de Taguchi, o desempenho do sistema utilizando partículas metálicas na deposição em separado dos íons chumbo, cobre e níquel de soluções diluídas, alterando parâmetros do processo como: concentração do íon metálico, densidade de corrente e expansão do leito, com o intuito de estudar o funcionamento do reator, com relação à eficiência do sistema e ao seu consumo energético. As máximas eficiências de corrente obtidas foram de 75,8%, 89,9% e 30,3% para os íons chumbo, cobre e níquel, respectivamente. PALAVRAS-CHAVE: Reator eletroquímico; Eletrodos particulados; Tratamento de efluentes, Metais pesados. 1. INTRODUÇÃO As principais fontes de metais pesados são os dejetos industriais de processos como: galvanoplastia, fotografia, baterias, produção e recuperação de catalisadores, tintas, indústria automotiva e outros procedimentos de extração, produção, tratamento, limpeza ou acabamento de metais. Os efeitos dos metais e seus compostos no ser humano, animais e plantas são muito variados. As principais fontes de exposição do homem aos metais tóxicos são através dos alimentos, água, pele e respiração. Nos dias de hoje, é de fundamental importância o tratamento e/ou recuperação dos metais pesados provenientes dos despejos industrias para minimizar o seu impacto no meio ambiente e, conseqüentemente, à saúde humana, além de questões econômicas. Mesmo efluentes com baixas concentrações de metal formam efluentes tóxicos. Os métodos mais comumente usados para a remoção de íons metálicos incluem: precipitação com hidróxidos, sulfitos ou oxalatos; troca iônica por via química ou eletroquímica; osmose reversa; adsorsão química ou física; estabilização ou solidificação; redução química; remediação bioquímica e mais recentemente, deposição eletroquímica Os métodos clássicos estão se tornando cada vez mais inviáveis devido à grande quantidade de subprodutos a serem recuperados, por apresentarem um alto custo para as indústrias pelo uso de muitos reagentes químicos e a necessidade de estocagem da grande quantidade de lama (passivos ambientais) formada. Portanto, uma opção que vem se tornando cada vez mais viável é o método de recuperação de metais de soluções diluídas utilizando o tratamento eletroquímico, o qual possui as seguintes vantagens: a) obtenção de um produto na sua forma metálica, o qual pode ser reutilizado ou reciclado; b) não é necessária a adição de reagentes extras e a água ou solução tratada pode freqüentemente ser reciclada; c) produção de resíduos sólidos (lama) é minimizada; d) deposição seletiva de um metal em uma mistura pode ser alcançada, em alguns casos, com um controle cuidadoso das condições de deposição ou através da utilização de reatores eletroquímicos em série, cada um adaptado para remover um tipo de íon metálico; e) proporciona deposição de ligas metálicas; f) custos operacionais competitivos; g) uso simples e compacto. [1] Especificamente, os eletrodos de leito particulados ou tridimensionais têm sido considerados promissores devido à sua grande área superficial específica e à alta taxa de transferência de massa obtida, o que torna o sistema atrativo para diversos processos eletroquímicos. [2,3] Entretanto, o processo eletroquímico esbarra em vários desafios tecnológicos incluindo: a) A diminuição da concentração em função do tempo que leva o sistema a apresentar baixa eficiência de corrente; b) A necessidade de um eletrólito suporte que deve ser adicionado quando a concentração do íon é muito baixa; c) A interferência da reação de evolução de hidrogênio e/ou oxigênio tem que ser prevenida ou minimizada; d) A necessidade de
altas vazões que favorecem o aumento da corrente limite, mas também reduzem o tempo de residência, proporcionando pequenas taxas de remoção. [1,4] Existem duas configurações básicas para a operação dos eletrodos tridimensionais. Os fluxos do eletrólito e da corrente podem ser paralelos (flow-through) ou perpendiculares (flow-by), conforme apresentado na Figura 1. Figura 1 - Diferentes configurações entre fluxos de corrente e eletrólito: a) eletrodo de fluxos paralelos; b) eletrodo de fluxos perpendiculares. [5] Em um reator eletroquímico é muito importante estudar o seu desempenho em relação à eficiência de corrente a ao consumo energético, para tanto, foram alterados alguns parâmetros do processo como: concentração do íon metálico, densidade de corrente e expansão do leito. 1.1 Eficiência de Corrente e Consumo Energético A eficiência de corrente de uma reação eletroquímica é definida pela razão entre massa depositada real e massa que seria depositada se toda a corrente aplicada ao sistema fosse utilizada nessa reação, dada pela Lei de Faraday. De acordo com essa definição, se obtêm a Equação 1 [4]. EC = Fzi m 100 M I t i (1) Onde EC é eficiência de corrente (%); z i é o número de elétrons envolvidos na reação eletroquímica; F é a constante de Faraday (96487 A.s.mol -1 ); m é a massa depositada no intervalo de tempo t(g); I é corrente aplicada ao sistema (A); Mi é o peso molecular da espécie i (207,2g.mol -1, 63,54 g.mol -1 e 58,7 g.mol -1 para os íons chumbo, cobre e níquel, respectivamente) e t é o intervalo de tempo em que a corrente foi aplicada ao sistema (s). O consumo energético é dado pela quantidade de energia consumida para depositar uma unidade de massa do metal [6], conforme mostra a Equação 2, onde CE é o consumo energético (kwh.kg -1 ) e V é o potencial na célula (V). 4 2,778.10 VI t CE = (2) m 2. MATERIAIS E MÉTODO 2.1 Material Para o estudo da recuperação dos íons chumbo, cobre e níquel foi projetado uma unidade experimental constituída pelos seguintes itens: escoamento do fluido, fornecimento de energia elétrica e reator eletroquímico, conforme está representado esquematicamente na Figura 2. Para melhor visualização durante os experimentos o reator foi construído em acrílico transparente, com geometria cilíndrica de diâmetro interno de 4,44 cm e altura de 12,5 cm. A configuração utilizada no reator foi a de fluxos de corrente e eletrólito paralelos, conforme mostrado na Figura 1a. A altura do leito particulado fixo é de 2,0 cm. O contato elétrico era obtido por uma chapa de aço, normalmente chamado de
placa alimentadora de corrente, localizado na parte inferior do leito. Para recuperação dos íons chumbo foram utilizadas partículas esféricas de aço carbono com diâmetro médio de 1 mm. Para a recuperação dos íons cobre e níquel foram utilizadas partículas de cobre no formato de cilindros eqüiláteros com as dimensões diâmetro e altura medindo 1 mm. As partículas atuavam como um leito eletronicamente condutor estando em contato direto com o catodo. É na superfície destas partículas que ocorrem as reações eletroquímicas de redução do íon metálico presente na solução, através da diferença de potencial aplicada na célula. Localizado a 2,0 cm do topo das partículas, encontrava-se o outro elemento que fechava o contato elétrico na célula, o anodo, que era uma chapa (cilíndrica) perfurada de aço inoxidável 316 L para o caso da recuperação de chumbo e para a recuperação de cobre e níquel o anodo era uma espiral de chumbo, com dimensões 13,5 x 2,0 cm. Para garantir uma distribuição uniforme do eletrólito no interior do reator, ele passava por uma região de leito empacotado com esferas de vidro (d=1 mm) e altura de 15 mm. Figura 2 - Esquema da unidade experimental utilizada: (1) bomba centrífuga; (2) reservatório plástico; (3) válvula; (4) reator eletroquímico; (5) manômetro em U ; (6) fonte estabilizada; As soluções eletrolíticas utilizadas nos experimentos estão especificadas na Tabela 1. O procedimento experimental utilizado consiste na seguinte seqüência de operações: preparação e armazenamento do eletrólito; preenchimento do leito com as partículas até uma altura de leito prédeterminada; ajuste da fonte de corrente elétrica de modo que a corrente determinada fosse conhecida (valores especificados na Tabela 3); admissão do eletrólito no reator com uma vazão pré-estabelecida; ajuste da fonte de corrente elétrica; acoplamento dos contatos elétricos. Foram realizadas amostragens da solução a cada 20 minutos durante um período de 3 horas. As concentrações das mesmas foram determinadas através de espectrofotometria de absorção atômica. Em todos os experimentos, a vazão foi mantida constante de modo a se obter a expansão do leito pretendida e a temperatura mantida em torno de 25 C. TABELA 1 COMPOSIÇÃO DAS SOLUÇÕES DE TRABALHO SOLUÇÃO CONCENTRAÇÃO INICIAL CONCENTRAÇÃO DOS ÍONS METÁLICOS DE H 3 BO 3 CONCENTRAÇÃO DE NaNO 3 CONCENTRAÇÃO DE H 2 SO 4 1 500 ppm de Pb (II) 0,5 M 0,044 M - 2 750 ppm de Pb (II) 0,5 M 0,040 M - 3 500 ppm de Cu (II) - - 0,4 M 4 750 ppm de Cu (II) - - 0,4 M 5 500 ppm de Ni (II) - - 0,02 M 6 750 ppm de Ni (II) - - 0,02 M 2.2 Metodologia de Taguchi O planejamento experimental utilizado foi a metodologia de Taguchi que usa os modelos fatoriais fracionados e arranjos ortogonais, os quais permitem a redução de observação do experimento obtendo informações relevantes e confiáveis. A metodologia de Taguchi tem como objetivo determinar o quanto significativa é a influência de cada fator sobre o resultado e predizer qual seria a combinação ótima de fatores. Existem duas maneiras de analisar os resultados. A primeira é usar os próprios valores coletados
nos experimentos. Outro, mais usado e introduzido por Taguchi, faz com que os resultado sejam transformados em outra unidade, chamada de razão sinal/ruído. Portanto, o objetivo da análise de Taguchi é determinar os fatores que influenciam significativamente e colocá-los nos níveis que maximizam a razão sinal-ruído (S/N). A fórmula da razão sinal-ruído quanto menor melhor (small the best - STB) está descrita na Equação 3 e a da razão sinal-ruído quanto maior melhor (large the best LTB) está descrita na Equação 4. n 1 2 S / N STB = 10log y i (3) n i= 1 n 1 1 S / N LTB = 10log (4) 2 n i= 1 yi No processo de recuperação dos íons metálicos deste trabalho, tem-se três fatores a serem estudados, então, selecionou-se um arranjo ortogonal padrão L 4 (2 3 ), que permite a realização de 4 experimentos com dois níveis em cada um dos três fatores. A distribuição padrão dos níveis em cada um dos fatores é mostrada na Tabela 2. TABELA 2 ARRANJO ORTOGONAL L 4 (2 3 ) PADRÃO TAGUCHI [7] EXPERIMENTO FATOR A FATOR B FATOR C 1 1 1 1 2 1 2 2 3 2 1 2 4 2 2 1 Os valores selecionados para os níveis 1 e 2 de cada fator estão descritos na Tabela 3. TABELA 3 FATORES E NÍVEIS ESCOLHIDOS ÍON METÁLICO FATORES NÍVEL 1 NÍVEL 2 A- Concentração inicial do íon 500 ppm 750 ppm Chumbo B- Densidade de corrente 0,04 A/cm 2 0,06 A/cm 2 C- Expansão do leito Fixo 10% fluidizado A- Concentração inicial do íon 500 ppm 750 ppm Cobre e Níquel B- Densidade de corrente 0,09 A/cm 2 0,14 A/cm 2 C- Expansão do leito Fixo 10% fluidizado 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Para cada experimento realizado foram calculados eficiência de corrente, através da Equação 1 e consumo energético, através da Equação 2, cujos resultados estão apresentados na Tabela 4. TABELA 4 RESULTADOS OBTIDOS PARA EFICIÊNCIA DE CORRENTE E CONSUMO ENERGÉTICO ÍON METÁLICO EXPERIMENTOS EFICIÊNCIA DE CORRENTE (%) CONSUMO ENERGÉTICO (kwh/kg) 1 27,1 7,26 CHUMBO 2 50,4 5,37 3 75,8 2,23 4 49,1 5,24 1 75,3 1,16 COBRE 2 65,5 1,62 3 89,9 0,96 4 73,9 1,38 1 12,1 62,91 NÍQUEL 2 8,1 147,60 3 30,3 20,93 4 12,1 78,32
Aplicando a metodologia de Taguchi da razão sinal-ruído, obtém-se graficamente a influência de cada fator e a combinação ótima de níveis e fatores (máxima razão sinal/ruído) para a eficiência de corrente (EC) e consumo energético (CE) dos íons chumbo, cobre e níquel. Estes resultados estão apresentados nas Figuras 3 à 8 e resumidos na Tabela 5. 36,0-10,0 35,5-10,5 (eficiência de corrente) 35,0 34,5 34,0 33,5 33,0 32,5 32,0 31,5 (consumo energético) -11,0-11,5-12,0-12,5-13,0-13,5-14,0-14,5-15,0-15,5 31,0-16,0 30,5-16,5 concentração de Pb densidade de corrente expansão do leito concentração de Pb densidade de corrente expansão do leito 38,8 0,0 38,6 38,4-0,5 38,2-1,0 (eficiência de corrente) 38,0 37,8 37,6 37,4 37,2 (consumo energético) -1,5-2,0-2,5-3,0 37,0 36,8-3,5 36,6-4,0 concentração de Cu densidade de corrente expansão do leito concentração de Cu densidade de corrente expansão do leito Figura 3 para EC do íon Pb Figura 5 para EC do íon Cu Figura 4 para CE do íon Pb Figura 6 para CE do íon Cu 25,5-31 25,0-32 (eficiência de corrente) 24,5 24,0 23,5 23,0 22,5 22,0 21,5 21,0 20,5 20,0 (consumo energético) -33-34 -35-36 -37-38 -39-40 19,5-41 19,0 concentração de Ni densidade de corrente expansão do leito -42 concentração de Ni densidade de corrente expansão do leito Figura 7 para EC do íon Ni Figura 8 para CE do íon Ni
TABELA 5 NÍVEIS DOS FATORES QUE MAXIMIZAM A EFICIÊNCIA DE CORRENTE E MINIMIZAM O CONSUMO ENERGÉTICO PARA CADA ÍON RESPOSTAS FATORES NÍVEL (íon Pb) NÍVEL (íon Cu) NÍVEL (íon Ni) A - Concentração do íon 2 2 2 EFICIÊNCIA DE CORRENTE B - Densidade de corrente 2 1 1 C - Expansão do leito 2 2 2 A - Concentração do íon 2 2 2 CONSUMO ENERGÉTICO B - Densidade de corrente 1 1 1 C - Expansão do leito 2 2 2 4. CONCLUSÃO Portanto, o experimento ótimo para se obter a máxima eficiência de correntes e, conseqüentemente, o menor consumo energético para o reator estudado é utilizando o nível 2 para o fator concentração inicial do íon, isto é, 750 ppm, nível 1 para o fator densidade de corrente, cujos valores são de 0,04 A/cm2 para o íon chumbo e 0,09 A/cm 2 para os íons cobre e níquel, e nível 2 para o fator expansão do leito, o qual representa 10% de fluidização no leito. Cabe ressaltar que, conforme mostra a Tabela 5, o nível 2 para o fator densidade de corrente produz a maior eficiência de corrente no processo de recuperação do chumbo. Porém, nas condições estudadas, a densidade de corrente exerce menor influência, uma vez que ocorre uma pequena variação na eficiência de corrente quando da mudança de nível para este fator, conforme visto na Figura 3. Apesar do nível 2 ser o mais indicado para o fator densidade de corrente, o nível 1 também pode ser escolhido, uma vez que este fator não exerce muita influência sobre a eficiência de corrente e além disso, escolhendo o nível 1, que é um nível inferior e portanto de menor densidade de corrente, o consumo energético diminui. 5. REFERÊNCIAS 1. K, Rajeshwar,. J. G. Ibañez. Environmental electrochemistry. Acad. Press, Londres, 1997. 2. J. A. E. Wilkinson. Eletrolytic recovery of metals values using the fluidized electrodes. Trans. Inst. Metal Finishing 49 (1971) 16. 3. F. Sarfarazi, J. Ghoroghchian. Electrochemical copper removal fram dilute solutions by packed bed electrodes, Microchemical Journal 50 (1994) 33-43. 4. M. J. J. S. Ponte. Estudo da remoção do íon cobre de solução aquosa diluída em eletrodos de leito particulado. São Carlos, 1998. 216 f. Tese. Universidade Federal de São Carlos. 5. D. Pletcher, F. C. Walsh. Industrial electrochemistry. 2ª ed. Chapman & Hall, Londres, 1990. 6. A. P. Silva. Eletrodeposição de cobre em eletrodo de leito fluidizado. São Carlos, 1996. 114f. Dissertação. Universidade Federal de São Carlos. 7. M. S. Phadke. Quality engineering using robust design. Prentice hall, New Jersey, 1989.